Luar Puro escrita por Zena Faith


Capítulo 9
Acolhida


Notas iniciais do capítulo

A parte que eu mais temia chegou, ainda não sei como comecei a escrever capítulos tão longos, revisar é um pé no saco, mas é muito bom corrigir e relembrar a história.
Espero que vocês estejam bem.
Se divirtam com esse novo capítulo.



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Uma nuvem vermelha permeia a minha volta.

Ela me cerca por todos os lados, sugando o pouco de paz que ainda se agarra a minha alma, e rouba o meu ar, se enroscando e prendendo meus braços, ela está me sufocando com lentidão, silenciando meus gritos… eu posso sentir ela serpentear, se aproximando e então retrocedendo, cada vez mais perto, me deixando apavorada o suficiente para provar seu ponto… a minha destruição.

— Ayira!

Meu rosto se comprime violentamente em agonia, fraca eu me viro em direção aos gritos, seu desespero audível faz meu corpo querer se despedaçar, indefesa e vulnerável eu só posso assistir quando a mulher corre até mim.

Seus cabelos são como asas de corvos, uma confusão emaranhada que cobre seu rosto… mas eu posso ver, eu consigo, por que é a única coisa que me mantém a encarando… a força dos seus olhos, aquela força voraz e inquebrável se esgotando enquanto corria. Eu não sabia quem ela era, mas de repente com o bater de uma borboleta tudo se despejava, e assim que eu estava prestes a tocá-la, uma força invisível se manifestou e a puxou para o vermelho infinito.

O último som que sai de seu corpo é um guincho horrível e familiar demais.

— Mãe, não!

É tarde demais, sempre será. 

A nuvem escarlate sempre leva tudo que ela era para longe de mim.

Derrotada eu procuro ao redor por um único sinal de misericórdia, mas tudo o que encontro é mais perda, o seu corpo estendido no chão, sua pele castanha tão fria e tão pálida...apagado… drenado.

— Pai...?

Seu corpo é arrastado pela força, sendo engolido pela nuvem vermelha, assim como a minha mãe, ele apenas se vai.

Meu grito de horror ecoa contínuo e constante em meus ouvidos, o sangue em minhas veias zumbindo com cada nota de desespero.

É tão horrível, eu nunca vou encontrar paz de verdade, vou viver para sempre num ciclo vicioso de perda, sempre recriando a morte de meus pais, vivendo aquele pesadelo repetitivo e interminável.

Como um apagão o cenário muda novamente, se tornando escuro e frio, gelo se alastrando nas bordas escuras dos cantos mais dolorosos da minha mente.

Frio.

As solas dos meus pés queimam sobre o gelo que se estende no horizonte, um branco sem fim engole todo o ar ao meu redor.

É só o que sinto enquanto corro, rápida e desesperada é como soa minha alma.

As bordas escuras estão surgindo por trás de mim. 

E eu sei, no fundo do meu coração que não posso olhar para trás, não posso nunca.

E nesta escura e sombria floresta de pinheiros e árvores hibernais é onde encontrarei segurança e aconchego, aqui está minha salvação, em algum lugar.

O predador dentro da minha alma não ignora o perigo, o instinto arde nas minhas veias, e me preparando para o pior eu viro o rosto… e assim também me perco, escuridão me engolindo.

A dor é instantânea, paralisadora, meus joelhos cedem e eu caio, a pele rasga em contato com a pedra fria, posso sentir cada veia tremer como se estivesse prestes a explodir.

Besta... você nunca o terá.

Sua voz é doce e raivosa, um silvo de ciúme deslizando de seus lábios.

Eu sei que é ela, mesmo que meus olhos estejam presos ao teto escuro e interminável, sei que o anjo maldito a minha frente possui olhos de sangue, que tem este sentimento vicioso que grita: Mate-a, mate-a...

Mesmo que eu saiba o que vai acontecer em seguida, não posso me impedir de me prender a dor como uma válvula, assim posso redirecionar tudo, me lembrando que estou viva, que isto é viver, tem sido sempre assim.

A dor se quebra como vidro, cortando e mudando para um novo cenário, como líquido leitoso a tela treme num ambiente claro, mas sombrio por natureza.

Você é única, é capaz de coisas inimagináveis, e seu poder, ele é sem precedentes...

