Entre Extremos escrita por Bella P


Capítulo 36
Capítulo 35




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Os Winford tinham uma tradição de oferecerem as melhores festas de Natal de toda a Londres. Festas regadas de luxo, decorações invejáveis, dignas de capas de revista sobre decoração e arquitetura, comida deslumbrante e em porções minimalistas e convidados ricos e ilustríssimos trajando vestidos e ternos da alta costura, rodando pelo enorme salão principal da casa, entre garçons bem paramentados que sempre estavam a postos para nunca deixarem as taças de champanhe vazias. Ser convidado para uma festa de Natal dos Winford tinha tanto peso e renome do que conseguir um assento no Met Gala. 

Dallas não considerava o evento grande coisa, visto que o frequentava desde os quatro anos de idade e após uma década, a festa tornava-se um pouco enfadonha. A decoração, obviamente, mudava a cada ano, embora o tema base de inspiração fosse o Natal, alguns convidados já eram figurinhas carimbadas no evento, outros eram novas caras dentro desta sociedade elitista e com várias panelinhas. 

— O que você está fazendo aqui? — Clarisse perguntou ao entrar no corredor de acesso a cozinha, tão movimentado quanto a festa com as idas e vindas dos garçons, e ver Dallas recostada contra a parede. — Você sabe que se a sra. Winford não a vir naquele salão dará um chilique. — Dallas duvidava que a sua avó fosse fazer algum escândalo em público, ou até mesmo no privado, mas o sermão dela seria longo e tedioso se os seus olhos não encontrassem os da neta ao menos cinco vezes naquela noite. — Você está linda! — Clarisse completou ao finalmente prestar atenção no que a jovem vestia. Era um vestido de manga curta, em tom prateado, com comprimento até os joelhos, saia boca de sino, com bordados negros em forma de flores e folhas, ela também estava de salto e o cabelo preso no alto da cabeça em um rabo de cavalo simples, o que dava destaque ao rosto bonito e aos lábios pintados de vermelho da cor do vinho tinto. — Cadê aquela menininha magricela e dos joelhos ralados? — brincou e Dallas rolou os olhos. 

— Blasfêmia de sua parte dizer que os Winford são tão desleixados que ralam joelhos. — Dallas retrucou em um tom que misturava zombaria e divertimento e Clarisse riu, já mais do que acostumada com a acidez da menina. 

— Próximo domingo confessarei os meus pecados ao padre, então. Mas vá, vá, antes que a sra. Winford verdadeiramente dê um chilique. — Clarisse praticamente enxotou Dallas daquele corredor ao empurrá-la pelos ombros em direção a saída e ainda fez um “shuu” com as mãos quando a garota olhou por cima do ombro para a governanta. 

— Dallas Winford. — Dallas ouviu alguém falar as suas costas assim que entrou no salão, com pessoas conversando em tons polidos em vários pontos, embalados pela música da banda de cordas contratada para o evento. No centro do salão havia uma pista de dança, ladeada por mesas, onde alguns casais arriscavam os passos de uma valsa. Quando Dallas virou, Allen Halliwell era quem havia a chamado e sorria dentes brancos e perfeitos no rosto de pele imaculada e cabelo bem arrumado com gel. 

Dallas lembrava de seus encontros prévios com Allen e de um menino magricela, de aparelho e pele inflamada por acne, mas agora parecia que os hormônios da adolescência finalmente o alcançaram, lhe dando mais corpo, o aparelho foi retirado, deixando a mostra um resultado de sucesso para o tratamento dentário, e alguém deu ao garoto o número de um bom Dermatologista. 

— Allen Halliwell, vejo que alguém finalmente está usando o dinheiro em causa própria. — Allen ensaiou uma risada afetada diante da alfinetada. 

