Stayin' Alive escrita por Bhabie


Capítulo 1
Parte I, II e III


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente quero me desculpar porque para eu ter postado isso há mais de um mês, mas por problemas pessoais não foi possível terminar a tempo para o desafio.

Segundo: Era para ser uma ONE-SHOT, mas descobri só agora que o Nyah não aceita texto mais de 29k de palavras, por isso tive que separar

Quero dedicar essa One a uma pessoinha muito especial: A Cami, minha beta linda que aguentou meus surtos e milhares de mensagens durante meses. Obrigada amiga por me dar ideias incríveis, incluindo a música principal da One. Você me ajudou em tudinho e eu estou orgulhosa de nós!

Também quero agradecer a outras duas pessoas especiais: Fe e Lari, vocês me aguentam falar de fanfic o dia todo e muitas das vezes que eu estava escrevendo eu imaginava como seria a reação de vocês nas cenas e isso foi uma das coisas que me deu ânimo para continuar porque eu pensei em desistir dela muitas vezes.

AVISO: Número acima de palavras são frases ou palavras estrangeiras que contém tradução ao fim de cada parte; asteriscos são referências que serão explicadas ao fim da One, nas notas finais para não atrapalharem no desenvolvimento.

Quero me desculpar por possíveis traduções erradas, eu não sou fluente em espanhol e por isso utilizei de meu melhor amigo Google Tradutor e algumas eu peguei em sites de gírias usadas na Venezuela.



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PARTE I

— Merda.

Joguei a conta de luz por cima da conta de água e suspirei frustrado. Esse mês estava complicado.

LUZ – 50 euros

ÁGUA – 30 euros

COMIDA DO MÊS – 110 euros

Anotei os gastos que teria no mês de Janeiro em um pequeno caderno onde controlava o dinheiro que ganhava – como se fosse muito.

A soma de tudo dava 190 euros. Soltei o lápis em cima da mesa e pressionei minhas têmporas.

190 euros e ainda não havia contado o aluguel, as passagens de ônibus, os remédio de minha mãe e nossos produtos de higiene. E eu não teria dinheiro o suficiente nem para metade dessas coisas.

Levantei-me arrastando a cadeira, deixando a bagunça de papéis sobre a pequena mesa bamba de madeira e me joguei no sofá surrado de dois lugares, afundando, assim como afundava mais em minha vida nesse momento.

— O dinheiro não vai dar, não é? – Só então notei que minha mãe acompanhava cada movimento meu com atenção, sem se mover muito em sua cadeira de rodas posicionada na frente da velha televisão.

— Achei que estivesse tirando um cochilo.

— Bom, eu estava, mas foi difícil continuar com você resmungando e arrastando os móveis.

— Desculpe.

Eu sabia o que viria: O grande sermão sobre não precisarmos gastar com “bobagens”, e com “bobagens”, ela queria dizer sobre seus medicamentos. Era por isso que eu sempre fazia essas merdas quando ela estava dormindo, assim não poderia reclamar.

— Edward...- Ela começou, mas a parei.

— Não mãe, eu sei o que vai dizer. Eu só...não quero discutir sobre seus remédios de novo, por favor, já estou com dor de cabeça o bastante.

Ela assentiu lentamente e voltamos nossa atenção para a televisão, onde as imagens de algum programa idiota sobre celebridades dançavam pela tela devido à interferência.

Não consegui assistir àquela baboseira por mais de dois minutos e por conta do tédio, minha mente desgraçada reviveu o momento em que fui demitido no dia anterior.

Não que isso fosse novidade para mim, eu já tive mais empregos do que me lembro, mas essa demissão havia sido humilhante. Basicamente uma cliente do mercadinho onde eu trabalhava de estoquista reclamou com meu gerente que eu a desrespeitei e a mandei me ajudar com meu trabalho. É claro que meu gerente não gostou muito e me despediu, mesmo que eu tenha dito que na verdade, a moça foi até mim, que estava ajoelhado repondo as maioneses, dizendo que não queria mais o molho de tomate que segurava, então eu disse à ela “A prateleira de molhos de tomate fica nos fundos”, lhe dando a direção para que ela colocasse o produto de volta. Eu deveria ter previsto a birra que a madame faria.

Era um emprego temporário, desses que surgem todo fim de ano quando a demanda das lojas crescem consideravelmente; mas meu contrato iria até fevereiro, não contava com o imprevisto de ser despedido logo na segunda semana de janeiro, normalmente antes desses contratos acabarem, eu já tinha tudo planejado para o próximo serviço.

Serviços esses que sempre se baseavam em trabalhos braçais, ou vagas mal remuneradas e com uma grande carga horária, eram os que aceitavam mais rápido, principalmente pessoas sem o ensino superior. Eu não via problema em trabalhar muito contanto que no fim do mês eu pudesse pagar todas as nossas dívidas.

Mas minha mãe odiava isso, cada emprego temporário, cada vez que eu era despedido ou que meu contrato acabava e eu tinha que ir arranjar outro correndo; e eu a entendia.

Sabia que para Elizabeth Masen, ver o filho de vinte e oito anos sem um emprego fixo, um diploma de faculdade ou vivendo sua própria vida era algo triste, mas eu nunca poderia deixá-la só.

Minha mãe era meu maior exemplo de vida, era por quem eu vivia, trabalhava e voltava para casa todos os dias, – mesmo ela puxando minha orelha dizendo que minha própria vida deveria vir sempre em primeiro lugar – sempre foi assim, desde que nossa família se tornou apenas eu e ela, logo após meu pai nos deixar e ir construir outra família como se nunca tivéssemos existido. Todo esse meu sentimento de dever se tornou ainda mais intenso depois do AVC que minha mãe teve há cinco anos.

Essa coisa maldita paralisou todo seu lado esquerdo e a impossibilitou de voltar a trabalhar, já que as dificuldades motoras e de fala eram grandes, fazendo com que o uso da cadeira de rodas se tornasse indispensável para ela.

Desde então, era eu quem cuidava dela, a banhava, a colocava para dormir, a trocava, e levava ao banheiro, cozinhava, limpava a casa e nos sustentava. Quase perdi minha mãe, então nunca reclamei das tarefas e nem tinha motivos para reclamar, afinal, a vida dela era o que mais importava; e agora eu estava desempregado de novo, tinha de resolver isso logo ou os remédios de hipertensão e antidepressivos faltariam.

— Eddie, pode me levar para cama? – Minha mãe me despertou dos pensamentos amargurados com meu apelido de infância e me apressei em empurrar sua cadeira pelo estreito flat até chegar sem eu quarto, onde a ajudei a levantar e a coloquei na cama.

— Boa noite mãe – Beijei sua testa e ela sorriu.

— Boa noite filho – Ela beijou minha bochecha e me afastei desligando a luz e fechando a porta do quarto.

Voltei à mesa. Para as contas.

As afastei e debaixo de todas elas, encontrei o jornal desta manhã, onde comecei a procura por anúncios de emprego.

Já havia circulado cinco em potencial quando meu celular vibrou anunciando uma mensagem de Jasper.

Jasper: Ei cara, amanhã tem o jogo, vamos sair para beber uma e assistir?

Edward: Não vai rolar, fui despedido ontem. Dinheiro contado.

Jasper: Droga. O que aconteceu?

Edward: Mulher rica. Resposta não esperada. Ignorância. Reclamação com o gerente.

Jasper: Que droga, odeio essas madames estúpidas.

Edward: Eu também.

Jasper: Então já que o bar não vai rolar, eu levo o bar até você. Até amanhã campeão.

Dei um sorriso por Jasper se convidar para vir até minha casa. Em todos nossos oito anos de amizade, sempre havia sido assim.

Bocejei e conferi o relógio. Três e meia da manhã, continuaria com a busca por serviços amanhã.

Fui até o colchão que ficava encostado na parede na vertical, entre a sala e a cozinha que não possuíam uma separação, e o joguei no chão da sala, na frente da televisão. Meu quarto estava pronto. Só faltava ajeitar minha vida.

 

Jasper chegou às sete da noite do domingo, trazendo duas garrafas de cerveja e adentrando minha casa já tirando o tênis e praticamente se jogando no sofá depois de dar um beijo na bochecha de minha mãe.

— Esse jogo vai ser incrível – Ele sorria enquanto abria a cerveja com a ajuda de sua camiseta – Servida, tia Beth?

— Cara! – Lhe dei uma cotovelada – Os remédios, esqueceu?

— Ui, verdade. Foi mal tia Beth, esqueci que a senhora não pode tomar álcool.

Minha mãe apenas lhe deu um sorriso, levantando os lábios apenas de seu lado direito do rosto, como podia. Ela era encantada por Jasper e quase suspirava toda vez que ele lhe lançava um sorriso ou uma piscadela; na verdade, com praticamente todas as mulheres era assim. Jasper tinha um cavanhaque que dava mais destaque ao seu bigode e pele parda; eu notava apenas essas características dele, mas todas as pessoas ao meu redor que se sentiam atraídas por ele encontravam outras centenas de traços: Covinhas no sorriso e no queixo, cabelo castanho claro e um sotaque sexy que se deu por viver até os vinte e um anos em seu país de origem, Venezuela, mas que eu sabia que se tornava mais forçado quando ele conversava com alguém que estivesse interessado.

