Fine Young Gentlemen escrita por Lerdog


Capítulo 9
Kiss the Dog


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que tenham interesse, eu coloco fotos dos intérpretes dos personagens aqui: https://www.wattpad.com/836418253-fine-young-gentlemen-cast

ooooou

Para aqueles que preferirem, eu também publiquei o capítulo com imagens/fotos em pdf, neste link: https://drive.google.com/drive/folders/1IZcqVARlVN4rj4RmZRPUibA-wlhlgfU1



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Rainfort, Connecticut, Estados Unidos. Novembro de 2020.

Eu estava sozinho no dormitório naquele momento. Pela primeira vez em meses, eu não fazia nada.

A sensação de não fazer nada era nova e estranha para mim. Eu sempre estava fazendo algo. Algo produtivo, na maioria das vezes. Mesmo antes de vir para a St. Dominic, meus dias era geralmente ocupados por inteiro com tarefas acadêmicas ou extracurriculares. Aulas de idiomas, de instrumentos musicais, de esportes. Os poucos momentos que eu não dedicava a melhorar as minhas habilidades de alguma forma, eram gastos fazendo alguma coisa boba com Binky. Mas esses momentos eram raros.

Pensei no meu quarto, na casa dos meus pais, e nas dezenas de troféus dispostos na minha estante. Três deles eram de Beckett, mas dentre esses dois haviam sido conseguidos por mim, me fazendo passar pelo meu gêmeo. Deus, como devia ser bom ser Beckett por um dia. Não ter nenhuma preocupação na cabeça, passar horas apenas deitado olhando pro teto...

Não, eu jamais conseguiria me acostumar com aquele ritmo. Olhei no relógio do quarto e percebi que eu estava deitado havia somente dezenove minutos. E eu já estava a ponto de explodir.

Encarei o papel de parede escuro do quarto e suspirei. Aquele era um padrão de desenho muito bonito. Deus, eu estou prestando atenção no papel de parede.

Me levantei e decidi fazer alguma coisa, qualquer coisa. Por ser um sábado, os garotos na academia se dedicavam às tarefas extracurriculares, mas eu tinha sido dispensado de todas elas. Com o filhotinho japonês como meu substituto no time, o mister Strong havia mantido a minha suspensão. O mesmo valia para o mister Graves e Lord of the Flies. Eles deviam ter encontrado outro Ralph. Eu não tinha mais uma vaga no time e nem um papel na peça. Ao menos pelas próximas semanas. Isso significava que eu não tinha atividades para preencher a minha cabeça e o meu tempo. Eu não me arrependia de ter assumido a culpa pela festa, mas eu realmente desejava que as punições não envolvessem o mais completo ócio.

Assim que levantei da cama, uma coisa chamou a minha atenção. Caído debaixo da cama de Binky, próximo da cômoda de madeira escura, estava um pedaço de papel. Estiquei o braço e peguei a folha, notando que se tratava de um papel de carta em um tom de rosa claro. Franzi o cenho.

Amassei o papel e fiz menção de jogá-lo na lixeira, mas minha curiosidade foi maior. Desamassei a folha e imediatamente notei que realmente se tratava de uma carta. A primeira linha me deixou absurdamente confuso. A carta era endereçada ao Binky.

Antes mesmo de ler o que estava escrito ali, meus olhos correram para o final da página. A assinatura me deixou ainda mais confuso. Matt. Matt? O garoto que se suicidou?

Me sentei na cama e refleti por um segundo. Talvez o tal Matt tivesse uma queda por Binky. Nós sabíamos que ele era homossexual, esse era o principal motivo do bullying que ele sofria, especialmente por parte do Knox. Devia ser isso.

Amassei o papel mais uma vez, sem lê-lo, e o joguei na lixeira.

Por algum motivo, aquele assunto não abandonou a minha cabeça pelas duas horas seguintes. Mesmo enquanto eu corria e suava, dando voltas na pista úmida da academia, meus pensamentos eram redirecionados para aquela estranha carta de Matt endereçada ao Binky. Não, não faria sentido nenhum. Eu conheço o meu melhor amigo.

xxx

Esperar que Knox terminasse a leitura de um texto em voz alta era uma tarefa excruciante.

