Drania escrita por Capitain


Capítulo 49
Treino


Notas iniciais do capítulo

chegando lá
nem acredito



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Eu tentei soltar um suspiro de frustração, mas nada saiu, o que só me deixou mais frustrada. Embora eu fosse capaz de falar, essa habilidade não parecia mais precisar de pulmões funcionais agora que eu morrera. Ergui meus olhos do pedaço de papel que eu estivera encarando. Uma ou duas horas já haviam passado desde a visita de Rasth, e a nossa situação não havia mudado.Mais um dia perdido, eu pensei, sacudindo a cabeça.

Goroth pareceu notar meu descontentamento, e também tirou os olhos dos papéis que estivera analisando, sentado em sua cama. Rasth havia desaparecido para ir a uma reunião com os outros seis chefes em um outro acampamento, e Aurora estava absorta em tentar desvendar a localização do líder do culto de Kraaz e tentar entender o seu plano. Mais cedo, ela saíra para buscar um livro, e voltara a debruçar-se sobre a mesa por horas sem fim.

Goroth pigarreou. Eu virei-me para encará-lo.

— Que tal nós deixarmos Aurora trabalhar um pouco em silêncio e saímos para uma caminhada? - ele perguntou - tem algo que eu preciso conversar com você.

Eu franzi o cenho.Que pedido estranho. Olhei de volta para Aurora. Ela nem notou que Goroth havia dito alguma coisa.

Porquê não? eu pensei.Qualquer coisa é melhor do que ficar parada sem fazer nenhum progresso.

Goroth não esperou minha resposta e levantou-se da cama devagar, mancando na direção da porta e fechando-a atrás de si. Eu o segui, por baixo da terra, me perguntando o que ele queria de mim, assim tão de repente. Ele caminhou em silêncio até um trecho inabitado de floresta e então sentou-se em um tronco caído. Eu não sentia ninguém mais por perto, então decidi que era seguro subir.

— O que você quer falar comigo? - eu perguntei de maneira direta.

Goroth suspirou. Eu tive um pequeno momento de inveja dele por poder suspirar.

— Eu quero que você me ajude a treinar.

Essa resposta me pegou desprevenida, e ele com certeza estava esperando a minha reação.

— Quando você entrou na minha mente - ele disse - eu entendi um pouco sobre como seus poderes funcionam. E que você tem experiência em luta.

Então era isso o que o divertia tanto quando ele estava na minha cabeça, pensei.

— Porque você quer treinar comigo? - eu perguntei - eu não posso lutar com você fisicamente, e além disso, você está machucado.

Goroth sorriu, levantando-se de maneira enérgica, seu manquejar desaparecido, sua postura completamente saudável.

— Aurora já me curou - ele disse - não tive nenhum ferimento muito grave no duelo. Eu estava fingindo mancar para ganhar um pouco mais de tempo.

— Mesmo assim, porque... - espere, ganhar tempo? - não me diga que...

— A minha luta com Rasth terminou em um empate - Goroth falou - vou precisar lutar com ele de novo assim que estiver "totalmente recuperado". E não é só isso. Eu estive pensando, se o que Rasth disse é verdade, e eu acredito que seja, então os outros chefes vão obedecer o Arauto a qualquer custo. E se nós não o encontrarmos? O ataque é praticamente no mês que vem, e todos os orcs estarão marchando para a morte. Só há um jeito de parar o ataque que não dependeria em encontrar e matar o Arauto.

— Fazendo os chefes mudarem de ideia - eu completei - dissolvendo a aliança orc...

— Derrotando seis dos sete chefes. - Goroth falou - Rasth não vai pegar leve comigo só porque agora somos aliados, não em uma luta oficial. Mas quem vencer a luta terá que desafiar os chefes, um por um, se pretendemos parar esse ataque suicida ridículo. E se não conseguirmos derrotá-los, e empatarmos, pelo menos isso irá atrasar os planos do Arauto um pouco. As tradições falam mais alto no coração de um orc que qualquer ordem de um bruxo.

— Então seu plano é se matar via duelos consecutivos com orcs o dobro do seu tamanho.

— Mais ou menos - ele sorriu- eu vi como você derrubou aquele cara o dobro do seu tamanho também.

— Eu sou uma transmorfa! - eu disse - eu consigo crescer mais músculos se eu precisar!

