Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 40
Capítulo 40 - As presas




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— Puta merda — foi a primeira coisa que falei. 

Ah, Christine, você é tão sem educação, diriam os puritanos. Bem, tinha um cara morto em cima do tapetinho do chão. Encarei Idia, que obviamente, era a mente apocalíptica atrás de tudo aquilo já que a garganta do cara parecia meia arrancada por dentes. Mas tenho que dizer que a expressão de inocência felina era admirável. 

Tem gatos que fazem você acordar com passarinhos mortos no chão. A minha trazia gente mesmo. 

— O que aconteceu aqui? 

— É uma longa história — Idia disse 

— Vaca miserável — Vanessa xingou, pressionando uma toalha no braço cortado. Eu praticamente conseguia sentir a fúria emanando dela. 

— Talvez deveríamos começar pelo defunto — sugeri. 

Idia piscou. 

— Ah, é Hipnos. 

Parecia bastante morto para um deus. 

— Ele não estava aqui para me ajudar? 

— Matei ele depois que ajudou. 

Ser traidora não é nenhuma surpresa pra mim — Vanessa comentou. Ela tinha falado tão rápido que nem vi a boca dela abrir.

— Ah, pare de ser dramática. Aposto que a Ií tinha bons motivos. 

Na verdade, eu não dava a mínima. Hermes tinha me feito ter raiva da classe masculina inteira de deuses. Se Idia tinha matado Hipnos, ela poderia ser promissora se meu plano de matar Hermes falhasse. Tudo bem, Hipnos era filho de Nix, logo, meu irmão, mas eu nunca tinha conhecido mesmo. A única coisa que me preocupava era a facilidade que minha mãe tinha de descartar seus filhos. Idia não teria o matado sem permissão. 

Aquilo me deu um calafrio, mas minhas preocupações eram outras no momento.

— Tá aí, duas sociopatas — Vanessa disse em tom de julgamento — Dane-se que tem um cadáver no quarto desde que seja útil pra mim. 

Sorri. Deuses, ela iria ficar tão puta se descobrisse que Idia e mamãe tentaram matar o irmãozinho dela no levante dos defuntos. 

Vanessa pareceu estranhamente mortificada. Então, subitamente, ela voou pra cima da minha gata, cerrando aos mãos ao redor do pescocinho da Ií. 

Eu, naturalmente, puxei o cabelo dela com o máximo de força que pude. Sabe, nessas horas, o conhecimento de artes marciais deixa a gente. Tinha uma anta querendo quebrar o pescoço da minha gatinha! Podia ser uma gata meio demoníaca, mas ainda era minha gatinha.

Subitamente, minha cabeça doeu pra cacete. Idia meteu as unhas na cara de Vanessa. 

— Na próxima, vai ser no olho. 

Minha bochecha começou a sangrar. A ruiva largou a gata e me encarou. Ela se voltou para Idia, deliberando se deveria esganar a felina novamente. 

— Você não me falou que teria danos colaterais.

— Você não aceitaria e eu não queria ter que matar o menino. 

De alguma forma, eu sabia que Idia tinha colocado as garras da garganta de Sam e dito: "Forneça o sangue ou vou cortar. Além de explicar para Nix que a filha está morta, vai ter que explicar para um membro do Alto Conselho que deixou o filho dele morrer". 

Vanessa colocou as mãos nas laterais da cabeça e semicerrou os olhos. 

— Saia da minha cabeça, Christine — ameaçou — Ou vou meter porrada na sua cara. 

— Pelo visto, vai doer em você também. 

Naquela altura do campeonato, estava convicta que tinha morrido mesmo e aquilo era alguma espécie pagamento de karma. Enquanto isso, Vanessa estava tendo a suave impressão que tinha feito pacto com o Diabo. E ela nem tinha certeza se Sam valia tanto.

Encarei o teto e suspirei. 

— O que aconteceu mesmo? Desde o início e sem tentarem se matar.

— Ela só me obrigou a dar meu sangue para fazer alguma magia negra para te deixar viva — Vanessa parecia bastante p da vida — Além de me deixar quase sem sangue, essa coisa tá com dano colateral. 

— Não tá com dano colateral, é assim mesmo. Tenho quase certeza que fiz igual Tétis falou. 

Lembrei daquela historinha sobre Aquiles. Vanessa ergueu uma sobrancelha.

— E faz quanto tempo desde que Tétis te contou? — a vrykolaka perguntou. 

— Alguns séculos — Idia admitiu, a contragosto. 

E eu nem lembrava a receita de bolo que tinha visto no Facebook há algumas horas atrás. 

