Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 14
Capítulo 13




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o toque de finalização do celular  veio logo em seguida. Minha mão desliza o celular pelo meu pescoço até  deixá-lo diante de mim, ao mesmo tempo em que tento processar aquela conversa. Minha mãe estava na cidade. A mesma mãe que passei a semana tentando localizar, agora estava aqui e furiosa comigo. Talvez não estivesse quando chegou, mas ao perceber que sua filha não estava na pensão estudando como imaginava e depois escutar que ela não só tinha dormido fora como tinha transado com alguém que para ela era um completo desconhecido. Balanço a cabeça tentando negar a segunda informação e torcendo para que ela não tenha escutado. Essas informações tinham de ser repassadas pessoalmente, uma conversa franca entre eu e ela, sobre tudo. Inclusive sobre os aluguéis atrasados.

 — Catarina? - chama Jean parado na porta da sala com a frigideira nas mãos — Está tudo bem?

— Minha mãe está na cidade - revelo ainda olhando para o telefone — E eu tenho meia hora para encontrá-la.

 

****

Nem mesmo o Jean correndo desgovernado atrai minha atenção como a quantidade de conversas hipotéticas com a minha mãe  que criei em minha cabeça.Quanto mais nos aproximávamos de casa, mais ansiosa fico. Um misto entre saudades e medo da minha mãe que aumentou quando finalmente estacionamos no portão de metalão. Jean desliga o veículo e tenta abrir a sua porta, sendo impedido por mim:

 

—Não - digo, nervosa — É melhor você não entrar.

—Por que não?  - questiona Jean erguendo sua sobrancelha. — Finalmente poderei conhecer a sua mãe. A mulher que colocou a namorada mais linda do mundo e que por sorte é a minha. - finaliza Jean me beijando.

—Eu sei, mas esse não é o melhor momento para você conhecê-la - digo colocando a mão em seu peitoral — Vai por mim, a conheço o suficiente para saber como ela agirá com você. Ela tem uma personalidade forte…

—E eu sou o cara que consegue agradar a todos os tipos de mulheres - argumenta Jean, sorrindo — Agradei até a velha carne pescoço daqui, não foi?

—Sim..

—Então com certeza eu agradarei a minha sogra querida - afirma Jean tirando o cinto.

— Jean, por favor - peço mais uma vez — Por mim, não entre. Deixe eu primeiro me resolver com ela e depois marcamos algo entre nós três. 

 

Ele abaixa a cabeça e então volta a colocar o cinto, o que me deixa um pouco aliviada. Pelo menos sem a presença do Jean sei que conseguirei lidar com a minha mãe. Aos poucos quem sabe não consigo inseri-lo a conversa que teremos, que torço para que seja agradável.

Ou pelo menos era isso o que desejava até entrar no quintal e ver todas as minhas roupas novas jogadas no chão, sendo observadas pelas meninas que estão com suas expressões bem assustadas. Tento me aproximar delas, mas duas vozes alteradas dentro do meu quarto que estava escancarado atraem minha atenção. Aproximo-me devagar, parando na porta ao ver minha mãe praguejando enquanto arranca as caixas de sapato e as arremessa em minha direção. Claro, tudo isso sobre a narrativa exagerada da dona da pensão:

 

— Eu te avisei, toda garota é  igual. Claro que tem umas que são bem piores… Em pensar que ela mostrou um deles  como namorado!

— Como ela foi capaz de vender o  seu corpo? - questiona minha mãe, transtornada com uma das minhas caixas nas mãos . Ela abre tirando um belo sapato de sola vermelha que havia acabado de comprar — Por sapatos!

— Mãe? - chamo da porta. As duas viram os rostos em minha direção , surpresas. Quer dizer , a da minha mãe logo se transformou em raiva, mas a Dona Esther  havia sido pega com a boca na botija e sabia disso  —   O que está fazendo?

— O que eu estou fazendo? - repete minha mãe , transtornada segurando o sapato como se fosse uma arma — Só estou conferindo o guarda roupa novo da minha filha que está cheio de coisas novas! Coisas que eu jamais conseguiria pagar, mas que segundo ela  disse para a Dona Esther, fui eu quem dei! - finaliza jogando o sapato em minha direção.

— Eu não disse isso - rebato encarando Dona Esther — Jamais disse que foi ela quem me deu!

—Bom, mas alguém deu - comenta Dona Esther erguendo os braços — Ou mais de um alguém…

— De onde você tirou dinheiro para comprar essas coisas, Catarina? - questiona minha mãe se aproximando de mim — Responda!

