O Beijo das Sombras escrita por Mei Terume


Capítulo 7
Segredos Sombrios


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788009/chapter/7

“Difícil de dizer o que chamou minha atenção

Fissurada e louca

Atração afídea

Talhou meu nome da minha cara

Para reconhecer

Tal feromônio culto

Para aterrorizar”

Slipknot

 

Ambrose, 28 de Julho de 2003

 

Bo Sinclair me levou até a Casa de Cera e lá começou a falar sobre a estranha e triste história de sua vida. Mas se for pra falar em emoção, sobre alguém que fala do passado, ou da própria família, tudo que senti foi uma raiva presa, debatendo-se entre suas paredes internas.

Mas quem é que nunca sentiu raiva da própria família ás vezes. Disso eu entendia bem.

Ele me explicou sobre a Casa de Cera, que fora construída por sua mãe, que Vincent tinha herdado o talento da mãe. Que seu pai era um médico da cidade grande que teve sua licença cassada após realizar uma cirurgia ilícita.

Explicou que ele e Vincent eram gêmeos siameses. Que o irmão nasceu com o rosto grudado na parte de trás de sua cabeça. E que seu pai os separou.

Ele me contou sobre o recomeço em Ambrose sonhado pelos pais dele. Uma vida pacata em uma cidade do interior da Flórida. Tão agradável.

Nós estávamos no segundo andar da casa de cera, em um quarto onde havia uma cama toda de cera, as paredes, as escadas, as esculturas, as pessoas, tudo ali era literalmente de cera. Havia também um berço, com dois bebês grudados. Bo e Vincent. E ali estava a história da artista Trudy Sinclair.

Imagino que deve ter sido muito difícil, construir tudo aquilo.

Trudy Sinclair era uma mulher linda, vi pelo artigo do jornal, com seu marido não muito atraente. Era loira, magra e alta. Bo disse que ela era uma ótima mãe, pelo menos pra Vincent. Ele disse que ela o protegia muito pela sua deformidade, como se tentasse compensar alguma coisa.

Pude sentir ciúmes em Bo por parte de Vincent e sua mãe. Como se ele se sentisse deixado de lado.

Mas eu entendo como Trudy deve ter se sentido. Se eu tivesse dois filhos, um aparentemente perfeito e o outro não, com toda a certeza colocaria minha atenção dobrada naquele que mais precisasse de mim, de minha proteção.

Porem aquilo que não sabemos, as deformações invisíveis podem ser bem mais prejudiciais a nós.

Então Bo me contou sobre quando sua mãe teve um tumor e começou a definhar, durante sua adolescência, seu pai como médico não suportou o fato de não conseguir salva-la. E se matou com um tiro da cabeça.

Ele disse sobre como foi chegar em casa com Vincent e ver os miolos do pai pela sala, impregnados no carpete. Em como foi difícil tirar.

Bo e Vincent sentiram o gosto da morte muito cedo. Talvez tenham se afeiçoado a ela.

Bo descreveu detalhadamente sobre como ele cuidada da mãe enquanto os outros garotos de sua idade estavam indo pra escola, pro cinema, ver garotas.

Ele acordava com os gemidos altos da mãe, quando conseguia dormir, já ia logo trocando as fraldas de Trudy, sempre com muito xixi e às vezes com um pouco de água de coco como ele dizia, ela já não comia mais, só alimentação parenteral.

E então depois tomava café. Com sabor de sofrimento e cheiro de morte.

O pai já não estava mais com eles. Já tinha sido fraco o suficiente pra se mandar pro inferno, deixando os meninos sozinhos com o que sobrou de sua mãe.

Vincent sempre foi muito sensível, e Bo teve que cuidar dele também. O defendendo com toda a sua agressividade, que ele afirma já ter nascido com ela pra poder sobreviver.

Quando a mãe enfim morreu, ele e Vincent foram mandados para lares adotivos.

E nesses lares adotivos ele pode perceber o quanto as pessoas podem ser cruéis, sem distinção.

