Impossível escrita por kjuzera


Capítulo 10
"E desde quando você se importa?"




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Uraraka estava muito nervosa e ainda mais cansada. Ela queria ela ter absoluta certeza do que estava fazendo, mas era impossível. A verdade era que ela estava muito surpresa de  ter chegado tão longe sem ser descoberta. 

Apesar de toda a destruição causada na biblioteca, os danos foram reparados rapidamente. Estantes foram colocadas no lugar e a janela quebrada prontamente substituída. Os servos do castelo trabalharam sem parar até tudo estar em perfeito estado. 

A mesa que ela estava ocupando nesse momento cabia umas seis pessoas, mas ela usava inteira só pra ela devido à quantidade de material que estava pesquisando. Ao ouvir passos se aproximando por entre as estantes, ela apressadamente misturou vários dos papéis e livros que tinha amontoados em sua frente. 

Quando a figura loira, não muito alta, sorrindo despreocupada, chegou ao seu lado, Uraraka já trabalhava numa combinação totalmente diferente de livros.  

— E como vai nossa pesquisa hoje, Senhorita do Outro Universo?

Keigo Takami, ou Hawks como todos chamavam ele, era o feiticeiro real e conselheiro do Rei Todoroki. Durante o primeiro mês de sua estadia no castelo, Uraraka aprendeu a sempre ficar com os dois pés atrás quando se tratava dele. Apesar dele ser extremamente simpático e atencioso, sempre a ajudando a encontrar os livros que precisava e até mesmo ensinando os conceitos básicos da magia para ela, ele era sempre… um tanto sarcástico.

A proximidade do feiticeiro com o rei era evidente, ser vigiada por ele era como ter o rei nas suas costas. Ela sabia que ele reportava para a majestade tudo que ela estava fazendo. E mais, apesar dele nunca dizer nada com todas as letras, Uraraka sentia que ele desconfiava quase que 100% da história dela. Ele sabia que ela escondia alguma coisa. 

— Está indo bem. - ela respondeu esboçando um sorriso e permitindo que ele visse o que ela escrevia. Reparou que hoje ele não usava seus óculos estranhos mas não deu importância. - Estou finalizando os componentes materiais… Vou precisar da sua ajuda para saber o que temos disponível. 

Takami ergueu uma sobrancelha desconfiado e pegou o papel com a lista dela, passando os olhos rapidamente.

—  Essa lista está cada vez mais beirando a insanidade, garota. - ele respondeu com desdém. 

— Bom… Eu também achei insano quando me materializei num universo diferente. - ela respondeu pegando o papel de volta, e se voltando para os livros. 

O feiticeiro suspirou, passando os dedos nos cabelos.

— Me dê uma cópia dos componentes verbais e somáticos que vou revisar pra você. Foque nessa lista de materiais, preciso mostrar algum avanço pro rei logo. Ele não está nada contente com esse plano do bárbaro e da presa de dragão.

—  Já fiz! - ela disse pró-ativamente entregando outros dois papéis para ele. - Eu imaginei que sua majestade não estaria de acordo com o plano, por isso eu separei aqui o embasamento teórico sobre o impacto das intenções na aquisição de componentes materiais para magias de nível 6 ou mais. Coloquei junto também um livro que analisa os níveis de inteligência de dragões e outros seres místicos, mostra quais criaturas têm capacidade de discernimento das intenções humanas e em quais níveis. Juntando isso tudo tenho certeza que ele vai compreender que se precisamos de uma presa de um dragão vermelho entregue de bom grado, a melhor maneira é usar o bárbaro pra pegar pra gente. 

Ela parou finalmente de falar alcançando para o feiticeiro uma pilha de livros velhos e poeirentos. Tinha pelo menos uns quatro tomos enormes cheio de anotações em pergaminhos soltos entranhados nos livros, todos surrados e empilhados precariamente numa torre. 

Uraraka sorria orgulhosa de sua pesquisa fazendo Hawks chegar a dar um passinho para trás se afastando da poeira daquela velharia toda. Viu o feiticeiro a olhar, levemente enojado. 

— Eu vou pedir pro meu assistente pegar... isso mais tarde. - ele respondeu apontando para a pilha, ficando apenas com os dois papéis que ela tinha alcançado primeiro - Verifique tudo múltiplas vezes, ok? O rei não vai tolerar erros.