Suas palavras deveriam soar como sua intenção, incentivadoras, mas eu sabia, por trás do veludo sempre haveria a carne de um animal açoitado e machucado eternamente, porque ela não iria parar, não até ter me destruído.

Ela não vai parar...

O corpo que me abriga parece tão estranho, pequeno demais para caber nele, por isso luto contra a sensação estranha que faz minha mente correr sem parar, conhecimento e pensamentos se entrelaçando e se fundindo numa corrida contra o tempo, eu não consigo processar nada e ao mesmo tempo entender tudo, meus ossos rangem e se expandem de forma incontrolável. 

Dor, dor, dor...

Um fogo frio se espalha como um sopro ao redor do meu corpo, um grito interminável chiando em meus ouvidos, o meu grito, o grito de uma criança em agonia se transformando em algo mais forte, rouco, selvagem.

Vejam cavalheiros, se não é uma obra de arte...

Minha cabeça é apenas vazio, minha visão mais clara, a audição aguda e o olfato entupido pelo cheiro doce e pútrido dos vampiros reunidos num semicírculo ao meu redor. Minha estranha visão procura pelo céu em desespero, cor prata se derramando através da abertura longínqua do teto.

No alto do céu, infinita e brilhante a lua se exibe, seu brilho dourado é imenso na escuridão da noite, sua luz envia fagulhas elétricas através da minha corrente sanguínea, vibrando com gentileza no meu coração, como uma benção. E então, eu estava mudando novamente, a risada de Aro desvanece em meio aos sons animalescos saindo do meu corpo.

Uma bolha de vidro estoura e revela um corpo branco estendido no chão frio, um corpo desajeitado e anguloso.

Magnifico... Uma figlia della luna...proprio come il padre...

(Magnifica... Uma filha da lua... assim como o pai...)

Meu pai, morto, por Aro, por eles, por causa deles.

Meu lobo assume o controle quase imediatamente quando a neblina vermelha se joga contra mim.

A fúria é vermelha e cegante, destruindo tudo ao meu alcance e tudo em que penso é: Morte, morte, morte...

No meu campo de visão eu vejo suas figuras negras se aproximando, meus dentes e garras lutam contra o aperto, empurrando e se esquivando numa dança letal e perigosa, eu posso sentir cautela vinda de seus corpos, e isso faz meu lobo se sentir predador, faminto.

Parem!

A voz dela é como um bálsamo que  corta e rasga caminho por toda a raiva, uma fagulha que queima através do vermelho até não sobrar nada além dela, parada com determinação no meio de todos os homens.

Lá está ela, a mãe, parada no meio de Jasper, Emmett, Edward e Carlisle.

Sinto minhas pernas fracas, as patas cambaleando e retrocedendo para trás com incerteza, a cabeça do lobo balançando sem parar de um lado para o outro, minha mente e a do animal brigando por controle.

O que está acontecendo?

Quem sou eu?

Quem é você?

Onde estou?

As perguntas se embaralham uma nas outras, cada vez mais rápido, caos se instalando.

— Ela está entrando em choque, se não conseguirmos conte-la...

— Me deixem com ela.

— Bella, eu não acho que...

— Você precisa confiar em mim.

As vozes parecem tão distantes, posso sentir o frio de cada corpo se ausentando do recinto, e só há o cheiro dela se propagando por todo o quarto, invadindo meus sentidos, inundando minha cabeça caótica. 

— Eu estou aqui... você está segura... escute minha voz Ayira.

Meu lobo retrocede assim que ela dá um passo em direção a ele, sua voz  sopra aflição no final como se ela estivesse temerosa demais por mim.

Empatia

Um ganido agudo soa através do meu peito, fazendo com que todo o corpo do animal trema, e eu posso sentir, posso sentir minha consciência se restabelecendo, tomando o controle novamente... posso sentir uma tristeza profunda quando o animal se encolhe em rendição, os passos de Bella estão cada vez mais perto, sua voz esperançosa sussurra palavras de conforto.

— Apenas deixe ir querida, deixe se libertar, eu estou do seu lado...

E então, como se seu conforto fosse o gatilho pelo qual minha consciência gritava, simples assim, uma lufada de prata desceu por todo meu corpo. Meu corpo humano se encolheu em posição fetal assim que o frio do chão queimou minha pele esfolada, tremendo eu fecho meus olhos com força e impeço uma forte onda de tremor que ameaça se arrebentar em meu peito. Eu a sinto novamente quando Bella se senta ao meu lado, assim que ela me puxa para o seu colo com gentileza, me trazendo para o seu peito, como se estivesse aninhando um bebê, me embalando em seus braços e balançando de um lado para o outro. 