—  Eu ganhei! - respondo, nervosa — Tá bom, eu ganhei.

— Ah que lindo - debocha minha mãe colocando os dedos entrelaçados apoiando seu queixo — E quem foi que te deu essas coisas. Aliás, quem foi que teu deu esse vestido que está usando? Esse sapatos? - ela se aproxima ainda mais e então segura meus cabelos — O que fez com o seu cabelo?

— Pára, mãe! - digo me afastando. — Eu ganhei essas coisas, tá bom?

— Ganhou de quem? Quem é esse BENFEITOR QUE APARECEU NA SUA VIDA E LHE DEU ESSAS COISAS? QUEM?

— Sou eu - responde Jean atrás de mim. No fundo eu sabia que ele não ia respeitar o que pedi . Ele estendeu sua mão na direção da minha mãe — Meu nome é Jean Vasconcellos , sou namorado da sua filha.  Aliás, a senhora não sabe a honra que tenho em conhecê-la. Sabe, a Catarina fala muito bem da senhora, mas nem de longe chegou perto da beleza que a senhora demonstra ao vivo. 

—  É mesmo? - questiona minha mãe cruzando e me encarando — Catarina fala de mim?

— Fala muito da senhora. Tanto a ponto de sentir que a conheço há anos - reforça Jean com seu belo sorriso sedutor nos lábios. Pelo visto estava usando a mesma tática anterior  que encantou a Dona Esther. 

— Engraçado… - solta minha mãe com um leve sorriso no rosto que logo se dissipou dando lugar as suas palavras ríspidas — Ela não foi capaz de falar de você em nenhum momento durante as nossas raras ligações. Aliás, ligações que nunca mais atendeu e nem me fez, não é verdade? - questiona minha mãe me encarando.

—  Vera, Posso te chamar de Vera? - pergunta Jean.

—Não , você não pode - responde minha mãe, séria. Imagino que ela tenha achado um ato atrevido de Jean. Sabia que ele não deveria ter descido do carro.

— Dona… Vera. Acho que você precisa entender que a Catarina é uma mulher muito ocupada e por isso não tem retornado suas ligações e nem atendido. A vida acadêmica não é tão simples quanto parece para os espectadores. 

— Mas é essa espectadora aqui - responde minha mãe apontando para si — Que está financiando essa vida acadêmica e o mínimo que ela pediu para a - ela me encara, irritada —   a senhorita “acadêmica” é que ela se dedicasse aos estudos e que falasse comigo. Foi esse o nosso acordo, não foi Catarina?

—  Ela me contou a respeito. Só que agora ela está dentro da situação e foi capaz de enxergar que não era tão simples. - explica Jean.

— Porém, pelo o que vi está acontecendo o oposto do que combinamos. Ela não me atende, mente dizendo que vai me ligar e não retorna. Diz que estuda aos finais de semana , mas não para em casa. Então eu chego aqui e vejo o guarda roupa cheio de roupas de marca, sapatos que as minhas patroas se matam pra comprar… Olho para minha filha e tudo o que vejo é uma bela acompanhante de luxo. Quero dizer, você diz que é o namorado dela , mas quem garante que não é um dos seus clientes, ou pior, seu cafetão? Tudo o que sei é que nesse momento você pode ser é uma prostituta. - afirma minha mãe decepcionada.

—  Coisa que ela não é - defende Jean, sério —  A senhora está com uma péssima imagem da sua filha, imagem que com certeza colocaram na sua cabeça. Porém, nada do que parece , realmente é. A verdade é que eu dei essas coisas como presente para minha namorada.

— Ah é mesmo? E pode me dizer de onde  um moleque cheirando  a leite  tirou todo esse dinheiro para bancar a minha filha? - questiona minha mãe.

— O meu dinheiro não é da sua conta ,senhora. - rebate Jean, ríspido. Posso sentir ele mudando e se deixando levar pelo seu outro eu… aquele que sei do que é capaz . Então ele segura na minha mão firme e continua, de volta com o seu sorriso sedutor —  Tudo o que precisa saber é que eu faço tudo pelo bem da sua filha. O presentes que ela ganhou, o que ela faz no seu corpo… eu incentivo para que ela veja o quanto pode ser linda e maravilhosa.

— Minha filha já é linda e maravilhosa, como ela é - rebate minha mãe me encarando —  E ela não precisa de nada disso para provar.

— Mas ela pode ser mais e eu quero proporcionar isso a ela. A senhora querendo ou não. Acho válido ressaltar, que ela teve sorte em me conhecer ao invés de um cara bêbado que não seria capaz nem de sustentar o próprio vício.

