Fine Young Gentlemen escrita por Lerdog


Capítulo 5
Little Bear


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que tenham interesse, eu coloco fotos dos intérpretes dos personagens aqui: https://www.wattpad.com/836418253-fine-young-gentlemen-cast

ooooou

Para aqueles que preferirem, eu também publiquei o capítulo com imagens/fotos em pdf, neste link: https://drive.google.com/drive/folders/1IZcqVARlVN4rj4RmZRPUibA-wlhlgfU1



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Rainfort, Connecticut, Estados Unidos. Outubro de 2020.

O relógio na parede indicava 04:15. Me levantei da cama com um pulo. Olhei pela janela e estava escuro do lado de fora. O Binky estava dormindo na cama ao lado da minha. Ele só acordava quando soava o toque para o café da manhã. O meu melhor amigo era um baita preguiçoso.

Parei na frente do espelho e bocejei. Era um espelho de corpo inteiro, nosso dormitório era relativamente grande, então nós tínhamos espaço. Eu conseguia ver a silhueta do meu corpo através da parca iluminação que vinha da janela. A figura só de cueca diante de mim me incomodava tremendamente.

Encolhi minha barriga e estufei o peito. Flexionei meus braços. Fechei as pernas e observei a maneira como minhas coxas encostavam uma na outra. Subitamente senti meu estômago embrulhado. Destranquei a porta do dormitório sem fazer barulho e entrei no banheiro que ficava no fim do corredor.

Vomitei, mas não havia nada sólido no meu estômago. Eu o sentia em chamas, mas aquela sensação era melhor do que quando eu me sentia cheio. E eu me sentia cheio o tempo inteiro, cada caloria ingerida se posicionando de maneira incômoda em alguma parte do meu corpo. Eu odiava aquela sensação mais do que qualquer outra coisa, mas ela não me abandonava, nunca. Sentei no chão frio, encostando na parede e limpando o rosto com um pedaço de papel higiênico.

Abracei as minhas pernas e coloquei a cabeça entre os joelhos. Deus, como eu estava cansado.

Me levantei com um pulo. Parei diante da pia e abaixei a cueca. O reflexo suado no espelho foi a primeira coisa que eu vi quando abri os olhos. Estiquei o braço e desenrolei um pouco do papel higiênico, limpando as mãos. Então eu joguei o papel sujo na lixeira, ergui a cueca e lavei as mãos na pia, saindo do banheiro em seguida. Aquilo não me dava prazer, mas me deixava um pouco menos estressado.

Corri até o quarto e depois voltei ao banheiro, escovando os dentes por vários minutos. Depois eu desci as escadas em direção ao vestiário. Fazia muito frio pelos corredores da St. Dominic, e eu não devia estar andando por ali só de cueca, mas eu sabia que nunca havia ninguém acordado naquele horário. Nunca houve, nos meus dois anos na academia. Aqueles garotos eram todos um bando de preguiçosos.

Eu deixei a água gelada escorrer pelo meu corpo, finalmente me acordando por inteiro. Não me demorei. Me enxuguei e voltei pro quarto, colocando o meu uniforme dos Cerberus. Uma bermuda bordô, um tênis branco e a minha regata com a inscrição, “19. Chevalier”. Por último, peguei o meu relógio branco e o abotoei no pulso. Era exatamente 04:40.

A pista de corrida da academia estava imersa em uma espessa névoa. O céu estava escuro e fazia muito frio. Esfreguei as mãos e me alonguei por alguns minutos. E então eu apertei o cronômetro no relógio e comecei a correr.

A temperatura no meu corpo aumentava conforme eu corria, e em poucos minutos eu já não sentia mais frio. Eu sentia o meu corpo suando mais e mais a cada volta que eu dava na pista. Perto do fim as minhas pernas começavam a me incomodar levemente, mas eu continuava correndo. E então eu ouvia o apito do relógio. Eu parava, apoiando as mãos nos joelhos. Aquela era a minha rotina de exercício, todas as manhãs.

Olhei o relógio em meu pulso e ele indicava 00:45:13. Era 05:30 da manhã.

