Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 20
Capítulo 19




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Ao chegar no final das férias Jean se mudou para São Paulo por causa de seu estágio como Cardiologista infantil, ao mesmo tempo que eu estava feliz pela conquista dele, também estava triste com sua ausência. Estava em um apartamento enorme, porém vazio, nunca havia ficado realmente sozinha desde quando vim para essa cidade. Primeiro eu tinha as meninas do pensionato, depois veio Jean para deixar minha vida agitada e não fiquei sozinha por nenhum minuto do meu dia.

— Veja o lado bom Cat, posso me jogar de vez nos estudos e melhorar minhas notas.

Estava reprovada, eu não era mais a melhor aluna da turma como eu sempre fui em todos os anos do colégio, minha mãe tinha um tremendo orgulho de sempre receber medalha por ser a melhor. Ela sentiria vergonha de como estão minhas notas e de ter sido reprovada pela primeira vez. Mas esse semestre farei diferente, vou usar a ausência de Jean para me dedicar aos estudos.

Preciso aprender novamente a me virar nos trinta sem ele aqui, estava pensando em começar a tirar uma carteira de habilitação para ter mais autonomia, será que Jean vai se orgulhar de mim? Acho melhor fazer uma surpresa para ele.

Entreguei as papeladas que precisava para iniciar o período, espero que não tenha tanto drama na minha vida como período passado, nunca mais vou faltar aula e muito menos deixar de fazer alguma prova ou deixar algum trabalho atrasar. Vou correr atrás do prejuízo e vou voltar a ser a melhor.

Vejo o Sucão, me lembro de quando Jean me abordou e fez meu tour pela faculdade. Nossa Cat como está tão sentimental assim, em breve estarei com ele, não sei como fiquei tão emotiva. Penso em ligar para as meninas, mas com a distância que ocorreu não sei por onde começar a conversa, não sei se aceitarão algum convite depois de tanto tempo sem visitá-las ou falar com alguma delas.

A semana passou arrastada e não estava afim de sair com os amigos de Jean, pois com certeza ele ficaria bravo comigo por sair sem a presença dele para algum lugar, diz ele que mulher comprometida que sai sem o namorado por aí é piranha e o namorado frouxo. A última coisa que eu quero é deixar Jean furioso e com imagem ruim diante dos outros.

Antes de Jean partir para São Paulo, prometeu-me que iria me visitar todo fim de semana, decidi ficar sempre esperando ele arrumada caso ele quisesse sair ou chegar com alguma surpresa. Com a chegada do fim do dia, fui ao salão para ficar linda para o Jean, faço o cabelo, unha, depilação, esfoliação corporal e estava linda.

Ao chegar em casa decido pedir comida japonesa enquanto terminava de me arrumar. Estava animada por ser a primeira semana longe de Jean e a saudade apertava em meu peito. Escolho uma lingerie preta que vou usar por debaixo de um vestido vermelho e estava quase pronta, a maquiagem estava linda, nunca imaginei que estaria me maquiando daquele jeito, se alguém no início do ano me falasse sobre alguma coisa de maquiagem, eu não iria entender nada e aqui estou eu, fazendo a minha maquiagem perfeita.

O telefone toca e no visor estava escrito: Meu Amor. Meu coração dispara na mesma hora e eu atendo.

— Oi meu amor, já está chegando?

Estava calçando os sapatos para finalizar o visual perfeito para aquela noite.

— Cat... Não poderei ir para casa hoje, surgiu um imprevisto e vou ficar esse final de semana aqui.

— Que imprevisto? Eu estou com saudades Jean.

— Um imprevisto aqui do trabalho. Olha eu prometo que recompenso semana que vem e te levo para jantar, mas agora tenho que ir amor. — Ele simplesmente desliga o telefone na minha cara.

Eu me olho no espelho e vejo como estava bonita. Me sinto frustrada por ter passado o dia inteiro me preparando para a chegada dele, basicamente foi um balde de água fria. As lágrimas que rolam pelo rosto fazem a minha maquiagem borrar, agora tudo que me resta é me desmontar, conforme eu ia tirando a maquiagem, os brincos, mais eu me sentia triste e desamparada, apenas queria um fim de semana com ele e tudo que tinha feito hoje tivesse valido a pena.