Eu particularmente achava tudo isso uma merda e apenas revirava os olhos quando ele usava de seu “charme” com alguma inocente que caía de primeira em sua conversa fiada sobre viver na América do Sul e supostamente fugir às pressas de seu país em conflito. Jasper era, visualmente e socialmente, o esteriótipo de homem latino, mas eu sabia que meu melhor amigo apenas se fantasiava desse personagem para não mais ter que ouvir de como ele era diferente do que esperavam. Eu não ligava para essa merda, ele era a única puta pessoa que eu poderia confiar, fora minha mãe.

— Então, já tem algum trabalho em mente? – Jasper perguntou casualmente, bebericando sua bebida sem desviar os olhos do jogo.

— Vi alguns no jornal de ontem e hoje mais cedo eu passei em frente de uma padaria que precisa de funcionário.

— Hum – Foi tudo o que Jasper disse.

O jogo estava um tédio, o contrário do que achávamos que estaria e para ajudar ainda tinha a imagem granulada e sem nenhuma qualidade de minha televisão.

— Sabe – Meu melhor amigo começou – O Emmett disse que estão contratando no estúdio de dança onde trabalha.

— Seu cunhado?

— É, sabe, ele é dançarino profissional.

— Está procurando emprego para mim? – Perguntei desconfiado.

— Claro que não! Apenas foi uma simples coincidência eu o chamar...e ele me contar sobre a vaga...e eu já ter te indicado – Ele entornou a garrafa e bebeu todo o conteúdo antes de se virar para mim com um sorriso amarelo.

— Jasper...

— Olha, eu sei que vai dizer que não precisa da ajuda de ninguém e acredite cara, eu sei disso. Dessa vez eu só adiantei um possível trabalho para você, deixa de ser orgulhoso, é só ir fazer a entrevista amanhã.

Bufei.

— Ta, eu vou, mas antes eu vou passar em todos os outros lugares que já tinha encontrado.

Jasper deu de ombros.

— Se prefere assim... mas tenho certeza que Emmett irá te pagar mais do que a vaga de manobrista ou garçom.

— Afinal, a vaga é para quê?

— Faxineiro, porém é no período da noite, quando o Emm dá as aulas dele, de manhã é outra equipe. Emmett me disse que pegaram o antigo faxineiro velhote assediando umas alunas.

Franzi meu rosto.

— Nojento.

— Nem me fale – Jasper concordou – És un travieso1.

O jogo terminou sem muitas emoções ou outras conversas.

Acompanhei Jasper até a porta, mas antes que ele pudesse se despedir, colocou uma nota de cinqüenta euros em minha mão.

— Não cara, eu não preciso disso – Tentei devolver a nota, mas ele se recusou a pegar de volta.

— Eu sei da situação financeira de vocês, estás limpio2, não vou deixar que fiquem assim quando estou em uma situação melhor. Eu posso ajudar, então irei ajudar, mesmo que seja com pouco.

Balancei minha cabeça negando.

— Não preciso disso, não sou nenhum necessitado.

Jasper revirou os olhos.

— Eu sei que não, cabeção.

— Então pare de me dar dinheiro sem eu ter pedido, isso é constrangedor para mim.

— Meu Deus, você é muito chato. Então vamos fazer assim: Esse dinheiro vai unicamente para os remédios da dona Elizabeth e quando conseguir um emprego, você pode me devolver. Combinado?

Grunhi contrariado. Ele era um bom vendedor.

— Ta bom cara, eu fico te devendo essa, obrigado.

Jasper sorriu e se despediu de minha mãe com um grito dizendo que dali uns dias estaria de volta para encher a nossa paciência e depois de mim com tapinhas nas costas me desejando boa sorte para as entrevistas do dia seguinte. Eu realmente sentia que iria precisar.

 

Acordei quatro e meia da manhã, coloquei minha melhor roupa e me arrumei como podia sob a fraca luz do banheiro, conferindo minha aparência a cada segundo no espelho manchado pelo uso.

Coloquei minha pasta de currículos debaixo do braço e saí de casa sem tomar café, de tanta ansiedade, deixando minha mãe dormindo.

No primeiro lugar que fui já haviam contratado; no segundo, disseram que entrariam em contato em até sete dias, eu não tinha tempo para isso; o terceiro exigia competências que eu não possuía; no quarto eu teria que trabalhar por doze horas e não poderia deixar minha mãe tantas horas sozinha; e finalmente, no quinto eu consegui uma entrevista de emprego formal.

Era para um escritório de advocacia onde eu poderia trabalhar como recepcionista. Era o mais sério e formal entre todos os lugares selecionados por mim e eu sentia uma aguda dor de barriga a cada pergunta feita. Era raro eu procurar por trabalhos assim justamente por querer uma rápida resposta, por isso optava por serviços mais informais onde eu não precisaria ficar com frescuras; mas o salário desse era alto e não era obrigatório um ensino superior. Era perfeito.

— Obrigado senhor – Apertei a mão do senhor que me entrevistava e ele sorriu para mim. Eu estava confiante.

Ao sair do lugar, tateei meus bolsos a procura de meu celular e não encontrei.

— Merda – Grunhi já voltando para a recepção.

— Jessica, jogue esses fora, não há nada aqui que eu vá precisar – O Senhor Newton, meu entrevistador, saiu de sua sala colocando um bolo de papéis sobre a mesa de sua secretária – Ah, e isso foi esquecido na cadeira da minha sala, é de um dos entrevistados.

Ele colocou meu celular sobre o topo da pilha e voltou para sua sala sem ter me visto.

— Pois não? – A secretária, Jessica, perguntou para mim.

— Eu esqueci meu celular aqui, é este que está aí em cima – Apontei para o aparelho e me aproximei para tirá-lo de cima da pilha. A primeira coisa que vi foi meu currículo no topo, pronto para ser jogado no lixo.

Travei meu maxilar, mas mantive a calma por fora.

— Muito obrigado – Agradeci Jessica que apenas encarava o computador a sua frente. Ela não me respondeu mais.

Me virei para sair daquele lugar e a última coisa que ouvi foi o barulho de uma lixeira sendo aberta e vários papéis serem jogados nela.

Já na rua, respirei fundo para controlar a frustração.

Tudo bem, pelo menos tentamos”, uma parte minha dizia.

“Sabia que não iríamos conseguir, por isso esses trabalhos não são para nós! Vamos continuar com o que estamos acostumados!”, minha outra parte gritava.

Eu já estava exausto pelo dia fora de casa, mas ainda restava uma última opção.

Meio contrariado, segui para o endereço que Jasper havia me passado.

O estúdio de dança não era algo grande e chique como eu esperava. O galpão se erguia em uma das ruas do centro com certa timidez. O lugar não chamava a atenção e sabia que nunca o teria notado se não fosse pelo número indicando ser o lugar que eu procurava.

Por dentro, o local possuía várias divisórias de drywall para separar as salas que poderiam ser vistas por inteiro graças à grande porta de vidro. Todas elas eram equipadas com grandes espelhos e barras.

— Boa tarde, o Senhor Emmett está? – Perguntei para um adolescente espinhoso que se alongava antes de entrar em uma sala.

Antes que ele pudesse responder, uma estrondosa voz o fez.

Senhor Emmett? Francamente, estou ficando velho! – O dono da voz vinha em minha direção a longas passadas. Sua respiração pesada e o suor em sua testa que deixava sua ele negra lustrosa denunciando que provavelmente ele tinha acabado de dar uma aula pesada, ou de correr por três horas seguidas. Não conseguia imaginar o que era pior.

— Emmett McCarty, mas é claro que aquele chato do Jasper deve passar o dia falando mal de mim para você.

Soltei uma risada pelo nariz enquanto apertava sua mão.

— Sim, ele quase chora sempre que lembra que você roubou a irmãzinha dele para sempre.

— Eu imaginava. Bom, está aqui para a vaga de faxineiro, não é?

— Sim, Jasper me contou sobre a vaga, mas irei entender se não quiser me contratar já que quem me indicou foi seu cunhado e...

— Ei ei ei, calma aí. Não tem problema nenhum nisso, e eu confio em Jasper, vocês são amigos há anos. Eu só preciso saber de algumas coisas. Preparado para a entrevista?

— Aqui no meio do hall?

— Aqui é onde a mágica acontece, cara – Emmett abriu os braços para indicar todo o galpão. Eu não poderia discordar do meu talvez-futuro chefe, então apenas assenti calado – Bom, primeiramente: Alergia a produtos de limpeza?

— Não.

— Mora muito longe?

— Um pouco, mas não é problema.

— Encara seis horas de trabalho, das cinco da tarde até onze da noite?

— Com certeza.

— Possui alguma passagem pela polícia ou tem tara por adolescentes?

— O quê? Não!

Emmett soltou o ar parecendo aliviado.

