Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 30
Capítulo 29 - A adaga




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Existe um fato existencial sobre mim: Eu faço as pessoas de trouxa, não sou a criatura que é tapeada. E lá estava Trivia, se passando por alguém e querendo me fazer de trouxa. Poxa, já bastava a humilhação de ser a única criatura sem poderes, eu iria ser a idiota também? Nem a pau. 

— Eu me preocuparia com a ameaça se você conseguisse mover uma folha de papel — Vanessa disse, calmanente. 

Cogitei em pegar o exemplar de Mecânica Quântica de Sakurai que repousava na mesa e jogar ele na cara de Vanessa. Pronto, movi um monte de folhas de papel.

— Parabéns, você acabou de anunciar meu problema para Trivia — bati palmas — Obrigada aí por ferrar a gente um pouquinho mais. 

Vanessa deu os ombros.

— Ela iria descobrir de qualquer jeito.

— Isso se já não tiver descoberto — Alec disse e olhou de relance para Layla. 

Pronto. O traumatizado porque levou um fora. 

— De qualquer forma, todo mundo dorme — sorri — Ou seja, sempre vou ter a oportunidade de cumprir a ameaça. 

Samir levantou a mão. 

— Ouvi relatos que Alec não dorme — Damien deu um tabefe no pescoço dele.

Anotei isso na lista de possíveis sintomas de ser a reencarnação do cão disfarçada. 

— Eu dormiria melhor se certo alguém devolvesse meus calmantes. 

Ah, tá que eu iria entrar no quarto dele depois daquele sonho. Daria o calmante para Idia entregar nem que fosse entre os dentinhos felinos. 

Vanessa estreitou os olhos como se notasse um quê de acusação no comentário sobre a insônia de Alec. 

— Como meu irmão falou antes, Nix nunca falou nada quando só estavamos nós com Christine. 

— Você pode garantir que Trivia não "deixou" que Nix rastreasse ela para desviar as suspeitas dela? — Samir disse — Parece bem conveniente. Espere novos chegados e jogue toda as suspeitas neles. Acho que até seria conveniente assumir um corpo que a reencarnação de Diana já conhece. Sair transformando brincadeiras em acusações parece uma boa idéia também. 

— Ou assuma um corpo totalmente desconhecido para ela e jogue as suspeitas para alguém que ela já conhece, isso tem mais impacto psicológico. 

Suspirei. Eles iriam se matar na porrada logo. Até que isso seria conveniente para mim se um fosse a Trivia. Mas como estava atuando como a sábia e madura reencarnação de Diana para os novatos, resolvi dar um basta — Bom, eu não podia quebrar as expectativas dos pobrezinhos. E respeito ad autoritatem nunca é demais, principalmente quando a chance de você ser considerada a fracote sem poderes é grande.

— Mundando de assunto — falei — digam tudo que é relevante sobre Trivia e que provavelmente não sei.

Mare sorriu. 

— História é minha especialidade. As histórias não são objetivas, têm diversas versões e são alteradas com finalidades políticas e filosóficas. Também não há muitas provas arqueológicas achadas, então tudo se baseia em relatos orais — ela disse — O contexto histórico dos relatos são paralelos à era grega dos heróis na maioria das narrativas, então é provável que Trivia e Diana tenham sido contemporâneas de grandes nomes gregos conhecidos pelos mortais: Hércules, Teseu, Minos. No entanto, há quase nenhuma menção delas em contos mortais. 

Era uma perspectiva interessante. Provavelmente apagadas porque eram mulheres e os homens gregos sempre foram uns cornos filhos da meretriz. Ou talvez tivesse mais caroço naquele angu, como diria minha professora de geografia idosa. 

— Em todos os relatos, há coisas convergentes sobre Trivia: Filha de Érebo que odiava descendentes de deuses, necromante poderosa impossível de ser enfrentada em batalha — Deveria mesmo. Imagine suas tropas mortas se voltando contra você. Nada delicioso —, era metamorfa e foi criada em Atenas antes de reinar sobre Creta. Um fato curioso sobre ela é que Trivia também foi considerada a mulher mais bela do mundo antes de Helena. 