Me sentei na pista, inspirando e expirando. Sempre chovia por ali, então o ar frio da St. Dominic tinha um cheiro bom. Fiquei alguns minutos sentado, observando a neblina e as luzes, os sons de alguns pássaros, o céu que começava a mudar de cor. Por algum tempo eu senti paz. Mas eu não tinha tempo para aquilo.

Outro pulo e eu estava de pé de novo. Voltei para o vestiário e tomei um segundo banho rápido e gelado. Quando eu terminei de me colocar dentro do uniforme da academia, o relógio na parede indicava 05:50. Ajeitei o broche da raposa dourada na lapela do meu paletó e saí do quarto, carregando alguns papeis debaixo do braço. A partir daquele horário eu começava a ver um ou outro garoto acordado pelos corredores, mas não todos os dias. Aquele era um dos dias em que não havia ninguém.

Destranquei a sala comunal dos Foxes e entrei, fechando a porta atrás de mim. Cada um dos três Packs tinha uma sala como aquela, embora elas variassem em tamanho. Apesar disso, mesmo a sala dos Dogs era grande. Aquela sala não tinha uma função específica, ela servia mais como uma base para os membros de um Pack interagirem e socializarem.

A sala dos Foxes tinha a decoração toda nas cores bordô e dourado. A primeira era a cor oficial da academia, e a segunda era a cor oficial do nosso Pack. Ali havia diversos sofás, almofadas, tapetes, mesinhas, cadeiras, abajures, candelabros, pinturas e quadros. Por fim, em uma das paredes havia uma enorme lareira de pedra, a qual era frequentemente acesa durante o inverno.

Me sentei em uma das poltronas individuais e espalhei os papeis em cima da mesinha de centro. Peguei uma das canetas que havia em uma gaveta e comecei a sublinhar as minhas falas. Demorei alguns minutos nessa tarefa, até que tivesse terminado. Não demorou muito, eu estava bastante familiarizado com aquele roteiro.

Às 06:15 eu ouvi batidas na porta. Pontualmente, como todos as vezes.

— Bom dia, Barrett. — Julian falou.

— Bom dia, Julian.

O presidente entrou para dentro da sala e eu voltei a fechá-la. Ele já estava vestido com o uniforme, e carregava uma caixinha no colo. Julian posicionou sua cadeira de rodas na frente da mesa onde estavam os papeis e leu eles por alguns segundos.

— Ralph, huh? — Ele perguntou, e eu acenei com a cabeça. — Um mocinho desta vez.

— Eu estava enjoado de interpretar vilões nessas peças, então pedi pro mister Graves me dar a chance de ser um herói.

— Você vai se sair muito bem, eu tenho certeza.

Concordei com a cabeça.

— Vamos? — Perguntei, e o presidente acenou positivamente.

Nós seguimos até o banheiro que ficava na sala comunal. Pedi a caixinha de Julian e a coloquei em cima da pia, me sentando no vaso sanitário fechado, com o presidente de frente pra mim. Estiquei a toalha em cima do colo dele e abri a caixinha, tirando uma lâmina de barbear e uma lata de espuma de dentro dela. Peguei um pouco da espuma na minha mão e a passei no rosto de Julian.

— Não se mexe. — Falei instintivamente, mas eu sabia que ele se esforçava para não se mover.

Passei a lâmina de barbear pelo maxilar e bochecha de Julian. Não tinham muitos pelos ali, mas não importava. Julian era o presidente, era de acordo com ele que os outros garotos seguiam as regras na St. Dominic. Apesar de não ser permitido que nós tivéssemos pelos faciais, aquela era uma regra dificilmente aplicada. Eu acreditava que era porque o próprio Headmaster e boa parte dos professores usavam barbas espessas, então eles não se sentiam muito confortáveis nos cobrando. Mesmo assim, era muito difícil encontrar algum garoto na academia que deixasse a barba crescer por mais do que alguns dias. Naquele aspecto eu era sortudo. A minha barba nunca crescia.

— Você permite que eu toque no assunto dos Packs? — Julian perguntou de repente.

Franzi o cenho. Lavei a lâmina na pia e olhei pro rosto dele, agora coberto de espuma apenas do lado direito.

— Claro.

— O Headmaster não vai me deixar atrasar a sua promoção por muito mais tempo. Eu estou conseguindo atrasá-lo o máximo que posso, mas as suas notas já não estão de acordo com os Foxes desde o começo do ano passado.

