Redenção escrita por Pollyanna Felberk, Salgarello


Capítulo 3
Capítulo II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789667/chapter/3

Um dragão. A criatura possuía escamas brilhantes de um carmesim agressivo e seria bela se não vomitasse a morte e a agonia em uma torrente de chamas, e se seus dentes gigantescos não tivessem trucidado a vaca leiteira do taverneiro James.

O dragão deu um sobrevoo rápido em direção aos campos. Com um golpe de sua calda derrubou a estalagem, o único prédio de pedra da vila, fazendo os gritos de dor e desespero se intensificarem. Deu uma última volta no céu e nunca esquecerei as suas palavras:

—Humanos, vocês são meus servos, sintam-se gratos por eu devorar seu gado, e não vocês! – Sua voz era ancestral, parecia penetrar a alma do ouvinte, e o terror que ela encapsulava era indescritível, todas as células do seu corpo querem correr e se esconder, os pelos se eriçam e a adrenalina é injetada em quantidades exorbitantes, você se sente um coelho sendo caçado por um lobo.

A criatura fez um arco no céu e pousou fora do vilarejo, uma tempestade de terra se levantou e os mugidos de terror do gado foram acompanhados de uma fúria de garras e mordidas terríveis. Em seguida, o mostro deu uma baforada e o inferno que ele cuspiu consumiu os campos de trigo.

Aqueles campos estavam quase na época da colheita e as pessoas precisavam daquele alimento, ver tanto desperdício e pensar no inverno que se aproximava fez o meu estômago embrulhar e o terror misturado ao desespero foi tamanho que eu vomitei instantaneamente. Limpei a boca e olhei para frente. Lá estava ele, não mais que cem passos de distância, devorando nosso gado, suas mandíbulas pareciam sorrir, se isso fosse possível, e o seu tamanho se confundia no ar, que ondulava como num dia de calor intenso.

Eu despertei da minha paralisia aterrorizada quando um aldeão do vilarejo trombou em mim, era Peter, meu melhor amigo, ele estava arrastando sua mãe inconsciente e com muito sangramento na parte da testa.

—Uma das pedras da estalagem! – Ele gritou desesperado, enquanto a colocava no chão e pegava água do riacho para limpar o rosto da mulher.

A vila estava completamente engolfada em labaredas, gritos de desespero e pessoas correndo de um lado para o outro.

O taverneiro James encontrava-se debruçado sobre os restos de sua vaca, chorando copiosamente enquanto sua taverna ardia, outras pessoas corriam desesperadas com baldes nas mãos, tentando formar uma brigada de incêndio coletando a água do riacho e correndo para jogar nos telhados de palha.

—John! Não adianta fazer dessa forma, façam igual formiguinha! Um passa o balde para o outro, duas fileiras! Rápido! – gritei desesperado para o estalajadeiro que estava cheio de escoriações depois de ter saído dos escombros do seu estabelecimento.

—Boa ideia, Noah! – respondeu ele numa voz esganiçada.

—Onde está minha família? Você os viu? – Eu tinha que berrar de forma agressiva no meio do tumulto e só obtive o olhar desolado de John como resposta. Um olhar triste que transmitia uma mensagem agourenta.

Enquanto me negava a aceitar a terrível realidade, abri caminho por meio da brigada de baldes. A vila ardia fazendo meus olhos fustigarem com a fuligem e eu tossia copiosamente. A visibilidade era muito baixa, pessoas corriam na direção oposta a que eu estava tentando ir e, por duas vezes, trombei e caí. Ouvi um rugido terrível e uma lufada poderosa de vento limpou o ar momentaneamente.

Lá estava a criatura, levantando voo sem nem olhar para trás. Seu tamanho era descomunal, bem maior do que as histórias contavam, mas era de se esperar, já que palavras não conseguiam descrever o terror que as pessoas sentiam na sua presença ou a destruição que causava.

—Maldito seja! – Somente as chamas responderam ao meu desafio com seu crepitar ensurdecedor, enquanto a fumaça novamente tomava as ruas. Aproveitei aquele breve intervalo ocasionado pelo deslocamento de ar provocado pelo dragão para correr em direção à forja.

A casa era modesta, feita de madeira e telhado de palha como todas da vila, e a forjaria ficava na lateral direita. Eu havia trabalhado incontáveis dias e noites naquela forja, meu pai me ensinando como moldar o aço: “Cada martelada tem que ter a força de um gigante e a doçura de uma elfa”, dizia enquanto o metal tomava forma. Depois a peça de aço ia para o balde com água e de volta ao fogo, uma chama que, mesmo forte o suficiente para derreter aço, alimentada pelos foles que eu e meu pai utilizávamos, era apenas uma brasa se comparada à fúria que o fogo daquele dragão impunha.

O telhado da forjaria estava completamente engolfado em labaredas vermelhas. Olhei pela porta, que estava escancarada, mas não havia ninguém lá.

