Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 3
Capítulo 2 - Água com açucar


Notas iniciais do capítulo

Alguma das minhas antigas leitoras por aqui? :)



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— Você ainda vive entre nós, Christine?

Baixei o Compêndio de Psiquiatria e sorri angelicalmente para Layla. 

— Apenas parcialmente, minha alma continua na cama de manhã.

Layla é minha melhor amiga e praticamente a única pessoa não parente que me aguenta até hoje. Nós nos conhecemos quando tínhamos 11 anos em na Olimpíada Nacional de Informática e ela pegou o primeiro lugar. Naquela época e até hoje, é raro ter meninas nas olimpíadas científicas de exatas — É sério, garotas, participem das Olimpíadas Científicas — e pegar o primeiro lugar é uma espécie de tapa na cara dos moleques que dizem que homens são melhores em exatas. Desde aquela época, ficamos inseparáveis e depois passamos na seleção da melhor escola do estado. 

— Acabou o intervalo e você não comeu. Por que está tão interessada em psiquiatria?

Porque acho que estou ficando louca. 

Eu realmente queria falar isso. Há um instinto humano de querer contar as coisas para alguém. Hercule Poirot dizia que os assassinos eram pegos porque sentiam a necessidade que alguém soubesse que eles foram inteligentes suficientes para orquestrar tudo. E eu queria desesperadamente falar sobre minhas preocupações com a minha sanidade, só que isso era mais constrangedor do que confessar um assassinato.

Oi, Layla, faz dois dias que não durmo direito. Eu juro que assassinei um monstro alado na minha cozinha.

A propósito, juro que minha louça se lavou sozinha.

Viu? Constrangedor pra cacete

E se eu contasse para Layla, ela iria contar para minha mãe. Então, minha mãe surtaria de preocupação e iria me levar no psiquiatra no dia seguinte. Depois disso, mesmo que o psiquiatra escrevesse que sou normal no laudo, eu sempre seria a menina que alucinou. Minha mãe e Layla deixariam de me tratar como um ser humano normal e se tornariam extremamente delicadas para não me deixar instável. Meus professores iriam me usar como exemplo de como estudar demais leva a loucura e meus colegas iriam achar que sou concorrente queimada.

Ou seja, não, obrigada, eu preferia guardar o segredo até meu túmulo. Só iria abrir a boca se as coisas ficassem graves.

— Ah, comecei a me interessar um pouco sobre a mente humana depois de ler um artigo — respondi, fechando o livro e impedindo ela de ver o capítulo sobre esquizofrenia

— Qual artigo?

Ah, ela era esperta. 

— Senhorita Christine? — A orientadora entrou na sala e me salvou de ter que responder. Ah, santa orientadora — Você pode me acompanhar, por favor?

É, aquilo não pareceu bom. A orientadora estava formal demais. Olha, juro que eu não tinha aprontado nada ainda — E geralmente quando apronto, ninguém sabe quem foi hehe. 

Acho que eu não aparentava estar com comportamento estranho. Além das olheiras, é claro, mas todo mundo da minha escola estava com olheiras. Vestibular chegando = Sono saindo. 

E a Isa estava tão formal. Senhorita Christine. Um arrepio frio desceu pela minha coluna enquanto andávamos pelo corredor até a sala dela.

Ela bem que podia adiantar o tema no corredor mesmo. Ficar me infartando era desumano, poxa.

Entrei na sala e fiquei sentada olhando para mesa sem saber o que esperar.

— Christine, tenho más notícias para você. Sua mãe se acidentou enquanto estava indo trabalhar — ela falou enquanto me dava um copo de água.

Empurrei o copo para o outro lado da mesa. Nenhuma aguinha melhoraria como eu estava me sentindo.

Eu era filha única e minha mãe me criou sozinha. Ela nunca falou do meu pai e dos parentes dela e só mencionou que eles foram extremamente filhos da meretriz com ela uma vez. Apesar de procurar nosso sobrenome no Google, nunca achei nenhum parente. Sempre deixei isso quieto, se meus parentes não me queriam, problema deles.

