Mesmo que Mude escrita por Gabinos, Supernova


Capítulo 3
Mesmo que nunca tenha começado




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Parou numa banca de jornal para comprar chicletes, como se isso disfarçasse o cheiro de cigarro. Perdeu a conta de quantas latas chutou enquanto caminhava. Não que fossem muitas, apenas não conseguia prestar atenção. Não sabia se mantinha as mãos dentro dos bolsos ou cruzava os braços, as escondendo rente ao corpo.

— Que vento de merda.

Reclamava sozinho enquanto precisava tirar os cabelos que atrapalhavam a visão do único olho.

Antes que batesse à porta, já escutava os latidos que anunciavam sua presença. Ouviu a voz que perguntava ao animal o motivo para tanto alvoroço e não pôde evitar de sorrir, dando algumas batidas tímidas na madeira. O sorriso foi embora quando a porta abriu-se. Todavia, ele esqueceu de fechar a boca.

— Izzy?

Após alguns instantes procurando as palavras todas que escapuliram de sua boca, Isaak foi salvo pelo monstruoso pastor belga que pulava contra ele. A única criatura sincera o suficiente para dar vazão aos sentimentos. Isaak ajoelhou-se, abraçando o cachorro como quem abraça um amigo que há muito não vê. Talvez não tivesse coragem para fazer isso, afinal de contas.

Io assistia, de coração aquecido. Lobinho sempre gostou de Isaak, que sempre retribuiu. Desde quando o imenso cachorro era um filhotinho que trocava as pernas ao andar, os dois se davam bem, especialmente durante passeios no parque, que resultavam em frisbees quebrados e bolinhas perdidas.

Também era o único amigo que sempre trazia um agrado para o cachorro quando o visitava. Dessa vez não fora diferente, Isaak tirava um biscoito em formato de ossinho do bolso. O petisco distraiu Lobinho o suficiente para que Izzy conseguisse colocar-se em pé novamente.

    — Io… eu vou embora.

    Era o que precisava falar. Era pra isso que tinha ido até lá. Encarava o único motivo que teria para ficar, mas que talvez também já não fosse motivo suficiente.

    — Você...se afastou.

    Isaak tateou o isqueiro no bolso. Como era desarticulado quando o assunto era Io! Se conseguisse transformar seus sentimentos em palavras, talvez não estivesse indo embora. Talvez não afogasse o arrependimento dos atos nunca concluídos no corpo de quem era bom em entender sua falta de jeito. Mas ali, olhando pra ele, estava alguém que era o completo oposto disso. 

Ao invés de responder, apontou o indicador para dentro da casa, pedindo para entrar. Io chacoalhou a cabeça, dando passagem.

Subiu direto para o quarto do amigo, seguido do cachorro. Jogou-se na cama de Io, enfiando a cara no travesseiro, sentindo o perfume dos cabelos avermelhados que tanto gostava. Aquele lugar do mundo parecia parado no tempo. Até mesmo Lobinho era nostálgico, indo direto para a almofada que já não era tão larga assim, comparada ao corpo do animal.

O cheiro do quarto, os pôsteres na parede...tudo parecia exatamente igual. E isso o fazia sentir vontade de chorar.

Io logo apareceu, com duas garrafas de cerveja Solo. Até a marca da cerveja era a mesma das outras que dividiram anteriormente. Antes daquilo.

Isaak não ouviu o que Io falava, apenas concordava, seja lá com o que fosse. Ao terminar a bebida, colocou a garrafa no chão e abraçou-se em Io, que listava os bairros da cidade para onde achava que Izzy mudaria-se. Abraçou-se tão repentinamente que a garrafa de Io foi-se ao chão. Abraçou-se não somente ao homem, mas a todas as lembranças e a tudo que Io representava em sua vida.

E chorou copiosamente ao se dar conta de que fora exatamente à mesma maneira que acabou beijando o melhor amigo, há o que? Um ano? Um ano e meio atrás? Contudo, não repetiria o mesmo erro. Livrou-se dos braços do primeiro amor, com alguma dificuldade retirou o isqueiro do bolso, o entregando a Io.

— Assim você pode lembrar de mim.

Lobinho levantou as orelhas enquanto a visita com quem mais gostava de brincar saía às pressas dali. 

Io brincou com o presente inusitado por algum tempo. Levantava a tampa, girava a pedra, abaixava a tampa. O pôs sobre o móvel ao lado da cama quando o cachorro pediu por sua atenção. Ainda precisavam passear.    

Ligou para Bian antes de apanhar a guia.



 

A F-150 já estava carregada com seus pertences quando Isaak chegou em casa. O namorado esperava na portaria, fazendo palavras cruzadas de um dos jornais antigos que usaram para enrolar os pertences frágeis. Sabia que não precisava subir. 

Surpreendeu Kanon com um abraço carinhoso. 

— Resolveu o que tinha a ser resolvido?

A resposta veio com um chacoalhar de ombros. A contrarresposta, um beijo na testa. 


 

Apanhou a blusa sobre o banco de trás, estranhando a caixa de papelão separada de todas as outras.

— Que caixa é essa? 

— É algo que eu tenho que devolver. Quando encontrarmos uma agência de correio, eu despacho.

Prendeu o cinto e baixou o vidro, acendendo um cigarro com o isqueiro verde, de plástico, comprado em uma padaria, muito diferente do que costumava usar.

— O que aconteceu com seu isqueiro? 

— Perdi.


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