Drania escrita por Capitain


Capítulo 5
Goroth




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O primeiro sinal da chegada de Goroth foi o som. Em algum lugar, nas profundezas da floresta, ouviu-se um rugido colossal, um urro inumano, que se sobrepôs aos mantras dos mantos negros e ao som do fogo. Um urro saturado de ódio, dor e desafio, imediatamente seguido pelo som de árvores sendo despedaçadas, e passos pesados. Os mantos negros imediatamente se reagruparam e apontaram suas armas para a direção de onde o som estava vindo.

Todos, inclusive eu, ficaram em silêncio por um instante, quando o som parou. Então um tronco imenso veio voando do lado oposto, atravessando o ar como uma lança de uma tonelada. Ele acertou o mago em cheio, empalando-o e o matando na hora. Imediatamente, eu sentia magia desaparecer, me soltando em um flutuar, e até o fogo que cercava a clareira diminuiu de intensidade, deixando os arredores em uma espécie de crepúsculo.

Os encapuzados fecharam-se em um círculo, apontando suas armas para fora, tentando descobrir de onde viria o próximo ataque. E ele veio, numa velocidade e silêncio impressionantes. Uma criatura de três metros de altura com um cabelo comprido e vestindo roupas escuras atravessou os vinte ou trinta metros que o separava dos assassinos em um piscar de olhos, e ele nem estava correndo em linha reta.

A luta entre o gigante e os capas-pretas foi tão rápida quanto bruta. Eles tinham espadas e arcos, e ele tinha as mãos nuas. Os primeiros dois assassinos tentaram cerca-lo com suas espadas curvas, e ele quebrou o pescoço de um e esmagou o outro contra o chão, antes que as lâminas sequer o tocassem. Usando um dos mortos como escudo, ele rapidamente atravessou a formação deles, e o ar se encheu com o som de ossos quebrando e gritos de dor. Em pouco mais de um minuto, tudo o que restara do grupo de assassinos era uma pilha de corpos vestindo robes pretos.

Enquanto isso, eu flutuava pateticamente no lugar, assistindo Aurora sangrar sem poder fazer nada a respeito. A figura que acabara de salvar a minha vida aproximou-se, e eu pude vê-lo melhor. Dizer que ele era grande seria uma descrição ridiculamente incorreta. Ele era enorme. Não apenas alto, mas com uma musculatura muito além do humano mais forte que eu podia imaginar. Ele não era humano, é claro. Ele era um orc.

O seu rosto carregado tinha as características presas marcando o fim do lábio inferior, e o cabelo comprido estava amarrado em tranças com contas vermelhas. Ele tinha centenas de cicatrizes espalhadas pelo seu rosto e pescoço, e marcas de tatuagens tribais parcialmente escondidas pelas suas roupas. Ele não era, entretanto, um orc comum. Primeiramente, ele se vestia de uma forma muito mais elegante do que qualquer outro orc que eu tivesse visto até então, com roupas formais, quase palacianas, ao invés da armadura enferrujada e peles de animais que vinham à minha mente ao alguém dessa raça.

E em segundo lugar, ele tinha um olhar profundo e curioso, cheio de empatia e inteligência. E ele falava. Frases completas e bem construídas, sem erros de dicção ou sotaque perceptível. A primeira coisa que ele disse, entretanto, me pegou de surpresa.

— Aonde está Aurora? – a voz dele era firme, porém, calma, sem nenhum sinal de cansaço ou falta de fôlego, como se ele estivesse sentado tomando uma xícara de chá, e não acabado de matar vinte pessoas.

Eu produzi algum ruído incoerente, e apontei para onde Aurora jazia, inconsciente. Ele apressou o passo e se ajoelhou ao lado dela, fazendo um exame rápido.

— Ela está viva – ela murmurou – ela está viva.

Bom. Pelo menos Aurora ainda não tinha morrido.

— Temos que parar o sangramento – ele disse, calmamente rasgando parte do vestido de aurora e improvisando faixas – preciso que você pressione a ferida no ombro, enquanto eu... o que você está fazendo parada aí? Pelo menos você sabe algum encantamento de cura?

— Eu... não posso ajudar. – Eu disse, começando a cultivar uma profunda raiva da minha inutilidade – eu não consigo...

 - Você não consegue o quê? – ele continuou movendo-se rapidamente, retirando de algum lugar um frasco cheio de um líquido claro, ao qual ele começou a adicionar várias ervas que ele retirou do solo ao redor.

 Por onde começar?

— Me mexer, segurar coisas, ou qualquer coisa útil. – De alguma forma, eu me senti um pouco melhor por dizer aquilo em voz alta. Mas o orc não ficou muito feliz.

— Quando Aurora me disse que ela ia conjurar um fantasma para nos ajudar, eu pensei que pelo menos ela ia achar um que soubesse usar magia. - Ele suspirou – Meu nome é Goroth, a propósito. E não se preocupe, mesmo sem a sua ajuda, eu vou salvar Aurora.

Então esse era Goroth. um orc inteligente, e capaz de derrubar um pequeno exército. Com ele e Aurora em uma equipe, era difícil imaginar porque precisariam de alguém comigo para fazer o que quer que fosse.

— Já que não pode ajudar com Aurora, pode pelo menos me explicar por que o Culto de Kraaz estava atacando vocês?

Outra coisa em que eu seria inútil.

— Eu nem sei quem eles são. – Respondi – o mago ali, que você atravessou com uma árvore, disse alguma coisa sobre salvação e trazer Kraaz para eles, mas eu nem sei o que é Kraaz.

Quem é Kraaz – Goroth me corrigiu – é a deusa que eles veneram, a inimiga de Vralgongard, a deusa do Caos. Kraaz é só um dos seus muitos nomes, um que veio de uma língua quase esquecida.

— Então eles queriam que eu trouxesse a deusa deles? -eu não sei nem caminhar por conta própria!

Goroth deu uma boa olhada em mim.

— Você não tem pernas -ele observou.

— Voar, andar, flutuar, você entendeu.

Goroth passou um longo tempo em silêncio depois disso, concentrado em prepara sua poção. Quando ele terminou, despejou metade do conteúdo sobre os enormes cortes nas costas de Aurora, e depois, gentilmente, virou-a, para que pudesse despejar o restante em sua boca, inclinando a sua cabeça para forçá-la a engolir, mesmo desacordada. Assim que ele fez isso, ele ergueu a bruxa em seus braços, e começou a se distanciar em largas passadas.

— Se o Culto está atrás de vocês, nós precisamos nos mexer – ele disse, por cima do ombro – Aurora precisa de um curandeiro o mais rápido possível.

— Eu... – não consegui formar uma frase que descrevesse o que eu queria. Porque eu não sabia o que sentir. – Eu não consigo...

Goroth me deu uma última olhada, antes de virar-se e continuar caminhando rumo à floresta.

— Nós vamos partir em uma hora – ele disse – se você não descobrir até lá, vai ficar para trás.

Ele estava certo.

Aurora estava ferida por tentar me proteger, e em algum lugar, Alice estava me esperando.

Era hora de eu deixar de ser inútil.


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