— Parece uma Wikipédia, deuses — Samir murmurou — Tem até a seção de curiosidades. 

Alec riu. 

— Se Trivia estivesse fazendo uma própria descrição, aposto que ela faria uma elogiosa — brincou. 

— Se Trivia estivesse aqui, ela tentaria desviar a atenção toda hora — Layla sugeriu. Bem, ela não estava feliz por ter sido indicada como suspeita por ele. 

Damien ergueu as mãos para o alto. 

— É isso que Trivia quer, todos voando no pescoço do outro e suspeitando de qualquer ser que respira. Vamos tentar manter a calma. 

No fim, existem coisas que são mais fáceis na teoria do que na prática. 





Trivia poderia estar dormindo do meu lado. Talvez fosse Layla, em quem mais ela teria a oportunidade de me sufocar enquanto dormia? Mas, provavelmente, como eu ainda estava viva, não era ela. Ou ela poderia estar esperando algo para dar o bote, como por exemplo, esperando a trouxa conseguir as duas adagas — correndo riscos, por sinal — enquanto ela ficava na tranquilidade. 

Havia chance de ter passado ficado sozinha debatendo com Trivia no sofá. Será que a história de Vanessa sobre a avó era real ou era alguma invenção para pertubar meu psicológico mais? Tinha até mesmo a chance de eu ter sonhado com o corpo que Trivia estava "habitando". 

Ou talvez o garoto que queria me azucrinar enquanto dormia fosse ela, achando engraçado quão exposta e ignorante eu estava. De qualquer forma, havia mil maneiras de Trivia ter chegado perto de mim. Era até cômico. A mulher me odiava por causa de um rincha que não era minha. Eu nem sabia como ela era, o que exatamente tinha feito e o porquê  — Tudo era muito vago —, mas todos agiam como se estivessemos predestinadas a nos matar. 

Eu queria acenar uma bandeirinha "Não sou a Diana" desesperadamente. Porém, acho que falsidade ideológica não é bem vista nesse universo doido. 

No meio de tudo isso, faria sentido se meu cérebro queimasse ou surtasse de vez. Mas não, eu conseguia ver claramente no meio daquele caos. 

Meu primeiro passo foi prezar pela adaga que já tinha conquistado. Eu não tinha feito tudo aquilo para deixar Trivia roubar de mim. 

Em algum ponto, todos estavam distraídos se matando sobre quem era a maldita criatura. Levantei discretamente do sofá — Acho que ninguém reparava em mim. Não era suspeita, era a única com a identidade provada porque Nix não seria idiota suficiente para não sacar que trocaram a filha dela. 

Fui para a cozinha. A adaga estava ali, dentro do freezer. Vocês devem estar se perguntando algo como "Santo Deus, por que o freezer, sua maluca?". Bem, não era por causa da lâmina e sim pelo material genético. Naquela época, não tinha desistido de analisar o material genético dos supostos deuses. No entanto, as situações ficaram preocupantes. Manter aquela faquinha dos infernos era mais importante do que inspecionar o sangue daquela coisa. 

A adaga estava como eu tinha deixado — O que foi um alivio. Trivia não precisaria me matar se aquilo sumisse, a autoestima arrebentada me mataria por si só —, dentro de um saquinho ziploc e atrás de um monte de pote e carne. 

Tirei de lá e abri um pote de sorvete quase vazio. Lavei o pote na pia — Juro que me senti mal jogando sorvete no ralo — e taquei a adaga lá dentro. Peguei uma colher para completar o cenário e subi para meu quarto como uma entediada jovem que iria devorar um pote de sorvete. 

Quando cheguei lá, tirei minhas duas adagas sequestradas de dentro ds gaveta. Durante aqueles dias, as usei poucas vezes, mas as coisas ficaram emergenciais novamente. Tirei a bainha de uma e coloquei na adaga mágica porque uma adaga sem bainha poderia me cortar. 

