Anya realmente não sabia o que fazer com aquela informação.

Não era incomum ela ter dificuldade para entender o que o pensamento de alguém queria dizer, mas isso na maioria das vezes era só com os adultos. Crianças da idade dela costumavam ter uma mentalidade muito mais simples e direta. As vozes em suas cabeças diziam coisas como ‘eu odeio estudar’ ou ‘o que será que Bondman vai fazer no próximo episódio?’; sabe, coisas com as quais ela conseguia relacionar ou ao menos saber de onde vinham.

Então quando ela ouviu Damian pensando ‘por que aquela testuda violenta tinha que ser tão fofa!?’ enquanto tentava observá-la com os cantos dos olhos durante a aula, Anya não tinha ideia alguma do que pensar disso.

Ela virou-se para ele, só para o garoto corar furiosamente ao desviar o olhar. Os amiguinhos dele não pareceram notar que o líder fora pego com a boca na botija encarando a inimiga, o que fez os três terem pensamentos ainda mais confusos. Anya retornou para o quadro, o que quer que o professor estivesse falando completamente esquecido por conta da recém-adquirida dor de cabeça.

“Você tá bem?” Becky perguntou no almoço, vendo como a amiga teve mais dificuldade para concentrar-se na aula do que o normal. “Eu posso te levar pra enfermaria se não estiver.”

A garota parou, garfo na metade do caminho para a boca. Talvez Becky de fato pudesse ajudá-la. Anya não fazia ideia da onde aquilo tinha vindo, mas ‘fofa’ é um elogio, não é? Talvez com as desculpas dela e o jogo de queimada, Damian estava começando a simpatizar com ela, afinal — e se esse era o caso, aquela era uma ótima oportunidade para botar o Plano B em ação e virar amiga dele para que ela e os pais sejam convidados para a casa dele e enfim salvar o mundo!

Um sorriso animado surgiu em seu rosto ao pensar que seu Pa ficaria tão orgulhoso dela quando a missão terminasse que ele casaria de verdade com a Ma e então todos eles iriam se mudar para aquele castelo. Talvez eles até pudessem ter outro filho! Eles deixaram ela ficar com o Bond, então convencê-los a dar um irmãozinho ou irmãzinha a ela não deveria ser tão complicado.

(A algumas mesas de distância das meninas, Damian ficou todo vermelho de novo. ‘O que foi que fez ela brilhar assim!? Aquela metida tá fazendo graça com a minha cara!?)

Determinada, Anya encarou Becky nos olhos e perguntou “O que você faz quando um garoto te acha fofa?”

Por alguns segundos, a única resposta que ela recebeu foi silêncio enquanto os olhos da outra cresciam e o queixo caía. “O-o q-quê!?”

…

Em algum lugar longe da Academia Eden, agente Twilight de repente pôs a mão sobre o coração, desgosto evidente em seu rosto.

“O que foi!? Alguém tá vindo!?” A voz do Franky estava coberta de desespero. Se o espião não desarmasse a bomba logo, eles estavam ferrados!

“Não, é…” Ele grunhiu antes de voltar ao que estava fazendo, ainda que a preocupação não saísse de sua mente. 

Por algum motivo, Twilight sentia que algo que merecia sua atenção estava acontecendo naquele exato momento, e ele não gostava disso.

…

Quando Anya terminou de explicar o que estava acontecendo, deixando de fora seus segredos, os olhos de Becky estavam tão brilhantes quanto estrelas.

“Ai, meu Deus, não acredito! Aquele garoto é mais idiota do que pensei!”

“Então, o que eu deveria fazer agora?” Elas estavam caminhando pelo corredor, voltando para a sala. Como ela não tinha muita experiência fazendo amizade com outras crianças (ainda mais com um histórico como o dela e do Damian), Anya realmente apreciaria algum conselho.

“Depende.” Becky virou-se para ela quando passaram pela porta. “Pelo que você disse, você quer usar isso ao seu favor, não é?”

“É.”

‘Anya… Eu nunca esperaria isso vindo de você, mas o bobão do Damian merece mesmo ser posto no lugar dele depois de ser mau com você. Como ele pode falar que é uma quedinha quando ele trata a Anya dessa forma!?’

Anya sentou-se em sua cadeira, mais confusa do que quando saíram para almoçar. A Becky não estava entendendo a situação? Não é como se Damian tivesse força para fazê-la cair (ela é quem era mais capaz de empurrá-lo de qualquer forma), e o que exatamente achar alguém fofo tem a ver com botá-lo em seu lugar? Está certo que ela queria fazer aquilo para ir até a casa dele, mas Becky não sabia disso. Anya realmente não conseguia achar a conexão.

“Okay, eu tive uma ideia.” Becky pegou papel e caneta de sua mochila, entregando-os a Anya antes que esta pudesse fazer qualquer questionamento. “Por que você não escreve um bilhetinho pra ele falando que você sabe dos sentimentos dele, e que é melhor ele confessar a menos que ele queira que todos fiquem sabendo? Tenho certeza que ele vai estar nas suas mãos depois disso.” 

