Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 41
Capítulo 41 - Beladona




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A melhor coisa sobre aquela ligação estranha era usar Vanessa como avatar.

Veja bem, eu estava presa no quarto o dia inteiro. Aquela velha e suave neurose que todos tinham de que Trivia iria mandar alguém me matar. A verdade? Trivia provavelmente não queria me matar, já teria feito se quisesse, a bicha era ardiolosa, arrancou uma adaga debaixo da minha cama enquanto eu dormia. Se ela quisesse mesmo, teria cortado minha garganta. 

Com Hermes praticando nado nas chamas flamejantes do inverno, nunca tinha me sentido mais segura. 

Bom, retomando ao assunto, Vanessa estava espiando Thanatos, no momento, o cara tinha entrado em um shopping e estava jogando aquele joguinho de tiro ao alvo com o namorado.  Não via utilidade em um deus e um descendente de deuses jogarem tirinho. Provavelmente os caras já tinham atirado com metralhadora mesmo. 

Sniper, Vanessa me corrigiu. Como se eu tivesse obrigação de saber essas merdas. 

A ruiva estava em um restaurante do lado oposto, onde dava para ver a entrada e saída do lugar que eles entraram. A pobre Mare que era o teste do dia, estava sentada em um banquinho do shopping, lançando olhares ocasionais para o canto de sniper. A menina estava mais olhando para o celular do que focada em Thanatos. 

Vanessa interpretava isso como um bom sinal, ausência de tentativa de comunicação com o deus da morte. Eu, por outro lado, interpretava isso mais como falta de preocupação com as minhas ordens. 

Então, horas depois, vendo Thanatos saindo de mãozinha dada com o vrykolaka loiro, Vanessa teve a ideia




Descendentes de deuses tinham uma mentalidade muito infantil e territorial, pensei enquanto via Alec e Vanessa se encarando para ver quem ficava com a cadeira na cabeceira da mesa. Era só a merda de uma cadeira e eu só queria jantar no saguão em paz. 

Me encostei no corrimão da escada por um tempo, observando o showzinho.

— Eu sou a mais velha

Alec estralou os dedos e fez chamas negras percorrerem a mão dele. Sim, nós sabíamos que ele era o ser mais forte lá. Que novidade, revirei os olhos. 

— E eu sou a filha de Nix— Empurrei os dois e sentei na maldita cadeira.

Bem, Alec podia ter algum pai divino, mas ele não tinha sido assumido. Então, o direito era meu. 

Olhei para as cambadas na mesa, para ver se alguém contestaria ou falaria alguma coisa. Mare focada no celular, Damien quase cochilando e Sam seguindo os pratos como o Presidente Au Au faminto, Idia deitada nos meus pés. Meu estômago roncou, bem que as garçonetes podiam entregar o cardápio mais rápido, mas talvez elas tivessem se afastado pelo showzinho iminente das duas antas. Eu estava louca para comer carne de Javali pela primeira vez. Caso Trivia me matasse, eu iria ir para o além com meus horizontes gastronômicos ampliados. 

Infelizmente, por causa da história da beladona, alguém — cof, cof, Alec — iria ter que provar todos os pratos primeiro, o que iria atrasar a janta mais ainda. 

Parei imediatamente.

— Alguém viu a Layla? 

Comecei a me sentir estranha. É difícil descrever. Uma sensação de aperto na garganta e contorção desagradável no estômago. O pior era uma penca de pensamentos idiotas: Layla pegando um salgado na lanchonete, indo comer no quarto e nunca mais sairia de lá. 

Vanessa deu um tapinha no meu ombro.

— Ela deve estar só no banheiro.

Analisei a express de todos na mesa, para ver se tinha alguma expressão de arrependimento ou de zombaria. Nada, pareciam todos indiferentes. Provavelmente achavam que a reencarnação de Diana era uma neurótica. 

Vanessa revirou os olhos. 