****

As semanas foram se passando e as ligações foram cada vez mais raras, toda vez que eu ligava ia direto para a caixa postal, as promessas de Jean eram sempre as mesmas, que iria me recompensar no próximo fim de semana, já havia passado um mês e nada do Jean vir, sugeri de eu ir então e ele não permitiu.

— O que vai fazer aqui se eu vou estar no trabalho? Tá louca? Não vai adiantar de nada você aqui, só vai me atrapalhar e vai gastar dinheiro sem necessidade.

— Você tem razão, me desculpa amor, é apenas saudade falando mais alto.

— Mais uma coisa Catarina... Não fique me ligando, isso também está atrapalhando e me deixou em uma saia justa da última vez. Eu não posso usar o celular no trabalho e você sabe disso. – Diz Jean sussurrando no telefone.

— Desculpa eu não queria arranjar problemas para você.

— Tenho que ir, te ligo depois e não demore para atender.

****

Eu fui me cansando de esperar o próximo fim de semana. Sempre me dando uma desculpa atrás da outra, ele estava cada vez mais distante de mim e a saudade aumentava. Até que um dia saindo da faculdade e indo pegar um táxi para casa, quando esbarro no corredor com Sérgio.

— Catarina, como está?

— Estou bem, o que está fazendo aqui? Achei que tinha se formado.

— Eu me formei, só vim pegar alguns documentos para o trabalho. Mas me fala...você tem conseguido falar com Jean? Eu ligo para ele e ele não atende. Quando ele vem te visitar?

— Ele está trabalhando muito e não sei quando ele vem. – Digo cabisbaixa e desvio o olhar de Sérgio.

— Faz muito tempo que não se veem?

— Ele apenas está ocupado, mas aviso que você perguntou sobre ele.

Quando decido ir embora, Sérgio dá uma risada e continua:

— Ele deve estar comendo as enfermeiras, aquele safado.

— Por que diz isso?

— Você não o conhece direito, eu conheço Jean há anos e sei muitas histórias. – Ele para na minha frente e segura meu queixo. — Você apenas conhece a ponta do iceberg, e para o seu bem, não fique esquentando a cabeça com isso e curta tudo o que ele está te proporcionando.

Ele solta o meu queixo, sorri para mim e sai balançando a cabeça de forma negativa, dá para sentir seu sarcasmo e isso deixou a minha cabeça a mil por horas, será que Jean seria capaz de me trair? Mas ele me ama, eu o amo, estou morando com ele, não é possível que esteja me traindo. Sérgio o conhece há mais tempo que eu, não iria brincar com isso sabendo que sou a namorada dele. Meus pensamentos estavam acelerados, imaginando ele com outra, será que era por isso que mal me ligava? Está quase fazendo dois meses que não me visita e se ele estiver mesmo? Eu fico no aguardo da ligação de Jean o dia todo, agora não poderia mais ligar para ele, tenho que esperar ele me ligar para não atrapalhar ele no trabalho.

As palavras do Sérgio ficam martelando a minha cabeça, minha intuição diz que tem algo ali, não seria a primeira vez que algo do gênero estava para acontecer, mas ele sempre me disse que é um homem íntegro, sei como as mulheres se jogam aos pés de Jean, com ele longe a minha insegurança grita dentro de mim, eu preciso tirar essa dúvida com meus próprios olhos. Decido ir até São Paulo e entro no primeiro ônibus para lá, sei que Jean ficará furioso, mas essa dúvida estava me matando, talvez eu esteja errada, mas se Sérgio o conhece bem e disse com tanta certeza que ele pode estar me traindo, talvez não seja má ideia. Afinal ele o conhece a mais tempo que eu, os homens fazem tudo juntos e tenho certeza que Sérgio deve saber tudo sobre Jean.

Entro em um táxi e decido aparecer no trabalho de Jean. Meu coração bate forte, minha respiração está pesada, estou suando mais que tudo e não consigo ficar calma. O táxi chega até o meu destino, desço do carro, mas quando estou entrando no hospital, vejo Jean com uma prancheta, uma enfermeira loira mexendo em sua gravata e os dois estão rindo. Meu corpo está no automático, ando até eles e Jean me olha assustado.

— Catarina? O que faz aqui? - A enfermeira me olha com desdém.

— Quem é ela jê? – Pergunta a loira.

— Então é isso? Você está me traindo Jean? – As palavras fogem rapidamente pela boca e meu estômago embrulha

— Não fale merda Catarina, venha comigo. – Ele me pega pelo braço e me tira dali rapidamente.