—  Então esse é o tipo de  cara que você escolheu pra namorar? - pergunta minha mãe em minha direção com desprezo. — Está na hora de nós duas conversarmos a sós.

 

Ela entra no quarto ao mesmo tempo em que Dona Esther se afasta junto com as meninas. Encaro o Jean que continua parado ao meu lado, igual a um cão de guarda prestes a atacar ao meu sinal.

— É melhor você ir - digo  tocando em seu rosto.

— Acho que sua mãe não será minha fã número um - comenta Jean entristecido.

 — Deixe-me conversar com ela e acalmá-la. Tenho certeza que quando os ânimos se acalmarem ela vai querer te conhecer melhor. - garanto com um sorriso.

— Vejo você  amanhã ? - pergunta Jean.

— Sim, com certeza - digo dando beijo de leve em seus lábios.

 

Ele então se vira e caminha até o portão, fechando atrás de si. Ainda fica esperando até escutar o seu carror sair de frente de casa. Respiro fundo e então caminho em direção ao meu quarto, onde minha mãe me espera de braços cruzados.

 

— Pronto , aqui estou eu. - digo após fechar a porta do meu quarto. Encaro a minha mãe — Eu sei que a senhora está com muita coisa entalada na garganta, mas antes eu quero tirar uma coisa a limpo. Dona Esther me abordou há alguns dias dizendo que a senhora tem atrasado o aluguel da quitinete… Eu tentei falar com a senhora, mas o seu telefone dava ocupado… O que está acontecendo, mamãe?

— Quer mesmo saber? - questiona minha mãe estreitando seus olhos — Enquanto você estava aqui… brincando de ser rica, eu estava trabalhando. Cumprindo a minha parte do acordo que era investir em você.  Eu dei duro faxinando cada casa, sendo humilhada… subjugada… passando fome… para lhe dar um teto aqui. Porém, eu lhe disse que você teria de procurar um emprego para me ajudar nas despesas porque eu não conseguiria fazer isso sozinha. Você me prometeu! Olhou dentro dos meus olhos e me prometeu. Porém, não cumpriu e as casas que eu estava faxinando enquanto sua tia tirava um tempo para ela, já foram. Sua tia já voltou a trabalhar e eu não tenho mais casas suficientes para bancar isso aqui. Eu tive de vender meu telefone para conseguir comprar a passagem pra vir até aqui. E você nem sequer conseguiu um emprego para se sustentar…

— Eu não tive tempo , mãe. Foi como o Jean disse, a faculdade exige muito da gente e não consegui procurar um emprego.

—Procurar um emprego você não consegue, mas para sair e comprar roupas… Isso foi fácil - comenta minha mãe sentando na cama.

—Eu já disse que foi o Jean quem me deu…

—Jean, Jean e Jean - repete minha mãe passando o mão pelo rosto — Tudo se resume a ele.

—Como assim? - pergunto a minha mãe sem entender.

—Você já reparou que as suas falas sempre envolvem ele ? - questiona minha mãe— Aliás, quando você fala né? Porque quando ele estava aqui, só o Jean abria a boca. Você ficou muda enquanto ele me atacava. Você não foi capaz de responder a uma pergunta minha. Ele respondia por você! 

— Não é bem assim. O Jean estava falando com a senhora…

—É para  esse tipo de homem a quem você se entregou? Um cara que é capaz de te largar amanhã por outra...

—Ele é o meu namorado. Ele me pediu da forma mais linda que alguém poderia ser capaz e na frente de toda faculdade - rebato.

— Um cara que você conheceu ontem.

— Um cara que me ama ! - defendo, séria.

— Ama? Você não sabe o que é o amor. - comenta minha mãe balançando a cabeça.

— E você sabe?Porque até onde eu sei , você foi casada com um cara que amava mais a bebida do que você, ou estou enganada?  - provoco.

 

Minha mãe me encara com ódio. Sei que ultrapassei os limites, mas não ia permitir que ela falasse comigo daquela forma e me questionasse sobre meus sentimentos

 

—Posso não entender muito sobre o amor, Catarina. Porém, eu sei quando um homem só vê uma mulher como objeto. E aquele rapaz a vê como um brinquedinho que quando quebrar ele vai jogar fora . Quem vai consertar você, quando o Jean Vasconcellos lhe jogar no lixo?- pergunta minha mãe apontando para a porta.— Serei eu. Então vou poupar você de passar por isso de uma vez.

— O que quer dizer? - pergunto sem entender.

— Quer dizer que você vai embora comigo para Belo Horizonte. Essa vida acadêmica acabou.


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