Prendo minha respiração, fecho meus olhos com força e mordo meus lábios até sentir o gosto de sangue, não posso respirar, não posso.

— Apenas deixe ir Ayira, deixe ir, você está aqui e está a salvo...

É uma batalha perdida assim que o soluço explode do funda da minha garganta, tão forte que balança todo meu corpo, eu não posso me conter, não com Bella, não posso me defender quando a única pessoa que pode me entender pede, ela sempre entenderá, sempre terá poder sobre a minha natureza, a minha perda.

Trêmula e derrotada eu derramo minha tristeza em lágrimas quentes, elas se derramam por fora e por dentro rasgando através do meu peito, transbordando e inundando…

Finalmente… eu posso sentir toda a dor da rejeição… finalmente posso me sentir liberta.

Fico tanto tempo imersa nas lágrimas e na dor que sequer  percebo quando meu corpo se desliga. Depois de um longo sono eu acordo me sentindo lenta e fadigada, meus olhos entreabertos encarando o forro da cama, petrificados no vazio que agora substitui o peso que carreguei por anos. A mãe de Bella acariciando meu cabelo me faz piscar para o momento, continuo parada me deixando sentir seu carinho, tentando nos prender a este momento para sempre.

— Como você se sente?

Eu sabia que não podia fingir estar dormindo, ela saberia, os vampiros sempre sabiam, tomando coragem virei minha cabeça em seu colo até que meus olhos encontrassem os seus, vergonha e acanhamento apertando minha garganta. Eu nunca tinha me deixado tão vulnerável na presença de alguém antes, parecia perigoso, baixar a guarda sempre me machucou antes. No entanto, aqui, agora, podendo ver apenas preocupação e carinho no dourado dos olhos de Bella… agora não me arrependo, não me arrependo nem quando ela faz uma varredura em meu semblante em busca de respostas.

— O que eu fiz?

O rosto de Bella se abre em um sorriso cauteloso, sua bondade transbordando nos cantos dos lábios, seus olhos passeiam pelo  quarto com certa diversão.

— Nada que nós já não tenhamos feito numa situação fora do controle.

Eu sei assim que a realização me bate que eu não estivera sonhando antes, a luta e destruição tinham sido reais, e eu provavelmente tinha destruído tudo que esteve ao meu alcance dentro do quarto, assim como também poderia ter machucado alguém. Com esse pensamento eu coro profunda e dolorosamente.

Vergonha

— Machuquei alguém?

— Acredite, nossa preocupação estava mais concentrada em não machucá-la.

A voz de Alice desliza pelo quarto da mesma forma que sua presença, divertida e leve, como se dançasse em meio a poças de água.Ela se senta ao lado de Bella e pesca um punhado da massa densa que é meu cabelo, brincando em meio as mechas grossas ela começa a entrelaçar de uma forma estranha.

— O que você está fazendo?

Minha curiosidade sempre tão infantil reage ao estímulo de algo novo.

— Tranças... se eu tivesse tido chance, seria isso que faria no cabelo de minha irmã enquanto ela crescia, mas… eu nunca tive a oportunidade.

Ela termina o arranjo mais rápido do que eu pude processar a nova informação sobre o seu passado, franzindo o cenho eu tento compreender essa nova descoberta, assim como absorvo a melancolia distante em sua voz, posso reconhecê-la na minha.

— Você também foi privada da sua vida...

— Sim, mas ao contrário do que você pode estar presumindo, não foi a vida vampírica que me tomou isso, na verdade, foi a humana... meu pai fez isso.

— Sinto muito.

Não consigo compreender, não posso sequer imaginar um mundo alternativo onde meu pai me infligir dor, não… como o mundo podia ser tão maldoso? Dando mães e pais ruins a crianças boas, e tirando boas mães e bons pais de crianças inocentes… eu nunca saberia como seria ser contrária ao meu pai, todas as chances da  minha vida foram tomadas antes mesmo dela começar.

O que seria deste momento se minha vida tivesse tomado outro rumo?

— Não sinta meu amor, se as coisas ruins não tivessem acontecido, onde estaríamos agora?