— Por isso você não quer me ver? Você está com ela agora? – Digo chorando e Jean está com os lábios cerrados, eu conheço aquele olhar e sei que ele está furioso.

— Eu estou trabalhando, não posso perder tempo com você agora. – Ele pega um molho de chaves e tira uma chave para mim. — Vá para meu apartamento e me espere chegar para gente conversar.

— Perca de tempo? É isso que sou para você agora?

— Catarina se recomponha. – Ele pega a minha mão, coloca a chave e aperta com força. — Aqui não é lugar, eu vou sair do trabalho daqui há alguns minutos, eu te encontro lá e não me faça passar mais vergonha.

Ele entra no hospital me deixando chorando e desolada. Eu faço o que ele me pede e pego um táxi para ir até o apartamento dele. Ao chegar no apartamento percebo que as caixas da mudança ainda não foram abertas, o lugar estava uma bagunça, algumas embalagens de comida vazias sobre a bancada da ilha, parecia que não estava sendo muito usado o apartamento e me questiono se ele realmente estava morando ali ou em outro lugar.

Havia passado um tempo e nada do Jean vir para casa, decido arrumar suas coisas no lugar pelo menos e limpar da maneira que dava aquele apartamento. Após algum tempo Jean chega e eu estava sentada na sala, ainda não tinha acendido todas as luzes, ele sai acendendo algumas luzes e vai até a cozinha me ignorando completamente, pega uma garrafa de cerveja, abre e começa a beber no gargalo.

—Não vai me falar nada? Eu mereço uma explicação Jean. – Digo ficando em pé com os braços cruzados no meio da sala.

— Você quer uma explicação de quê? – Ele bate à porta da geladeira com força, fica parado entre a sala e a cozinha que também tinha estilo americana com conceito aberto.

— Do que eu vi. Me fala a verdade Jean. Você está me traindo com aquela enfermeira?

— De novo essa história? - resmunga Jean, irritado — Você acha que sou um moleque Catarina? Se esqueceu com quem você está?

— Não desconversa, Jean. Por que estava tão próximo daquela enfermeira?

— Eu trabalho com várias estagiárias e não enfermeiras, por sinal eu estava trabalhando. Você veio até meu trabalho coisa que eu pedi para não fazer, me aparece nesse estado e se acha no direito de me questionar sobre meu caráter!

Não havia reparado que estava com os cabelos bagunçados, não tive tempo de me arrumar e estava mal arrumada.

— Catarina, eu tô aqui trabalhando muito, pegando plantões para receber mais e ser bem visto, para você simplesmente vir e me chamar de moleque?! Tô pensando em nosso futuro e você enchendo a cabeça com besteira! Dá onde você tirou essas ideias?

— Desculpa amor falei besteira, como sou burra, me desculpa. – Me aproximo dele, mas quando vou tocá-lo, ele simplesmente se esquiva.

— Ainda bem que sabe, olhe para seu estado, ainda me fez passar vergonha no trabalho, queria fazer um escândalo e acabar com a minha carreira?!

Como você é burra Catarina, em achar que ele poderia estar te traindo, agora ele está furioso, estou dando mais motivo dele me abandonar e ficar com aquela loira que por sinal era linda e tinha postura.

— Eu quero que vá para casa agora, do mesmo jeito que você veio parar aqui e por favor, pare de me fazer passar vergonha.

Ele abre a porta do apartamento para mim, simplesmente vira a cara quando passo, e bate com força atrás de mim, desta vez passei dos limites, como fui estúpida, não confiei em nenhum momento nele e sinto que posso perder Jean a qualquer momento.

****

Ao chegar novamente na cidade, estou muito mal para voltar para casa, precisava de um colo, algum ombro para chorar, quando percebo estou na frente do pensionato, o taxista vai embora me deixando ali sozinha na incerteza, faltava algumas horas para amanhecer, só tinha uma pessoa que queria ver e quando bati no portão foi exatamente ela que abriu.

— Betina. – Digo tentando segurar o choro.

— O que faz aqui a essa hora? Quase acordou a dona Esther. – Ela me puxa para dentro.

Entramos silenciosamente dentro da pensão em direção ao quarto de Betina. Olho para o que um dia foi meu cantinho, ainda este vazio e parecia menor.