— E isso é normal, os ferimentos espelharem. Por exemplo, quando Patróclo morreu, Aquiles enlouqueceu e morreu dois dias depois. 

Então, Vanessa começou todo um drama mental sobre a imortalidade dela rolando pelo ralo. Não era uma coisa muito lisongeira, ela tinha quase certeza que eu não iria durar nem um mês com todo esse rolo de Trivia. Percebi que se ficasse lendo os pensamentos dela, por mais que o treco de telepatia parecesse legal, acabaria precisando de psicólogo para autoestima. 

— E o defunto no chão, como acabou parando aí? — perguntei

— No início, estava tudo bem. Aí sua temperatura começou a subir. — E aí lembrei do cara que entrou em combustão espontânea. Bem, aumento de temperatura não parecia bom sinal — Peguei Hipnos desprevenido, matei ele e usei a energia vital dele para te tentar manter viva e para ajudar a forjar a versão 2.0. E não deu certo, como precisava de mais, tentei ligar sua vida com a dela, e aí funcionou. 

— Por que você não sacrificou ela e o Sam? — perguntei. 

Vanessa estava nem um pouco chocada com a minha dúvida. 

— Dava menos trabalho e resolvi o "problema adicional"

Problema adicional, vulgo Alexander. Depois daquilo, se ele me matasse, iria matar a irmã também. Vanessa não era nenhuma flor que se cheirasse, mas provavelmente ele amava a irmã. Provavelmente. 

— Viu, criatura ruiva, a gente não vai precisar matar seu irmão. 

Provavelmente.

— Fico profundamente agraciada em ter virado mais uma pecinha de xadrez — E ela saiu do quarto, certamente, muito p da vida.

— Não abra a boca para ninguém — gritei, antes dela sair. 

Poderia ter pensado isso, idiota, em vez de ter me deixado surda, ela retrucou. 

Idia saltou para o chão e voltou com uma adaga na boca, igual um cachorrinho.

— Versão 2.0, prontinha.

Dei uma olhada. Idêntica, Hipnos, que estivesse em um bom lugar, era bom mesmo em fazer falsificações convincentes. Será que tapeava Trivia e divindades? De qualquer forma, coloquei no bolso do meu casaco.



Nem de perto eu estava me sentindo tão dramática como Vanessa. Claro que ter dobrado minhas chances de risco e ter alguém podendo fuçar na minha cabeça não era muito agradável, mas era significativamente melhor do que estar morta. O risco de Alexander me matar foi atenuado, aquilo garantia o apoio da Casa Kroell inteira em defesa de Vanessa. 

Supondo que eu sobrevivesse à Trivia ou ele não me matasse antes de Vanessa contar pra ele. No momento, aquilo era sigilo, se Vanessa abrisse a boca, ela se tornava mais um jeito de Trivia chegar à mim. Enfim, a criatura tinha senso de preservação.

Como estava ensopada de sangue, pela segunda vez na semana, resolvi tomar um banho. A propósito, Sam continuava desmaiado, o que certamente era melhor para a saúde dele do que ver como Idia limpava restos mortais divinos. 

Eu estava tirando minha roupa ensanguentada e imaginando se tinha salvação para ela quando a porta deu um estralo. Foi mais rápido do que eu esperava. Idia tinha me assegurado que minha mãe deixaria Hermes ocupado o suficiente para ele não bisbilhotar o que acontecia, mas mesmo assim, fiquei com medo que o ser soubesse e tudo fosse por água abaixo. 

— Hermes? 

A praga se materializou na minha frente. 

— Christine, querida. Enfim, sozinha. 

— Tem medo dos meus colegas mortais? — zombei — Acha que tem chances de um deles conseguir te acertar?

Comecei a sentir o pânico de Vanessa crescendo. Ela queria chamar Alec e queimar a porta e o deus dentro dela. Não, queimar ele só depois de castrado.

Ainda não, pensei, rezando para a telepatia ser forte o suficiente nas duas vias. Ainda não, espere um pouco.

Ele parecia ofendido. 

— Só quero evitar sangue desnecessário. 

— Evitaria mais se sumisse e não aparecesse mais. 

— Você me deve — Ele lançou um olhar para a adaga dentro da minha blusa, empilhada na pia do banheiro — facilitei para você, agora seja grata.

Minhas costas se chocaram contra a parede — naquela altura do campeonato, já tinha esquecido quantas vezes tinha sido arremessada na semana — e aquele ser ousou pressionar a boca na minha. Tentei empurrar ele, mas a coisa estava me segurando. Não conseguia pensar racionalmente, só havia pura fúria correndo pelas minhas veias. 