—Pai! Mãe! Leo! Kriss! – gritava o nome da minha família de forma desesperada enquanto tentava de todas as formas abrir a porta.

Minha respiração ardia e meus olhos estavam completamente embaçados, se pela fumaça ou pelo desespero não sei dizer. A porta finalmente cedeu quando colidi com todas as minhas forças contra ela. Porém o cenário lá dentro parecia ter saído diretamente do inferno. Tudo estava em chamas e a fumaça deixava difícil distinguir qualquer coisa, exceto um vulto no chão. Era Kriss, minha irmã. Desesperadamente a agarrei e a arrastei para fora, estava desmaiada, mas parecia viva.

—Leo! Cadê você? – gritei enquanto me aventurava novamente dentro daquele pesadelo procurando meu irmão caçula.

Leo fez apenas cinco invernos no ano passado, mas já me via como seu herói, dizia que queria ser ferreiro como o pai e brandia as ferramentas com aquela jovialidade que as crianças têm. Meus olhos estavam inundados de lágrimas e dessa vez eu sabia que a fumaça não era a principal culpada.

Adentrei mais na casa, fui até o quarto que meus irmãos e eu dividíamos e tudo ardia, meus poucos pertences já não passavam de chamas que dançavam como que em uma chacota aos meus esforços. Fui até o quarto de meus pais, mas a porta estava barrada por alguma coisa do outro lado. Gritei e gritei, me atirei contra a porta diversas vezes, mas era inútil, a fumaça estava muito densa e preta, me fazendo tossir terrivelmente. Minha cabeça já começava a ficar pesada e sentia a consciência se esvaindo de mim.

Quando parecia que eu ia tombar ali mesmo e ser engolido pelas chamas, senti que alguém me segurou e levantou, a pessoa colocou meu braço por trás de seu pescoço e me conduziu para fora. Bem a tempo, porque o telhado da casa desabou numa explosão de fuligem e brasas.

—Você quer se matar, homem? – A voz era áspera, mas amigável. Olhei para cima e vi o rosto de Aiden. Era só o que me faltava. Ser salvo pelo irmão da garota que eu amava, isso iria me ajudar muito a conquistar a mão dela.

—Sai! Você... desapareceu! Deixou a... Aila sozinha! – balbuciei enquanto lutava para voltar para dentro da casa, porém ele me arrastava para fora. -Me solta, Aiden, minha família está lá! – Eu arfava de maneira frenética e soquei com força o ombro dele.

—Não tem ninguém lá, só a morte, Noah! Ei, Thrain, me ajude aqui com ele, não para de se debater. – Aiden chamou por detrás do ombro enquanto eu tentava dar outros socos nele.

—Aye, sim, senhor!

Uma voz grossa e retumbante soou em concordância ao mesmo tempo que uma dor profunda e aguda se fez sentir na minha nuca e eu fui escorregando devagar para o mundo dos sonhos. A última coisa que ouvi foi:

—Eu não falei para apagar ele! Todos os anões são assim? – A voz exasperada do irmão de minha amada ressoou na minha mente, que já flutuava à deriva no mar na inconsciência: Anões aqui em Edwainburgo... espera até eu contar para minha mãe, ela não vai parar de rir... e Leo então, vai querer perguntar sobre os segredos das forjas anãs...

A última coisa que me lembro antes de me entregar foi do sorriso de minha mãe, com seus cabelos cor de mel e suas mãos grossas do trabalho, sempre tão carinhosa, tão doce... O fogo havia levado tudo de mim. Meu irmão, inocente, completamente entregue ao seu sonho de ser igual ao pai... aquele garoto seria tão melhor do que eu nunca fui! E meu pai, forte como um touro, sempre ao nosso lado, o homenzarrão que chorava como uma garota quando um de seus filhos ficava doente ou se machucava. O monstro os levara, suas chamas tiraram de mim tudo o que eu tinha, e naquele dia eu jurei por todos os deuses que eu iria achá-lo e matá-lo.

⚜️⚜️⚜️

Finalmente encontrei Aiden. Ele olhava a vila por uma das frestas do corredor dos arqueiros e estava sozinho, seus ombros caídos entregavam que não estava tão bem como demonstrava nos momentos em público.

—Aiden... – disse em voz baixa para anunciar minha presença, ele não desviou seu olhar. Aproximei-me e segurei sua mão. – Aiden, conversa comigo. O que está acontecendo?

—Nada que te diz respeito, Aila, não precisa se preocupar.

Havia certa frieza em suas palavras e cheguei a pensar que ele se afastaria, mas senti seu polegar fazendo carinho em minha mão. Talvez ele não estivesse tão distante por querer, talvez fosse algo que cobravam dele. Abri a boca para fazer a pergunta, mas antes que qualquer som saísse, ouvimos o barulho de cascos se aproximando. Olhei pela fresta, como Aiden, e nós dois observamos em silêncio a carruagem se aproximar.

