Trono de Sal escrita por psalexxs


Capítulo 3
Cap 2


Notas iniciais do capítulo

Honestamente eu esqueci de postar. Vou tentar ser mais regular.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788897/chapter/3

Sweet dreams are made of this, who am I to disagree?

O ar deixava seus pulmões em expirações violentas, impulsionando de novo e de novo as mãos fechadas em punho contra o tronco acolchoado. O sol já estava alto no céu, mas o castelo ainda estava dormindo depois dos últimos acontecimentos, assim como ela deveria estar. 

Rosalie socou seu alvo, girando a cintura para melhor impulsão, esmagando as juntas de seus dedos com muito mais força do que ela deveria. Seus dedos já estavam doloridos e feridos, deixando marcas rubras no fino acolchoado azul, mas a dor a ajudava a não pensar, a deixar sua mente focada o suficiente no próximo soco e não nos próximos dias. 

O casamento estava sendo planejado – ou quase isso. Como prova de seu comprometimento e boa vontade, a princesa se dobraria as tradições dos Mactus e teria uma cerimônia nas planícies que lhes pertenciam, realizando rituais para agradar o deus deles e para conhecer seu povo. Precisa ser feito assim, ela podia ouvir a voz de seu pai em sua mente, não era uma escolha, mas uma obrigação. 

Ela socou de novo, os músculos de seus braços e abdômen queimando pelo esforço. O bracelete que ela recebera horas atrás estava guardado em segurança no seu quarto, aguardando-a como uma promessa e uma ameaça. Aceitá-lo significava usá-lo até o dia do casamento, onde Rosalie receberia o seu próprio das mãos do marido; ao menos isso ela sabia sobre as tradições do povo que logo seria seu. 

Uma passada conhecida lhe tirou a atenção do próximo soco e sua mão escorregou, seu corpo tombou para frente, mas Rose não se preocupou em voltar ao seu eixo, deixando-se encostar no tronco e simplesmente respirar. Não é justo, insistiu consigo mentalmente quando não conseguiu evitar a enxurrada de pensamentos que a devastou ao sinal da mínima brecha. Ela estava indiretamente tentando lutar com o inevitável ao ignorá-los por horas. 

“Eu sei que não é justo.” Jasper sussurrou, a voz cuidadosa enquanto se aproximava.

De muitas formas, seu coração estava quebrado. Parte da beleza de se ter um gêmeo é a sensação de continuidade, o fato de nunca estar sozinho, de ter uma metade pra te entender e te complementar como ninguém mais pode. Ele estaria mandando sua metade pra longe, para além do lugar onde ele seria capaz de alcançá-la. De todas as batalhas as quais participou, essa era uma que Jasper não via como ganhar.

“Eu não entendo, Jas. Por que ele casaria comigo?” O lado bom do rosto dela estava pressionado contra o tronco e Rosalie podia sentir a umidade em suas bochechas.

“Por que ele não se casaria?” A mão de Jasper encontrou o alto de suas costas e ele a subiu devagar, até os músculos tensos em seu pescoço.

“Porque ele não me conhece!” 

Ela não queria sentir raiva, não de Jasper, mas o tom amargo escapou-lhe na voz mesmo assim. Antes do conselho, Rosalie nunca sequer tinha visto o líder dos Mactus e tudo que sabia sobre ele e seu povo vinha das histórias que cruzavam os reinos e o mesmo valia sobre ela. Por que ele lhe daria seu bracelete? Para fortalecer a aliança? Não lhe parecia um motivo bom o suficiente, não após salvar sua vida. Os Hale já lhe deviam algo.   

Jasper não falou, não havia nada o que pudesse ser dito, nada que mudaria o destino. Ela partiria ao amanhecer do dia seguinte, eles estavam em estado de alerta a uma possível invasão e guerra, não havia tempo a perder.   

Lentamente, Jasper a tirou da área de treinamento, passando um de seus braços na cintura dela e fingindo não ver as linhas deixadas pelas lágrimas quentes que desceram enquanto ela se focava em distribuir golpes. Rosalie ainda estava com um pé enfaixado, torcido durante a madrugada e seu lábio inferior estava duas vezes seu tamanho, inchado pela queda, mas de alguma forma ela ainda parecia plenamente capaz de brigar para voltar pra casa se decidisse fazê-lo.

Eles cruzaram os cômodos até o quarto que fora dado a ela, onde uma banheira de madeira lhe esperava, a água ainda saindo fumaça enquanto uma das serventes despejava mais um balde escaldante. 