Sua pergunta reflete tão bem em meus pensamentos que fico desconcertada.

— Eu não sei... tudo o que eu sempre tenho imaginado...

As palavras se perdem na minha voz, a dor sempre volta quando me lembro, e agora a última coisa que quero é me deixar prender na solidão novamente.

— O que Alice está dizendo, é que mesmo que tudo tenha sido ruim e doloroso, ainda assim ganhamos algo no final... ela sofreu perdendo a família e a vida que conhecia para poder nos encontrar, ou como certa vez, eu perdi Edward porque temíamos demais o futuro, e mesmo assim nos encontramos depois das dificuldades, das perdas.

Suas palavras possuíam verdades profundas, mas o que isso fazia de mim?

— Não se sinta injustiçada Ayira, você tem muito tempo para curar cada cicatriz, está livre agora… nós estamos com você, pode não acreditar agora, mas você é como um presente, um presente que aceitamos com o coração aberto, para amar e tocar.

— Não sou boa... eu não sei... eu acho que sou um monstro.

— Então nós também somos, todos nós somos monstros, só depende de cada um que tipo de monstro vai ser.

— Não é possível ser um monstro e ser bom.

— Na verdade é sim Ayira, eu sei disso, porque já escolhi esse caminho vezes demais para poder contar.

Observo a expressão sempre iluminada de Alice ficar profunda e pensativa, levo mais tempo para refletir sobre suas palavras, as vezes, eu esqueço quão velho e experientes todos eles são, é surpreendente, assustador e solitário.

Viver tantas vidas e mesmo assim ver o mesmo tipo de dor.

Ela puxa uma grande manta de camurça e me cobre de forma cuidadosa, olho para o material macio e percebo que é novo, Bella deve tê-lo trazido quando eu estava dormindo.

— Você disse antes, que uma visão a libertou, e apesar de não entender muito sobre isso, tenho quase certeza que você quis dizer que foi uma visão que me libertou... eu não sei explicar-me...

— O dom de Alice é prever o futuro, assim como o de Edward é ler mentes.

Dom

— Renesmee me mostrou seus rostos antes, ela apenas tocou minha mão e foi como se eu tivesse-os ao meu redor a vida toda.

Bella sorriu orgulhosa, o amor por sua filha brilhou em todo seu rosto.

— Sim, esse é o dom da minha filha, ela pode transmitir todas as suas primeiras impressões através do toque.

Eu conhecia alguém com um poder semelhante, mas não queria lembrar dele, ou da forma como ele podia tomar tudo que eu fui um dia apenas com um toque.

— Você também possui um dom Ayira.

Alice parecia animada ao me dizer isso, não me senti compartilhar o sentimento, tudo relacionado ao poder me fazia lembrar dele, de como se referia ao que eu era, ou das coisas que era capaz de fazer.

— Alec chamava de poder, pois podia exercê-lo sobre os outros.

— Você não precisa lembrar-se deles.

Bella tratou de encerrar o assunto, sua expressão ficando séria instantaneamente.

— É a forma como eu conheço, dom ou poder, não importa, eu aprendi com eles.

— Bem, você não está mais com eles, e nunca mais estará.

Olhei para Bella, para a proteção feroz que mais parecia uma chama irradiando dela, não seria fácil me desvincular do meu passado, tudo que eu sabia ou aprenderá estava entrelaçado a cada lembrança construída com eles, mudar as nomenclaturas sobre as coisas estranhas que aconteciam com meu ser não iria fazer isso ir embora.

— Não se preocupe com isso agora, apenas descanse, nós ainda vamos ter as respostas quando você acordar.

Com as duas aninhadas ao meu redor eu me deixei cair mais uma vez num sono profundo e pacífico.

Quando amanhece a primeira coisa que vejo é Alice já de pé, seu corpo fluido e elegante rodopiando de um lado para o outro pelo quarto, em cima da cama erguia-se um amontoado de diversas peças de roupas, principalmente vestidos, inicialmente me recusei prontamente a usar qualquer uma das peças, e depois de muita recusa ela cedeu e trouxe um novo vestido branco limpo, seus lábios se retorcendo em desagrado. Com sua ajuda eu achei o banheiro e pude me refrescar, depois disso ela me fez sentar na cama novamente e começou a trançar meus cabelos, quando ela terminou tudo que eu podia sentir era o peso do meu cabelo concentrado no meio das costas.