— Quando eu vi a sua propaganda no centro de Londres percebi que eu precisava melhorar o meu visual se quisesse ficar a altura da minha futura esposa. — e então ele recolheu uma mão de Dallas, sem o consentimento dela, e depositou um beijo nos nós dos dedos. Tão rápido quanto ele recolheu a mão, Allen a soltou, provavelmente porque a sobrancelha erguida de Dallas na direção dele mostrou que o gesto não foi bem vindo. 

— Que consideração. — Dallas disse, debochada, mas o sorriso de Allen não desapareceu de seu rosto. 

— Daria-me a honra de uma dança? — Allen convidou com uma mão estendida na direção dela, membro que Dallas considerou por longos segundos antes de aceitar o convite e deixar-se levar pelo rapaz para a pista de dança. 

Os burburinhos começaram logo que as pessoas notaram quem era o novo casal na pista. A notícia do noivado dos dois jovens ainda não tinha vazado para a imprensa, Amélia estava esperando mais alguns anos para anunciar a união, mas um grupo seleto já sabia da história e outros desconfiavam do arranjo visto que os Halliwell, novos ricos e não provindos de famílias tradicionais e nobres da bretanha, eram convidados de honra naquela festa. Alguma razão haveria de ter. 

Os dois alcançaram o centro da pista e Allen suavemente começou a guiar Dallas de acordo com o ritmo tocado pela banda, uma mistura moderna de valsa e balada pop. 

— E então? Ansiosa? — Allen perguntou ainda com o sorriso atarrachado no rosto dermatologicamente tratado. 

— Pelo quê?

— Nosso matrimônio, o que mais? — Dallas pausou um segundo o balançar deles e recuou um pouco o corpo para trás para olhar bem dentro dos olhos de Allen. O que encontrou lá a fez rir. 

— Allen, isto não é mais a era medieval, você pode transar com quem quiser, não precisa se guardar para o nosso casamento. — voltaram a dançar e Allen exalou ruidosamente o ar e adquiriu uma falsa expressão ofendida. 

— Dallas Winford, você não vai se guardar para o nosso casamento?! — disse em um tom ultrajado e que não convenceria nem mesmo uma criança de dois anos. Dallas riu. 

Allen e ela estudaram na mesma academia primária, antes dela seguir para Hogwarts e ele para seja lá onde os pais dele o tenha enviado, não conviveram muito como colegas de escola, provavelmente porque o garoto era um ano acima do dela, mas Allen foi um dos poucos, senão raros colegas, que não a atazanava por causa de seu status de bastarda. Esta era a vantagem de ser um novo rico: para eles, esse tradicionalismo arcaico das antigas e nobres famílias da Grã-Bretanha era motivo de piada e boas gargalhadas e, algumas vezes, fonte de zombaria. Estavam a poucos anos de entrarem no século vinte e um e famílias como os Winford, Bancroft, Billford-Whale, entre outros, prestigiavam mais o nome do que a bolsa de valores. 

“O nome é tudo, Dallas!” Foi uma lição que Amélia a ensinou no momento em que aprendeu a falar. “Você pode estar na ruína, mas se ainda tiver um nome de peso, consegue se reerguer em segundos!”

Dallas invejava a liberdade do nome Halliwell, tão novo na alta sociedade, com um toque de modernidade, desprendido de padrões e tradições tolas, invejava tanto que não se opunha em atrelá-lo ao seu nome, mesmo que fosse usando métodos arcaicos e questionáveis. Ao menos, como Amélia lhe disse, com os Halliwell ela seria apenas Dallas, a esposa do herdeiro da fortuna da família, e não mais Dallas, a filha bastarda de Albert Winford. 

— Não seja pudico, Allen, não combina com você. Embora ache um gasto inútil do meu tempo, eu leio alguns tablóides, apenas para dar boas umas risadas da futilidade de algumas pessoas, e vi algumas fotos curiosas de você com Wilhelmina Temple. 