— Você têm experiência derrubando caras maiores que você. Só estou pedindo que me dê umas dicas - ele falou - eu e Rasth vamos duelar algumas vezes como treinamento também. Era isso que ele queria falar comigo depois da nossa luta... e tem mais uma coisa...

— O quê?

— Você podeler as pessoas, não pode? - ele disse - para conseguir se transformar nelas, certo?

— Eu podia quando era viva - respondi - mas não tenho certeza se consigo depois de morta.

— E você não testou?- o rosto indignado dele me faria rir se não tivesse me ofendido.

— Eu estive morta por umas semanas e passei metade desse tempo tentando aprender magia, o que acabou sendo inútil porque não consigo fazer nenhum feitiço. - falei - e passei o resto fugindo de um monte de assassinos. Então não, eu não tive tempo de pensar nisso. Eu ainda posso me transformar, então eu talvez ainda possa sentir... exceto pelo fato de que eu não consigo tocar em nada.

— Então tente comigo - Goroth disse, em um tom apologético. 

Dei de ombros. Que mal faz experimentar? Eu não podia tocá-lo, mas podia tocar matéria escura. No primeiro dia, quando eu transformara a xícara de chá e a tigela de sopa, eu fora capaz de sentir o calor e o sabor das minhas cópias de matéria escura.

— Estique sua mão - eu falei.

Goroth estendeu seu braço, com a palma de sua mão aberta virada para cima. Eu estiquei minha mão e me concentrei. Ao invés de abrir meus sentidos novos de fantasma, eu procurei minha boa e velha habilidade de sentir pessoas. Ler, era o que Goroth a havia chamado. Era um aboa descrição. Talvez até melhor do que a minha.

Quando minha mão alcançou a dele, concentrei-me em transformar a mão dele em matéria escura, copiar o que estava disponível ao meu toque, e tentei decifrar o que eu tocava. A princípio, nada aconteceu. Eu franzi o cenho. Talvez não houvesse nenhuma informação transferida para a matéria escura, afinal. Então, eu senti. Profundamente enterrada naquela nuvem de matéria escura havia alguma coisa.

— É bem mais difícil de sentir  assim - eu falei, percebendo que havia fechado os olhos só depois que eu os abri - mas funciona.

As informações sobre Goroth eram um pouco menos precisas, um pouco distorcidas. Então a cópia de matéria escura não é perfeita. Eu imaginei o que essa coisa que Aurora havia chamado de matéria escura era de verdade. Eu não podia estar realmente criando matéria do nada, podia? será que eu conseguia melhorar essa conversão de alguma forma, para conseguir uma cópia melhor?

— Mas você consegue se transformar? - ele perguntou - em mim?

Eu pensei um pouco. Me transformar em um corpo tão grande requiriria bastante energia. Olhando para minha mão, eu percebi que ela já estava começando a ficar transparente de novo.

— Eu vou precisar absorver mais energia antes de me transformar desse jeito.

— Entendo... - Goroth parou para pensar um pouco - Você consegue absorvê-la dos vivos como Aurora?

— Consigo - eu me lembrei do que tinha feito logo após quase morrer na tenda de Rasth - Aurora tinha dito que eu precisaria de permissão para absorver a energia de uma pessoa viva, mas eu não acho que preciso.

— Ela precisa - Goroth disse - quando ofereci um pouco de energia a ela para curar as suas feridas, ela precisou pedir minha permissão na Língua Absoluta.

Aí estavam elas de novo. As diferenças entre o que eu fazia e a magia que Aurora estava tentando me ensinar. Como eu poderia não precisar de permissão? o que...

— Acho que eu descobri porque - eu tive que me controlar para não estapear minha testa. Era tão óbvio! - eu sou uma transmorfa. Eu não preciso de permissão para ler  as pessoas, preciso? talvez seja o mesmo com a magia.

Então outro pensamento cruzou minha mente. E aquilo que Aurora tinha dito sobre plantas e animais? magos ou fantasmas humanos não conseguiam se aproveitar da energia de uma planta morta, porque ela se dissipava muito rápido sem os resquícios de consciência que as criaturas inteligentes deixavam após a morte. Mas se eu conseguia absorver energia dos vivos...