Então quando completaram a maior idade decidiram voltar a Ambrose, mesmo sabendo que a cidade já não existia mais. Mas pelo menos ali tinham um lugar pra chamar de lar, um lugar onde ele e Vincent não precisariam mais ficar em constante defensiva e aflição.

E poderiam continuar o que a mãe havia começado construir uma Cidade de Cera, um lugar só para eles, onde poderiam refazer seus nomes e suas vidas.

Após tudo isso o fato de saber que eu estava em uma cidade fantasma com um estranho, provavelmente perturbado. Não me assustou, a forma como ele me contou sua história, me fez sentir empatia.

Todos nós enfrentamos monstros em nossas vidas, alguns mais perversos que outros, não sabemos o quanto isso pode nos transformar, nos transfigurar.

Era compreensível pra mim, depois de tudo que Bo passou querer se isolar e se esconder das pessoas, eu mesma estava fazendo isso, eu não passei nem metade do que ele já tinha vivido. Eu entendia. Não tinha porque querer sair correndo. Na verdade isso me fez querer ficar ainda mais.

...

12 de Janeiro de 2006

— Então você esta dizendo que depois de tudo isso, você sentiu pena dele? Perguntou o Acusador.

— Não senti pena, senti empatia. Indaguei.

— Ele te manipulou claramente. Afirmou.

— Ele me falou a verdade.

— Ele é um Psicopata, era apenas uma maneira para te entreter. Você por acaso sentiu emoção em suas palavras. Você sabia que psicopatas podem fingir emoções o tempo todo? Questionou o observador.

— Eu passei mais de dois anos com Bo Sinclair e eu aprendi a diferenciar quando ele estava fingindo. No geral para enganar era mais polido em suas palavras. Mais gentil em seus modos. Quando ele me contou a história de sua família, ele não fingiu emoções, pelo contrario tentou esconde-las de mim. Eu senti que ele tinha ciúmes do irmão por ter-lhe roubado atenção de sua mãe. Tanto que ele me permitia sem gentil com Vincent, mas não muito, para que minha total atenção fosse dele.

— Ele sentia ciúmes de você com o Vincent? Perguntou o Observador.

— Sim. Eu tinha uma relação boa com Vincent com o passar do tempo ele se afeiçoou a mim. Ele era diferente de Bo, era calmo e sensível. Bo não gostava disso, queria atenção só pra si mesmo.

— O que mais você observou de Bo naquele dia? Perguntou o Acusador.

— O ódio pelo pai. Bo culpava o pai pelo que aconteceu com eles. Vitor Sinclair os deixou sozinhos praticamente na miséria. Ele sempre dizia que entendia que as mulheres tinham o dom para encantar e destruir os homens. Mas que eles tinham que ser mais espertos que isso. E que o pai foi fraco de mais. O amor que sentia por Trudy, ainda que fosse sua mãe, o cegou completamente. Não foi capaz de enxergar nem os próprios filhos, o quanto eles precisaram do pai quando a mãe partisse. Ele dizia que o amor paternal tinha que ter sido maior que o amor por uma mulher.

— Então ele odiava o pai e o culpava por sua vida? Perguntou o sem noção que parecia estar dormindo durante a seção.

— Ele o amaldiçoava. E isso não era encenação.

Os olhos dos médicos reviraram. Menos do observador.

— Eles devem ter sofrido muitos tipos de abuso nos lares adotivos. Eu acredito em você em Carly. Acredito que as emoções eram reais.

— A pelo amor de Deus, você nem ao menos acredita na definição da palavra Psicopata. Indagou o língua afiada.

— As emoções de Bo existiam, eram palpáveis, desconexas, sem controle, confusas, mas estavam lá sempre estiveram. Expliquei.

— Você não vai usar isso pra comprovar suas teses sobre os vários tipos de psicopatia Laslo. Afirmou o Acusador para o Observador. _ Não estamos aqui pra discutir a psicopatia de Bo Sinclair por mais fascinante que seja. Estamos aqui para diagnosticar e tratar uma possível Síndrome de Estocolmo em Carly Jones.

— Talvez ele fosse passional. Disse o sem noção.

— Vamos nos ater ao objetivo. Afirmou o acusador encarando fixamente os colegas.