— Ótimo, esse era o principal. O faxineiro anterior era um velhote tarado.

— Eu fiquei sabendo.

— Então está tudo certo, vem que irei te mostrar onde fica tudo.

Ele saiu andando e me deixou para trás, atônito.

— Espera aí, eu estou contratado? – Corri atrás de Emmett com dificuldade.

— Claro. Bom, na verdade eu ainda preciso pegar seus dados e saber se disse a verdade sobre não possuir passagens pela policia, mas eu tenho certeza que não encontrarei nada então já vamos adiantar isso aqui.

O quê? Porra!

— O quê? Porra! – Não aguentei e coloquei meu pensamento para fora.

— Aí, eu não quero cortar tua onda não, mas eu não sou muito chegado a palavrões. Não é nada pessoal, é que eu fui criado assim – Meu agora chefe me alertou.

— Ah, desculpe.

Droga, nem primeiro minuto empregado e já cometi um erro.

Mas olhando Emmett de fora, todos pensariam que ele é uma máquina de palavrões e piadas maliciosas apenas por sua aura descontraída.

Ok, isso me pegou muito de surpresa, mas de repente me lembrei de uma ocasião há um ano. Na semana antes de Emmett e Rosalie se casarem, Jasper estava muito puto por Emmett não deixá-lo colocar um “Te amo pra caralho, irmã” no discurso que faria para parabenizar os noivos.

“Ele me disse para eu trocar o caralho por ‘carambolas’! ‘Te amo para carambolas, irmã’, quem diz isso!? Apenas o ‘molesto’3 do noivo da minha irmã!”, Jasper me contou exasperado.

Na época eu apenas ri, mas agora, diante da dura do meu chefe, eu fiquei sem graça.

Emmett me mostrou onde tudo ficava, os produtos, equipamentos, meu macacão, meu carrinho, os horários de limpeza de cada lugar e ficamos conversados sobre eu começar no dia seguinte e sobre o adiantamento de metade do salário que eu precisava urgentemente.

Naquele dia, ao chegar em casa, eu levantei minha mãe da cadeira de rodas e dançamos sua música favorita.

És um travesio1: É um safado | Estás limpio2: Está limpo; sem dinheiro | Molesto3: Chato

 

PARTE II

O meu primeiro dia de trabalho estava sendo ótimo. Claro que ele só havia realmente começado há vinte minutos, mas isso era o de menos.

Enquanto os alunos estavam nas aulas, eu lavava os banheiros, assoviando contente por oficialmente ter um emprego e por as pessoas que frequentavam esse estúdio não serem porcas. Eu já tive que lavar muitos banheiros na vida, eu sei do que estou dizendo.

Passei o dia – quer dizer, a noite, já que eu entrava cinco da tarde – limpando, cantando músicas mentalmente para me distrair e revivendo o dia anterior, quando contei para minha mãe sobre o emprego.

Dona Elizabeth ficou deslumbrante e disse que já sabia que eu conseguiria - coisa de mãe. O êxtase era tanto que fizemos uma coisa que não fazíamos há muito tempo: Nos divertimos.

Revirei a caixa de bugigangas antigas que ficava empoeirada sobre o guarda roupas e encontrei a fita cassete com a nossa música especial.

Antes de minha mãe sofrer o AVC, dançávamos ela todos os dias, inventando passos e cantando juntos à pleno pulmão. Quando ela acabava, colocávamos novamente, até cairmos exaustos e sorridentes no sofá.

Naquela época tudo era mais fácil, eu estava começando minha faculdade de gastronomia e trabalhava meio período, minha mãe tinha um bom emprego numa empresa de telemarketing chamada TelleCullen’s 1, onde o dono não pensou duas vezes antes de despedi-la depois do acidente. Eu era uma pessoa diferente, eu de fato sentia as coisas e tinha sonhos próprios.

Elizabeth me levantava no colo e me girava pela sala, hoje, era eu quem a carregava colocando seus pés sobre os meus e comandando os movimentos.

No fim, esperei pelo sermão sobre eu voltar para a faculdade para conseguir melhores empregos, a mesma coisa de sempre – mas ele não veio.

— Eu sei que faz isso por nós, filho, eu tenho muito orgulho do homem que se tornou. Eu sei que você espera meu sermão de sempre, mas sei que já entendeu, e eu também entendi: Tudo tem seu tempo. Minha intuição de super-mãe diz que isso irá te fazer bem e se está feliz assim, eu também estou.

Sorri com a lembrança dessa fala e fui desperto pelo barulho das portas das salas abrindo, indicando que era hora dos alunos irem embora. Eu ainda ficaria para limpar todas as salas, então me apressei em ir pegar meu carrinho que ficava no vestiário.

— E aí cara, como está sendo o primeiro dia? – Emmett me perguntou enquanto pegava sua mochila no armário.

— Ótimo. Obrigado pela oportunidade.

— Não tem que me agradecer, eu sinto quando aqui é o lugar das pessoas – Ele me deu dois tapinhas no ombro, fechou seu armário e se dirigiu a saída sem olhar para trás – Até amanhã!

— Até amanhã! – Gritei, mas ele já tinha ido embora.

“Quando aqui é o lugar das pessoas”? Mas que merda, o que ele tentou dizer com isso? Ele pensa que é quem para dizer essas coisas sem sentido e desaparecer? O Yoda? O Mestre dos Magos?

Ótimo, agora eu pensaria sobre isso o resto da noite.

Bufando, segui para o corredor das salas já totalmente vazio.

Pelo menos eu teria sossego para terminar meu trabalho, sem ninguém para passar por cima do chão que acabei de passar pano ou chutar o lixo recém varrido e...mas que porra é essa?

Estanquei ao ouvir um choramingo da última sala do corredor.

Puta merda, não.

Não, não pode ser.

Essa merda é assombrada, eu sabia! A esmola estava de mais, eu deveria ter desconfiado desde o início! Porra, eu iria matar o Jasper.

Estava decidido a tentar ignorar o espírito da provável bailarina assassinada e limpar as salas da frente primeiro, mas eu sabia que uma hora ou outra eu teria de ir até lá, não poderia dizer a Emmett que deixei de fazer meu trabalho por medo de um espírito.

 Então eu empurrei meu carrinho corredor à diante, o galpão sendo preenchido pelo choro esganiçado e pelo barulho que a roda ruim fazia. Eu enfrentaria isso como um homem, mesmo estando com medo e percebendo que repentinamente o corretor se tornara mais profundo e escuro.

Parei o carrinho, colando meu rosto na porta de vidro e encontrando uma garota sentada no canto da sala com o rosto entre os joelhos e o cabelo espalhado ao seu redor.

Merda, era a bailarina assassinada.

Arrastei a porta a abrindo silenciosamente e peguei uma vassoura para usar como arma caso necessário.

Sorrateiramente, me aproximei do espírito e o cutuquei com o cabo da vassoura.

Ela ergueu o rosto de seus joelhos e me encarou com os olhos cheios de lágrimas e rosto vermelho.

— Oi – Ela fungou.

Um espírito não diria “oi”, então relaxei minha posição de ataque – que estava mais para posição de fuga –, recolhendo para mim a vassoura que ainda pairava entre nós.

— Oi.

Ainda estava apreensivo, mas agora era pelo motivo do choro da garota plenamente humana.

Ela limpou o rosto com a manga do moletom que usava e limpou a garganta.

— Eu sei que pareço uma idiota chorando aqui sozinha, mas eu realmente não tenho mais onde fazer isso. Eu tentei chorar na cabine do banheiro, mas lá é muito pequeno sabe, eu prefiro chorar aqui porque pelo menos sofro com mais conforto. Eu sei que é bem teatral, mas eu faço artes cênicas então combina comigo.

— Hum – Essa foi a única resposta que pensei enquanto e garota tomava ar para continuar.

— Sabe, eu fico feliz de não ser aquele faxineiro antigo, eu provavelmente correria se fosse ele. Você é novo aqui né? Qual é seu nome? – Abri a boca para responder, mas ela prosseguiu – Meu nome é Bel. Quer dizer, meu nome artístico é Bel, meu nome inteiro é Isabella, mas é nome de gente velha, então prefiro Bel porque é mais despojado e combina melhor comigo. Meus pais iam colocar Marie, em homenagem a minha avó paterna, mas aí seria mais antiquado ainda e também muito popular. Já imaginou alguma artista chamada Marie? Totalmente sem graça. Tem Marylin, que é parecido e tem mais presença, mas é claro que logo pensamos na Marylin Monroe. Tipo, eu não iria querer ter o mesmo nome de uma diva mundial! Ok, poderia ser uma homenagem, mas eu quero construir meu nome, eu quero-

— Você quer sair? – A cortei.

A garota esquisita me olhou com os olhos arregalados.

— Sair? Com você? Olha, a gente mal se conhece, mas eu gostaria de-

— Sair da sala. Eu preciso limpá-la.

— Ah.

Meio atônita, ela se levantou, mas em vez de ir embora para sempre, atravessou a porta de vidro e se sentou no chão do corredor com as pernas cruzadas, seus grandes olhos curiosos não saindo de mim.