Ou seja, minha mãe era minha única família. E ela tinha se acidentado. 

— Quão grave? — perguntei. 

— O hospital mandou chamar você. 

Eu me sentia sufocando. Minha mãe, minha chata mãe e que parecia tão invulnerável. Eu nunca imaginei que eu poderia ficar sozinha no mundo. Comecei a me arrepender de todas as vezes que briguei com ela pela louça.

Eu estava me sentindo sem ar e meus olhos queimava. Controle seus sentimentos, controle seus sentimentos.

Hospitais mandavam chamar menores de idade? Será que eles não tinham achado nenhum outro parente adulto dela? Como eles acharam o telefone da minha escola? Bom, isso  poderia significar que ela estava bem suficiente para dar o número, certo? 

— Não quer beber um copo de água com açúcar antes de irmos? Você parece que vai infartar.

— Não — Eu odiava açúcar pura. Preferia beber soro fisiológico.

— Certeza?

Não, inferno. Para de insistir, praga, pensei.

Por um momento, a minha dor se dissipou. Comecei a desconfiar. Quanta insistência para beber a preciosa água com açúcar. Talvez ela só estivesse preocupada comigo e eu sou uma criatura neurótica.

Ou, talvez, algo estivesse estranho por aí. 

Senhorita Christine. O copo com açúcar. Era a orientadora que deslocava os alunos para outros lugares em casos de emergência? Eu acho que a escola precisaria de confirmação dos responsáveis nesses casos. Se bem que minha responsável estava no hospital, mas ainda era estranho, cá entre nós.

Por via das dúvidas, eu iria verificar. O seguro morreu de velho.

— Vou ir no banheiro, acho que vou vomitar. Já volto. 

Ela me deixou sair na hora. Nada deixa as pessoas mais prestativas do que a ameaça de vômito. 

Corri pelo corredor, como se estivesse realmente desesperada pra ir para o banheiro. Sim, admito que devo parecer neurótica para vocês. E eu também sabia que uma das características da esquizofrenia era desconfiança e suspeita de tudo. 

Mas, verdade seja dita, as pessoas sempre se ferraram quando ignoravam a intuição nos filmes de terror. 

Chegando no banheiro, saquei o celular do bolso e liguei para minha mãe. Ee chamou duas vezes antes dela me atender.

Por que raios que parta você está me ligando no meio da aula?

Vivíssima e bem, aparentemente.

Você está bem? — Só pra confirmar, sabe.

Por quê? Você não vai ficar bem se continuar a ligação.

Minha mãe era professora universitária de Astronomia, então, ela tinha um pequeno ódio de alunos que ficavam usando celular em sala de aula.

Ocorreu um apagão, vou chegar em casa mais cedo. 

Era melhor falar isso, se eu contasse que estavam tentando me sequestrar, ela viria pessoalmente aqui e alguém poderia prejudicar ela. 

Aliás, por que alguém iria querer me sequestrar? Professores universitários ganham bem, não nego, mas tinha gente bem mais rica na escola. Poderiam pegar um filho de político, teriam muito mais faturamento. Se bem que conhecendo políticos, não tenho certeza se eles pagariam resgate.

Mas não me importei muito com isso na hora. Eu precisava dar o fora da escola enquanto a coordenadora achava que eu estava pondo meu estômago pra fora no banheiro. A Isa parecia ser tão legal, você nunca conhece as pessoas de verdade.

Mais tarde, descobri que a pobre Isa não tinha nada a ver com a situação. Ops, spoiler.

Saí correndo do banheiro e passei minha carteira na catraca de saída, aparentemente, minha coordenadora tinha deixado a carteira autorizada para saída. Melhor, pular a catraca seria constrangedor e eu nunca pulei uma catraca antes. 