—Quem será? – questionei depois de alguns instantes.

—Não sei – disse Aiden, mas eu não sabia se acreditava completamente em suas palavras, não me pareciam tão sinceras.

Continuamos observando quando uma mulher desceu. Vestia negro dos pés à cabeça e um véu rendado escondia seus cabelos, parecia ser linda. Por um breve segundo ela olhou para cima, como se pudesse nos ver ali, mas era impossível. E, mesmo que fosse, a escuridão não permitia, eu quase não conseguia reconhecer a silhueta do meu próprio irmão bem ao meu lado. Quando a mulher sumiu de vista, Aiden pareceu despertar de seu estupor e se afastou apressado.

—Aiden, espera! Quem é ela? O que está acontecendo?

—Fique onde está ou vá para o seu quarto, Aila – Ele não virou e não diminuiu seus passos ao dizer aquilo.

—Aiden!

Aiden era rápido demais e minha falta de destreza junto ao vestido que dificultava uma corrida me impediam de me aproximar. E, de tanto me apressar para tentar alcança-lo, comecei a sentir todo aquele esforço cobrando seu preço.

—AIDEN!

Sentei-me bruscamente. O grito havia ultrapassado as barreiras da inconsciência e escapara pela minha garganta.

—Minha senhora! Graças a Deus! – exclamou Enne esbaforida ao meu lado.

—Enne... O que aconteceu? – Levei imediatamente a mão à cabeça, onde uma leve dor começava.

Estava caída no chão de pedra e quase não enxergava nada ao meu redor. Senti as mãos de Enne me apoiando e me ajudando a levantar.

—Precisa se deitar, Aila. Acredito que tenha sofrido um desmaio e batido a cabeça, por pura sorte encontrei-a aqui.

—A vila... – sussurrei ao lembrar vagamente do que tinha visto.

—Infelizmente a vila pegou fogo, mas não sou a pessoa mais indicada para lhe dar as notícias.

—Aquela criatura, Enne! – Fechei os olhos ao me lembrar do horror de escamas e fogo.

—Não se preocupe, Aila, tudo vai ficar bem agora. Aiden está de volta.

Parei abruptamente momentos antes de alcançarmos meus aposentos.

—Aiden? – Não sabia mais se tinha ouvido direito ou se ao cair tinha batido a cabeça tão forte que agora começava a alucinar.

—Sim, Aila. Aiden voltou.

O sorriso de Enne era lindo como o nascer do sol, senti aquele sorriso me aquecendo e espalhando o alívio de saber que meu irmão estava vivo para cada um dos meus membros, logo senti minhas forças renovadas.

—Onde ele está? Preciso vê-lo! – Comecei a dar as costas a Enne para procura-lo, mas ela me impediu.

—Você precisa descansar, prometo que ele virá vê-la em instantes. Venha.

Deixei-me ser guiada por ela até o meu quarto, mesmo que quisesse sair correndo a procura de meu irmão em cada canto, exatamente como fazíamos quando éramos crianças. Aiden de volta me parecia ainda um sonho distante.

Enne se sentou em frente à penteadeira e começou a desfazer as tranças que fizera mais cedo em meus cabelos, que já estavam arruinadas. Observei-a trabalhando, suas mãos não estavam mais tão firmes e ela evitava contato visual através do espelho, eu a conhecia demais, era como se me escondesse alguma coisa. Quando finalizou o trabalho de desfazer tudo e ia começar a refazer eu a impedi.

—Não, deixe como está. - Virei e segurei suas mãos. -Há algo que queira me contar, Enne? Algo que eu precise saber antes que meu irmão entre por aquela porta?

Ela suspirou antes de finalmente me olhar nos olhos.

—Seu irmão não chegou sozinho, Aila. Trouxe alguns amigos e... – Houve uma pausa antes que ela reunisse coragem suficiente para continuar, apertei suas mãos demonstrando meu apoio. – Noah estava com ele.

Noah? Com meu irmão? Aquilo não estava fazendo o menor sentido. A vila. A vila tinha sido completamente queimada pela criatura. O incêndio na vila...

—Ai meu Deus, Noah! Ele está vivo? Como ele está, Enne? Preciso vê-lo.

Já não controlava mais minhas ações, então era isso que Enne tanto escondia e tinha medo de me contar. Meu irmão teria trago o corpo do meu amado? Morto? Não podia ser.

—Acalme-se, Aila – disse Enne me segurando pelos ombros antes que eu pudesse escapar daquele quarto. -Ele não está morto. Acalme-se, tudo vai ficar bem.

As lágrimas começaram a rolar pelas minhas bochechas antes que eu pudesse impedi-las. Era informação demais e nenhuma estava completa. Eu não estava preparada para lidar com tanta coisa de uma só vez. Escondi o rosto nas mãos e senti Enne me abraçando. Ela estava certa? Aquela doce amiga estava realmente certa ao dizer que tudo ficaria bem?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Redenção" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.