— Você tem um cabelo tão lindo, me lembra das asas de corvos.

Segurei a ponta da trança entre as mãos vendo o preto refletir azul, verde e roxo. 

A forma que ela o descreveu parecia tão familiar….

Agradeça

— Obrigada.

Meus olhos não podiam se levantar, me sentia vulnerável com o efeito das palavras, podia sentir o sorriso feliz de Alice quase como um animal saltitante no meio do cômodo.

— Não por isso, agora vamos, nós temos uma reunião!

Deixei que ela segurasse minha mão enquanto me levava para fora do quarto, seus passos muito lentos e pacientes para serem humanos. Depois de descer as escadas, entramos na cozinha para encontrar todos reunidos, Esme parecia encantadora manuseando utensílios e recipientes, Carlisle ao seu lado no fogão tinha acabado de jogar algo para cima, o círculo cor de creme rodopiando no ar até que a gravidade o puxasse novamente para cair dentro da frigideira que ele segurava.

A manobra rápida e elaborada me fez parar estabacada na entrada da cozinha.

Alice soltou minha mão apenas para se pendurar ao redor de Jasper que sentado do outro lado do balcão olhava atentamente para a tela de um objeto fino e retangular. Meus olhos analisaram a caixa preta com estranheza, Jasper parecia se compadecer do mesmo sentimento pois levantou seus olhos rapidamente e assentiu em direção ao objeto sem suas mãos.

— É um laptop, um eletrônico que dá acesso à rede... ou como jovens chamam “internet”, estou o usando para ver os dados da polícia italiana.

Eu guardei toda a informação imediatamente e então fui distraída pelas mãos de Rosalie quando ela agarrou minha trança entre as mãos e avaliou o trabalho de Alice.

— Nada mal, no entanto, tenho certeza de que todo esse peso pode ser contido de forma a não  atrapalhar em tudo que for fazer.

Ela tinha razão, eu vinha sentindo a trança bater em minhas costas durante todo o caminho que fizemos para a cozinha, apesar do peso ser suportável, tinha certeza que solto ele seria mais prático.

Rosalie levantou uma sobrancelha dourada e elegante quando eu não obedeci sua ordem silenciosa para sentar em um dos bancos em frente ao balcão central. Eu obedeci e então senti quando ela começou a desmanchar a trança.

— Hey! Eu me esforcei bastante nela.

— Eu sei, não estou te desmerecendo.

— Então por quê?

— Tenha um pouco de paciência Alice.

Ela pegou toda a extensão do meu cabelo e amarrou em seu pulso, era como uma corda grossa e negra.

— Se importa se eu cortá-lo?

Eu não me importava. Estava mais preocupada no que essa ação implicaria mais tarde, por isso sustentei seu olhar da mesma forma que ela faz com o meu. Emmett aparece como um borrão ao lado dela e coloca uma tesoura sobre o balcão, sua expressão é pura ironia.

— Ainda bem, essa coisa é grande de mais, é como ver uma Rapunzel morena se arrastando pela casa.

Me encolho com seu trocadilho, Rosalie lhe dá um safanão do qual ele se esquiva por um triz, apesar de tudo sua expressão não deixa de ser menos divertida.

— Chega de referências sobre contos de fadas... então?

— Eu não me importo.

Ela sabia ao que eu estava me referindo.

— Certo, que tal no meio das costas?

Apenas assenti e esperei, foi mais rápido do que qualquer coisa, num momento ela estava às minhas costas e no outro havia um rabo de cavalo grande preso por uma liga nas suas mãos, ela sorriu pela primeira vez com algo como satisfação, então o entregou para mim.

— O que faço com isso?

— Guarde-o, queime-o, jogue-o fora... tantas possibilidades.

Seu tom era ácido novamente, ela se recostou ao lado de Emmett para o conter de fazer qualquer comentário.

Carlisle colocou um prato enorme sobre o balcão, tinham mais círculos redondos dourados, ele se colocou ao meu lado e fez menção de pegar o cabelo cortado, eu entreguei sem hesitar.

— Você pode doá-lo, tenho certeza de que posso acionar uma das minhas instituições de caridade, você não sabe quantas crianças vão ficar feliz por ter um cabelo como o seu.

— Doação?

A palavra era estranha, reconfortante e implicava em dar algo para o bem. O rosto de Carlisle se iluminou.

— Sim, você aprende rápido.