Me movi desconfortável com a atenção que recebia e me comprometi a ignorá-la, indo até o carrinho parado ao lado dela e pegando tudo o que precisava para limpar a sala.

Eu sentia seu olhar sob mim, mas me concentrei no trabalho, o que foi um desafio para meus olhos que teimosamente iam até ela de esguelha a cada mínimo movimento feito.

Limpei os espelhos, passei pano nas barras e estava terminando de varrer a sala; ainda tenso por sua presença, mas mais tranquilo por a estranha estar quieta.

— Quer saber porque eu estava chorando?

Droga, relaxei cedo demais.

— Não.

Ela suspirou e pensei que ia desistir, mas tirou um papel amarrotado do bolso de seu moletom, o desdobrou e mostrou para mim.

Havia as palavras "dança" e "inscrições" em neon. Foram as únicas que consegui decifrar pela distância, não arriscaria chegar perto da maluca tagarela.

Apenas levantei uma sobrancelha e voltei a varrer.

— É o concurso trimestral de dança que tem aqui. Eu queria muito participar, já tinha ideias para a coreografia e sabia qual seria a música e até ideias para maquiagem e cabelo eu já tinha salvo no pinterest! - Ela choramingou um pouco - Mas esse é o cartaz da categoria individual e eu perdi o prazo de inscrição. Por isso o choro. Argh! Eu fui muito burra!

Eu deveria responder algo? Porque não sabia o que dizer e também não queria ter que dizer algo.

Me limitei aos meus sons monossilábicos.

— Hum.

— Eu sei que você deve estar pensando: “Poxa, porque não dança com alguém?” – Ela engrossou a voz tentando imitar a minha – Aí eu te respondo: Ninguém quer dançar comigo! Assim, não que não queiram, mas as pessoas não gostam muito do meu jeito e não ficam do meu lado por mais de dois minutos. Sim, dois minutos, eu contei! Olha, para você ter uma noção, essa é minha conversa mais longa que já tive com alguém aqui! Antes de você, era só o Professor Emmett que tentava falar comigo.

— Emmett é um cara legal – Concordei sem pensar.

— Sim! Caramba, você fala! Pode fazer de novo!?

— Não.

— Você falou!

— Foi apenas uma palavra.

— Agora disse quatro!

Gemi parando de varrer e a encarei.

— Você não tem casa não menina?

A garota encolheu os ombros, parecendo demonstrar vergonha pela primeira vez.

— Emmett me deixa ficar aqui até mais tarde para treinar tanto para a minha faculdade de artes cênicas quanto os passos das aulas. Meus pais não acham que essas coisas vão me levar a algum lugar, então não gosto de ficar perto deles quando me desencorajam.

"Não sinta pena, não sinta pena, não sinta pena", eu repetia em minha mente.

— Hum.

— Ei, eu gostei do seu macacão azul, é estiloso - Ela apontou para o meu uniforme.

— Valeu.

Graças a Deus, ela permaneceu em silêncio, apenas batendo as pernas que estavam na posição de índio e torcendo os dedos das mãos sem parar.

Terminei a sala e segui para a seguinte. Ela me seguiu.

— Você quer ajuda para limpar? Sabe, eu posso grudar um pano em meus tênis e dançar por toda a sala. Eu posso te mostrar um passo que aprendi hoje. Quer ver?

— Não, obrigado.

— É basicamente...

Ela me ignorou e fez um estranho movimento com os pés que me deixou perdido e surpreso, mas não demonstrei.

— Uau - Disse sem entusiasmo na voz.

— Eu sei! É muito legal!

— Uhum.

E assim foi por todas as salas. Eu limpando, ela tagarelando, eu respondendo esporadicamente, ela me contanto mais e mais coisas desnecessárias.

Quando acabei tudo, olhei para o teto discretamente e agradeci aos céus.

— Olha só que pena, eu acabei tudo. Você vai ter que ir embora - Interrompi a história dela sobre quando a colega de sala dela vomitou no meio do palco. Como ela chegou até esse assunto, eu não sei.

A garota baixou o olhar e suspirou.

— Ah, ok.

Ela se levantou do chão batendo sua roupa e mordeu os lábios, colocando seus dedos contorcionistas em seu bolso único do moletom.

Ela me seguiu até o hall ainda de cabeça baixa, seu cabelo castanho com pontas coloridas desbotadas abraçando seu rosto.

Destranquei a porta principal com minha chave reserva.

— Bom, a porta já está destrancada para você. Eu vou me trocar e guardar as coisas. Pode ir indo.

A deixei no hall e segui para o vestiário, colocando minhas roupas casuais. Um jeans três vezes maior do que meu número ideal e uma camiseta cinza amassada.

Assim que voltei para o hall, fiquei surpreso em encontrar a esquisita parada olhando perdida para o chão de taco enquanto movia rapidamente seus dedos.

— Não vai para casa?

— Eu...eu pensei que nós poderíamos ir juntos até algum ponto. Está bem tarde.

Ela tinha razão, eu não poderia deixá-la andando sozinha neste horário, Dublin estava se tornando uma cidade perigosa.

Bufei.

— Está bem. Onde você mora?

— A umas três quadras daqui. Sei que é perto, mas prefiro uma companhia.

— Ok, vamos lá.

Ela finalmente levantou o rosto e na luz forte do hall finalmente pude enxergá-la melhor.

Seus olhos castanhos brilhavam e um sorriso aberto tomou seus lábios, ela parecia ser mais nova do que provavelmente era e sua pele banca contrastava com o roxo das pontas de seu cabelo que combinava perfeitamente com seu moletom violeta e legging branca.

Ela era bonita, mas a olhando assim, sorridente depois de eu apenas dizer que a levaria até em casa, o primeiro pensamento que me veio foi que ela era fofa.

Tranquei o galpão e fomos andando lado a lado até a casa dela, apesar de ela estar me guiando.

O silêncio, é claro, não durou muito.

— Deveria usar roupas mais coloridas. Sabe, para dar uma vida ao seu visual.

— Estou ótimo assim.

— Por que usa jeans tão largos? Estou quase vendo sua bunda de tanto que sua calça escorrega!

— Então pare de olhar.

— Não estava olhando sua bunda! Quer dizer, só foi difícil não olhar quando sua cueca estava à mostra.

— Tudo bem.

— Tudo bem eu olhar sua bunda?

— “Tudo bem” de: Assunto encerrado, chega de falar da minha bunda.

— Concordo plenamente, isso foi estranho.

Não havíamos nem completado uma quadra quando ela voltou a falar.

— O que mais gosta de fazer? – Dessa vez ela me surpreendeu ao me direcionar uma pergunta e de fato esperar por minha resposta.

— Hãn...eu...gosto de ficar com a minha mãe.

Ela virou o rosto todo para mim e levantou uma bonita sobrancelha.

— Só? Quer dizer, é fofo e tudo mais, mas...Você sabe, eu to falando de interesses, hobbies, coleções de coisas estranhas...

— Eu...também gosto de ficar com meu melhor amigo.

Ela pendeu a cabeça para um lado enquanto me analisava.

— Ainda não, tente novamente.

— Não sei o que espera de mim.

— Ninguém pode ser tão sem graça assim, têm que ter algo.

— Eu não tenho nada – Falei grosseiramente para encerrar o assunto.

Ela deu de ombros, não se abalando pelo tom de voz.

— Quem está perdendo a vida é você então. Deveria experimentar fazer aulas de dança, isso te deixaria mais solto, sem contar que a sensação é libertadora.

— Você não parecia muito livre chorando escondida – Soltei sem pensar e logo me xinguei mentalmente.

A garota olhou para o chão e torceu a boca, incomodada.

— Isso é diferente. Aquele concurso era importante para mim, eu queria mostrar para os meus pais e para a minha irmã que eu posso fazer algo sozinha. Eles não têm fé alguma em mim.

Lembrei-me de uma fala sua, uma das poucas em que realmente prestei atenção.

“- Emmett me deixa ficar aqui até mais tarde para treinar tanto para a minha faculdade de artes cênicas quanto os passos das aulas. Meus pais não acham que essas coisas vão me levar a algum lugar, então não gosto de ficar perto deles quando me desencorajam.”

— Qual seu problema com eles? – Não pude evitar minha curiosidade.

Ela soltou uma grande lufada de ar pelo nariz antes de começar a falar.