Anya encarava o papel e a caneta como se fossem as coisas mais interessantes do universo. É, essa parecia mesmo uma boa ideia. Contar ao Damian que ela sabia que ele queria ser amigo dela, e que estava tudo bem se ele só quisesse falar disso quando os dois estivessem sozinhos porque ele era tímido demais para admitir isso, parecia um plano de ação bem seguro. Com outro sorriso no rosto, a fantasia de sua pequena família voltando com força total, ela escreveu tudo, com a supervisão de Becky.

Pa e Ma e Bond ficariam tão orgulhosos!

…

Longe da Academia Eden, na prefeitura da cidade de Berlint, um barulho de estilhaço pôde ser ouvido da cozinha do local.

“O que foi isso?” Millie entrou no cômodo alarmada.

“Yor deixou a xícara cair.” Shanon disse impassiva, bebericando o próprio chá.

“Que desastre. Yor está ainda mais distraída hoje do que o normal.”

“Desculpe…” A mulher quase nem ouviu o insulto de Camilla enquanto separava os pedaços de porcelana do chão. “Tem algo na minha cabeça agora…”

Com isso, as colegas começaram a fofocar entre si, deixando Yor em paz por hora. O coração dela havia começado a bater rapidamente, e do nada um gosto amargo havia aparecido em sua boca antes mesmo dela tocar na bebida. Talvez o chefe fosse designar um cliente para ela naquela noite? Ou o Yuri estava planejando uma visita surpresa?

Ela suspirou profundamente ao levantar-se.

O que quer que fosse, Yor sabia que algo errado estava acontecendo naquele exato momento, e ela não gostava disso.

…

Damian estava amassando o papel com mais raiva do que uma criança de 6 anos deveria ter na quadra da escola após a aula, como dizia no bilhete que encontrara embaixo da cadeira caso ele quisesse aceitar os termos.

Aquela era a primeira vez que alguém tentava cha… xa… chãtage… ameaça para cima dele (ele tinha a impressão de já ter ouvido aquela palavra no escritório do pai) e era aquela pobretona (bonitinha) feiosa! A coragem que ela tinha para fazer aquilo depois de também ter sido a primeira a bater nele! Por acaso ela não sabia quem o pai dele era!?

“Eu não sei quem seu pai é, mas eu quero conhecer.”

O garoto soltou um gritinho ao virar-se e dar de cara com a própria Anya.

“Eu também quero ficar mais perto de você, e conhecer o resto da sua família, se vocês aceitarem a minha.”

Anya sorriu, bem satisfeita consigo mesma. Ao mesmo tempo em que ela fora direto ao ponto (ser amiga dele para ir até a casa dele com Ma e Pa), também fora ela quem iniciou o assunto. Ela havia imaginado que Damian seria orgulhoso demais para admitir que queria ficar mais próximo dela sozinho, então Anya decidiu que uma garota tem que fazer as coisas por si mesma se ela quisesse resultados.

Enquanto isso, Damian estava tendo um ataque de pânico interno.

‘Ela tá falando de conhecer os pais!? Mas já!? Ela quer  tanto assim ser uma Desmond!?’

Okay, agora Anya não podia ficar mais confusa. Por que todo mundo estava pensando em código? Pessoas deveriam falar mentiras e pensar de forma sincera, não o contrário!

“Amanhã…”

“Oi?” Anya levantou a cabeça para observar o Damian, que fazia de tudo para evitar seu olhar, os bochechas dele envermelhando-se rapidamente.

‘Será que ele tá com febre?’ Anya ponderou. ‘As coisas fariam mais sentido se fosse isso.’

“Me encontre aqui amanhã, mesma hora, sozinha. Aí eu te respondo.”

O sorriso dela só aumentou com aquilo, assim como o rubor no rosto do outro. Ela sabia que ele ia pedir aos pais mais tarde para convidar ela e a família naquele fim de semana para ir na casa deles.

“Obrigada, mal posso esperar!”

“E-e-e nem pense em chegar perto de mim de dia! Se souberem que estou me envolvendo com a garota violenta da…”

“É, eu sei!” No calor do momento, Anya deu um abraço bem apertado no menino, e virou-se para sair da quadra e ir para casa no segundo seguinte. “Até amanhã!”

Assim, um Damian Desmond bem vermelho, quase com fumacinha saindo de suas orelhas, foi deixado sozinho no meio do lugar, perdendo-se na sensação do abraço, enquanto Anya Forger entrava no ônibus, cantarolando mentalmente sobre suas fantasias tornando-se realidade.

Amanhã Pa ficaria tão orgulhoso dela!

…

Longe da Academia Eden, naquele exato momento, Bond levantou a cabeça de sua sonequinha da tarde, também sentindo algo ocorrendo com sua garotinha.

Ele viu tanto desastre acontecendo.

E então voltou a dormir, como se nada tivesse acontecido.