— Você pode tê-lo.

Ofereci sem resistência enquanto sentia como o cabelo restante ainda cobria meus ombros como uma manta, seu comprimento chegando até o meio das minhas costas.

— Você está fazendo algo maravilhoso, por que não come algumas panquecas, pode colocar mel ou calda sobre elas.

Então era isso que elas eram, vi ele colocar duas num prato menor, então indicando dois recipientes dos quais eu escolhi o de cor mais escura.

— A loba possui um pouco de orgulho americano.

A voz de Emmett não era nada, estava concentrada na cascata dourada e melada sendo despejada sobre as panquecas. Carlisle e os outros começaram a rir assim que eu as ataquei, meu estômago fazendo um som animado.

Depois de comer tudo, me viro e vejo Emmett e Rosalie torcendo o nariz, Esme vem em minha direção com um pano úmido para limpar minhas mãos, ela é muito cuidadosa, eu ignoro o olhar crítico que Emmett lança para mim.

— Eu sei usar talheres.

Seu bufo de resposta é interrompido pela chegada de Edward e Bella.

— Olá.

A voz dele é educada, Bella apenas segue até mim. 

Sua expressão se franzindo em confusão, as mãos deslizando entre as madeixas do meu cabelo recém cortado.

— O que fizeram com seu precioso cabelo?

Como uma criança obediente eu a respondo.

— Rosalie o cortou e Carlisle vai doá-lo para uma instituição de caridade.

Ela olhou para Rosalie de forma questionadora, está que de volta lhe deu um sorriso cínico.

— Digamos que eu apenas quisesse tirar esse peso extra dos ombros da criança.

— Você está de acordo com a doação?

Assenti sem entender a preocupação dela.

— Não se preocupe, Carlisle vai doar sob um pseudônimo, ela não terá seu nome exposto tão cedo.

Foi Edward quem respondeu, tirando as palavras dos pensamentos de seu pai.

— Não há nenhum registro sobre um garoto de vinte e poucos anos com o nome Mario no sistema.

A informação de Jasper quebra a atmosfera amigável e instala tensão ao redor, o sentimento emana principalmente do meu corpo. Saber disso não me deixa aliviada, pois no fundo, sei que Mario já se foi a muito tempo, eu o marquei para a morte assim que cruzei seu caminho.

— Saberemos se algo tiver acontecido, os Volturi não se preocupam em deixar seus rastros, ao menos, não quando se trata de outros vampiros.

Jasper era muito sucinto, minha inquietação só crescia.

— Eles vão saber que estou aqui?

A minha pergunta era um bloco de gelo suspenso sobre a cabeça deles, apenas alguns castos e fracos fios o impedia de cair de vez.

— Não, não tão cedo.

É Alice quem responde, sua expressão se tornando feroz, totalmente em desacordo com a voz calma, o silêncio que se instala é sufocante, cada membro do clã Cullen está preso em seus próprios pensamentos, meu medo cada vez mais paranoico me fez pensar na noite passada, vergonha colorindo minhas bochechas mais uma vez.

— Sinto muito por ter destruído o quarto.

Eu sabia que eles tinham tirado todos os vestígios do quarto antes que eu acordasse, nesta manhã os móveis eram novos, diferentes do da madrugada, sem contar no esforço de Alice tentando me distrair de tudo com a bagunça de roupas.

— Não se preocupe querida.

O sorriso de Esme transmite conforto.

— Bom, ao menos isso é comum entre nós, não é como se ela fosse a última a destruir quartos por aqui.

O comentário de Emmett é um pouco irônico demais, mas o impacto da piada é o que incita o meu desconforto, todos se voltam para ele com olhares de repreensão, inclusive sua companheira.

— O quê? Foi apenas uma piada.

— Uma inconveniente, enfim, vamos voltar ao ponto central desta reunião.

Bella toma as rédeas da conversa enquanto todos se esquecem da piada interna.

— Precisamos nos concentrar na proteção dela, com quem ela vai ficar, onde, quando e como.

Edward caminhou até Bella e eu enquanto falava, na sua mão havia um copo com líquido alaranjado, eu sequer tinha percebido sua movimentação, ele é tão rápido.

Quando ele coloca o copo á minha frente eu o tomo sem pestanejar.

— Nós vamos tomá-la.