O único lugar seguro para aquilo seria comigo. Trivia poderia revirar qualquer canto. Acho que eu poderia inventar o esconderijo mais ideal do mundo, mas aposto que existiria um feitiço de rastreamento. Então, Trivia teria que pegar direto de mim, que bem ou mal, estaria protegida por uma gata metamorfa e um bando de descendentes de deuses. 

Enrolei a adaga em um novo saquinho ziploc e coloquei no bolso de um roupão meu. Eu iria morrer assada no calor da Sicília, mas as coisas ficariam mais fáceis de disfarçar na Escócia. 

Por fim, com a adaga segura, peguei uma caneta e o It e começei a analisar a situação. As coisas ficam mais fáceis de serem analisadas quando estão em diagramas e aposto que Trivia não iria olhar o rodapé de páginas aleatórias no meio do livro. O palhaço na capa me incentivava a não ser feita de palhaça. 

Comecei a pensar como se eu fosse uma metamorfa tentando se infiltrar. 

Olhei para a cama vazia do meu lado e iniciei a sessão pela Layla. Existiam diversos pontos favoráveis, que anotei no livro: Como ela era minha melhor amiga, Trivia ainda poderia ouvir desabafos confidenciais, haveria uma tendência minha em recusar que ela fosse a disfarçada. Também tinha a proximidade física, seria fácil cortar minha garganta e pular janela a fora. E falando de janelas, Layla agiu um pouco fora do seu normal, o que era suspeito. Mas eu nunca tinha visto Layla em uma situação de "vamos salvar o mundo antes". 

Em contrapartida, havia dois pontos negativos principais. Seria arriscado pra cacete fingir ser minha melhor amiga, altas chaces de um comportamento fora do normal ser detectado ou alguma fala errada. E também tinha outra coisa, como Trivia poderia afirmar que eu iria decidir trazer Layla comigo nessa loucura? Eu poderia ter vindo só com a seleção de Ilithya. 

Ouvi sons de passos e joguei a caneta debaixo da coberta. Layla abriu a porta. 

— Você está bem? 

— Considerando as circunstâncias, poderia estar pior. 

Poderia mesmo. Ela ficou parada no batente da porta. Acho que nenhuma de nós sabia como agir naquela situação estranha. Era bizarro imaginar que alguém que você conheceu desde a infância poderia ser um impostor. Aliás, o que Trivia teria feito com a pessoa original? Senti um calafrio. 

— Você vai ficar p da vida se eu fizer perguntas? Só por garantia — perguntei. 

Deve ser constrangedor sua amiga estar achando que você não é você. 

— Pode começar. 

— Hm, qual foi a pior coisa que já fiz com um sapato da Vanessa? 

Existia uma imensa possibilidade de coisas. Tachinhas, pregos, pó de mico e etc. Trivia poderia errar fácil fácil. 

— Colocou bosta do Presidente Au Au — ela estava com carinha de riso. 

Só por garantia, fiz mais uma. 

— Era que tipo de sapato? 

Esses dias, Vanessa só usava tênis de corrida e chinelos. Só alguém que a conhecesse saberia da era das sapatilhas. 

— Era uma sapatilha cinza que ficou marrom — ela riu. 

Ergui as mãos para o alto. 

— É você mesma. Vou interrogar os outros. 



Resolvi ir verificar Vanessa. Ela tinha uma série de pontos favoráveis e poucos desfavoráveis para Trivia. 

Deve ser incrivelmente fácil se disfarçar de alguém que não gosta de mim porque ela detestava Diana. Acho que nem precisaria atuar muito. Com o papel de sobrinha de Ilithya, ela poderia ter uma pseudo autoridade para interferir nos planos e tentar direcionar para onde quisesse. Estaria perto de mim desde o início da viagem. Seria uma candidata descaradamente óbvia e poderia ser descartada por isso — Ei, quem gosta que o suspeito mais óbvio seja o culpado? Ok, a polícia, mas não os fãs de Agatha Christie.