Os Temple, como os Halliwell, eram novos ricos, de duas gerações da família. A fortuna começou com o avô, durante a Segunda Guerra Mundial, quando novas tecnologias foram criadas para auxiliar na vitória dos Aliados sobre o Eixo. 

— Se não te conhecesse, diria que está com ciúmes, mas tão sentimento está abaixo de você, não? — Dallas não estava tão certa. Alguns anos atrás concordaria com Allen sem hesitar, alguns anos atrás e antes de conhecer Harry Potter, ela considerava o ciúme um sentimento tolo e digno de pessoas fracas. Hoje ela não estava mais tão certa. — Humm, farejo uma história aí. 

Amélia sempre acusou Allen de ser um cabeça de vento que no fim levaria os negócios da família Halliwell para o buraco porque ele não tinha vocação alguma para o assunto, e isto era uma verdade, em partes. Allen não tinha vocação para o mundo dos negócios, ele era péssimo em Matemática Financeira e politicagem, mas não significava que ele era cabeça de vento. O talento de Allen estava na arte e isto lhe deu um dom nato de perceber os menores detalhes, especialmente nas micro-expressões das pessoas. Decifrar os pensamentos de Dallas diante de um leve torcer dos lábios dela não deveria ter sido tão difícil. 

— Não quero falar sobre isto. — Dallas desconversou. 

— Tem certeza? — Allen insistiu ao girá-la pelo salão. 

— Allen... — Dallas prosseguiu em um tom de alerta, pois sabia que Allen era como um cachorro magro com um osso quando o assunto lhe interessava. 

— Venha, venha até o meu escritório. — Allen disse em tom brincalhão e puxou Dallas para fora da pista de dança, a guiou por entre os convidados, até que eles saíram pelas portas duplas de vidro que davam para os jardins decorados com minúsculas luzinhas e salpicado de flocos de neve. O vento gelado arrepiou a pele de Dallas e rapidamente Allen despiu a jaqueta de seu terno e a colocou sobre os ombros da garota. 

— O que você anda comendo em… — Dallas deixou vagando no ar, querendo entender de onde vinha aquela atitude tão ousada dele.  

— Escola Preparatória Terrance Sinclair. — Allen completou, solícito. Sim, a cara e prestigiada escola de negócios de Londres, que educava herdeiros de grandes fortunas e conglomerados a assumirem em um futuro próximo o negócio da família. — A liberdade, minha querida, a liberdade. 

— Como? — eles começaram a caminhar pela trilha de pedra que serpenteava os jardins muito bem cuidados para uma estação fria como o inverno britânico. Se Dallas não soubesse das habilidades extraordinárias da equipe de jardinagem, diria que tal resultado foi obtido com magia. 

— Você sabia que como detentor do maior percentual de ações e dono da empresa, eu posso nomear o meu sucessor?

— Sim, e? — Allen parou de caminhar e pôs-se na frente de Dallas, a olhando significativamente e em silêncio por longos segundos. — Não. Não! Absolutamente não! — ela deu a volta por ele e retomou a caminhada. O som de solas amassando areia e esmagando pedras mostrou que Allen a seguia. 

— Não é por isso que Amélia convenceu os meus pais a nos casar? Para te dar um futuro brilhante? 

— Allen, seu pai não irá permitir isto, não enquanto ele estiver vivo. Wallace Halliwell é futurista, mas não é tão moderno assim para ver uma mulher como CEO da companhia dele. 

— E também não vai viver para sempre. — Dallas deu um relance para Allen que emparelhou com ela. 

— Planejando um patricídio, Allen? — o garoto riu.

— Óbvio que não. Eu adoro o meu pai, mas o plano dele é de me nomear herdeiro quando eu chegar aos vinte e um anos, me treinar por alguns anos no negócio e então passar todo o controle dele para mim e você e eu sabemos como eu sou péssimo nesse assunto. — Dallas sabia, na última escola deles alguns anos diferenciados fizeram um trabalho em conjunto sobre montar, manter e expandir um negócio, as séries foram separadas em grupos, as idades diferenciadas proporcionou conhecimentos e experiências diferentes, e cada grupo montou uma empresa e tinham que negociar uns com os outros no que seria o mercado de negócios. Resumindo a ópera, a empresa do grupo de Allen abriu falência após a primeira semana devido a má administração de capital. A empresa de Dallas foi uma das duas a ficar de pé e prosperando até o final do experimento. 