— Conte-me o que aconteceu?

Eu desabafo com Betina entre lágrimas e soluços, sentada na cama e confesso o grande medo que tenho de perder Jean. Betina está séria apenas me olhando, parada em pé perto da porta, parece não estar comovida com a minha dor.

— Você realmente mudou, não esperava te ver nesse estado.

— Eu.... Eu sei que mudei algumas coisas, mas eu ainda sou a Catarina de sempre.

— Eu acho que você precisa focar em você. Aproveitar que Jean está longe, ele tá focado no trabalho, aproveite e faça algo por você, em vez de ficar chorando e achando que ele vai te deixar.

— Eu o amo Betina, me sinto uma estúpida.

— Catarina, não se sinta assim, essas coisas acontecem e ele dá motivo para isso.

— Ele está certo, eu que tô errada em humilhar ele daquela maneira.

— Você está se ouvindo Cat? Não é sua culpa e você não o humilhou.- Betina se ajoelha diante de mim.

— Você nunca gostou dele né? Sempre tentou fazer ele parecer um vilão. – Eu me levanto irritada. Não deveria ter vindo.

— De novo isso? Quer saber, fora daqui e não volte mais. – Ela abre a porta do quarto. — Boa sorte com seu príncipe encantado.

— Ele estava certo sobre você, eu que fui burra vindo até aqui.

Saio do quarto de Betina, Dona Esther estava de camisola parada no meio do caminho, me olhando de cara feia, eu passo por ela e saio quase correndo do pensionato, dou uma última olhada e prometo em silêncio nunca mais pôr os pés ali.

****

A época do início das provas se aproximava, estava me dedicando aos estudos, algumas palavras de Betina ficavam rodeando minha cabeça, decidi fazer algo por mim: vou tirar carteira de habilitação. Agora a minha rotina estava entre faculdade, autoescola e pilates. Não queria ficar a vida toda dependendo do carro de Jean ou de táxis para ir aonde eu precisasse.

— Vamos falar sobre a prova. A nota será dividida entre um seminário em grupo e uma prova. O grupo tem que abordar algum tema visto durante nossas aulas e o resto das instruções vou enviar por email.

Eu olho para todos da turma e vejo alguns grupos se formando, eu não havia reparado que quase não fiz amizade com pessoas da minha turma. Estava ocupada demais com Jean na minha vida e não reparei que sinto falta de ter algum amigo por perto.

— Ei! Catarina né? – Um rapaz se aproximava de mim. Tinha cabelos pretos, cacheados, era alto e franzino. —Tem grupo?

— Não, eu ia pedir para o professor se dava para eu fazer sozinha.

— Você pode fazer com a gente. – Disse uma menina loira, cabelos longos e soltos.

— Obrigada, aceito o convite.

O grupo era composto por dois meninos e duas meninas, contando comigo. Rodrigo era o menino que falou comigo, seus cabelos cacheados estavam com bastante gel, sempre pareciam molhados, Carla era a loira que só usava blusas de barriga de fora, Bruno que usava dread no cabelo, estava sempre de óculos, alguns diziam que ele vendia algumas coisas que ajudavam os alunos a ficarem acordados para estudar. Não era um grupo que eu escolheria, mas não estou em posição de escolher.

— Temos que achar um lugar para estudar, esse trabalho será pesado, então vamos precisar dos próximos fins de semana só para fazer ele e podemos estudar para as provas juntos.- Disse Carla enquanto todos saímos da sala e íamos para o estacionamento.

— Eu não quero ficar gastando passagem para ficar vindo para a faculdade. – Disse Bruno.

— Eu posso pegar você de carro e a gente vem pra cá. - Sugeriu Rodrigo.

— Vamos passar a semana toda na faculdade? Isso é horrível, vamos fazer na casa de alguém. – sugere Carla.

— Pode ser no meu apartamento, vamos ter bastante espaço e privacidade. - afirmo.

Todos concordaram e eu fiquei animada, afinal estava sendo horrível para mim ficar sozinha por tanto tempo, havia algumas vezes que eu passava dias sem ouvir minha própria voz, a solidão era absurda, mas vou ter folga dela por um tempo com esse grupo, quem sabe eles podem se tornar meus novos amigos? Sinto saudade dos velhos amigos, mas talvez eu consiga manter estes.