E fazendo sua túnica marrom esvoaçar, o feiticeiro virou as costas e foi embora. Ochako suspirou aliviada quando ele estava longe. Criar mentiras com embasamento teórico era bem mais difícil e cansativo do que ela poderia ter imaginado.

Lembrou de todas as notícias falsas que se espalhavam feito capim pela internet no seu universo e por alguns instantes desejou que o povo ali fosse tão estúpido quanto seus conterrâneos. 

Ela não só precisava pesquisar por toda a biblioteca por conhecimento para embasar suas mentiras, como ela ainda precisava arranjar tempo para fazer a sua pesquisa de fato. Bateu a testa na mesa sobre todos os papéis, genuinamente cansada. 

— Você está bem, Uraraka-san? 

A garota quase deu um pulo da cadeira, mas se tranquilizou ao ver o rosto preocupado cheio de sardas de Midoriya. Aliviada, ela respondeu que sim, que estava bem e indicou a cadeira pra ele sentar.

— O Hawks anda te vigiando muito? - Izuku perguntou baixinho. 

— Sim, ele vem me ver mais de uma vez por dia. - Uraraka respondeu desanimada. - Tenho certeza que ele não acredita em metade do que eu falo, mas mesmo assim ele segue aceitando. Não sei qual é a dele. 

— Você tem que continuar o que está fazendo. Se ele não fez nada ainda é porque não tem provas. E fique atenta no que ele bate o olho, não é à toa que chamamos ele de gavião. - Izuku aconselhou. 

— Eu desisti de esconder qualquer coisa dele, estou na tática de socar mais informação do que ele consegue absorver. - ela disse ainda baixinho, mas indicando a quantidade infinita de livros e papéis sobre a mesa. 

Midoriya pegou um papel aleatoriamente e começou a ler o passo a passo de uma poção de cura. Talvez aquela não fosse uma estratégia à prova de falhas, mas estava funcionando. 

— Eu trouxe pra você o que eu andei pesquisando. - ele disse empurrando mais alguns livros pra ela no meio da bagunça. - Nesse primeiro eu escrevi tudo que descobri. - ele indicou um livro menorzinho que mais parecia um caderno do mundo de Uraraka - Eu fiquei com medo que descobrissem então misturei outras coisas no meio também. 

— Ah é? - ela disse pegando o caderno interessada. Abriu as primeira páginas e tentou ler o texto que parecia não fazer sentido. - E como eu leio? 

Izuku explicou pra ela o esquema que ele tinha criado para indicar qual era a próxima linha que ela deveria ler, fazendo o texto adquirir sentido. Feliz, ela nem tinha como agradecer ao amigo. Midoriya e o príncipe Shouto eram os únicos que sabiam que ela estava alimentando Hawks com informações falsas enquanto pesquisava sozinha o feitiço verdadeiro. 

Ela sabia que podia confiar neles para isso, mas não abriu seu maior segredo. Ninguém poderia saber que ela não era ninguém em seu mundo, e que jamais conseguiria cumprir com o acordo das armas e tecnologias prometidas. 

— Quando você vai tentar de novo? - ele perguntou curioso.

— Eu não sei… Vou ler o que você escreveu, tentar juntar com o que eu tenho aqui e aí tento. Mais uma semana eu acho. - ela disse cansada. 

— Posso te ajudar com mais alguma coisa? - ele perguntou preocupado com o cansaço da amiga. 

— Sim, por favor… - ela disse esfregando os olhos, claramente cansada de tudo - Eu não consigo pensar uma maneira de avisar o Kirishima que o Bakugou está bem, tenho medo que ele queira tentar resgatá-lo, fazer alguma besteira. Já vai fazer um dia que ele está preso, talvez ele esteja esperando a noite para vir sem ser visto, precisamos falar com ele de alguma maneira. Não sei como! 

Izuku se compadeceu dela, colocando a mão em suas costas, a confortando.

— Deixa isso comigo e com o Shouto, vamos garantir que o Kirishima fique escondido. - ele disse confiante - Se concentre na pesquisa que nós vamos dar um jeito. Vai dar tudo certo.

— Está bem. - ela respondeu sorrindo. 

Izuku sorriu de volta e foi embora. Mas ela não estava nada bem. 

 

*~*~*~*~*~*~*~* 



Katsuki não estava em posição de falar nada sobre a aparência de ninguém, visto que já tinha perdido a noção do tempo que estava acorrentado na mesma posição sem a menor higiene. Mas quando viu Ochako de novo, percebeu quão fundas estavam suas olheiras. Seu rosto normalmente redondo e corado estava opaco, as bochechas pareciam até menores. 