— Tá, vou ligar pra ela — a ruiva suspirou — você está com cara de quem pode se engasgar com a comida. 

Uma chamada. Duas. Na terceira, estava feliz por não ter comido nada, caso contrário, acabaria vomitando ali. 

— Vamos subir — Damien disse — Melhor dar uma olhada no quarto dela. 

— Fica calma, as vezes, ela só está com caganeira — Sam disse. 

Ninguém riu. Cogitei cravar um garfo no olho dele. Meu humor estava tão péssimo que fiquei feliz por ele ter expectativa de vida baixa. Era menos tempo para aturar aquele encosto.

Enquanto todos se levantavam da mesa, fiquei estranhamente congelada. Pela primeira vez, entendi que o gato de Schrodinger poderia ser filosófico. Se não levantasse daquela mesa e não fosse para aquele quarto, Layla estaria bem. Não, pelo menos eu não teria certeza de nada, o que era bem melhor do que saber. 

A partir do momento que abre a caixa, o gato está vivo ou morto. A mesma coisa servia para a maldita porta. 

Idia bateu a patinha na minha perna. Não sabia se era um sinal de conforto ou um meio de comunicar que era pra mim subir logo e que eu estava parecendo fraca congelada na mesa. 

Acelerei demais na escada. Quase caí e Alec me segurou. Ele me olhou com uma expressão tão melancólica que quase quis cair da escada.

Nos trechos finais da escada, andei mais devagar. Algum instinto inconsciente de retardar qualquer descoberta? Vanessa me ultrapassou facilmente e chegou na porta primeiro, enquanto eu não queria saber, preferia postergar, ela queria saber logo para se livrar da agonia. De certa forma, ela era a mais positivista entre nós. Eu conseguia sentir uma sensação estranha de tristeza reverberando sobre mim. A vrykolaka, por sua vez, achava que iriamos encontrar Layla assistindo Netflix.

Não, não vamos, quase gritei com ela, por favor, não abre essa porta.

A ruiva não abriu a porta por causa de um papel que estava apoiado em cima da maçaneta. Naquele momento, minhas esperanças viraram pó, eu sabia muito bem quem gostava de cartinhas estúpidas. Os dedos dela escorregaram pelo papel e ela leu.

Nunca mais consegui ver algo tão claramente pela mente de Vanessa do que aquele papel.

"Você me condenou a uma situação pior do qua a de Cassandra de Tróia, decapitou aqueles que eu amava e manipulou uma divindade para fazer seu trabalho sujo. Tudo gera uma consequência". 

Só entendi a parte final do texto, mas a consequência era clara. Vanessa amassou o papel rapidamente. 

Alec encostou na maçaneta.

— Vou entrar lá, posso? 

— Vá — Vanessa sussurrou. 

Quando ele voltou, estava mais pálido. Pela expressão dele, eu sabia. Vanessa desviou o rosto para não ver nada de dentro do quarto. 

Uma parte minha estava atônita demais para acreditar. Talvez Layla não estivesse morta, só aparentasse. Ou poderíamos conseguir trazer ela de volta com RCP e levar para o hospital, beladona dava efeito anticolinérgico, deveria existir farmácos com efeito oposto. Sempre tinha a Esperança no fim da caixa de Pandora, certo?

Fui na direção da porta fechada. 

— Segure ela, Sam! — Vanessa gritou, aparentemente com planos sólidos de não me traumatizar.

Não, a preocupação dela não era só comigo. Vanessa não queria ver mais morte, ninguém mais que ela gostava. Não precisava de mais uma imagem assombrando suas noites. Mas eu tinha que tentar, não poderia ficar parada. 

Sam tentou me segurar, mas ele não era vrykolaka, portanto tinha a força e a velocidade só um pouco mais elevada que um homem comum e o cara teve a burrice de tentar me prender pela cintura, deixando minhas mãos livres. Por alguns segundos, fiquei surpresa por ele obedecer Vanessa. Depois, dei uma cotovelada na cara dele, bem na região da orelha. Obviamente, ele me soltou, o ser devia estar ouvindo ecos da batida no ouvido. 