Ninguém na sala de aula dizia qualquer coisa enquanto o alfa trombava nas palavras. No centro da sala, o mister Takami aguardava pacientemente, vez ou outra auxiliando o garoto com alguma palavra. Eu sabia que se fosse qualquer outra pessoa tendo aquela dificuldade, todos os garotos estariam tirando sarro. Mas se tratava de Knox. E ninguém ousava desafiá-lo.

Aquela era uma das inúmeras matérias que eu e o garoto mexicano fazíamos juntos, porque embora ele fosse um senior e eu fosse um junior, Knox estava atrasado em algumas disciplinas, e eu estava adiantado em outras. Literatura Inglesa era uma das matérias que ele estava atrasado, por motivos que não me surpreendiam nem um pouco.

Não era comum que o mister Takami escolhesse alguém para ler algo em voz alta, ele normalmente pedia por voluntários. Daquela vez, porém, ninguém tinha se voluntariado. Então o professor tinha escolhido Knox aleatoriamente, sem saber dos problemas de leitura dele. O alfa tentara evitar, mas não tinha sido capaz de convencer o mister Takami.

— Obrigado, mister Santiago. — O professor falou assim que Knox terminou. — Alguém pode me dizer ao que King se refere nesse parágrafo?

Ninguém falou nada por alguns segundos. Nós estávamos estudando “The Body”, de Stephen King. Lancei um olhar discreto na direção de Knox, e ele tinha a cabeça baixa, o que nunca fazia. Pela primeira vez na vida, eu estava presenciando o alfa intimidado por alguma coisa. O mesmo sujeito que cantava e dançava nu na frente de uma dezena de garotos, que ameaçava fisicamente qualquer um que sequer olhasse torto pra ele... Derrotado por palavras em um pedaço de papel. Aquele momento era glorioso demais para que acabasse tão rápido.

— Professor. — Eu falei, erguendo a mão.

mister Takami voltou sua atenção para mim e pediu que eu me manifestasse.

— Talvez seja um problema de barreira linguística, pelo inglês não ser o primeiro idioma do Knox, mas... Eu não consegui compreender o texto pela leitura dele.

Algumas risadinhas abafadas surgiram na sala, e aquilo me encheu de um certo prazer cruel. Não me agradava chutar alguém que estava caído, mas eu genuinamente gostaria de ver Knox no chão pelo menos uma vez.

O professor me olhou por alguns segundos, sem saber direito como responder. Ele então assentiu com a cabeça e seguiu até a carteira de Knox, pedindo o livro que estava com o alfa.

O olhar que Knox enviou na minha direção estava carregado de ódio. Fingi não perceber, me virando na direção do mister Takami enquanto ele relia uma parte do texto. Assim que o professor terminou, eu ergui a mão uma segunda vez e respondi a pergunta que ele havia feito inicialmente.

O restante da aula seguiu sem que eu tivesse outra oportunidade de humilhar Knox, mas eu conseguia sentir o olhar fixo dele queimando nas minhas costas.

xxx

Todos os garotos saíam do vestiário naquele momento, mas eu ainda não tinha conseguido encontrar a minha toalha. Eu já tinha revirado o meu armário quatro vezes, mas ela não estava ali. Eu tinha certeza que a toalha devia estar ali. Minha única alternativa seria voltar até o dormitório e pegar uma toalha nova, mas eu não conseguia aceitar a possibilidade que o objeto não estivesse onde eu tinha o deixado.

— Procurando por isso daqui, zorrita?

Quem havia dito aquilo era Knox. Olhei para trás e vi o alfa de pé, encostado nos armários e com a minha toalha enrolada ao redor de sua cintura. Revirei os olhos.

— Pode ficar.

Knox caminhou alguns passos e parou exatamente na minha frente. Eu estava sentado nos bancos do vestiário, e ele se posicionou de modo que meu rosto ficasse na mesma altura que a sua cintura.

— Você não quer mesmo ela de volta? — O alfa perguntou, se aproximando mais um centímetro.