****

O primeiro fim de semana chega, eu havia preparado tudo para ser incrível e ser uma boa anfitriã, havia vários biscoitos, alguns lanches e bebidas, para todos os gostos de meus convidados. O apartamento estava limpo, havia colocado uma música ambiente bem baixinha para quando eles chegassem.

A campainha toca e quando eu abro a porta, ali estavam os três parados na porta.

— Sejam bem-vindos.

Eles entram olhando detalhadamente o lugar, eu conheço aquele olhar e sorrio, sei bem como é essa sensação.. Sei que todos ficam surpresos com o tamanho e beleza do lugar.

— Então é aqui que está morando o casal mais falado da faculdade? Onde está o Jean? – pergunta Carla, curiosa.

— Ele está em São Paulo a trabalho. E como pode ver somos um casal como qualquer outro.

Às vezes me esqueço que Jean é como uma celebridade, estava começando a me acostumar sem toda aquela atenção para gente. Com sua ausência não sou parada no corredor para responder perguntas para o jornal, não tem foto minha circulando por aí, muito menos pessoas sussurrando pelos cantos. Estou começando a achar que Jean está caindo no esquecimento de todos e para mim isso é ótimo, não haverá mais assédio de nenhuma garota com Jean, não preciso estar sempre sorrindo forçadamente quando alguém se aproxima, mas sinto falta do Jean e como nos divertimos muito.

— Vamos começar? – pergunta Bruno tirando o notebook da mochila.

Após algumas horas conversando sobre o trabalho, quase todas as vasilhas de biscoito vazias e garrafas no fim. Estava decidido algumas partes importantes.

— Então quem será a dupla maravilhosa que vai fazer as entrevistas com as mães? – pergunta Carla erguendo a sobrancelha.

— Eu posso ir, mas uma das meninas precisa vir. – Diz Rodrigo.

— Eu não vou. – Dispara Carla, não tive nem chance de negar.

—Você vem comigo, Catarina?

— Sim, se faz parte do trabalho e não tem outra saída...

—Você me liga quando quiser ir, vou estar esperando. – Diz Rodrigo um pouco nervoso.

Todos começam a sair, novamente o vazio do apartamento se tornou sufocante, aquele vazio era muito torturante, mesmo colocando música parecia não preencher e muito menos espantar a solidão que eu estava sentindo.

****

A semana estava sendo corrida, para mim estava sendo ótimo, me distraia de tudo, até mesmo esquecia há quanto tempo que Jean não falava comigo, eu não ficava mais grudada ao telefone esperando sua ligação e depois me afogava na poça de lágrimas que eu fazia. Entretanto, aquela semana estava sendo incrível, Carla estava se mostrando uma ótima amiga, ela era uma mistura de Tiemi e Betina. Pergunto-me como está Tiemi? Será que ela conseguiu realizar seus planos?

— Catarina...Posso te falar uma coisa? – Pergunta Carla sussurrando por conta dos meninos que estavam perto.

Toda vez que Carla vinha com o assunto relacionado a revista de fofoca da faculdade, os meninos a repreendiam. Eu aceno com a cabeça para ela falar o que ela queria.

— Você é muito diferente do que eu li nas notícias. Sei lá, você parece ser uma mulher forte, até mesmo superior a Leticia, não tem nada a ver com a Catarina que descreveram.

— Como me descreveram? – Fico curiosa.

Jean havia me falado para nunca ler essas revistas, nem ler as notícias que saiam sobre nós, pois eram tudo mentira e só iriam me fazer mal.

— Bom...Você era uma menina do interior, metidinha e interesseira, só estava com Jean por conta do luxo.

— Isso é mentira, eu me apaixonei por Jean, ele também me ama, nunca foi por interesse e sim por amor. Eu sou sim uma menina de interior, mas não sou metidinha.

— Infelizmente é o que todos pensam. Ignora, Catarina, as pessoas têm que começar a conhecer a outra melhor, não só pelo que os outros dizem e sim ver para crer. Afinal, você viu algo em Jean para se apaixonar e deve o conhecer bastante agora.

Aquelas últimas palavras de Carla fizeram meu peito apertar, será que conheço o Jean o suficiente? Por que eu fico tão aflita ao ponto de não saber se é tudo verdade o que ele diz para mim? Por que eu não consigo acreditar com toda a certeza que ele está em São Paulo apenas trabalhando?