Não sei ao certo como ocorre, mas de repente, minha boca estava com gosto metálico de sangue. Hermes estava afastado, chocado e com sangue negro ensopando o queixo e a camiseta. 

Cuspi no chão. Ah, eu tinha arrancado um pedaço do lábio inferior dele. De longe, aquilo foi a coisa mais nojenta que fiz na vida. 

— E você ainda quer deixar seu pau perto dos meus dentes afiados — gargalhei. 

A luz do banheiro oscilou umas três vezes, enquanto a boca de curava, os dedos estavam curvados em garras, até não serem só no formato. Eram maiores que meu dedo mindinho e negras.

Ele pousou as garras no meu rosto. 

— O que devo fazer com você, Christine?

Não precisei fingir minha expressão de terror. Um deslisar e ele deformava meu rosto. 

— Pegue a adaga e suma — falei — Não te devo mais nada, você ganhou. 

Dava para sentir a satisfação emanando dele. 

— Fraca — ele sussurrou — Pensei que seria mais difícil de quebrar. Viva sabendo que você acabou de condenar sua mamãezinha

Mesmo assim, ele pegou a adaga e sumiu.






No dia seguinte, fiquei olhando a neve cair pela janela do saguão do hotel enquanto esperava meu café da manhã. Vanessa finalmente tinha concordado em me deixar sair um pouco do quarto e estava sentada no outro lado da mesa, pensando em monte de coisas inúteis. Ela sempre pensava um monte de coisas idiotas perto de mim, acho que era uma tentativa de evitar meus dons telepática que só funcionavam nela. 

Pelo menos, eu estava aprendendo um monte de coisa sobre procedimentos de esculpir. As vezes, dava vontade de bater a cabeça dela em um pedaço de mármore bem grande. 

Mas também não podia julgar, estava escondendo um monte de coisas dela. 

— Senhora Christine — a garçonete do hotel se aproximou. 

Parei de olhar a janela, tinha certeza que o pedido foi no nome da Vanessa e da conta bancária recheada dela.

Os olhos da garçonete stavam totalmente negros. Íris e esclera. Vanessa também reparou nela e pude a ver escorregando a mão para a arma na cintura, cuidadosamente escondida sobre o sobretudo de peles. A única arma a minha disposição era o café fervendo da ruiva.

A garçonete deslizou calmamente a bandeja na mesa e tirou a tampa. Lá, estava o colar mais estranho que vi nada vida. A correntinha era dourada, possivelmente ouro e o pingente era literalmente uma vértebra humana. Especificamente, era a primeira vértebra cervical, com uma pedra vermelha pequena sendo sustentada por outra corrente no meio do forame vertebral. O osso também era levemente acinzentado, como se tivesse algum composto metálico no meio. 

— Minha mãe a mandou aqui? — perguntei, sorrindo e satisfeita. 

Eu conseguia pressentir o que era isso. Assim que Hermes ficasse com a adaga, eu sabia que Érebo iria ir atrás dele. Ou talvez ele tivesse planejado tudo para entregar a adaga pra ele e ganhar alguns pontos com o primordial. 

Só que eu sabia que Érebo não iria gostar nem um pouco de receber uma adaga falsa. Lembrei da serpente cravando os dentes na mulher coroada. Algo me dizia que deuses poderiam ser bem instáveis uns com os outros. 

— Sim, senhora — disse a mulher — Isso foi tudo que sobrou dele, sua mãe achou válido lhe entregar como espólio. 

Peguei da bandeja, deixando Vanessa altamente surpresa. Coloquei o colar no pescoço e sorri. Eu apreciava a sensação de poder. Hermes, que tinha me chamado de fraca, tinha sido tão moído que a única coisa que sobrou foi uma vértebra que virou um colocar para mim. Acho que a sensação teria sido mil vezes melhor se eu tivesse estraçalhado ele com minhas próprias mãos. 

— Agradeça ela, diga que achei lindo. 

Então, a mulher fez uma leve reverência com a cabeça para mim e se foi pelo saguão. Olhei Vanessa, que continuava imóvel, me encarando. 

Na mente dela, eu era um ser que manipulou um inimigo para matar outro inimigo para mim como se eles fossem marionetes. Ela sentia certo respeito.

Eu gostava, dois deuses, éons mais velhos que eu e manipulados por mim. Sentia vontade de ver a cara de Érebo quando notou que a adaga era falsa.

A vrykolaka sorriu. Talvez você não seja uma adversária tão frágil, pensou.

 


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