— Okay, okay, eu assumo a sua companhia para deixá-lo livre para pintar aqueles borrões que você chama de arte. — Dallas disse com um rolar de olhos e um falso tom sofrido. O plano não era tão ruim, ela poderia construir um nome para ela dentro deste mundo competitivo e acirrado, ela teria bala na agulha o suficiente para isto. Ela transformaria o Grupo Halliwell uma empresa de milhões para bilhões, ela podia fazer isto. 

— Você é um anjo! — Allen disse empolgado e a forma de agradecimento dele pegou Dallas tão de surpresa que ela mal teve tempo de reagir aos lábios do garoto sobre os seus. — Hum, interessante. — Allen murmurou quando se separaram, lambendo os lábios como se pudesse sentir neles o gosto de cereja do batom de Dallas. — Deixa eu só ver uma coisa. — e a beijou de novo, e sem aviso. Desta vez Dallas reagiu, e não foi o empurrão que ela planejou dar nele, para afastá-lo de si. De alguma forma, o seu corpo a traiu e então os seus braços envolveram pelo pescoço dele enquanto os braços de Allen a envolveram pela cintura, a abraçando e tornando aquele momento ainda mais íntimo. 

Quando se separaram, as suas respirações estavam ofegantes e as suas bochechas rubras. Dallas soltou Allen que retribuiu o gesto, desfazendo o abraço, e ambos recuaram um passo, dando espaço um para o outro. 

— Adorei esta nova maneira de selar acordos. Deveríamos repetir mais vezes. — Allen comentou em um tom jovial e Dallas rolou os olhos. 

— Cala a boca. — retrucou, apenas por força do hábito, embora em seu rosto houvesse um discreto sorriso. 

— Relaxa, Dallas, foi só um beijo. Nada de ruim acontece por causa de um beijo. — Allen declarou e Dallas deveria ter pressentido ali um mau agouro, porque no dia seguinte havia uma foto do seu beijo com Allen como destaque na coluna sobre celebridades do The Sun.  

— Quem deixou a imprensa entrar na festa? — Dallas comentou horrorizada ao ver a foto. O ângulo não era ruim, nem o foco, o que mostrava que Allen e ela estavam tão entretidos em trocar saliva que nem perceberam a aproximação de alguém, e a foto não era assim tão comprometedora, era apenas um beijo, mas ainda sim Dallas sempre detestou ter a sua vida exposta de maneira tão rude pela imprensa. 

— A imprensa sempre é convidada para as nossas festas. — Amélia comentou ao tomar um gole de seu chá. Avó e neta estavam no solário da mansão aproveitando a companhia uma da outra em um desjejum. — Em outra situação eu a repreenderia pela indiscrição, mas o beijo nos deixou em vantagem, um suposto relacionamento entre Allen e você é o plano de fundo perfeito para quando o anúncio do casamento for feito. A imprensa não irá desconfiar do súbito enlace e do nosso acordo com os Halliwell se tiverem provas de que já havia algo acontecendo entre vocês. 

— Fico feliz que o meu primeiro beijo encaixe-se tão bem em seus planos, grand-mère . — Dallas comentou com um muxoxo e Amélia arqueou uma sobrancelha para ela. 

— Primeiro beijo? — a matriarca repetiu e viu a neta dar de ombros e desviar o olhar em uma vã tentativa de esconder o rubor em suas bochechas. — E como é que foi? — perguntou e Dallas voltou a encará-la e hesitou alguns segundos antes de responder: 

— Molhado.


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