****

As entrevistas tinham seus altos e baixos, não eram todas as mães que aceitaram ser entrevistadas para nossa pesquisa, estávamos já no terceiro dia de entrevistas e ainda não tínhamos batido a meta de dados.

— Chega, estou cansado, quer ir tomar um sorvete? – pergunta Rodrigo guardando as nossas bolsas no carro dele.

— Prefiro ir para casa e me jogar no sofá.- Entro no carro dele praticamente me jogando no banco do passageiro.

— Podemos passar em alguma conveniência, comprar um pote de sorvete e ir para seu apartamento. E eu posso fazer a massagem nos seus pés. - sugere Rodrigo enquanto liga o carro e sorri para mim.

Não sinto maldade alguma vindo de sua proposta, acho que não haveria problema algum em passar algum tempo com algum amigo. Apenas concordo e fazemos conforme o planejado. Ao chegar no apartamento eu pego colheres e taças.

— Não precisa de taça, vamos comer direto do pote, nunca fez isso? – Rodrigo senta no sofá e começa a se ajeitar.

— Sinceramente, a primeira vez em que fiz isso tem menos de um ano e já parei - respondo com certa tristeza ao lembrar das meninas — Minha mãe não tinha como comprar sorvete para mim... Quando comecei a ter dinheiro, comprava casquinha de vez em nunca e agora estou de dieta e fazendo uma bateria de exercício para manter o meu corpo.

— Então vamos sair um pouco da normalidade. Sente-se aqui e vamos comer.

Era estranho me sentir à vontade com um outro homem, mas Rodrigo me passava aquela tranquilidade e confiança, estava gostando de nossos momentos juntos, ele se tornou um grande amigo em pouco tempo, era exatamente assim como eu me sentia com Patrick.

Rodrigo começou a me contar um pouco sobre si, me senti à vontade e falei um pouco sobre mim, vimos que éramos parecidos. Ele também teve uma infância difícil, por isso gostava de dar certos mimos para si, como poder comer um pote de sorvete sozinho.

— Algumas pessoas não entendem como um simples pote de sorvete pode significar tanto para alguém como nós, somos adultos e podemos realizar os sonhos que tínhamos quando criança, eu sempre quis comer muito sorvete. Então prometi a mim mesmo, que quando eu fosse adulto eu ia fazer isso por mim. – Ele enche uma colher de sorvete e coloca dentro da boca.

Acabei dando gargalhada pois ele congelou o cérebro, suas caras e bocas foram hilárias.

— Acho melhor pegar leve no sorvete. – Digo rindo.

— Mas e você? O que a pequena Cat desejava fazer? – Ele foi para a ponta do sofá, pegou meus pés e começou a massagear.

— Eu já realizei alguns, e estou em busca do principal. Um dos meus sonhos era ter roupas bonitas, iguais as das atrizes de novela, que não tivesse remendos e nenhum sapato falso. Sabe, até hoje eu guardo o primeiro tênis que minha mãe comprou para mim.

— É muito bom isso, fico feliz que seu namorado tenha realizado seu sonho.

Eu fico em silêncio, me lembro como foi a minha transformação e Rodrigo muda o assunto rapidamente.

****

As últimas semanas antes das provas chegaram, estava quase completando quatro meses sem Jean falar comigo, mas durante o último tempo de aula, ele me ligou. Sai correndo da sala praticamente para atender a ligação dele.

—Por que demorou tanto? Sabe que não posso demorar nas ligações.

—Estava em aula meu amor, desculpa a demora, como você está? Já sabe quando vem me ver?

— Não sei quando vou poder te ver, talvez você possa vir para cá novamente, quero te apresentar a algumas pessoas importantes para mim e preciso de você aqui bem bonita e elegante.

— Quando seria isso?

— Mês que vem vai ter uma festa aqui do hospital, será um jantar de gala e não quero aparecer sozinho.

— Minhas provas são mês que vem, não vai dar para eu ir. E eu ainda tenho um trabalho em grupo para entregar.

— Você reclama que não estamos nos vendo, vive falando que está com saudade e agora não quer vir? Falte algumas provas, isso não vai te prejudicar, depois você faz a recuperação e está tudo certo.

— Eu não posso, Jean.

— Vai mesmo me deixar na mão, Catarina? Tem certeza disso? Como você quiser.