Suspirei. Aquele era um assunto que me estressava profundamente.

Desde que eu havia entrado na St. Dominic, dois anos antes, o meu principal objetivo era me tornar um Wolf. Desde antes, na verdade. Meu pai havia estudado na academia, assim como meu vô e meu bisavô, e assim como todos os homens da minha família desde a fundação da escola no século XVIII. Até mesmo uma das minhas ancestrais mulheres havia estudado no dormitório que agora estava abandonado. E segundo o que eu ouvia, todos eles haviam graduado como Wolves. Mais do que isso, a maioria deles tinha eventualmente se tornado presidente do corpo estudantil. Mas essa parte do plano ainda precisava esperar um ano. Eu ainda era um junior, e presidentes só podiam ser seniors.

Eu havia batalhado pela minha posição desde o primeiro momento. Ao fim do primeiro semestre eu consegui ser promovido a Fox. Binky entrou na academia no ano seguinte, se juntando ao meu Pack na metade dele. Já o meu irmão só conseguiu chegar ao nosso Pack no fim do seu segundo ano. Naquele ponto eu já tinha notas altas o suficiente para me tornar um Wolf. Mas então... Eu não quis.

Pensei em Beckett. Ele não se importava. Ele dormia até o alarme da escola tocar, comia o que queria, não estudava fora da sala de aula um momento sequer. E ele parecia feliz. No momento em que eu avançasse mais uma vez e ele ficasse, eu sabia que a cobrança por parte do nosso pai seria pesada. Beckett não ia conseguir manter aquele estilo de vida. Ele teria uma recaída, mais uma vez, e eu não estava pronto para deixar o meu irmão para trás. Enquanto eu estivesse ao lado dele, eu poderia ajudá-lo a carregar aquele peso.

— Final do semestre? — Arrisquei.

— Final do semestre. — Julian afirmou.

Passei a lâmina do outro lado do rosto dele e depois debaixo do nariz e do lábio inferior. Chequei por alguns segundos, estava limpo. Enxuguei o rosto de Julian com a toalha e lhe passei uma loção pós-barba que havia na caixinha.

— Pronto, presidente.

O Julian sorriu.

— Obrigado, Barrett.

Assenti com a cabeça e nós saímos do banheiro. O alarme tocou quase na mesma hora. O relógio na parede indicava 06:30. Aquele era o horário em que os pupilos eram acordados para o café da manhã. As primeiras aulas começavam às 07:15.

— Você tem planos agora? Eu posso te ajudar a ensaiar durante o café da manhã. — O presidente falou de repente.

— Você não tem um compromisso?

— Nada que não possa esperar.

— Então eu aceito a sua ajuda. O Binky é péssimo pra isso.

Julian sorriu. Então eu saí da sala para buscar o nosso café da manhã.

xxx

Beckett, Binky, Samuel e eu estávamos sentados na arquibancada do ginásio, depois do nosso treino daquele dia. A minha barriga doía. Eu tinha tomado apenas um suco pela manhã, e já passava das 17:00. A minha última refeição havia sido durante a tarde do dia anterior.

— Só isso? Mé. — Eu ouvi Binky resmungar, interrompendo os meus pensamentos.

— É uma sentença justa. Todo mundo sabe que não foi ele quem fez aquela brincadeira. A punição é mais por ele ter desafiado o sistema, eu acredito. — Samuel ponderou.

— Vocês estão falando do The King? — Perguntei.

Samuel concordou com a cabeça.

— Acorda, Barrett. — Meu gêmeo falou, me dando um tapa na nuca.

Fiz uma genuína cara de irritação e meu irmão abriu um sorriso forçado.

Beckett era exatamente dezenove minutos mais velho do que eu, e nós éramos idênticos em todos os detalhes físicos. Sempre havíamos sido. Quando éramos pequenos, nosso pai nos obrigava a ter aulas de piano. Eu gostava, mas o Beckett odiava. Então eu consegui que meu pai contratasse o tutor para nos dar aulas separadas, e a partir daí eu passei a sempre comparecer às aulas do meu irmão me fazendo passar por ele. Nosso pai nunca ficou sabendo que Beckett não sabia tocar piano.