Só percebi que todos tinham parado de prestar atenção no meu movimento quando Jasper falou, meus olhos acompanharam o caminho todo até ele e Alice, está última que parecia vibrar de animação.

Não entendi a surpresa dos outros no oferecimento deles.

— Você tem certeza?

— Eu tenho tido visões sobre Ayira desde que ela nasceu, não há motivo maior do que esse para Jasper e eu ficarmos com sua guarda.

Quando Alice respondeu Edward me senti paralisar, meus olhos procuraram seu rosto instantaneamente.

— Você têm... me visto, desde que nasci?

Sinto a traição deslizando em minhas palavras, mesmo que não queira.

— Ela não sabia que era você, as visões de Alice não são precisas, o futuro muda o tempo todo dependendo das escolhas que o indivíduo faz, como você tendo ligação a Aro e aos Volturi, ela pode ter uma margem de acesso escassa, então, tecnicamente, ela não estava vendo você, apenas fragmentos de uma suposta pessoa sem rosto.

— Prometo te explicar tudo.

Sua expressão é cheia de desculpas não ditas,  posso entender sua situação, só preciso ter sua promessa de que as respostas virão em algum momento.

— Tudo bem.

— Certo, nós temos uma família coruja para a garota loba, agora, como vamos camuflá-la?

A situação parecia muito divertida para Emmett, ele não parava de sorrir na direção de Jasper.

— Ela pode frequentar a escola, seu cheiro não é tão característico quanto o de um lobisomem ou de um vampiro, ela está em um meio termo que a coloca em vantagem, tenho quase certeza de que não posso identificar seu cheiro em meio a tantas crianças humanas.

Jasper parecia prático novamente, seu empenho em me ajudar era notável desde o começo, eu me sentia quase confidente.

— Não é perigoso?

— Para os humanos você quer dizer?

Emmett parecia mais cínico do que nunca e Bella tentou contornar isso.

— Ambos.

— Não houve problemas quando Jasper frequentou a escola.

O argumento de Alice foi defensivo.

— Isso não quer dizer que não aconteceram fora dela, sem ressentimentos Bella.

Jasper por si só parecia envergonhado de certa forma.

— Não importa, é bom não infligir dor em você.

Os dois trocaram um aceno de concordância, parecendo familiarizados demais com esse tipo de comentário. Senti-me orgulhosa, por ele não deixar os comentários de Emmett o atingirem, por tomar rédea da situação e se defender.

— A ideia de Jasper é perfeita, tenho certeza que com treino e aperfeiçoamento podemos fazer com que Ayira possa lidar com tudo muito bem, desde o mundo humano até sua transformação, que é priori no momento.

Encolhi meus ombros ao lembrar da situação durante a madrugada.

— Acho que estamos esquecendo o principal.

Bella colocou um braço ao redor dos meus ombros, conforto escorregando através do meu corpo instantaneamente.

— O que você acha disso tudo?

Eu olhei para o rosto de cada um, nervosismo fazendo meu estômago borbulhar, algo crescente e desconfortável rondando me intimo.

— O que é escola?

Qualquer tipo de resposta foi interrompida pelo som da campainha e das batidas fortes e urgentes na porta, toda a urgência crescente dentro do meu corpo explodiu, inspirei instantaneamente, meu movimento sendo imitado por todos os outros no recinto.

— Lobo...

Um chiado animalesco saiu do meu peito, me coloquei imediatamente na frente de Bella e sua família .

Edward fez um sinal com a mão para que eu me acalmasse e se concentrou enquanto olhava em direção à porta,  seu rosto estava completamente vazio de expressão quando ele se virou para Carlisle.

— É Sam Uley.

Outro Lugar

Num buraco escuro e sem fundo meu corpo queima em agonia eterna, minha carne arde, meus ossos estalam, minha alma grita em dor...

O mundo não está mais girando, apenas caindo cada vez mais dentro do inferno, vermelho se derramando nos meus olhos sangrentos, o rugido dos monstros cobrindo toda a luz que já vi um dia.

Arde, arde, arde...

O fogo é o diabo e eu sou o inferno

Estou vazio, morto, queimado entre cinzas dispersas e melancólicas.

Estou morrendo...

Os demônios vieram me buscar.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que estão achando da história, aposto que muito ficaram tão ansiosos que correram para o Spirit par acompanhar a atualização da história por lá (eu faria o mesmo no lugar de vocês).
Beijos L.



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