Eu flutuei até uma árvore próxima, estendendo a mão. Nada. Eu conseguia sentir a energia fluindo, subindo e descendo lentamente, mas mesmo com meus sentidos abertos, eu não conseguia fazer com que ela fluísse até mim. Era como se aquela energia fosse de um tipo diferente ou talvez... eu tentei copiar a árvore, e sentir, lê-la como eu acabara de fazer com Goroth. Eu nunca tinha pensado em me transformar em uma planta quando estava viva, então fiquei surpresa quando eu pude sentir informações vindo da árvore.

Eram confusas e borradas, ainda mais confusas do que as que eu conseguira de Goroth, e uma grande parte do que recebi parecia dizer absolutamente nada. Eu não conseguia entender nada do que li sobre a árvore, nem o que aquelas informações significavam, nem nada parecido. Isso era estranho, já que eu conseguia entender o que eu sentia sobre animais. Bem, animais tem órgãos, pensei. Árvores só tem folhas e madeira. Talvez se eu ficasse um bem tempo estudando como elas funcionavam, eu conseguisse entender o suficiente para processar as informações que recebera da planta.

Eu estou começando a pensar como Aurora, percebi. O que eu quero estudando o funcionamento de uma árvore estúpida? ao invés disso, eu procurei um animal qualquer com meus novos sentidos, uma cobra no chão atrás do tronco onde Goroth sentava. Tentei repetir o processo com a cobra, primeiro tentando absorver a energia do réptil. Como com a árvore, não funcionou. Porém, quando eu tentei sentir, eu consegui entender muito mais sobre a cobra. Ela tinha um coração, pulmões e ossos. Ela tinha músculos, dentes, e um cérebro. Porque eu não conseguia absorver a energia dela?

Pensei nas outras vezes que absorvera a energia de pessoas ou orcs. Sempre haviam pensamentos junto com a energia absorvida. Emoções. Eu não absorvia energia diretamente do corpo deles, de alguma forma isso passava pela sua mente. E uma cobra não tinha nada disso.

— Acho que não vai funcionar - eu falei, decepcionada - talvez se fosse um macaco ou um porco?

— O que você está falando? - Goroth ria - porque um porco seria melhor do que uma cobra?

— Um mamífero - eu expliquei - eles são mais parecidos com gente. Eu não sei se funcionaria, mas talvez se eu entender como o animal pensa, eu consiga absorver energia dele. Mas isso não me ajuda muito agora.

— Absorva de mim - Goroth sugeriu - talvez seja até melhor treinar um pouco cansado.

Eu assenti, estendendo a minha mão.

— Pronto?

O orc respirou fundo e relaxou o corpo, sacudindo levemente os braços como se estivesse com frio.

— Pronto.

Eu estendi minha mente até Goroth, cuidadosamente ignorando sua mente e focando em absorver um pouco de sua energia vital. Agora que ele estava totalmente recuperado, ele tinha uma imensa quantidade de energia, mesmo sendo fisicamente menor que outros orcs. talvez ele tenha um metabolismo mais rápido? eu me concentrei mais, e espalhei meu toque, evitando sugar muita energia de uma única área de seu corpo, tentando evitar enfraquecê-lo com meu toque.

Quando eu havia retirado energia o suficiente para completar a minha transformação, eu cortei a conexão, e Goroth suspirou, com o rosto confuso.

— O que foi? - eu perguntei.

— Isso foi estranho - ele falou - quando Aurora precisou de energia antes, e quando você me derrubou lá no duelo, eu senti frio e agulhadas no peito. Dessa vez, eu não senti quase nada.

— Aurora talvez tenha menos controle de onde ela está removendo energia - eu pensei mais um pouco - E eu estava com pressa lá no duelo. Se eu remover apenas um pouquinho de energia de cada lugar, você não deveria sentir muita coisa mesmo. Seria como se você tivesse apenas se exercitado um pouco. Vantagens de ser uma transmorfa, acho.

— Então ser um transmorfo tem vantagens.

Eu devo ter feito uma cara muito feia, porque Goroth imediatamente colocou um sorriso de desculpas no rosto. Mas ele tinha razão. ser uma transmorfa tem vantagens. Era uma pena que eu só tivesse percebido isso depois de morta. eu sacudi a cabeça, me livrando das rugas na minha testa.

— Vamos lutar, então? - eu perguntei.

Goroth sorriu.

— Vamos.


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Notas finais do capítulo

até o próximo!



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