Mesmo que Mude escrita por Gabinos, Supernova


Capítulo 4
Estava com saudade




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Shaka não esperava a campainha. Havia acabado de retornar da gelateria onde passara o início da tarde com Milo, o escutando falar sobre tudo o que Kanon mudara nele e como era difícil soltar a corda, ainda sabendo que o que estivera preso à ela nunca havia sido seu, de fato. Ressentia-se daquele término, embora entendesse que certas feridas e incompatibilidades não eram do tipo que poderiam ser superadas, contudo, no fundo, talvez acreditasse que com mais dedicação e esforço, aquilo poderia ter dado certo. Alguém precisa ceder... Mas, aquilo era uma bobagem egoísta. Sabia muito bem porque seu inconsciente preferia que Milo houvesse passado por cima de coisas que nem ele mesmo gostaria de passar. Só não imaginava, que a razão de seu divagar estivesse à sua porta.

— Saga? O que o traz aqui? Digo, poderia ter ligado.

— Decidi vir pessoalmente.

— Ora, deveria ter me consultado. Mu poderia estar aqui e...

— Sei que você acabou de chegar e está sozinho. Sei também que ele não vem às quartas.

Claro que sabia, afinal era quando mais conversavam. Shaka geralmente ligava e gastavam toda a tarde entre prosa, chás e cafés, cada um de um lado da linha.

A voz potente prosseguia.

— Eu vi você saindo da gelateria quando Camus chegou e vi que voltou para casa.

— Estava me espionando?

— Apenas te esperando. Não vai me convidar para entrar?

A figura loira de Shaka estancada em frente a porta era um claro não. Havia mantido contato com seu ex namorado depois que terminara alegando que “havia confundido as coisas”. Ambos estavam sempre trocando farpas, mas para além da guerra de intelectos, costumavam conversar por horas, coisa que não conseguiram mudar com o tempo. Mantinham contato por telefone e Mu bem o sabia, não se metia nas escolhas do novo companheiro, provavelmente porque a relação ainda era recente para este tipo de cobrança ou porque o próprio tinha lá seus apegos ao passado.

Shaka suspirou visivelmente contrariado com a menção ao novo amor de Milo. O problema não era Camus em si, mas o fato dele ter terminado com Shura para ficar com Milo. Pois fora justamente por Shura estar disponível que Saga começara a sair com o mesmo. Ao fim, sua implicância era ciúme, coisa que jamais seria capaz de admitir até para si mesmo ser suscetível. Até porque não possuía direito de senti-lo: Saga era um homem livre. Ele mesmo o havia libertado.

— O que é tão grave que não pode ser dito por telefone? – dizer aquilo o despertou para o assunto vespertino regado a gelato de pistache e frutas vermelhas – O que? Você também vai embora?

Segurou firme o batente da porta, não querendo denunciar o breve tremor que sentiu pelo corpo. Ok que não formavam um casal, todavia era reconfortante saber que o outro estava ali, ao alcance das mãos, ainda que não o tocasse mais.

— Não vou a lugar nenhum.

Seus ombros quase cederam à gravidade, aliviados com a notícia.

— Então?

— Estava com saudade. – disse por fim, tocando a maçã do rosto de Shaka com os nodos dos dedos.

Assim, a mesma gravidade operava no extremo oposto, quando notou que aquele toque ainda o tirava do chão. Quanto tempo fazia?

Milo era certamente o amigo mais estupendo que alguém poderia ter. Leal, honesto, atento. Shaka dava muito valor a sua amizade, bem como às juras que fizeram desde crianças de nunca deixar que nada se colocasse entre eles, os afastando. Como poderia namorar o homem com o rosto daquele que fazia a melhor pessoa no mundo sofrer com tamanha intensidade? Milo nada dizia, mas não suportava olhar para Saga e Shaka sabia, então fez o que era necessário: não deixou que nada ficasse entre ele e seu amigo. Também lhe seria leal. Mas a que custo? Já estavam separados há tempo o suficiente para aquilo passar, haviam tocado suas vidas. Gostava de Mu verdadeiramente e sabia que Saga estava bem com Shura. A relação dos dois havia mudado de status há muito, todavia, ainda era amor.

— Não é producente que venha me ver sem me avisar

— Avisar para que? Queria tempo para juntar coragem?

— Saga, olhe... Acabou.

— Então porque isso ainda está junto ao seu peito? – disse apontando para o cordão com pingente de lótus, que havia lhe presenteado, anos atrás.

Shaka levou inconscientemente a mão ao objeto que era seu amuleto.

— Não existir mais não significa que nunca tenha existido. E, de certo modo, nunca deixa de existir, apenas... Muda.

Saga notou o tom melancólico. Havia chegado até ali, pois seguir era mais difícil do que parecia.

— Shaka, sabe que não sou homem de rastejar. Eu não tocarei mais neste assunto.

— É o correto a ser feito. — afirmou solene.

Saga não disse mais nada, apenas abraçando Shaka fortemente, ao que este lhe retribuiu o afago. É difícil seguir inteiro quando você deixa um pouco de si em todo mundo que fez parte efetivamente da sua vida. Ali estavam: eretos, distintos, caminhando, ainda assim haviam igualmente coletado partes do outro e entregue parcelas de si que haviam mudado quem eram.

— Ainda posso ficar com isso? — Shaka perguntou sobre seu cordão.

Saga esboçou um sorriso.

— Claro, lhe ofertei com os melhores sentimentos.

— Também lhe ofertei o que possuía de mais bonito.

Desta vez o sorriso alheio alargou-se.

— Sua mente.

E o que mais seria tão caro para dois homens feitos de intelecto? Shaka ousou sorrir de volta.

— Ninguém mereceu tanto minha mente quanto você.

— E você tem a mente mais bonita que já conheci.

Saga lhe beijou a testa e afagou seus cabelos. Não era o fim, mas certamente tudo havia mudado. Afastou-se tomando o caminho da rua, virando-se sem deixar de caminhar.

— Ligo quando chegar para aproveitarmos a quarta-feira.

— Vou estar esperando com minha xícara de chá. – retrucou.

Então fechou a porta.


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