— Qual foi a punição que ele recebeu?

— Suspensão. Por umas semanas. — O Samuel me respondeu.

— Ficar preso na biblioteca o dia inteiro por semanas. Eu iria surtar. — Meu irmão disse.

Binky deu com os ombros.

— A essa altura ele já deve estar acostumado.

Binky era o meu melhor amigo desde que eu conseguia me lembrar. Curiosamente, nós havíamos nos conhecido na Suíça, durante uma viagem da minha família para uma estação de esqui nos Alpes. Nós dois éramos muito pequenos naquela época, mas nos tornamos imediatamente amigos. Meus pais diziam que eu não costumava fazer amizades com facilidade quando era criança, o que eu achava que continuava sendo verdade. Mas eu havia aprendido a ser muito mais sociável e político, o que era esperado de mim.

Binky e eu quase morremos durante um acidente naquela viagem. Mas aquele era um assunto sobre o qual eu não costumava falar, porque eu sabia o quanto aquilo ainda chateava o meu melhor amigo.

Coincidentemente, Binky morava na mesma cidade que eu na Louisiana, então nós começamos a frequentar a casa um do outro quando voltamos para os Estados Unidos. Anos depois, quando contei a ele sobre a St. Dominic e o fato de que eu iria estudar lá durante o high school, o Binky achou a ideia divertida. A família dele também tinha muito dinheiro, então ele conseguiu os convencer a matriculá-lo na academia no ano seguinte. Binky era um ano mais novo do que eu, então ele ainda era um sophomore, mas nós tínhamos algumas aulas juntos e dividíamos o mesmo dormitório.

— Sobre o que as meninas estão falando? — Eu ouvi uma voz grave dizer.

Knox se jogou entre mim e Beckett na arquibancada, abrindo os braços por trás das nossas costas. Ele estava de camiseta regata, suado e com um cheiro desagradável. Um de seus braços ainda estava enfaixado por conta de um acidente que ele tinha sofrido no México, durante as férias. Eu me afastei um pouco na mesma hora. Knox sabia que eu me incomodava com aquele tipo de coisa, e era exatamente por isso que ele fazia.

— Sobre a festinha de hoje a noite... — Meu irmão respondeu. Eu não entendi.

Binky abriu um sorriso e olhou pra mim. Olhei pro Samuel e ele deu com os ombros.

— Vocês não falaram pra ele, mocinhas? — O Knox perguntou, e os meus amigos negaram com a cabeça. — Parece que você não está convidado, zorrita.

Revirei os olhos. Apesar de ser um senior, Knox ainda era um Dog. Isso porque, apesar de ele ser o segundo melhor atleta de toda a escola, suas notas acadêmicas eram abismais. Eu desconfiava que Knox tinha algum problema de aprendizado. Ele era mexicano, mas tinha um inglês perfeito e sem qualquer sotaque. Apesar disso, Knox tendia a espelhar algumas letras ou inverter sílabas quando escrevia. O mesmo acontecia quando ele lia. Eu suspeitava de dislexia, mas não era qualificado para diagnosticá-lo ou ter certeza de nada. Knox não permitia que ninguém falasse sobre aquele assunto, e ele era intimidador o suficiente para que o respeitassem.

— Nós vamos nos reunir no dormitório abandonado depois da meia noite. — O meu irmão falou. — Nada de mais, só uma meia dúzia de pessoas, umas bebidas...

— E onde vocês conseguiram as bebidas dessa vez?

Knox esticou a cabeça e colocou o rosto na frente do meu, próximo o suficiente para eu sentir sua respiração. Deus, como ele é desagradável.

— Eu tenho os meus métodos.

Não respondi. Aquela não era a primeira vez que eles planejavam algo daquele tipo.

xxx

Binky dedilhava o violão encostado em um puff dourado. Além do fato de nosso dormitório ser relativamente maior que o dos Dogs, nós ainda tínhamos a vantagem de o dividirmos em apenas duas pessoas, ao contrário de três, como era o caso dos vira-latas. Eu dividia o quarto com Binky, enquanto o meu irmão o dividia com Samuel.

— Você ainda não está pronto? — Meu amigo falou de repente, desviando a atenção do instrumento.