Só por garanti, dei uma segunda cotovela no estômago dele e me lancei para a porta. Minha mão se chocou com uma parede invisível. Me virei e encarei Sam, essas coisas de alteração no espaço parecia ser bem típico dele. 

— Tira essa porra da minha frente — Rosnei. A cada segundo perdido, minha chance de trazer Layla de volta caia. 

Avancei na direção de Sam. Ele não era forte fisicamente e eu tinha certeza que se eu batesse nele o suficiente para ele ficar inconsciente, a barreira caia. Porém, tinha outra barreira mantendo ele afastado de mim. 

Me voltei para a barreira mais próxima da porta. Não sei ao certo o que me acometeu, mas só lembro de estar socando aquela barreira. Eu estava desesperada, tinha que fazer alguma coisa. Mal conseguia notar o sangue escorrendo pelos meus dedos. 

— Christine, não a nada que você possa fazer — Ouvi Alec falando de algum lugar — Trivia congelou e esquartejou ela. 

Em segundos, eu estava no chão, meus joelhos pressionados contra o piso frio. Esquartejada? Toda minha esperança virou pó. Sempre houve uma discussão sobre a Esperança ficar na mesma caixa que os males que a Pandora libertou, alguns achavam que a Esperança era uma ínfima misericórdia de Zeus e outros diziam que ela era um dos males. 

O pior dos males, descobri naquele momento.

As parcas tinham dito beladona, não essa morte horrenda. Trivia tinha envenenado e depois mutilado o cadáver como um recado para mim? 

Então, a ficha caiu. Beladona. Bella donna. A mesma pronúncia em italiano e todas as descendentes de deuses, principalmente as filhas diretas deles, eram mulheres bonitas. As parcas não falavam do veneno, falavam da assassina. Passei dias e dias igual uma idiota em cima de cada comida enquanto deveria ter aumentado a proteção sobre ela. 

— Coitada — ouvi Damien sussurrar. 

Coitada. Nem consegui distinguir se era pena ou deboche. Deveria realmente parecer uma figura digna de pena, soluçando no chão, com sangue até os cotovelos. "Não pareça fraca, controle suas emoções!", praticamente conseguia ouvir a voz da minha mãe gritando na minha mente. 

Não conseguia controlar. Minha melhor amiga estava morta. Não havia solução, nem cura. Nenhuma esperança.

Então, sai daquele lugar, cheio de descendentes de deuses com uma aparente piedade de mim. Um deles, no entanto, estava achando tudo muito engraçado.



Não consegui ir para o meu quarto. Todos os quartos do hotel eram parecidos, o meu quarto me fazia lembrar que Layla tinha morrido em um igual. Pensar nisso me fazia entrar em pânico. Em algum momento, enquanto eu assistia filmes, ficava jogando joguinhos online e gastava meu tempo em idiotices, Trivia estava assassinando minha melhor amiga. Eu só rezava para que ela tivesse matado Layla congelada primeiro e não despedaçado ela viva. 

Fui para o lado de fora do hotel e me sentei encostada na parede externa. O frio me deixava anestesiada, o que era bom.

Layla nunca tinha feito mal a ninguém. Gostava de animais, era legal até com quem não merecia, era idealista até com descendentes de deuses. Eu, por outro lado, nunca fui uma pessoa boa. Admito que gosto de ver pessoas quebrando a cara. Já tinha matado um homem também, tinha sangue nas minhas mãos também. 

Não era Layla que devia estar morta. Ela iria tentar parar todo esse ciclo de carnificina. Eu? Bem, tudo o que eu queria era despedaçar Trivia. 

Aquela era a minha punição por ter ousado manipular uma divinidade. 

 


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Notas finais do capítulo

E aí, alguém supunha que o trocadilho da Beladona seria esse?



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