O único problema seria Alec. Quando se tem um irmão, é claro, ele poderia notar algo estranho. Se bem que não tenho certezas que ele seja a criatura mais perceptiva do mundo. 

Desci lá embaixo e encarei a criatura ruiva sentada no sofá. 

— Vanessa, tenho algumas questões. 

Ela riu. 

— Viram? Eu disse que seria a suspeita número um. 

Acho que imitar drama também não seria muito difícil. 

— Diga a pior coisa que você fez para mim. 

Ela nem piscou. 

— Deixar seus dentes verdes. 

— Mas foi Alec que fez isso. 

A ruiva deu um sorriso diabólico. 

— Você sempre pensou que foi ele. 

Sabe, parecia satisfatório. Tacar a bomba no irmão seria uma coisa típica de Vanessa. E não teria como Trivia saber de todas as minhas crônicas de desespero e pó de mico para eleger a pior. 

Olhei para as outras 3 criaturas na sala. O argumento que todo esse auê começou depois da chegada deles não era desprezível. E diferente de Layla, Alec e Vanessa, eu não conhecia eles. Bem mais fácil de disfarçar. Imagine a sacada: Ir no grupo da Christine falsa (talvez até sendo ela) e fingir uns ataques aleatórios lá. Iria encher todo mundo com a esperança que Trivia era trouxa enquanto ela se disfarçava, prontinha para dar o bote. 

Dos 3, Mare entrava no top 1 de suspeita. Ela era metamorfa, Trivia era metamorfa. Definitivamente não era uma prova concreta, mas não dava para fechar os olhos. Caramba, aposto que Trivia iria rir para cacete usando a minha aparência. De qualquer forma, Mare parecia nervosa, estralando os dedos toda hora. 

Eu queria falar com ela sozinha. Talvez conseguisse provocar Trivia suficiente para ela dar o bote. Um ataque de Trivia era inevitável, pelo menos eu escolheria a hora x. 

— Vanessa, vai para o Whatsapp — falei. 

Milagrosamente, ela não protestou. 

Eu: Vou interrogar Mare lá fora. Fica esperta, pelo amor de Rá. Barulho de batida na parede é sinal que lascou. Acorda a anta do seu irmão também. 

Como sempre, Alec estava trancado no quarto. Provavelmente não dormindo. 

Vanessa: Isso é uma péssima ideia.

Yo:  Tem alguma melhor?

Vanessa: Renovar suas ferraduras?

Eu: Minha criatividade está esgotada com toda essa merda. Aguarde resposta. 

Vanessa riu. 

Depois, fui para a parte dois: Idia. 

Bem, ainda existia uma mínima possibilidade de Vanessa ficar assistindo Trivia me transformar em purê. Eu não iria apostar todas minhas cartas nela.

Idia estava deitadinha no sofá como uma típica gatinha sonolenta. 

— Vou pegar sachê pra você, Idia. 

Ela abriu um olho. 

— Mas…

— Sachê de salmão, pelo amor dos deuses, Layla pagou caro naquilo. Você vai cheirar pelo menos. 

Então sai para a cozinha. Felizmente, a felina me seguiu. 

— Eu jogava toda a comida de gato na rua para os cachorros comerem — ela confessou — Tanto faz agora, o que quer falar.

— O que você come? Só por curiosidade…

Ela piscou um olho. 

— Segredo. 

Conhecendo o universo estranho, eu decidi que não queria saber o que ela comia. 

De qualquer forma, peguei o sachê e coloquei no potinho. Peguei um lápis que estava jogado na mesa — Parecia um lápis de desenho profissional. Oh, um dos convidados gostava de desenhar, pensei — e usei o óleo da carne como tinta:

"Batida na parede = Socorro". 

A gata me encarou. 

— Se por acaso alguém mais sensata e sábia te falasse para ficar quieta e não fazer besteira, você escutaria? 

Sorri perversamente. 

— Como eu esperava — Idia murmurou. 

Então, quando eu estava pronta para ir para a sala, notei que meu roupão estava mais leve. 






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Notas finais do capítulo

Me digam, quem vocês acham que é a Trivia?



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