Eu estava parado na frente do espelho, ainda de cueca. Eu não gostava daquele reflexo. Coloquei duas camisetas na frente do corpo, mas nenhuma delas me pareceu adequada.

— Qual é o plano dessa vez? — Perguntei, tentando mudar de assunto.

Joguei as camisetas em cima da minha cama e abri a cômoda mais uma vez, procurando uma alternativa.

— Nenhum, é só o dia de folga dos seguranças. O Knox pagou um freshman pra ficar de olho caso o mister Bloodworth desconfie de alguma coisa.

— Bom garoto. — Eu brinquei, e Binky soltou uma gargalhada.

Nós fazíamos festas como aquela pelo menos uma vez a cada cinco ou seis semanas. Uma única vez nós fomos pegos, e na ocasião o Headmaster puniu toda a escola. Então os garotos aprenderam a se acobertar, mesmo aqueles que não compareciam às festas. Em todas as outras vezes as coisas aconteceram sem maiores imprevistos. O dormitório abandonado era distante o suficiente para que o barulho não chegasse até a mansão principal, e nós recolhíamos todo o lixo no caso de alguém aparecer por ali em algum momento. Eu desconfiava que o Headmaster soubesse, mas nós éramos responsáveis o suficiente para ele preferir não fazer nada. A única coisa que eu nunca havia descoberto era como Knox conseguia as bebidas.

— A preta, pelo amor de Deus, Bear.

Bufei e peguei a camiseta preta de dentro da cômoda. Binky tinha me dado aquele apelido quando nós nos conhecemos, porque na ocasião eu estava com uma touca com orelhas de urso. Ele não precisava de um apelido, já que “binky” era também uma palavra pela qual crianças chamavam suas chupetas, e isso era punição suficiente.

— Você vai com esse tênis sujo? — Eu indaguei, olhando pro calçado encardido que Binky usava. Eu odiava quando o meu amigo usava aquele tênis, porque ele sempre sujava o nosso quarto. Olhei pro relógio na parede e já era 00:19.

— Já deu, Bear, vamos. — O meu amigo se levantou e começou a me puxar para fora, largando o violão em cima do puff.

Eu saí terminando de calçar o meu tênis. Tranquei a porta do nosso quarto e olhei para os dois lados do corredor. Não havia ninguém por ali.

Beckett estava nos esperando no fim do corredor. Nós três descemos tentando fazer o mínimo de barulho possível. No andar inferior, Samuel segurava a porta aberta. Nós quatro saímos, e então a porta se fechou com o menor dos ruídos.

Do lado de fora chovia bastante. Não só isso, mas raios e trovões podiam ser vistos e ouvidos no céu. Me incomodei em chegar molhado, mas não dava pra voltar e buscar um guarda-chuva. Meu irmão saiu em disparada de repente, girando e pulando no meio da chuva. Binky abriu um sorriso enorme e seguiu ele, os dois correndo pelas áreas menos visíveis para quem estava no interior da mansão. Samuel olhou pra mim e daí saiu correndo também. Suspirei e os segui.

A chuva estava bem gelada. Pulei a cerca que separava o dormitório abandonado do restante da academia e senti que rasguei uma parte da minha calça. Droga. Beckett, Binky e Samuel já estavam parados na entrada, me esperando.

O dormitório era ainda mais sinistro durante uma tempestade. As janelas sujas (e algumas quebradas) não deixavam que nós víssemos muita coisa do lado de dentro, mas eu conseguia ver uma fraca luz no andar mais alto. A música também podia ser ouvida, embora não estivesse alta.

Eu estava encharcado. Chacoalhei o meu cabelo e abracei os braços. Fazia muito frio.

— Eu agradeceria se nós não ficássemos aqui do lado de fora. — Falei.

Samuel bateu de uma maneira ritmada para sinalizar que éramos nós. Demorou uns dez segundos até que a porta se abrisse.

— As vadias chegaram! — Knox anunciou, com uma garrafa em mãos.

Na mesma hora eu ouvi uns garotos gritando de dentro do dormitório. A música ficava bem alta com a porta aberta, mas a chuva forte ajudava a abafá-la.

Eu fui o último a entrar, e daí o Knox trancou a porta.