— Eles ainda me vêem como uma criança. Sabe, eu os amo e eles são ótimos pais, mas eles não acham que sou capaz de me virar sozinha. Quer dizer, eu sou uma mulher de vinte e dois anos! Por mais que eu use roupas coloridas e pinte meu cabelo, isso não reflete minha capacidade! Eles podem negar, mas sei que me comparam à minha irmã. A Alice sempre foi perfeita, sempre soube se virar, sempre tirou as melhores notas, ela se formou em uma ótima universidade e agora tem uma vida estável e ganha mais aos vinte e seis anos do que meus pais juntos. Ela é incrível, eu sei, mas por mais que eu não me forme em arquitetura como ela ou que não seja extremamente fria e focada no trabalho, não quer dizer que sou menos madura – Ela tomou fôlego para continuar – Meus pais eles acham que minha faculdade e esse curso de dança são apenas brincadeira para mim, que eu vou largar a qualquer momento e eu quero mostrar para eles que estão errados. Mas sabe, por um lado eu os entendo, eles sempre foram extremamente amorosos e a Alice não dava isso a eles, desde pequena, ela sempre foi independente e distante. A Alice é adotada e eu sempre brinco dizendo que foi ela quem escolheu meus pais no orfanato para lhe darem a estrutura necessária para se tornar uma mulher de negócios; aí o cuidado excessivo e todas as expectativas de amor caíram sobre mim. Toda a minha família me vê como uma eterna criança.

Ela finalizou chutando para longe um pequeno galho que cruzou seu caminho.

Eu estava impressionado – não só por seu fôlego e dicção perfeita – e não sabia muito bem o que dizer nesses casos.

“Sinto muito”? “Lamento”? “Realmente, é foda isso”?

Na dúvida, apenas levantei minha mão hesitante e lhe dei dois tapinhas rápidos nas costas.

Ela franziu as sobrancelhas e me olhou como se fosse de outro planeta.

— Você sabe que não é muito bom em consolar as pessoas, não sabe?

— É, eu sei. Desculpe, não sei como te consolar.

Estranhamente, ela apenas franziu os lábios e permaneceu em silêncio, pensativa até pararmos na frente de uma casa meio quarteirão depois.

A casa era simples e de classe média, mas muito bem arrumada e pintada de salmão com detalhes brancos.

— Aqui é minha casa.

— Hum...ok, então eu vou indo.

— Espera! – Ela segurou meu braço antes que eu virasse meu corpo – Eu acho que sei de uma forma de você me consolar.

Ela mordia os lábios para tentar evitar um sorriso, mas não conseguia disfarçá-lo.

— Sim? – Pisquei confuso.

— Bom, já que se comoveu tanto com minha história a ponto de me dar tapinhas nas costas, o que deve ser o auge de contato que tem com outro ser humano fora sua mãe, então pensei que seria legal se você pudesse dançar comigo no concurso para casais.

— O quê!? – Praticamente gritei.

Ela mordeu os lábios nervosamente, as bochechas corando levemente e sua mão que ainda estava em meu braço, me apertando de leve.

— Seria divertido, assim eu ainda poderia mostrar para a minha família que consigo fazer algo e que isso não é brincadeira e você de quebra arranja algo para fazer...não que ficar com seu melhor amigo e sua mãe sejam coisas chatas ou ruins, muito pelo contrário, mas você estaria fazendo algo por você e para você mesmo. Vamos lá! Aposto que nem deve sair no fim de semana! Sua cara me mostra que sua maior aventura em muito tempo foi acompanhar uma garota quase-desconhecida até a casa dela.

Ela estava drogada?

— Você está drogada?

Ela revirou os olhos, mas sorriu.

— Eu sei que estou certa.

— Eu não vou dançar! Nem com você e nem com ninguém! Estou naquele galpão para trabalhar e nada mais.

— Você poderia tentar!

— Eu não danço!

— Já tentou?

— Eu não danço! – Repeti.

Ela levantou as mãos em sinal de defesa.

— Ok Chad, nós podemos ficar nesse jogo de beisebol passivo-agressivo durante a noite toda.

— O quê?

High School Musical, cara. Não entendeu a referência?**

Neguei com a cabeça, ainda confuso e ela me olhou como se eu fosse uma aberração.

— Ok, você é muito estranho, mas tudo bem, durante nossos ensaios eu vou te deixando mais normal.

— Que ensaios? Eu não vou e nem quero fazer isso!

Ela suspirou e me deu um olhar de pena.

— Oh meu querido, eu sou muito insistente e posso ser muito irritante quando preciso.

— Não me diga – Cruzei os braços, já cansado daquilo.

— Eu ainda terei você como meu par.

— Por que eu? Escolhe alguém que goste dessa merda!

— Eu não tenho muitos amigos, ta bom? E você é legal, um cara que sinto que posso confiar. Você me escuta – Ela baixou a cabeça, mas seus olhos quentes castanhos ainda fitavam os meus – Me ouviu falar sobre minha família durante um quarteirão e meio e nem me interrompeu ou bufou.

Suspirei. Ela mudava rapidamente de extrovertida e faladora para cabisbaixa e sem graça – e merda, com esse último eu não conseguia ser o Edward curto e grosso de sempre.

Dei dois passos pequenos até estar bem perto dela, tendo que olhar para baixo para poder fitá-la melhor.

— Olha, eu não sou o cara certo para isso. Eu tenho a minha vida e estou bem em minha zona de conforto. Sei que vai arranjar alguém que vai adorar entrar nessa com você, mas eu...eu não sirvo para isso. Tenho outras prioridades – Minha voz saiu baixa e suave.

Ela levantou seu rosto até ele estar à centímetros do meu, seu olhar de repente se tornou desafiador e um sorriso presunçoso nasceu em seus lábios.

— Eu te farei mudar de ideia – Ela sussurrou, seu hálito batendo em meu rosto.

Fechei meus olhos, suspirando e aos reabri-los, a encontrei com os braços cruzados, agora mais distante de mim.

— Boa noite – Me virei para ir embora.

— Boa noite, Edward!

Parei, a encarando.

— Eu não te disse meu nome.

Ela revirou os olhos.

— Bom, eu sei ler. E também tinha uma etiqueta com ele em seu macacão.

— Ah, ok. Então tchau...garota estranha.

Ela riu forte, jogando a cabeça para trás.

— É Bel. Imaginei que tinha esquecido.

Respirei aliviado, agora eu não teria que passar pelo constrangimento de ter que perguntar o nome dela novamente depois de passarmos horas juntos.

— Bel de Isabel, não é?

— I-sa-bel-la ­- Ela ditou sílaba por sílaba como se estivesse falando com uma criança.

— Legal. Eu acho Bel um nome brega, Isabella é mais marcante, só avisando. Bom, boa noite Isabel— A provoquei já atravessando a rua para fazer o caminho até minha casa.

— Boa noite, Edmund— Seu grito me atingiu quando já virava a esquina e ecoou por toda a rua escura e vazia.

Sorri e segui para casa rindo sozinho da situação.

 

PARTE III

As duas semanas seguintes passaram absurdamente rápidas entre trabalho, mais limpeza em casa, fazer a compra do mês com o adiantamento que recebi e me esquivar da garota esquisita que todos os dias ficava depois da aula me atormentando por horas, Bel.

Na verdade, o som da voz dela me ajudava a me distrair principalmente da parte mais nojenta do trabalho.

Então finalmente era sexta, o galpão era fechado durante o fim de semana, o que significava folga para mim e passar o dia com a minha mãe e a noite com Jasper.

Hoje Bel...Isabella estava com algum tipo de dor de barriga, o que a fazia levantar do chão de cinco em cinco minutos gemendo com a mão sobre o estômago e correr para o banheiro que eu tinha acabado de limpar. Apesar disso, ela ainda insistia em me esperar para ir para casa.

Suspirei e o barulho ecoou pela sala vazia e silenciosa, bem diferente do que costumava ser quando Isabella estava tagarelando animadamente sobre alguma história louca que viveu.

De início a calmaria me agradou e minha cabeça agradeceu, mas com o passar dos minutos, o silêncio pareceu...errado. Desde o meu primeiro dia com esse trabalho eu estive na companhia de Isabella, ocasionalmente prestando atenção nas suas histórias – eram muitas, e por mais que às vezes eu estivesse mais disposto, não existia humano que se igualasse com seu ritmo frenético – e rindo de suas maluquices. Apesar da rapidez das duas semanas, parecia que eu já estava nessa rotina há meses.

Passei o pano no espelho com mais força, me obrigando a ter ânimo, afinal, era sexta, mas algo sobre a sala vazia e a luz fraca me fez ter sono. Portanto, me estimulei assoviando despreocupadamente a música favorita minha e de minha mãe.

Não sei dizer bem quando me empolguei, talvez na parte instrumental, mas quando notei, já passava o pano no espelho do ritmo da música, me arriscando ao inventar movimentos que eu imaginava ser de dança.

— Eu não acredito no que estou vendo! – A voz atrás de mim me despertou, me fazendo pular no lugar e voltar a limpar o espelho normalmente.

Me recusando a olhar para Isabella diretamente, a observei pelo reflexo do espelho.  Ela estava encostada no batente de braços cruzados, suas sobrancelhas estavam levantadas em uma expressão de surpresa, seus lábios repuxados em um sorriso que oscilava entre convencido e radiante.

— O que aconteceu com todo aquele papo de “eu não danço”?

— Eu não danço mesmo – Respondi sério.

— Não foi o que eu vi. Aliás, você rebola muito bem – Isabella se desencostou da porta e se apoiou na barra ao meu lado, seu olhar malicioso me deixando sem jeito.