— Não está dormindo? - ele disse baixinho, quase com medo de ofender. 

— Não, não estou. - ela respondeu apenas, sem parar de passar uma pasta esquisita no corte de seu braço. 

— Não é bom ficar sem dormir… - ele disse olhando pro outro lado num resmungo.

— E desde quando você se importa? 

Desde que ela era única pessoa que ele via há dias. Semanas talvez, não sabia. Mas achou por bem não responder nada. O clima entre eles seguia tenso por todos os dias que ela visitou, e por mais que ele tentasse falar qualquer coisa, sempre saia atravessado. 

Ela deixou uma nova porção de comida decente e um cantil com água. Lhe deu também um frasco menor com algum tipo de remédio que ele vinha tomando sem questionar. Sua cabeça já não latejava como antes, o que mais doía era o peito na altura das costelas. 

Mas mais que a dor física, ele se sentia inquieto, nervoso, amedrontado, desesperado, tudo misturado. Estar preso era literalmente o que ele mais repudiava. O sol, o vento, a liberdade eram o que lhe dava propósito. Muitas vezes acordava preferindo estar morto. 

Uraraka viu o bárbaro jogar a cabeça pra trás, batendo sem cuidado na parede. Era óbvio o quão derrotado ele estava, não parecia nem a sombra do homem que era quando ela o conheceu. 

Ela até agora não entendia porque o bárbaro tinha voltado. Ele tinha o dinheiro dele, devia estar longe já. O que tinha dado nele pra voltar assim do nada? Comunicação definitivamente não era a melhor habilidade dele e, desde que ele fora preso e ela vinha cuidar dele, trocaram pouquíssimas palavras. 

Mesmo sem entender as motivações por trás do retorno dele, Uraraka não conseguia deixar de se sentir culpada por ele estar preso. Se ela não tivesse surgido do nada na vida do bárbaro, ele provavelmente estaria agora voando com seu dragão e melhor amigo, rindo e cheio de vida como ela o tinha conhecido. 

Aqueles pensamentos a arrebatavam mais rápido do que ela conseguia expulsar racionalmente. Era claro como água que ela não era culpada por nada, ele fez o que fez sozinho. Ele tinha sido inconsequente e impulsivo, e ela não tinha culpa alguma sobre as decisões dele. Ele tinha inclusive matado várias pessoas, por deus! 

E Bakugou ainda era apenas a pontinha do iceberg do um milhão de coisas que ela estava sentindo. Com Hawks cada vez mais em cima dela, questionando cada vírgula do que ela dizia, pressionando com datas e resultados que ela não fazia idéia de como produzir. Sua própria pesquisa pelo feitiço que a levaria de volta para casa gerando resultados duvidosos e testes um tanto desastrosos. 

Mas o que mais pesava em suas costas era a pressão absurda de ser responsável por todo o plano de abrir um portal interdimensional de maneira que ninguém além de Izuku e Shouto soubessem exatamente como. E para piorar mais ainda, ninguém podia saber que na verdade ela não era ninguém relevante no mundo dela, e que não tinha acesso a arma nenhuma. Aquela parte do segredo ela levaria pro túmulo se fosse preciso.

Mas o que mais a aterrorizava era que, mesmo que ela tivesse sucesso, se o rei fosse capaz de copiá-la, ela não tinha nem idéia do que ele seria capaz. E não seria só esse mundo que enfrentaria a insanidade de um líder ganancioso como ele, mas o seu mundo ou qualquer outro para o qual ele fosse capaz de invadir com o portal.

Eram universos inteiros sendo afetados porque ela, Uraraka Ochako, uma garota comum do ensino médio do Japão, queria voltar pra casa. Era muito egoísta da parte dela querer voltar correndo esse risco tão grande?        

Olhou para Bakugou e pensou que talvez eles não fossem tão diferentes assim. Talvez se ele não fosse tão cabeça dura, eles se entenderiam melhor. Mas agora não importava mais. Ela não tinha energia suficiente pra se importar com a pontinha do seu iceberg. 

Se afastou do bárbaro indo embora da cela sem se despedir e parou diante da porta fechada. Cada um dos ferrolhos que ela fechou era como se estivesse fechando ela mesma, se blindando de sentimentos que ela não podia se permitir sentir naquele momento.  


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