— Então ao saber que estava em uma cidade fantasma com um estranho traumatizado, você não ficou com medo? Não quis ir embora. Questionou o língua afiada.

— Como eu disse. Eu me apeguei em sua história. Não dei atenção a esse fato de inicio. Somente quando saímos da Casa de Cera e eu observei a cidade, a ficha foi caindo aos poucos. Mas para ser sincera achei estranho e excitante ao mesmo tempo. Não sou uma garota convencional.

...

Ambrose, 28 de Julho de 2003

 

— Então você não acha isso tudo uma loucura, não é demais pra você. Bo parecia esperar ansiosamente por minha resposta.

Eu não havia expressado emoção alguma diante da história, eu demorei a digerir, nunca imaginei que o que ele escondia fosse algo assim.

Era muito estranho de fato, mas era aceitável e compreensível.

— Tudo bem! Sorri e lhe dei um beijo e um abraço forte.

— Não quero que sinta pena de mim Carly Jones. Afirmou.

— Pena de você, um homem tão forte, jamais.

Bo Sinclair sorriu para mim e então saímos de mãos dadas da  sombria casa de cera.

Aquele lugar me dava arrepios, mas confesso que com Bo ao meu lado eu não sentia medo de nada. Doce e ilusória segurança.

— Então o que você quis dizer exatamente com Ambrose não existia mais?

— A usina de açúcar fechou tem uns oito anos, e as pessoas deixaram a cidade, eu e Vincent voltamos para cá e então tivemos a ideia de continuar o sonho da nossa mãe. Construir uma cidade inteira de Cera. Vai ficar incrível quando a gente acabar.

Bizarro mas eu não podia falar isso a ele. Era o sonho dele, da família dele.

— Vai ficar incrível sim. Eu acredito em você. Mas então quer dizer que estamos sozinhos aqui nesse lugar esquecido por Deus e pelo diabo e que de certa forma você disse muitas mentiras pra me trazer até aqui? O encarei fixamente parando no meio da estrada.

— Carly eu tentei te ajudar de uma encrenca pior, e acabei de abrir minha vida pra você, confesso que eu não posso sair contando sobre isso para todo mundo, as pessoas sairiam correndo em menos de cinco minutos, e além do mais se você quiser ir embora pode ir, não estou te prendendo aqui estou? Bo pareceu ficar nervoso ao cuspir as palavras.

— Não, eu não disse isso. Só fiquei um pouco apreensiva, te conheço a três dias e agora descubro que estou com você no meio do nada.

— Exatamente isso, se eu quisesse ter feito algum mal pra você acha que eu demoraria três dias pra fazer isso? Oportunidades não me faltaram. Indagou.

Respirei fundo.

—Você tem razão.  Sorri para ele. Mas com a certeza que quando voltasse pra casa precisava contar a alguém onde eu estava e com quem. _ Mas e então vai me mostrar a cidade.

Ele sorriu malicioso.

— Vou te levar no cinema. Ele agarrou minha mão e me puxou estrada abaixo.

A cidade era minúscula e charmosa, uma típica cidade do interior da Flórida, um clima extremamente agradável, eu amava o calor, por isso fugia de Riverdale sempre que eu podia. A cidade de Riverdale era gélida.

Ambrose era vazia, calorosa e florida, devia ser uma cidadezinha incrível quando tinha pessoas aqui, eu particularmente prefiro o litoral, mas não nego o charme do interior.

Eu me peguei imaginando como tinha sido a infância e adolescência de Bo ali, deve de alguma maneira ter sido boa, pra ele se recusar a ir embora, dessa cidade vazia.

Ali do centro da cidade dava pra ver tudo que tinha ali. A pequena Igreja mais ao fundo, o posto de gasolina que Bo havia citado várias vezes, uma pequena mercearia, a loja de animais. Não resisti e tive que correr pra ver.

— Eles são de verdade? Encarei Bo.

— Não, eles são mecânicos. Ele me analisou. _ Tudo aqui que se move é mecânico.

— E como fez isso?