Virei o rosto para o lado e o ignorei. Fiz menção de me levantar, mas Knox empurrou meus ombros para baixo com força. Eu ainda olhava para o lado quando vi, de canto de olho, o garoto mexicano desamarrando a toalha de sua cintura. O objeto caiu no chão diante dos seus pés. Knox apertou o meu ombro com força. Segurei o braço esquerdo dele e me desvencilhei com um safanão, me levantando. E então eu senti um empurrão em minhas costas, e caí contra os armários de metal.

— Você realmente não devia ter me humilhado daquele jeito, Chevalier.

— Ah, é? E o que você vai fazer? Eu não tenho medo de você. Você pode intimidar o Yang e esses outros garotos covardes, mas não a mim. Você é só um bully imbecil com um QI menor do que o seu pau.

Em um segundo Knox estava parado diante de mim, e no segundo seguinte ele estava sentado em cima do meu tórax. O alfa segurava os meus pulsos presos no chão com um aperto de ferro. Tentei me desvencilhar, chacoalhando as pernas, mas eu não era capaz de acertá-lo. E eu não tinha nenhuma ilusão de conseguir vencê-lo com força bruta.

— Menor do que isso aqui?

Knox falou aquela frase aproximando seu pau do meu rosto, ao mesmo tempo em que me mantinha preso no chão. Sem pensar duas vezes, eu impulsionei minha cabeça e golpeei o meio das pernas dele com a maior força que consegui. Knox caiu pra trás com um gemido fraco de dor.

Engatinhei alguns centímetros para trás e respirei pesadamente. Eu estava só de cueca naquele momento, o frio do chão rapidamente se espalhando por todo o meu corpo.

Mal tive tempo de me levantar e Knox voltou a me derrubar no chão com um chute na canela. Ele segurou a minha cabeça com suas duas mãos e a bateu com força nos armários. Eu ouvi um estrondo alto, e então os meus ouvidos começaram a zunir e a minha visão ficou turva. Naquele momento eu estava sentado com as costas nos armários, com Knox sentado nas minhas pernas, prensando o meu corpo com seus braços de ferro.

O alfa aproximou o rosto do meu, minha visão ainda embaçada. A respiração dele era quente. Pisquei algumas vezes e quando finalmente consegui focar minha visão, fui golpeado da única maneira que eu não esperava.

Knox pressionou seus lábios contra os meus com surpreendente leveza. Ele se afastou um segundo depois, me encarando com incredulidade. Por alguns segundos eu não consegui reagir. E então o alfa me beijou uma segunda vez, provavelmente tomando a minha inércia como receptividade.

Eu genuinamente não sabia como reagir. Fiquei imóvel por alguns segundos, sentindo o gosto desagradável do alfa em meus lábios, e então ele se afastou de novo.

Knox saiu de cima de mim e encostou no banco que estava na minha frente, sem dizer nenhuma palavra. Quando eu finalmente consegui me expressar, as palavras que saíram da minha boca não foram as que planejava dizer:

— Caralho... Você é a porra de um clichê.

— O quê? — Knox exclamou, mais confuso do que eu.

Eu ri. Primeiro uma risada baixinha, e então uma gargalhada.

— Deus, essa academia... — Eu murmurei comigo mesmo. — É por isso que você fez da vida do Matt um inferno. Me diz: vocês dois tinham um caso e ele ameaçou te expor, foi isso? Isso explicaria muita coisa...

— Cala a boca! — Knox grunhiu de maneira animalesca. — Que porra você tá falando?

— Embora eu suponho que ele não devesse ser o seu tipo. — Eu continuei falando, as palavras saindo mais rápido do que eu conseguia controla-las. — Afinal de contas foi você quem sentou no meu colo...

O golpe de Knox veio um segundo depois, e dessa vez foi o tipo de golpe que eu esperava. O soco me derrubou no chão, e eu imediatamente senti o gosto metálico do sangue na minha boca. Quando consegui me levantar e abri os olhos, o alfa não estava mais ali.

Me encostei nos armários frios de metal e meneei negativamente, limpando os meus lábios sujos de sangue. Eu realmente não estava esperando por aquilo. Abracei as minhas pernas e fiquei parado por vários minutos, lentamente sentindo o meu corpo sendo tomado pela baixa temperatura do chão. Quando comecei a tremer, decidi que era hora de sair dali.