Novamente ele desliga na minha cara, meu coração aperta no peito. Fazia tanto tempo que não ouvia sua voz, achei que tinha esquecido como era. Estava cada vez mais complicado esse relacionamento a distância, depois das provas eu vou começar a ir para lá, não posso deixar meu relacionamento cair em ruínas e perder Jean desta maneira.

****

Era o último final de semana com o pessoal na minha casa, estávamos orgulhosos de finalmente finalizar o trabalho, agora é só chegar semana que vem e apresentar.

— Eu acho que a Catarina que deveria apresentar o trabalho. – propõe Rodrigo.

— Não...Carla seria bem melhor para isso. – Sugiro.

— Temos um problema. – avisa Bruno preocupado, olhando o e-mail de recomendação do professor.

— O que foi? O computador apagou de novo?

—Banners, esquecemos dos banners.

Todos olham uns para outros, um silêncio impera na sala por um tempo.

— É difícil fazer, caro de pagar e eu não recebi ainda. – informa Bruno.

— Eu tô duro. – revela Rodrigo.

— Também não recebi. – afirma Carla sentando como se fosse desmaiar.

— Eu pago e depois vocês me pagam - digo tentando acalmar os ânimos — agora vamos finalizar de uma vez por todas esse trabalho.

Afinal o dinheiro que estava na conta dá e sobra para o mês todo, como é para meu uso não vi problema algum em usar para um trabalho. Pagamos por três banners, ficou combinado do pessoal pagar só por um e os outros dois eu iria custear sem problemas.

— Merece uma comemoração esse trabalho, que tal a gente ir para uma balada? – Sugeriu Carla toda animada.

— Melhor eu não ir... - recuso sem graça.

— Sem você não tem graça, Catarina. Não é possível que sua vida seja apenas faculdade! – Disse Rodrigo. — Eu posso ser seu motorista particular esta noite.

— Jean pode estar para chegar.

— Ele não vem há meses, não vai ser justo esse fim de semana que ele virá né? Ele iria avisar não é mesmo? - questiona Carla.

Sinto-me tentada com a oferta, estão todos me olhando, me sinto feliz novamente, não queria perder essas amizades que fiz, os dias passam mais rápidos com eles e como Jean está longe, não vejo porque não ir uma vez na balada.

— Está bem, eu vou.

Todos comemoram e me abraçam. Era só eu não beber muito que Jean jamais iria saber dessa saideira. Marcamos de nos encontrar na balada, menos Rodrigo que vem me buscar em casa. Decido arriscar em um vestido pretinho básico, uma maquiagem carregada para noite e cabelos soltos, simples, porém elegante, confortável e deslumbrante. Desço até a portaria, Rodrigo me espera e ao me ver, fica boquiaberto

.

— Nossa , Catarina, está linda demais e...uau!

— Não é para tanto, Rodrigo, vamos? O pessoal deve estar nos esperando.

Carla estava com um vestido decotado, algumas partes tinham transparência, se Jean me visse usando um vestido daqueles, era capaz da gente nem sair, ele ia me jogar na cama e... Nossa como estou com saudade dele.

— Finalmente chegaram, a fila até que está rápida hoje. – Diz Bruno.

— Fila? Espere um minuto.

Vou até o segurança da porta e mostro o cartão de crédito do Jean. Não que fosse necessário, pois o segurança me reconheceu pelas vezes em que viemos ao local e em menos de 10 minutos meu grupo já está passando em direção ao camarote .

— Olha Catarina, desse jeito sempre vou te chamar para as baladas. – comenta Carla animada entrando.

Lembro da primeira vez que coloquei os pés ali e vou diretamente para o bar, entrego o cartão para o Barman.

— Querido, está vendo nós quatro? Tudo que a gente pedir, pendura na minha conta e passe o cartão.

— Não precisa de tudo isso , Catarina. – fala Rodrigo sem graça .

— Eu preciso me desestressar, quero curtir e quero agradar os meus amigos, meus novos amigos.

Carla me puxa para a pista e a gente começa a dançar, os meninos aparecem com as bebidas, nunca me deixam com o copo vazio. Eu me sentia livre, parecia que algo me sufocava e agora não sufoca mais, percebo alguns flashes e surge o fotógrafo para tirar uma foto da gente, nós simplesmente nos abraçamos, ficaria registrado aquelas novas amizades e ali foi o meu erro.

 


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