Desviei de seu olhar e encarei o chão.

— Você está corando!? Oh meu Deus, o Edward todo-durão está corando porque estava rebolando! – Ela zombou.

Grunhi e voltei a fazer meu trabalho sem a encarar.

— Ah, deixa disso, Edward. Tudo bem rebolar, não vai te fazer menos homem – Isabella mexeu as sobrancelhas, seu sorriso cínico ainda presente em seu rosto.

— Por que não vai para casa? Não está com disenteria ou algo assim?

— Há-há engraçadinho. Estou assim porque comi camarão.

— E o que tem de errado nisso?

— Eu sou alérgica a camarão.

— Então por que comeu?

— Porque eu amo camarão! – Ela respondeu como se fosse óbvio.

Revirei os olhos e soltei uma risada nasalada.

Terminei meu serviço no espelho e guardei meu material no carrinho de limpeza, seguindo para a próxima sala, sempre sentindo os olhos de Isabella em mim e sua tensão, como se ela estivesse se segurando para não dizer algo.

— O que foi? – Perguntei quando não estava mais aguentando aquilo.

Ela mordeu os lábios com força e moveu seus dedos como fazia quando estava ansiosa.

— É só que...Você sabe, podia dançar comigo no concurso e-

— Isso de novo não! – A cortei.

As duas semanas foram todas cheias de uma insistente Isabella tentando me convencer a participar desse maldito concurso com ela. Na quarta feira, passei a levar fones de ouvido e os colocava sorrateiramente quando ela começava a tocar no assunto.

Ela fez um biquinho triste e eu quase hesitei. Quase.

— Por que não dança com Emmett?

— Ele é o professor, não seria honesto com os outros que estão no concurso.

— Hum.

— Eu queria que fosse você sabe, porque é a pessoa com quem eu mais converso – Ela revelou dando de ombros desviando o olhar para o chão.

— Você realmente não tem amigos? Digo, você é jovem, bonita e é extrovertida, as pessoas deveriam gostar de falar com você.

Isabella deu um sorrisinho de lado com minha fala, mas seu olhar continuou perdido.

— Eu tenho amigos, mas Alice diz que eu falo demais e digo coisas muito...fantasiosas e que ninguém gosta disso, então com meus amigos e família eu não falo muito porque sei que se abrir a boca para dizer mais do que o necessário, vou me empolgar e aí eles vão se afastar bufando e revirando os olhos ou simplesmente parar de prestar atenção, começar a mexer no celular e depois vão se virar para mim e dizer “Desculpe, o que foi que você disse nos últimos trinta minutos?”. Sabe, eu sei que eles fazem caretas e comentam uns com os outros sobre como eu sou chata – Ela encolheu os ombros como se aceitasse a situação. O gesto a deixou com uma aparência frágil.

— Sua irmã diz isso para você?

— Sim. Sabe, eu sei que ela só diz isso para meu bem, para eu não encher muito o saco das pessoas e elas se cansarem de mim.

— Não Bella, isso é...horrível.

Ela entortou a cabeça e semicerrou os olhos.

— O que foi?

— Você me chamou de Bella, ninguém nunca me chamou assim antes.

— Não gostou? Achei melhor do que Bel.

Ela deu um lindo sorriso.

— Eu amei. Só você vai me chamar assim, será algo exclusivo, tipo codinomes secretos, então isso significa que eu tenho que criar um apelido para você!

Balancei a cabeça. Eu odiava apelidos.

— Não, não, não. Edward está ótimo.

— Eddie?

— Nem fudendo.

— Ed?

— Às vezes minha mãe me chama assim.

— Que fofo! Então...Ward?

— Isso é sério?

— Homem do macacão azul!

— Isso é ridículo, Edward já está ótimo.

— Você é muito chato!

Bella bateu o pé indo até o meu carrinho e voltou com uma vassoura, passando a varrer comigo a sala.

— O que está fazendo? Já disse mil vezes que não precisa fazer isso.

— Eu estou morrendo de dor de barriga aqui, quero ir para casa logo então vou te ajudar a terminar isso logo sim! E fica quieto que agora eu vou cantar Y.M.C.A.

Eu ia protestar, mas no momento em que abri a boca, Bella iniciou a música em seu celular e o colocou no chão encostado na porta, em seguida começou a cantar a plenos pulmões.

Decidi que não interromperia sua performance e aceitei – dessa vez – sua mãozinha para terminar meu trabalho mais rápido.

O refrão da música chegou e não me aguentei de rir quando ela começou a fazer a coreografia exatamente igual a do clipe.

— Você ta rindo do quê? Vem, vai dançar comigo!

Ainda gargalhando, tentei negar, mas Bella me puxou para o meio da sala, ficando de frente para mim.

— Faz assim com os braços! É só isso! – Ela me mostrou os movimentos e como não exigiam nenhum rebolado ou maior técnica, eu a imitei de forma desleixada.

Ela gargalhou dos meus movimentos desajeitados e eu a acompanhei.

Bella pegou a vassoura que tinha deixado no chão e passou a dançar com ela, fazendo movimentos que ela sabia serem ridículos, mas que me fizeram rir mais ainda.

Quando o refrão começou mais uma vez, não me segurei e cantei o mais alto que podia, fechando os olhos e usando o cabo da vassoura como microfone.

Dançamos desajeitados o resto da música e quanto acabou, estávamos ofegantes rindo dos nossos passos desajeitados.

Bella se jogou no chão de barriga para cima enquanto recuperava sua respiração e eu a imitei.

— Bella? – Chamei quando meu ritmo cardíaco ficou mais estável.

— Sim?

— Nunca deixe ninguém ditar como deve se comportar.

Ela tombou a cabeça, olhando para mim intensamente.

— Obrigada.

Essa foi a primeira vez que Bella sussurrou, mas foi um sussurro que ecoou mais alto do que qualquer outra coisa, fazendo meus ossos vibrarem com aquela simples palavra carregada de sinceridade e gratidão.

— Bom, vamos terminar logo com isso, a dor de barriga ainda está aqui – Ela se levantou voltando a varrer o chão como se nada tivesse acontecido, cantalorando animadamente uma música que eu não conhecia.

Ainda a observei durante alguns segundos até me levantar e ir varrer com ela.

Assim que terminamos tudo, troquei de roupa, fechei o galpão e fizemos nossa já rotineira caminhada até sua casa, a qual foi regada de situações engraçadas vivida por Bella ou por algum conhecido seu. A história principal de hoje foi de quando ela deu seu primeiro beijo. Eu sabia que ela se empolgava e acabava exagerando em algumas partes, mas era o que fazia a história ficar ainda mais hilária.

Não percebi que ainda sorria sozinho com a história até chegar a minha casa.

— Edward? – Minha mãe chamou.

— Hum? – Fiz distraído, ainda relembrando de Bella imitando os movimentos feito pelo cara.

— Edward! – Ela chamou de novo e dessa vez, levantei o olhar e encontrei o seu, intrigado.

— Sim, mãe? Precisa de alguma coisa?

— O que deu em você?

— Como assim?

— Está estranho ultimamente.

Dei de ombros de voltei minha atenção a televisão.

— Não notei, deve ser o estresse do trabalho.

— Não é sobre estresse que eu estava falando...você parece bem, mais leve.

Dei de ombros mais uma vez.

— Que bom então – Aquilo estava estranho e eu não sabia como responder sobre um comportamento meu que nem sequer havia notado, então mudei de assunto – Como passou enquanto estive fora?

— Foi tranquilo, como sempre. A moça do andar de cima ficou comigo durante um tempo, mas não precisei de muita ajuda.

— Que bom mãe, fico mais tranquilo sabendo que não fica totalmente sozinha.

— Sabe, Irina é uma garota muito legal.

— Quem? – Perguntei desviando minha atenção da tela.

— Irina, a moça do andar de cima que fica comigo. Ela é gentil...e tem a sua idade, fez aniversário essa semana.

— Parabéns para ela – Respondi desinteressado e aumentei o volume da televisão.

Notei pelo canto do olho que minha mãe ainda me observou por alguns longos segundos antes de voltar sua atenção à novela estrangeira que gostava.

No dia seguinte, preparei um almoço especial para nós. Arrumei a mesa caprichosamente e fiz minha mãe colocar um vestido que não usava há muito tempo. Tudo para comemorar meu emprego e nossas contas todas pagas.

Almoçamos brincando e relembrando antigas histórias de quando eu era pequeno, o clima era leve e eu me sentia bem como não me sentia há muito tempo.

Já de noite, assim que Jasper chegou, lhe entreguei 50 euros e recebi um olhar confuso de meu melhor amigo.

— O quê é isso, Edward?

— Estou lhe devolvendo os 50 euros que me emprestou antes de eu conseguir o emprego. Valeu por aquilo.

Ele revirou os olhos e bufou.

— Sabe que não precisava me devolver, gilipollas1.

— Ei! Eu sei quando você me xinga em espanhol. Não sei o que significa, mas deve ser algo ruim.

Jasper riu e se jogou na cadeira da apertada cozinha.