Subi as escadarias correndo, já que meu setor na escola era no subterrâneo. Felizmente, o ponto de ônibus era na frente da minha escola e eu estava na rua mais movimentada da cidade.

Peguei o primeiro ônibus que apareceu. Graças a Deus, ele estava cheio e eu tinha deixado meu passe no bolso traseiro. É, nunca pensei que iria ficar feliz de ver um ônibus cheio. Se alguém estivesse me seguindo, iria ter que aturar ser esmagado igual sardinha e teria que lidar com um monte de testemunhas.

O ônibus não ia na direção da minha casa. Eu sou uma criatura esperta. Levar possíveis seguidores na direção da casa e ficar esperando lá sozinha nunca é uma boa ideia.

Tirei meu celular do bolso e mandei uma mensagem via WhatsApp para minha mãe.

"Me encontre no McDonald's do centro comercial. Urgência. Tentativa de Sequestro"

Liguei para ela só para certificar que ela iria ler a mensagem.

"Não precisa fazer piadinhas para me fazer comprar fast food" – ela respondeu.

É sempre um ó tentar fazer um adulto acreditar em você. 

"É sério. A coordenadora falou que você se acidentou e que iria me levar para o hospital. Ela tentou me fazer beber um copo de água com açúcar e Deus sabe mais o que. Me encontre lá e depois vamos pra delegacia".

"Ok, estou saindo".

Bom, pelo menos ela iria ir. O restaurante fast food era uma ótima opção. Lotado, dentro de um shopping com seguranças e perto da faculdade onde minha mãe lecionava, ou seja, ela chegaria lá antes de mim. 

Desci do ônibus e segui para o shopping. Tinha bastante gente que desceu no mesmo ponto que eu e também estava indo na mesma direção, então eu não tinha como ter certeza que não estava sendo seguida.

Ah, minha neurose iria chegar a mil até o fim do dia.

Minha mãe estava sentada na primeira mesa do McDonald's e levantou assim que cheguei.

— Não é piada, certo? — ela estreitou os olhos.

— Sem pegadinhas, juro. Vamos embora.

Esse é o problema de sair fazendo pegadinhas por aí. Quando é sério, nenhuma criatura acredita. 

Pobre de mim, nem minha mãe botava fé na minha urgência. 

Como ela viu que nem olhei para os lanches e já puxei ela na direção do estacionamento, acho que ela começou a acreditar. Apressamos o passo e só paramos quando chegamos no carro. Eu estava sentindo a ansiedade me esmagar e estava com medo de alguém nos barrar no estacionamento porque ele era o local mais vazio que eu tinha passado até o momento. 

Entramos no carro e minha mãe começou a dirigir até a delegacia. Os cabelos dourados dela brilhavam no sol do fim de tarde e ela parecia tensa. A única semelhança entre nós eram as sobrancelhas levemente arqueadas e os olhos um pouquinho puxadinhos, como os de um gato. Fora isso, ela era pálida e minha pele tinha um tom moreno dourado, meus olhos e cabelos eram escuros enquanto os dela eram claros. 

Aí comecei a suspeitar que o caso tivesse mais a ver com ela do que com grana. Será que ela tinha fugido do meu pai — um possível psicopata? Político? Traficante (Cruzes)? Ou será que os parentes dela estavam atrás dela? Talvez não tivesse nada de família nisso, talvez ela estivesse fugindo de outro alguém.

Sacudi a cabeça. Eu definitivamente estava assistindo muito filme trash sobre espionagem e ação. No fim do dia, eu poderia descobrir que a coordenadora trocou os nomes da mãe no hospital e acabou chamando o aluno errado.

Aí sim eu iria ser convidada a pelo menos ao psicólogo. 

Eu estava imersa nesses pensamentos e mal notei o caminho. De repente, dei um pulinho no banco.

— Hum, mãe, a delegacia não ficou para trás?






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Notas finais do capítulo

Ei, interajam comigo. Críticas e elogios são aceitos, meus fantasminhas



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