Havia uma dúzia de garotos no hall. Estava quase que completamente escuro ali, com exceção de algumas luzes verdes que Knox tinha colocado e dançavam pelo ambiente. No chão e nas paredes do dormitório, musgo e outras vegetações cresciam livremente, dividindo espaço com a arquitetura abandonada de séculos passados. Eu gostava daquela atmosfera.

A música tocava bem alta, o que me deixou atordoado por alguns segundos.

Binky se prostrou na minha frente e esticou um copo com um líquido colorido na minha direção.

— De uma vez, vai.

Franzi o cenho e cheirei o copo. Eu não tinha ideia de que bebida era aquela, mas eu confiava no meu amigo. Virei o copo de uma vez e senti a minha garganta em chamas, o líquido descendo e queimando o meu estômago ainda vazio.

Binky colocou o braço por cima do meu ombro e me puxou pra perto de um grupo de garotos que estavam dançando. Eu ainda estava sóbrio demais para não ficar desconfortável. Andei até uma mesa cheia de garrafas e peguei uma que estava fechada. Virei e engoli até sentir que iria vomitar. Então eu tirei a garrafa da boca e um pouco da bebida caiu na minha camisa. As luzes e a música subitamente me deixaram tonto.

Tudo ao meu redor brilhava na cor verde. Eu não conseguia distinguir quem estava perto de mim naquele momento, mas não importava. Em pouco tempo eu dançava com as luzes, sentindo o suor escorrendo das minhas temporadas e molhando a minha camiseta.

De repente eu vi Binky do meu lado. Meu amigo segurou nos meus pulsos e começamos a girar, rindo. Por alguns minutos todo o meu estresse desapareceu. Ali, perdido nas luzes verdes neon, não existiam preocupações e pressões. Tudo o que existiam eram sons e cores.

Binky me puxou pela mão. Segui meu amigo para onde quer que ele estivesse me levando, atravessando corredores escuros e sujos. Nós subimos um bocado de escadas, e então eu me senti tonto. Pisei em falso e caí pra trás, rolando alguns degraus até bater em uma parede.

— Oh, merda! — Binky exclamou.

Eu tentei me apoiar em uma parede para me levantar, mas acabei caindo de novo.

— Você é fraco pra essas coisas, Bear, não aprendeu até hoje?

Neguei com a cabeça, mas as palavras não saíram. Binky colocou o braço debaixo das minhas axilas e me ergueu, me ajudando a caminhar.

— O que... Pra onde...

— Você precisa ver isso. Por um momento eu pensei que fosse uma alucinação.

Nós terminamos de subir as escadas e então o Binky me levou até a porta aberta de um cômodo. Por alguns segundos eu não entendi a cena diante de mim. Eu conseguia reconhecer a jaqueta de Samuel, mas não quem estava encostado com ele na parede. Então a garota virou o rosto, enquanto ele beijava o pescoço dela, e eu consegui vê-la.

A garota parecia ter a mesma idade que nós. Ela tinha a pele negra e o cabelo escuro e liso preso por uns enfeites floridos. Ela estava descalça e vestida de branco, com uma espécie de camisola comprida e antiga, do tipo que devia existir no guarda-roupa da minha mãe. A garota me olhou fixamente, por alguns segundos, com seus enormes olhos escuros.

— Quem... Quem é essa garota? — Eu cochichei pro meu amigo.

Binky deu com os ombros.

— O Samuel a chamou de “Mary Jane”, mas eu não sei de onde ela veio.

O Samuel ainda não tinha percebido a nossa presença, voltando a beijar a garota de uma maneira que me deixava extremamente desconfortável por estar assistindo.

— Deve ser coisa do Knox.

Eu concordei com a cabeça e puxei Binky pra longe do quarto. Caí pela segunda vez, levando meu amigo junto. Binky caiu no chão e começou a rir. Eu girei meu corpo, olhando pro teto, com meu amigo deitado do meu lado.

— O que você comeu hoje? — Binky perguntou em um tom de voz sério demais pra quantidade de álcool que eu tinha ingerido.

Dei com os ombros.

— Eu não te vi no café da manhã.

— Eu estava treinando a peça com o Julian. — Eu respondi depois de uma infinidade de segundos, sentindo dificuldade em pronunciar as palavras.