— É mais engraçado quando você não entende do que lhe chamo, assim não tem como retrucar.

— Ainda bem que um simples dedo do meio é universal – Lhe mostrei meu dedo.

— Eu concordo. Nunca falha – Jasper balançou sua cadeira, a reclinando e se equilibrando nas duas pernas traseiras.

Abri a geladeira e peguei duas garrafas de cerveja, as destampando, e entreguei uma para Jasper que levantou uma sobrancelha.

— Hoje é por minha conta – Respondi sua pergunta silenciosa.

Ele apenas deu de ombros e deu um longo gole. Fiz o mesmo, relaxando ao sentir o líquido gelado acabar com minha sede.

— Parece que o trabalho está indo bem.

— Está ótimo. Obrigado por ter me indicado, isso mudou tudo para mim – Falei sinceramente.

— Claro, claro, amigos servem para isso – Outra golada na cerveja – E então, cadê a tia Beth?

— Foi passear um pouco, uma vizinha a chamou para tomar um ar.

— Isso é bom cara, não faz bem ela ficar trancada aqui o tempo inteiro.

— Eu sei.

Demos juntos um último gole em nossas cervejas e enquanto Jasper ia até a geladeira pegar mais duas bebidas, eu distribuía as cartas de baralho que já estavam a nossa espera no canto da mesa.

— Hoje eu vou beber até ficar de ratón2!

— Foda-se, eu não sei o que é isso então não ligo.

Jasper revirou os olhos e pegou suas cartas sobre a mesa, dando um sorriso malicioso para elas. Repeti seu gesto, mas bufei – as minhas cartas estavam péssimas.

— Têm certeza que não quer ir ao show de hoje? – Ele me perguntou, jogando uma carta.

— Não – Joguei outra sobre a sua – Minha mãe chega daqui a pouco, ainda tenho que fazer nossa janta e não a deixarei sozinha a noite toda.

— Deixe-a com a vizinha com quem ela está passeando.

— Minha mãe não é um cachorrinho, Jasper. Eu vou ficar aqui com ela.

— Tá legal – Ele jogou sua última carta – Ganhei.

— Inferno! Vamos outra, você deve ter roubado, foi muito rápido! – Joguei minhas cartas sobre as suas.

Ele riu, mas as juntos, começando a embaralhá-las.

— Sabe, Rose me disse que o Emmett comentou sobre você.

— O que ele disse?

— Que você faz um ótimo trabalho, que não tem do que reclamar e que você parece interessado nas aulas.

Quase engasguei com minha cerveja.

— O quê!? Eu não estou interessado em nada!

Jasper deu de ombros.

— Ele disse que você acompanha algumas aulas pela parede de vidro. Não vai me dizer que que virar dançarino, Ed – Ele provocou.

— Eu não estou interessado na dança, mas enquanto as aulas não acabam, eu fico sem ter muito o que fazer – Tentei me explicar – E isso só aconteceu uma vez, me deixa em paz, porra.

Foi na quarta-feira, quando um dia antes, Bella tinha me dito para assistir uma aula na sala onde ela estava e que era comandada por Emmett.

Na hora eu não respondi nada e realmente nem pretendia fazer, mas assim que passei na frente da sala, no dia seguinte, dei uma espiada. Afinal, não tinha mais nada para fazer.

Emmett estava de frente para o espelho dizendo algo, provavelmente sobre os movimentos que fazia, seus alunos atrás os imitavam e assim que tiveram que rodar, Bella me viu e acenou alegremente, pulando em seu lugar. Eu a ignorei e continuei meu trabalho.

— Claro, claro, só não vá virar bailarino hein – Jasper riu de sua própria piada.

Imagina se ele soubesse que fui chamado para uma competição de dança.

Pensando em sua possível reação, achei melhor deixar esse assunto de lado, tanto a competição quanto Bella. Era estranho pensar nela quando estava em minha folga, quase como se aquilo fosse algo muito...íntimo. Algo que não deveria ser compartilhado fora da zona que criamos nas salas de dança. Senti um arrepio na espinha, Jasper tinha razão, estava virando um boiola.

Limpei a garganta e lancei minha primeira carta.

Jogamos, bebemos e conversamos por mais quarenta minutos antes de Rosalie ligar para Jasper o avisando que já estava na porta para irem juntos ao show.

— Oi Edward! – Rose me cumprimentou com seu forte sotaque, seus cabelos castanhos claros e levemente cacheados espalhados por seu rosto pelo vento da noite.

Rosalie era linda, seu sorriso perfeito dava a impressão que ela tinha mais dentes que o normal e uma covinha assim como a de Jasper se formava em seu queixo, sua pele escura que estava bronzeada pela recente lua de mel na Espanha contrastava com grande parte da população de Dublin que não sentiam um forte sol há muito tempo. Apesar de sua cara de brava com quem não a conhecia e dos músculos sobressalentes por dar aulas de pilates e musculação, Rose era a pessoa mais doce que eu conhecia; bom, uma delas

— E aí cara! – Emmett que estava no banco do motorista do carro buzinou e acenou em minha direção.

— E aí – Os cumprimentei desanimado.

— Você vai com a gente, né?

— Não, Rose, Edward é um bunda mole – Jasper encostou ao lado da irmã no capô do carro para me olhar com deboche.

Bufei.

— Sabe muito bem que tenho minhas coisas para fazer.

— Como Elizabeth está?

— Ela está bem, Rose, mas você sabe, eu preciso ficar com ela – Rosalie assentiu e encolheu os ombros como se desistisse.

— Bem, então diga a ela que mandei um beijo ¡Vamos gafo!3— Ela deu um tapa no pescoço de seu irmão.

¡Cállate la puta madre!4Jasper cuspiu o que achei ser um palavrão enquanto esfregava sua nuca e entrava no carro seguido por Rose.

Emmett deu uma última buzinada e acenei com um pequeno sorriso no rosto. Apenas quando o carro se afastou que notei minha mãe parada na entrada do beco estreito onde nossa casa ficava.

Sua cadeira de rodas estava sendo empurrada em minha direção por uma mulher alta e loira que eu presumi ser Irina que tinha um grande sorriso no rosto e conversava animadamente com minha mãe que me encarava com os braços cruzados e o semblante fechado.

— Olá, você deve ser o Edward. A Beth fala muito de você! – A loira me cumprimentou quando parou na minha frente.

— Você é a Irina, certo? – Ela assentiu ainda com um grande sorriso.

— Sim, sim. Bem, eu roubei sua mãe por algumas horas porque senti que ela precisava tomar um ar, ficar apenas dentro de casa é horrível.

— É, eu gostaria que saíssemos mais vezes, mas ando muito ocupado ultimamente. Obrigado por fazer companhia a ela.

— Eu amo isso! Desde que meu marido Laurent faleceu eu ando meio sozinha, então sei que Beth entende um pouco sobre o que sinto.

— Entendi. Meus pêsames.

Irina sorriu tristemente.

Eu detestava aquele assunto porque sabia que por mais que tenham passado anos desde que minha mãe teve que me criar sozinho, sabia que isso ainda despertava uma grande tristeza nela.

De baixo, minha mãe ainda me encarava com uma carranca, sem participar da conversa.

— Bom, eu agora vou fazer a janta, se quiser pode nos acompanhar.

— Ah, não precisa. Sei que hoje é sua folga e você quer sua mãe apenas para você. Se divirtam! – Irina deu um beijo da bochecha de minha mãe – Nos vemos amanhã Beth! Tchau Edward, bom te conhecer!

Acenei rapidamente.

— Então Dona Elizabeth, o que deseja para o jantar?

— Por que não saiu para se divertir com Jasper?

Sua pergunta me pegou de surpresa.

— Hãn, eu...tinha que fazer o nosso jantar.

Minha mãe balançou a cabeça e fechou os olhos por um instante antes de abri-los e suspirar.

— Edward, eu poderia jantar com Irina hoje.

— Mas hoje é meu dia de folga, eu quero ficar com a minha mãe.

— Você quer ou precisa?

— Mãe, eu não posso te deixar sozinha, outro dia eu saio com Jasper.

— Edward, eu posso ter limitações, mas eu não sou uma criança! Não preciso de supervisão vinte e quatro horas por dia e muito menos que você abra a mão de viver sua vida para cuidar de mim! Eu prefiro estar em um asilo do que atrapalhando sua vida! – Minha mãe normalmente era tranquila, mas o tom alto e ríspido com que ela proferiu essas palavras me deixou atônito.

— Mãe, eu não...

— Eu não quero ser um peso morto, Edward. Você já largou sua faculdade para cuidar de mim, agora não largue o resto de sua vida!

— Mãe, eu estou vivendo! Vivendo como eu quero! Eu trabalho para a gente poder viver bem e isso para mim basta!

— Não basta! Olha ao seu redor, Edward, seus amigos saindo, namorando, se casando, saindo de casa, terminando faculdade, se mudando e você...preso aqui comigo. Sua vida deveria ser mais do que me ajudar a tomar banho e a me vestir! Você está tão morto por dentro que nem sente mais nada, não se importa com mais nada. Se eu morrer hoje, qual será seu objetivo amanhã ou daqui a um ano? Nenhum! Sabe porquê? Porque você vive por mim e não por você!