Me levantei apoiando nos armários e peguei minha toalha caída no chão. Segui com passos lentos até os chuveiros e pela primeira vez em meses liguei a água em uma temperatura alta. Deixei que o calor abraçasse o meu corpo, percebendo o líquido rosado escorrendo pelo meu rosto e escoando pelo ralo. Meu rosto provavelmente ficaria inchado, e eu precisava de uma desculpa convincente, se não quisesse explicar o que tinha acontecido ali. E eu realmente não queria falar sobre o que tinha acontecido ali. Aquele era um problema de Knox, não meu.

Me enxuguei com a toalha sem me importar. Me demorei colocando meu uniforme, prendendo o broche de raposa dourado na lapela do paletó com cuidado e cerimônia. Quando parei diante dos espelhos para pentear os meus cabelos, a figura que vi diante de mim me fez ter vontade de vomitar.

xxx

Naquela noite, eu sonhei com Mary Jane.

Não um sonho, na verdade, mas um pesadelo. Nele, eu corria pelo dormitório abandonado das garotas, enquanto era perseguido por ela. A garota flutuava com seu vestido branco, lenta, porém incansável. Eu eventualmente não conseguia mais correr, e então ela me alcançava e me prendia com suas garras fantasmagóricas. Mary Jane aproximava seu rosto do meu assim como havia feito com Samuel, mas ao invés de me beijar, ela começava a sugar a minha própria alma. Quando tinha finalizado, a garota se afastava e me deixava para trás, caído no chão, somente um esqueleto. E eu me sentia estranhamente em paz.

Quando acordei, o relógio dizia que ainda era 01:19.

Encarei o teto e suspirei.

Por dias eu tinha ficado pensando no que tinha descoberto na biblioteca. The King e eu não trocamos mais qualquer palavra depois daquela noite, de modo que o que tínhamos ficado sabendo provavelmente morreria entre nós. Cheguei a cogitar a possibilidade de perguntar ao Samuel se ele sabia algo mais sobre Mary Jane, mas assim como muitas outras coisas que eu cogitava fazer para obter respostas, eu também havia abandonado aquela.

Quando tentei fechar os olhos para dormir mais uma vez, o rosto de Mary Jane se materializou diante de mim. Seus olhos enormes e escuros, observando diretamente dentro da minha alma. Chacoalhei a cabeça e voltei a despertar completamente.

Me levantei da cama e segui até a lixeira do quarto, como se um controle remoto invisível me guiasse até ali. Dentro dela ainda estava o papel cor de rosa. Binky parecia estar dormindo em sua cama. Me ajoelhei diante da lata de lixo e peguei a folha amassada. Eu precisava começar a obter algumas respostas. Mary Jane poderia estar muito além das minhas compreensões, mas os segredos de Matt estavam ao meu alcance.

Li. Eu estava sentado em minha cama, segurando o papel cor de rosa, quando Binky acordou. Ele se virou e olhou primeiro para as minhas mãos, e então para o meu rosto. A expressão de pânico surgiu na face dele no mesmo instante.

— Eu não queria que você ficasse sabendo dessa forma. — Binky falou baixinho, sentando-se em sua cama.

Nada do que estava escrito naquela carta fazia sentido para mim. Por alguns segundos eu me senti exatamente como Knox, lutando contra as palavras e tentando decifrar seu significado. Eu compreendia o que estava escrito, mas não conseguia entender como tudo aquilo poderia ser verdade. No dia anterior eu havia acusado Knox de ter um caso com Matt ao mesmo tempo em que praticava bullying com ele. E ali estava o verdadeiro algoz, o meu melhor amigo.

— Como... — Foi tudo o que eu consegui dizer, soando mais como uma afirmação do que uma pergunta. — Eu...

Me calei. Binky abaixou a cabeça e também continuou em silêncio.

— Eu te conheço desde que... Caramba, a nossa vida inteira. Como...?

Binky deu com os ombros.

— Eu acho que em algum momento eu decidi que não conseguia mais compartilhar tudo com você. E eu acho que você também acabou decidindo isso, huh?

— Do que você tá falando?

— Eu sei que você voltou a vomitar, Bear. — Binky respondeu. — O seu desmaio na biblioteca no outro dia... Eu já estava desconfiado antes, mas eu preferi acreditar em você. Você tinha me prometido que me contaria se estivesse fazendo isso.