— Eu tenho dom pra elétrica e mecânica. E muita imaginação. Ele esperou minha reação com um sorriso indecifrável nos lábios.

— Tudo isso é incrível Bo. Eu o beijei em um surto de excitação.

Mesmo antes de descobrir toda a verdade sobre ele, de certa maneira eu sentia um lado claro e escuro vindo dele e de uma maneira que eu não sabia explicar aquilo me agradava.

Bo abriu as portas do cinema pra mim, e mexeu nos painéis elétricos acendendo tudo, já pude ouvir os sons do filme começando. Vi o seguinte cartaz.

“O que terá acontecido a Baby Jane”

Com toda a certeza era um filme da época da minha mãe ou minha avó.

Observei tudo com atenção, era tudo antigo e charmoso. Um pouco empoeirado. Havia duas esculturas de Cera ali. A Miss Ambrose e o cara da bilheteria.

— Ela é linda. Passei a mão em seu rosto. Bo pareceu se incomodar com meu toque na escultura.

— Não mais que você. Disse segurando minhas mãos. _ Desde que você chegou temos uma nova Miss Ambrose. Mas meu bem não toque nas esculturas, o Vincent não gosta.

Percebi a alteração em sua voz enquanto me afastava da escultura.

Dei de ombros.

Você não trás muitas garotas aqui não é mesmo. Sorri ironicamente passando os dedos nas estruturas empoeiradas.

Bo riu e pareceu se lembrar de muitas coisas.

— Em outros tempos, eu trazia uma garota por semana. Mas agora eu não sou mais um menino.

Ele se aproximou de mim e me beijou, sugou meus lábios com força e me ergueu em uma bancada.

Acariciou meu corpo e me encarou. Cheirou meus cabelos, minha pele.

— Sou um homem agora, e você a garota mais linda que eu já tive a honra de conhecer. E agora eu vou levar ao cinema. Ele sorriu maliciosamente me descendo da bancada.

— E esse filme aí, antigo até pra você.

Ele riu.

— Eu gosto desse filme. Mas sabe como é, cidade pequena as coisas demoram a chegar.

— Ah sim, uns 30 anos.

— Mas não deixa de ser um clássico. Ainda que de outros tempos.

Nós adentramos a sala do filme, maior do que eu pensava. E ela realmente parecia cheia de pessoas. Havia várias esculturas de cera ali também ocupando as cadeiras.

— Meu Deus, você e o Vincent são incríveis. Quem poderia imaginar o que vocês seriam capaz de fazer com esse lugar.

— Você não tem ideia. Ele me encarou malicioso.

Pulei em seu colo o surpreendendo. O beijei intensamente e então nos acomodamos nos acentos de trás do cinema, por algum tempo dava quase pra se ter a sensação que estávamos em um cinema comum rodeado por pessoas de verdade.

Logo comecei a beijar seu pescoço e a provocá-lo, coloquei minhas mãos em suas pernas e fui subindo.  Bo suspirou olhando para a tela e pegou em minha mão fazendo com que eu acariciasse seu membro já dando os primeiros sinais de vida.

Em alguns minutos ele virou e me beijou, passou as mãos em meus cabelos, parava me olhava, acariciava meu rosto e me beijava novamente. Abri o zíper de sua calça, o botão e então pulei em seu colo, eu estava usando um vestido florido azul de tecido fino e uma pequena calcinha que ele afastou de imediato entrando em mim.

Então nos beijamos, e se esfregamos um no outro até gozar.

O filme havia acabado e nós ainda continuávamos como loucos lá dentro. Descemos e fizemos sexo próximo a tela também, era estranho olhar pro lado e ver aquelas esculturas todas tão reais olhando pra mim. Mas o toque de Bo me fazia esquecer qualquer coisa.

E numa brincadeira desenfreada de pega-pega dentro do cinema, na qual Bo não queria mais me largar pra gente sair dali. Eu acabei esbarrando numa escultura que quebrou ao passar por uma das fileiras. O fato era que saiu carne viva de dentro da escultura, músculos, pele, sangue velho e larvas. E então me dei conta do porque elas eram tão reais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Beijo das Sombras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.