Seu olhar era duro sobre mim. Eu estava com a boca entreaberta sem saber o que dizer.

— Mãe...vamos entrar – Foi a única coisa em que consegui pensar.

A empurrei em direção ao cortiço no fim do beco, onde morávamos no primeiro andar.

— Mãe – Comecei suavemente, sentando no sofá e de frente para ela – O que aconteceu a você hoje? A senhora está bem?

— Estou ótima, Edward, quem eu acho que não está muito bem é você.

— Mãe, o que aconteceu? – Tentei novamente.

— Aconteceu que eu não aguento mais ver você renunciar da sua vida por mim. Você deveria cuidar de sua mãe apenas depois dos seus cinquenta anos, quando você já tivesse vivido tudo de acordo com sua idade, realizado seus sonhos e fosse livre!

— Mãe eu nunca escolheria uma vida diferente! Eu tenho a senhora aqui!

— Mas eu escolheria! Se eu pudesse eu te expulsaria de casa! Não porque você fez algo ruim, mas para pensar mais em si mesmo! Nem sua barba faz mais, nem se arruma para mais nada, só usa essas roupas amassadas, vai ao trabalho, cuida de mim, limpa a casa, depois volta ao trabalho, cuida de mim e não faz nada por si mesmo! Edward, meu filho, você era tão vaidoso...eu queria não ter sofrido aquele AVC, mas já aconteceu, não precisava deixar de ser quem você era para cuidar de mim. Quais são seus sonhos hoje, filho?

— Eu...eu quero...

Não consegui completar a frase pois simplesmente não haviam palavras para completá-la.

Abaixei a cabeça, envergonhado.

— Viu só? Antes você queria ser um chef importante, terminar a faculdade de gastronomia, namorar, ter um grande quintal para um grande cachorro...agora a única coisa em que pensa é se eu estarei bem ao fim do dia. Como se eu pudesse ficar bem vendo você definhando sem nem notar. Eu sou velha e doente, Edward, eu posso morrer a qualquer momento, mas você já está morto por dentro e isso é mais triste do que minha situação. Você escolheu isso, eu não.

Fiquei quieto, não conseguia encontrar minha voz e tudo estava girando em minha cabeça. Meu olhar estava em meu colo onde eu torcia os dedos como uma forma de distração e me lembrei que Bella fazia o mesmo quando estava nervosa.

— Achei que seu trabalho estava te ajudando a melhorar, notei isso na última semana, em como chegava diferente em casa, mas parece que estava enganada – Com o braço que tinha mais força, ela empurrou sua cadeira de rodas com dificuldade entre o espaço estreito até seu quarto.

— Não vai comer? – Minha voz saiu baixa e rouca, mas ela conseguiu ouvir.

— Não, não estou com fome, irei deitar.

Levantei do sofá para ajudá-la, mas o tom de ordem em sua voz me fez parar no lugar.

— Não quero que me ajude, eu sei me cobrir – Zombou antes de fechar a porta do quarto com força.

Fiquei estático no meio da sala por o que pareceram horas. Meu cérebro ainda não havia processado tudo.

Minha mãe nunca havia agido daquela forma comigo, com aquele tom agressivo e de ultimato em sua voz. Normalmente ela me dizia apenas para focar mais em mim mesmo e arranjar empregos melhores, mas nunca isso. Nunca foi assim.

O que ela enxergava de diferente agora? O que havia mudado?

Quieto e com a conversa/discussão ainda rondando minha cabeça, preparei no automático um sanduiche para mim e fui deitar. Ainda demorei três horas para dormir, sempre martelando questões em minha mente e imaginando como seria se eu tivesse continuado com a faculdade, se minha mãe nunca tivesse tido aquele maldito acidente vascular e se meu pai não...

Interrompi meus pensamentos, aquilo já era demais.

Na manhã seguinte eu comecei a realmente perceber sobre o que minha mãe tinha falado; todos os domingos, Jasper jogava futebol em um time amador da região, Rosalie e Emmett iam a igreja, as crianças que moravam nos andares de cima e nos quartos ao lado saíam para andar de bicicleta e notei que até Irina ia ao parque. Todos faziam algo, todos menos eu. Minha mãe costumava costurar aos domingos e eu apenas a observava. No começo eu me garantia de que isso era apenas porque eu merecia um dia sem fazer absolutamente nada antes de voltar à rotina de trabalho na segunda feira, mas a verdade era que eu não tinha planos, nunca tive. Meu único amigo tinha outros amigos, e eu tinha apenas duas pessoas importantes em minha vida.

Duas? Três? Isabella contava? Minha vida estava tão parada e desmotivada que algumas horas de conversa durante cinco dias já haviam me feito considerar uma pessoa que nem deveria se lembrar de mim aos fins de semana. Meu contato social era limitado, mas também, faziam-se anos desde que eu deixara de me importar com isso, com qualquer coisa. Eu não tinha nada.

O domingo foi desagradável com minha mãe ainda me evitando e mostrando que conseguia fazer algumas coisas sozinhas apenas para reforçar seu discurso da noite anterior; então a maior parte do dia eu passei sentado na frente da televisão assistindo a programas ridículos de auditório e ignorando as mensagens de Jasper que diziam o quão legal havia sido o show.

Perto das cinco da tarde, quando não aguentava mais pensar sobre o sermão e estava cogitando ir dar uma caminhada, ouvi um choro bem baixinho vindo do quarto de minha mãe.

Segui até a porta com cautela e sem bater, abri uma pequena fresta. Minha mãe estava deitada na cama chorando, quase que totalmente coberta.

— Mãe? – Me aproximei sentando-me na beira da cama.

— Ta tudo bem, filho. Devem ser apenas os remédios da depressão mudando meu humor.

Bom, isso explicava os gritos de ontem.

— Tudo bem mãe, eu estou aqui – Segurei sua mão para lhe passar mais segurança.

— Eu sei – Ela fungou – Sobre ontem...eu só não quero que você seja dependente de mim como eu era do seu pai e...

— Não, para com isso, sempre te deixa mal falar sobre ele.

Ela assentiu.

— Desculpe pelos gritos, mas saiba que eu não me arrependo de nenhuma palavra.

— Tudo bem, mãe.

— Eu estou falando sério, eu sou sua mãe e quero te ver bem e feliz, coisa que não está. Você apenas...vive. Não busca por coisas melhores, não tem projetos. Ninguém deveria ser assim. Edward, se arrisque! Você é jovem, tem apenas vinte e oito anos! Sabe, na sua idade, mesmo casada, eu ainda saía, me arrumava, dançava...isso é a coisa que mais sinto falta. Ninguém se dá conta do privilégio que é poder dançar até não poder mais.

— Mas você pode!

Ela me deu um sorriso triste.

— Não como antes, nada é como antes.

Elizabeth deu um longo suspiro e apertou mais ainda minha mão.

— Experimente coisas novas, faça loucuras, saia, se divirta, se arrisque. Por mim! Prometa que não vai deixar nenhuma oportunidade escapar. Os momentos são únicos, meu filho, não deixe de fazer as coisas por medo, o arrependimento vem algum dia; a vida pode ser leve se assim você desejar.

Eu nunca fui muito sentimentalista, mas aquelas palavras se cravaram em meu coração como raízes de plantas perfurando a terra para sobreviverem. Eu não poderia decepcionar minha mãe. Eu não poderia me decepcionar.

— Eu prometo, mãe – Proferi olhando no fundo de seus olhos.

Ela sorriu e beijou minha mão.

— Obrigada, filho. Só não seja preso.

— Não se preocupe com isso – Garanti rindo – Agora...a senhora disse que sente falta de dançar. Sabe o que isso significa?

Seus olhos se iluminaram e eu a ajudei a se levantar. Ignorando a cadeira de rodas, a ajudei a ir até a sala onde a sentei no sofá e coloquei para tocar a fita K7 que já estava separada ao lado da televisão.

E então, nosso hino particular, I Will Survive, de Gloria Gaynor começou a tocar, me fazendo recordar de todas as vezes em que a dançamos quando eu era criança. Era nossa música favorita.

— Madame, me daria a honra? – Ofereci a mão e ela a pegou sorrindo.

Dançamos três vezes. Uma para esquecer, uma para alegrar e uma para confortar.

E mesmo sem querer, minha mente voou para minha dança desajeitada com Bella no estúdio.

Gilipollas1: Imbecil | Ratón2: Ressaca | ¡Vamos gafo!3: Vamos idiota! | ¡Cállate la puta madre!4: Cala a boca filha da puta!

 

 


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Notas finais do capítulo

*TelleCullen’s é referência a minha long-fic, De Volta Para Você, vocês podem acessá-la apenas clicando em meu perfil aqui no site.

** https://www.youtube.com/watch?v=J4dS2iUWuSA ?“ I Don’t Dance, de High School Music 2, com legenda.



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