— Para de voltar isso contra mim. — Respondi, me levantando da cama. — O assunto aqui é a sua mentira. O que você escondeu de mim não se compara ao que eu escondi de você. Eu...

Binky meneou a cabeça negativamente, mas não me interrompeu.

— Quando foi que você se tornou essa pessoa, Bear?

— Você é inacreditável! — Eu exclamei um pouco alto demais, e então abaixei o meu tom de voz, com medo de acordar alguém nos outros quartos. — Você torturou psicologicamente um garoto ao ponto dele se matar, ao mesmo tempo em que tinha um caso com ele. E você quer falar sobre a pessoa que eu me tornei? Se enxerga, Binky!

Meu amigo fez menção de dizer alguma coisa, mas assim como nas outras vezes, ele não falou.

— Você é covarde demais até mesmo pra me responder.

— Eu não tenho o que te responder, Bear. — O Binky falou com um tom de voz calmo. — O que você falou é verdade. Você tem razão. Eu descontei todo o ódio que eu sentia de mim mesmo no Matt, e ele não aguentou. Mas eu não me tornei essa pessoa do dia pra noite, eu sempre fui assim. Covarde, egoísta. Você realmente não pensa naquele incidente na Suíça? No que eu te fiz passar logo quando a gente se conheceu?

Eu não queria falar sobre aquilo. Eu não queria pensar naquilo.

— Você, não. — Binky continuou falando, se levantando de sua cama e se aproximando de mim. — Você não foi sempre assim. Quando a gente se conheceu você era um garotinho que não se importava em usar orelhinhas de urso, mesmo já estando um pouco grande pra isso. O Bear ficaria triste com quem o Barrett se tornou.

Abaixei a cabeça e senti um nó na minha garganta. Meus lábios ardiam pelo golpe de Knox, mas mais doloroso do que isso era o que eu sentia dentro de mim. Acima de tudo, eu sentia fome. Uma fome excruciante, agonizante, ácida. Eu sentia o meu estômago em chamas, e sentia que todos os extremos do meu corpo estavam prestes a entrar em colapso, como uma bomba-relógio. Tudo o que eu mais queria fazer era comer. Com tranquilidade, com prazer, sem sentir que todo o meu mundo iria desabar a cada mordida.

Me virei e desferi um soco certeiro no rosto de Binky. Meu melhor amigo tropeçou e caiu no chão. Por alguns segundos ele não se levantou, surpreso.

— Levanta, seu filho da puta! Deixa de ser a porra de um covarde pelo menos uma vez na sua vida!

Binky me olhou com tristeza, e então ficou de pé. Ele deu alguns passos na minha direção e desferiu um soco no meu rosto. O golpe foi fraco, mas o machucado feito por Knox imediatamente voltou a sangrar. Eu limpei a minha boca com a mão e empurrei meu melhor amigo.

— Você vai ter que fazer melhor do que isso, seu viadinho de merda!

Binky deu outro soco no meu rosto, e dessa vez eu me senti zonzo. Tateei pela parede e me segurei. Aproveitei a distração do meu amigo e lhe dei uma rasteira, fazendo-o cair no chão. Binky soltou um gemido de dor, e então eu dei um chute em sua barriga. Quando fui dar o segundo golpe, meu amigo segurou minha perna e me puxou pra baixo, me derrubando no chão. Ele subiu em cima do meu tórax exatamente como Knox tinha feito, mas ao contrário do alfa, Binky me golpeou com mais um soco. Antes que ele me desse um segundo golpe, eu segurei seu braço e lhe dei uma cabeçada.

Meu amigo caiu para trás, o sangue escorrendo de seu nariz e manchando sua camiseta branca. A única fonte de luz iluminando o quarto era aquela vinda da lua, atravessando a janela. Do lado de fora chovia fracamente.

— Não me diz que você já acabou, seu desgraçado! — Eu gritei.

Binky gritou e se jogou contra mim, batendo meu corpo contra a parede. Eu segurei a cintura dele e o joguei na direção da outra parede. Os estrondos da nossa briga se tornavam cada vez mais altos, e eu já ouvia vozes nos chamando do lado de fora. Naquele momento nenhum de nós dois parecia preocupado com aquilo. Me ajoelhei diante do corpo caído de Binky e lhe dei dois socos seguidos no rosto. Meu amigo cuspiu sangue e então bateu minha cabeça contra a parede com a maior força que conseguiu.