“Descanse, por favor.” O tom de Jasper era quase suplicante e seus olhos dourados brilhavam quando ele segurou seu rosto, beijando-lhe a testa. 

“Adeus, acho que precisamos nos habituar a palavra.” Ela deu um passo para trás, observando enquanto as mãos dele caiam frente ao impacto de suas palavras.

Por mais cruel que fosse, Rosalie queria machucá-lo de alguma forma, mesmo que mínima para aplacar o sentimento de que seu irmão a estava trocando por uma aliança. Era um sentimento infantil e indigno de alguém na sua posição, mas ela não conseguiu evitá-lo. 

Rose saiu de seus trajes de couro, deixando-os ao lado da banheira antes de submergir na água morna. A sensação a fez soltar o ar lentamente, recepcionando o ardor provocado em seus cortes e formando bolhas na água. Seria maravilhoso se ela simplesmente pudesse ficar sob a água para sempre.

Seus olhos se abriram automaticamente ao se sentir observada, ela sabia que Jasper tinha saído no momento que ela começara a se despir e que a servente de lorde Liam tinha ido buscar mais água quente. Através das ondulações da água, Rose pôde ver uma garota jovem e pequena encará-la, ela tinha cabelos espetados e grandes olhos assustados, além de uma corrente em torno do pescoço.

A loira moveu seu corpo, sentando-se na banheira e puxando o ar para seus pulmões depois dos minutos que passou submersa. Por alguma razão, ela sempre tivera facilidade em prender a respiração por longos períodos. Quem antes ela pensou ser uma garota, na verdade devia ter uma idade próxima a dela e soltou um suspiro aliviado quando Rosalie emergiu.

“O que eu posso fazer por você?” Perguntou com a polidez de uma princesa, apoiando seus braços no entorno da banheira de madeira. Ela não era uma das serventes de lorde Liam.

“Rei Eleazer me enviou, majestade, sou seu presente de casamento.” A voz dela era mínima, quase inaudível.  

Um sorriso áspero repuxou o lábio inchado de Rosalie e ela balançou a cabeça na negativa. “Ele não pode me dar uma pessoa, escravidão não é permitida no meu reino.”

A garota assentiu com a cabeça, mas permaneceu no mesmo local, as mãos juntas em frente ao corpo, os ombros curvados, a corrente ao redor de seu pescoço fino parecia cavar sulcos na pele pálida. 

“Qual o seu nome?”

“Alice, se agradar vossa majestade.” 

“Alteza, não sou rainha ainda.” A loira corrigiu e um delicado tom de vermelho tingiu as bochechas da outra.  “Por que Eleazer me daria você de presente? Escravidão também não é permitida em seu reino.”

“Rei Eleazer e eu temos um acordo, vossa maj – alteza. Serei livre depois de servi-la. Cresci e fui capturada nas planícies, posso ensiná-la a língua e as tradições.”

“E por que você me serviria? Por que não é livre agora?” O corpo de Rosalie se inclinou para frente, ela estava francamente curiosa.

“Porque os monarcas de White Coasts me libertaram, vossa alteza. Eu seria vendida como escrava pras terras do sul.” Seus olhos assustados adquiriram um estranho brilho de orgulho. Ela estava motivada a ser útil, a ter um papel de novo, uma escolha. 

“Muito bem, Alice. Por onde devemos começar?” 

Enquanto Rosalie esfregava delicadamente cada uma das partes de seu corpo, recusando profusamente todas as investidas de Alice em tentar ajudar, a mulher falava um pouco do que sabia sobre os Mactus. Ela decidiu começar com o deus deles, Macturr, nascido do instinto e formado da terra. Ele podia se comunicar e controlar os animais, pois todos eram uma extensão dele, dando ao seu povo a agilidade, a força e a habilidade de sobreviver. 

Segundo a lenda, o deus Macturr renascia na forma de um animal diferente a cada centena de anos, apesar do cavalo ser sua forma favorita, pois simbolizava a potência, a versatilidade e a rapidez.

“É verdade que eles dormem com seus cavalos também?” A loira perguntou, rindo da expressão de choque na outra.

Alice engoliu em seco, piscando um milhão de vezes antes de tentar formular uma resposta. “Não sei, na verdade, eu não –”

“Eu estou brincando, não quero saber realmente. Você pode se fazer confortável e tirar essa corrente do pescoço.” A água já tinha esfriado e ela pegou uma das toalhas. “Por favor, continue.”