— Hm. — O Binky resmungou. — Se você estiver se matando de fome de novo, por favor, não esconde de mim.

O meu amigo virou o rosto pra mim e eu concordei com a cabeça.

Binky era a única pessoa que sabia que eu ficava sem comer. Eu não tinha compartilhado aquilo nem com o Beckett. Ele não iria entender. O meu amigo também não entendia, mas ele também não me julgava. Nem mesmo no período em que eu comecei a vomitar sempre que comia. Na época ele me convenceu a parar, e eu nunca mais fiz aquilo propositalmente. Os vômitos voltaram havia algum tempo, mas dessa vez eu não precisava forçar, então não era a mesma coisa.

— Você tá bem, Bear?

Chacoalhei a cabeça, mas daí eu senti um enjoo. Virei o rosto e vomitei. Binky se levantou e começou a esfregar as minhas costas.

— Eu acho que já deu pra você, vamos embora.

Tentei protestar, mas eu não tinha forças. Binky me ergueu e me ajudou a descer as escadas, um degrau de cada vez. Quando nós chegamos no andar inferior, o ritmo das músicas tinha mudado, mas os garotos continuavam dançando e bebendo. Eu vi Beckett entre eles, e fiquei satisfeito por meu irmão estar se divertindo.

Knox nos interrompeu quando estávamos chegando na porta.

— Ei, vocês viram o Samuel e aquela garota?

Meu amigo acenou com a cabeça. Fechei os olhos. Eu estava exausto demais.

— Como você conseguiu convidar uma garota aqui pra St. Dominic? A bebida eu até consigo pensar em umas hipóteses, mas uma garota?

O Knox soltou uma gargalhada com a fala de Binky.

— Isso não é coisa minha não. A gatinha não quis falar como ficou sabendo da festa, mas ela deve morar em algum lugar aqui perto. Nos arredores da academia tem umas áreas mais afastadas, eu acho que deve morar gente por lá.

— Mas e a ponte? Não faz sentido.

Nada daquilo me importava, e eu sentia o meu estômago embrulhando mais uma vez.

— E eu lá vou saber? — Knox resmungou, bebendo um gole de sua garrafa. Daí ele virou o rosto na minha direção: — A princesinha já cansou? Ainda não é nem três da manhã.

— Boa noite, Knox. — Meu amigo respondeu, ignorando a provocação e abrindo a porta.

A porta se fechou assim que nós saímos. A chuva já não caía mais, mas ainda fazia muito frio. Tremi.

Binky tirou sua jaqueta jeans e a colocou em cima do meu corpo. Eu tentei resmungar alguma coisa, mas desisti. Meu amigo e eu atravessamos a distância até a mansão, utilizando os caminhos mais escuros e discretos. Quando chegamos na porta, Binky bateu da mesma maneira ritmada que Samuel tinha feito antes. Um garoto Dog qualquer abriu a porta e pediu pra gente esperar. Eu vi outro correndo lá dentro, e então depois de uns segundos eles deixaram a gente entrar, pedindo pra não fazermos barulho.

Meu amigo me levou pro vestiário. Binky me ajudou a tirar a roupa e daí me pediu pra sentar no chão pra não cair. Fiz o que ele pedia, e daí o meu amigo sumiu. Não sei quanto tempo ele ficou fora, mas a água que caía no meu corpo era quente e agradável.

Tentei me levantar, mas quase caí. O Binky apareceu na mesma hora e me ajudou a sentar em um banco do vestiário.

— Eu não vou enxugar você, Bear, se vira.

Tentei protestar mais uma vez, mas mais uma vez eu falhei.

Quando eu terminei de me enxugar de qualquer jeito, o Binky me ajudou a colocar roupas limpas. Eu me arrastei escorado no meu amigo escada acima. Quando nós entramos no dormitório, eu cambaleei em direção a janela.

— Não, senhor. — Meu amigo protestou, me puxando.

Por um breve segundo eu vi a garota do lado de fora, através da janela. Parada no meio da grama verde, com seu vestido branco esvoaçando. E eu tenho certeza que ela olhou diretamente para mim.

 

 


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Notas finais do capítulo

Breve sai o sexto capítulo :D



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