Minha cabeça parecia prestes a explodir. Rolei no chão em agonia por alguns segundos e senti o chute de Binky em minhas costas. Aquele golpe me deu forças, e eu dei uma segunda rasteira nele, derrubando-o em cima de mim. Binky e eu rolamos pelo chão por alguns segundos, enquanto as batidas se intensificavam do lado de fora da porta. Nossos rostos estavam cobertos de sangue, e eu sentia cada parte do meu corpo doendo, mas não importava.

Ouvi um estrondo, mas não prestei atenção no que era. Eu continuava tentando golpear Binky, e ele fazia o mesmo. Então eu senti braços me segurando e me puxando pra longe do meu amigo, enquanto eu chutava o ar. Samuel me segurava por trás, enquanto Beckett fazia o mesmo com Binky. Havia meia dúzia de outros garotos no dormitório além deles, mas eu não conseguia distinguir seus rostos na semiescuridão.

Quando finalmente parei de me debater, vi o Headmaster Dumas parado na porta, vestido com um roupão de veludo bordô. Ele suspirou longamente e saiu pelo corredor.

xxx

A sala do Headmaster Dumas estava fechada pela primeira vez. Binky e eu estávamos sentados na frente dele em silêncio. O único som audível era o do relógio que ficava acima da cadeira do diretor. Tic. Toc. Tic. Toc. Já passava das quatro da madrugada.

Meu rosto ardia infernalmente, mas a minha cabeça tinha parado de doer, graças a um analgésico que o mister Hirschfeld tinha me dado. Eu havia precisado levar pontos no meu supercílio, e havia band-aids espalhados pelo meu rosto, braços e mãos. Isso sem contar os meus lábios inchados e o meu olho roxo. Binky estava em uma situação similar, embora tivesse levado pontos também em seu queixo. O mister Hirschfeld tinha nos dito que “felizmente” nós não parecíamos ter quebrado nenhum osso.

— Uma situação como essas é sem precedentes na St. Dominic. — O Headmaster começou a falar em um tom de voz solene. Binky e eu imediatamente voltamos nossa atenção para ele. — Alguns ânimos exaltados, claro, é a consequência de gerenciarmos uma instituição só para garotos. Mas o que vocês protagonizaram nessa madrugada vai além de tudo o que eu já vi e vivi nessa academia, como pupilo e como Headmaster.

Abaixei a cabeça. Para falar a verdade, eu esperava pela expulsão desde o momento em que consegui organizar meus pensamentos enquanto o mister Hirschfeld costurava meu rosto. O primeiro Chevalier na história a ser expulso da Saint Dominic Academy For Boys. Séculos, gerações e antepassados, e eu seria o primeiro. E tudo porque eu não tinha conseguido conter a minha irritação por alguns segundos. Tudo porque eu estava absurdamente faminto.

— Vocês sabiam que nos últimos cinquenta anos, apenas dois pupilos foram expulsos da St. Dominic? Dois. E se nós estendemos esse histórico para desde a fundação da academia, eu ainda sou capaz de contá-los com os dedos das minhas mãos.

Não consegui conter o riso nervoso. O Matt não contabilizava como uma expulsão, então fazia sentido. Ele só tinha se suicidado sob a tutela do Headmaster, nada tão grave quanto infringir as regras da prestigiosa Saint Dominic Academy For Boys. E ainda havia a história das trinta e três garotas desaparecidas há um século... Deus, tudo aquilo era ridículo.

— Eu falei algo engraçado, mister Chevalier?

— Não, senhor. — Respondi ainda de cabeça baixa. — Eu rio quando eu estou nervoso, me desculpe.

O diretor assentiu e suspirou longamente. Ele parecia bastante cansado, provavelmente porque nós tínhamos o acordado no meio da noite. Mesmo assim, o Headmaster tinha tomado tempo para se vestir formalmente. Binky e eu também tínhamos trocado de roupa, e agora estávamos em nossos uniformes. Talvez pela última vez.