Pelo o que pareceu uma eternidade, Rosalie ouviu sobre os Mactus, sua história, seus hábitos, suas batalhas – o que significava suas vitórias. Ao longo dos séculos, o estilo de luta dos Mactus permaneceu imbatível e temido, brutal até os ossos, eliminando exércitos inteiros na base do machado longo, sua arma mais tradicional e mais letal. Os próprios soldados de seu pai, anos atrás, tinham tentado aprender a dominar as armas características do povo das planícies, mas pareceu-lhes impossível e a razão era clara. Todos os Mactus mostravam sua superioridade em batalhas em suas formas físicas, mais altos que qualquer outro povo, com uma constituição forte como um touro; a brutalidade pingava deles como chuva do céu. 

Entretanto, Rose não podia deixar de revirar os olhos ao ouvir sobre todas as lendas as quais eles se dobravam, rituais onde ingeriam partes crus de grandes animais para manter a força, as pinturas com sangue, a crença em videntes. Involuntariamente, ela repassou as lendas de seu povo em sua mente, um lembrete do que era real. 

No início de tudo, as águas eram límpidas e doces, abençoadas pelo deus Halender e pela deusa Haleya, deuses gêmeos que protegiam seus domínios e as criaturas que neles viviam. Com o passar do tempo, o deus Itaco, senhor das matas, encantou-se com a deusa das águas e abriu em seus domínios caminhos para que ela pudesse transitar livremente e permanecer em sua presença, mas Haleya nunca permanecia, não por muito tempo. Quando os últimos raios de sol sumiam do céu, Haleya também se esvaia, voltando ao encontro de seu irmão. Enciumado em não ter Haleya só para si, Itaco atraiu o deus Halender e o matou. Halender sangrou sal, contaminando as águas a sua volta e transformando as criaturas que ali viviam. Haleya não podia suportar a dor de perdê-lo e se refugiou nas águas doces que havia espalhado entre os caminhos de terra, negando-se a estender sua benevolência aos mares, lares do mal e de seres esquecidos e perigosos. 

Quando a noite chegou, Alice se foi, assim como os últimos fragmentos do jantar das duas. Rosalie tinha lhe deixado escolher roupas que não a fizessem parecer com uma escrava, mas tudo pareceu grande demais em Alice, arrastando no chão ou caindo quando ela andava. No fim das contas, elas cortaram a barra de um vestido após Rosalie afirmar um punhado de vezes que ela realmente não se importava. Ela gostaria de poder dizer que seus motivos eram altruístas, porém a incomodaria muito mais ter uma escrava ao seu lado. 

A escravidão havia sido abolida em suas terras por seus bisavôs ou aqueles antes deles, libertando todos de seus mestres por razões que, mais uma vez, não eram altruístas. A quantidade de escravos tinha excedido em muito as úteis para manter um mercado consumidor ativo e em crescimento. Escravos de nascimento, que serviam as mesmas famílias de seus pais, não faziam a economia se movimentar. Era uma realidade aterradora e vergonhosa. 

Ainda sim, muitas ilhas e reinos menores ainda praticavam livremente a escravidão, usando-a como ferramenta para manter sua população miserável e contida, tirando filhos e filhas de mães que já ultrapassaram a quantidade permitida de crianças e mandando-as para longe. Pelo o que Rosalie sabia, os Mactus conviviam com a escravidão, mas era uma escravidão adquirida e não nascida. Seus escravos eram sobreviventes do exército perdedor e Rosalie achava que poderia conviver com isso.

Ela escalou a cama de dossel que tinham lhe dado, escorregando por cima das mantas quentes, deixando o vento agradável que vinha da janela tocar seu corpo. Tudo mudaria amanhã e as horas passadas com Alice não aliviaram sua ansiedade nem seu receio. 

O som da porta se abrindo foi a única coisa do dia que não a surpreendeu, assim como o peso familiar sobre o colchão. Os braços de Jasper envolveram sua cintura e ele suspirou em seu cabelo, absorvendo o aroma delicado uma última vez. 

“Eu sinto muito, Rose.” Murmurou e o peso de dezenove anos de vida juntos, como um só, estavam naquelas palavras. 

“Eu também.” Ela pensou ter respondido enquanto encarava o bracelete de ouro e cobre em sua cabeceira. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Trono de Sal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.