— Out and gone the sun will never set tonight, yeah!

Jéssica cantou no microfone com sua voz carregada de drive, explodindo no segundo refrão, ainda mais pesado do que o anterior. Os dedos de Mirela dançavam pelas cordas do baixo, misturando os sons graves à canção e trazendo ainda mais peso do que o normal.

A guitarra começou o solo da música e ela se juntou poucos segundos após, os graves casando com os agudos do outro instrumento.

— Abaixa essa guitarra! — alguém da produção gritou.

Ela sequer se importou, seus olhos fechados mais concentrados na música e em como seu baixo soava na canção. Mais um pouco e poderia ouvir os gritos da plateia, chamando seu nome e o da banda.

— Burning that gasoline!

Exceto que a atenção sempre ficava para a vocalista e ela era apenas a baixista e backing vocal. Não seria o nome dela que gritariam, pois não se importavam com ela.

— Olha a microfonia! — a mesma pessoa de anteriormente berrou.

E exceto que as únicas pessoas que gritariam naquele momento seriam os técnicos de som, ajustando tudo na passagem de som. A adoração do público ficaria apenas na mente de Mirela, já que mesmo na hora do show eles eram praticamente ignorados, com a impaciência de todos na espera da atração principal da noite, a Crowstorm.

A Silver Chain era apenas uma banda desconhecida de abertura, quem se importava? Ela sim, porém, isso não se aplicava a todos.

— Fechou, tudo certo — o mesmo técnico anunciou quando a canção acabou e os músicos começaram a deixar para trás seus instrumentos, conversando com outros funcionários ou entre si.

Mirela entregou o baixo para seu técnico e se dirigiu para trás de uma das caixas de som, pegando uma garrafa d'água e bebendo com gosto. Mesmo que não fosse o show em si, cansava. E ela gostava disso mesmo assim, mesmo que estivesse exausta todas as noites.

— O baixo tava bem alto. — Ouviu alguém comentar e virou o rosto, vendo o frontman da banda de abertura com os braços apoiados sobre uma das caixas de som.

— Se não falaram nada, é porque não está — retrucou sem muita paciência.

Não bastasse a arrogância, aquele cara ainda estava querendo dar palpite na banda dela? Talvez fosse isso que acontecesse quando a fama sobe a cabeça.

— O baixo dessa música não é tão alto no original — ele explanou seu ponto.

A baixista fechou a tampa da garrafa, ainda deixando um pouco de água para mais tarde. Resolveu segurar o objeto na mão.

— Até por isso que é um cover, né? Nós não precisamos tocar como no original — deu outra resposta seca e percebeu quando o guitarrista soltou uma risada abafada.

— Pensei que vocês tivessem algumas músicas autorais — ele disse, apoiando o cotovelo sobre a caixa e observando a baixista, que não parecia tão a fim de conversa. Não que ele se importasse muito com isso, em receber algumas respostas atravessadas.

— Temos um CD só, então temos que tocar alguns covers pra completar o set — ela explicou. — Mas o que você tá fazendo aqui? A passagem da sua banda vai demorar um pouco pra começar.

— Cheguei mais cedo e resolvi assistir a de vocês, não posso? — questionou com uma certa provocação, o que fez Mirela levantar uma sobrancelha.

— Se ninguém falou nada, pode. — E talvez os técnicos não quisessem tirá-lo dali, a estrelinha daquela tour. — Achei que você não fosse desse tipo. — A baixista viu que Castiel arqueou as sobrancelhas em confusão e continuou. — Do tipo que chega cedo pra ensaios, passagens. Do jeito que é todo famoso, pensei que fosse daqueles tipo rockstar.

A moça apoiou o cotovelo sobre a caixa de som, da mesma forma que o guitarrista, e ficando frente a frente a ele. Os olhos cinzentos pareceram se irritar com a insinuação que ela fez.

— Não é só porque eu sou famoso que preciso ser arrogante — respondeu seco.

— Do jeito que você ficou em POA, quando aquelas fãs vieram atrás de você na saída da casa de show, achei que fosse — explicou, deixando claro para o integrante da Crowstorm quem era a pessoa que lhe dirigiu o olhar naquela noite.

Os olhos castanhos e as inúmeras sardas espalhadas pelo rosto não deixavam negar. Mesmo que mal fossem visíveis daquela vez, devido à distância.

— Eu apenas trato as fãs bem, isso não quer dizer que eu goste de ser assediado por aí — retrucou e viu quando a baixista ergueu as sobrancelhas, provavelmente surpresa. — Quando você ficar famosa, talvez entenda um pouco o que é isso.

Mirela riu, entre achar graça e descrença.

— Duvido muito que isso aconteça — respondeu, tirando o cotovelo de cima da caixa e pronta para sair dali com a garrafa d'água. Seus demais companheiros de banda já estavam nos camarins há uns bons minutos.

— No dia que você ver gente varando a noite debaixo da janela do seu hotel, vai perceber que já aconteceu — ele disse de forma soturna, e Mirela estranhou a postura do guitarrista. Castiel se afastou da caixa de som como ela, colocando as mãos nos bolsos da calça jeans de lavagem escura.

— Eu não sou uma vocalista boa pinta como você. — O músico ergueu as sobrancelhas, surpreso com a afirmação da moça. Ela riu. — No dia que você ver um baixista famoso por aí, me avisa.

Dito isso, se preparou para dar as costas para ele, a garrafa girando por entre suas mãos.

— Eu posso te dizer vários baixistas famosos sem nem precisar pesquisar — ele provocou, observando as costas e os cabelos coloridos de rosa chiclete balançarem conforme a musicista voltou o rosto pra ele.

— No dia que eu ficar famosa, te aviso — soltou, fazendo o guitarrista rir. — Procura por Mirela Linhares no Google pra ver o que você acha.

Com sua última fala, deixou de vez o guitarrista sozinho. Castiel apenas observou os fios rosa balançando logo acima dos ombros cobertos pela camiseta preta e o andar ritmado da moça sumirem quando ela virou um corredor. 

Era sua vez de passar o som novamente. Pena que seus colegas de bandas não fossem tão pontuais assim. E depois ele quem era a estrelinha...