— Eu vou tirá-los dessa agonia. — O diretor falou de repente, e o meu coração bateu mais rápido. — Vocês dois não vão ser expulsos. Enquanto o mister Hirschfeld cuidava de vocês, eu tive uma longa e extensa conversa ao telefone com os seus pais. Com as suas mães, na verdade. Ao fim dessa conversa, nós chegamos à conclusão e ao consenso de que a St. Dominic é mais necessária do que nunca na vida de vocês. Antes do evento de hoje, os senhores eram alunos modelos, mister Chevalier e mister Martín. Algo deve ter acontecido, e é nosso dever como instituição tentar chegar ao fundo disso e ajudá-los.

Eu não consegui conter o meu suspiro aliviado. Ao meu lado, Binky fez o mesmo. Eu agradecia especialmente pelo fato de o Headmaster ter dito que tinha conversado com a minha mãe, ao invés do meu pai. Eu tinha certeza que minha mãe esconderia aquela informação de meu pai, o que significava que eu teria um problema a menos com o qual me preocupar.

— Por outro lado... — O diretor continuou falando, e o meu coração voltou a bater rapidamente. — Vocês precisam ser punidos de alguma forma. Suspensão é uma medida pífia, como ficou claro no seu caso, mister Chevalier. Por sorte, a St. Dominic possui diversas parcerias com academias ao redor do mundo, muitas das quais possuem uma estrutura mais adequada para lidar com pupilos... Desajustados. Suas mães concordaram com essa ideia, então está decidido. Pela manhã os senhores irão partir para uma estadia de alguns meses em uma instituição na Suíça. Vocês compreendem?

Abri a boca para dizer alguma coisa, mas as palavras não saíram. Me surpreendi quando ouvi a voz de Binky:

— Sim, senhor.

Minha cabeça girava. Suíça. Mais uma vez a Suíça. Mais uma vez com Binky.

— Sim, senhor. — Respondi automaticamente.

Eu pouco consegui absorver do restante da conversa. Guardei somente a informação de que nós seríamos rebaixados a Dogs quando voltássemos, mas não fazia diferença. Eu sabia que tinha notas altas o suficiente para conseguir avançar a Wolf a tempo das eleições para presidente do corpo estudantil.

Presidente. Essa era a minha última ambição. A única. Independente do quão desastrosa minha vida estivesse, e do quanto tudo estivesse de cabeça para baixo. Eu poderia ter perdido absolutamente tudo pelo qual havia lutado, inclusive Binky, mas ao menos eu ainda tinha minhas ambições. E eu não desistiria delas.

Binky e eu mal tivemos tempo de nos despedirmos de nossos colegas. Consegui somente acenar de longe para Samuel e dar um abraço em meu irmão. Beckett se demorou com o seu corpo próximo do meu, e quando nos afastamos ele segurou o meu rosto e me deu um beijo na testa. Doeu, por causa dos machucados, mas eu sabia que a intenção dele era boa.

O sol ainda começava a nascer quando nós descemos as escadarias da St. Dominic, em direção a um veículo branco que nos esperava na entrada da academia. Uma das portas de trás do carro se abriu quando nos aproximamos, e de dentro saiu uma elegante mulher negra. Ela estava vestida com um macacão branco e saltos da mesma cor. O perfume dela era doce, mas agradável. A última coisa que eu prestei atenção foi no discreto broche preso na alça de sua roupa, quase imperceptível por conta da coloração.

O triângulo branco...

— Mister Chevalier. Mister Martín. — A mulher disse, estendendo a mão na nossa direção.

Nós a cumprimentamos em silêncio.

— O meu nome é Theresa Clarke, eu trabalho com a Foundation, uma parceira da Saint Dominic Academy. Eu vou ser a chaperone de vocês nessa viagem até a White-North Academy.

Binky e eu nos entreolhamos. Meu amigo também sabia sobre as lendas envolvendo a tal Foundation.

Miss Clarke entrou de volta no veículo e conversou alguma coisa com o motorista. Olhei na direção de Binky, e ele me observava com desconfiança. Por mais que tudo o que eu mais desejasse naquele momento fosse ficar distante de Binky, uma parte de mim sabia que dali em diante ele era a única pessoa com a qual eu poderia contar.

 

 


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo sairá em breve :D



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