Fine Young Gentlemen escrita por Lerdog


Capítulo 2
Confessions of a Mask


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que tenham interesse, eu coloco fotos dos intérpretes dos personagens aqui: https://www.wattpad.com/836418253-fine-young-gentlemen-cast

ooooou

Para aqueles que preferirem, eu também publiquei o capítulo com imagens/fotos em pdf, neste link: https://drive.google.com/drive/folders/1IZcqVARlVN4rj4RmZRPUibA-wlhlgfU1



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Rainfort, Connecticut, Estados Unidos. Setembro de 2020.

Naquele momento Pujit e eu comíamos no refeitório da academia. Eu havia conhecido o ambiente na noite anterior, durante o jantar, mas conseguia prestar mais atenção durante o dia. Na verdade, se tratava de uma enorme sala de jantar, mas os garotos o chamavam de refeitório, então o nome havia se popularizado. Tudo ali era escuro e intimidador como o restante da escola. Ao redor de nós, nas paredes, havia fotos de todos os Headmasters que a instituição havia tido desde a sua fundação.

Quase todos os bancos ao nosso redor estavam ocupados por outros membros do nosso Pack, com seus broches de cachorro presos nas lapelas de seus paletós. Os Foxes e Wolves se sentavam em sua maioria em uma área mais distante, embora houvesse alguns de seus membros espalhados entre nós.

— E aí, River, o que achou da sua primeira aula? — O garoto na minha frente me perguntou.

Precisei pensar por alguns segundos. A minha primeira aula havia sido com o nosso professor de Literatura, Walt Takami. Foi curioso entrar em uma sala de aula na América e imediatamente me deparar com um professor de descendência japonesa, especialmente porque não havia muitos outros garotos asiáticos na instituição.

— O mister Takami parece competente. — Foi tudo o que pensei em falar.

Pujit riu.

— Ele é gente boa, se é isso que você quis dizer. É o único dos professores daqui que parece realmente ouvir quando nós falamos com ele, sabe?

Concordei com a cabeça, embora eu não tivesse certeza do que aquilo significava.

— Eu ainda estou com a sua moeda. — Falei de repente.

— Oh, ela não é minha.

Franzi o cenho.

— De quem é?

Pujit deu com os ombros e abriu um sorriso brincalhão.

— Sei lá, estava na sua orelha.

Sorri fracamente. Eu gostava da companhia daquele garoto.

Tentei terminar a minha refeição rápido, eu tinha muito a fazer. Embora o ano letivo tivesse começado apenas três semanas antes, havia uma quantidade considerável de material que eu precisava colocar em dia. Minha primeira ideia fora pedir os cadernos de Pujit emprestados, mas quase imediatamente descobri que ele não era um aluno muito dedicado, e boa parte de suas anotações estava incompleta. O mister Takami me indicara um colega de classe que costumava atuar como tutor de outros estudantes, mas eu não queria incomodar o garoto, então apenas agradeci pela sugestão.

E eu ainda precisava tirar minhas medidas com o tal mister Bloodworth...

Terminei de comer em poucos minutos, mas daí me senti rude em levantar antes que Pujit finalizasse sua refeição. Era melhor que eu o aguardasse, mesmo que fossemos tomar caminhos diferentes. Apesar de sermos ambos sophomores, nossas grades horárias eram um pouco diferentes, por não fazermos exatamente as mesmas matérias ou estarmos nas mesmas turmas. 

— Aquilo já tinha acontecido antes? — Eu perguntei subitamente. Jogar perguntas aleatórias em Pujit estava se tornando um péssimo hábito.

Abri a boca para explicar ao que eu me referia, mas Pujit pareceu ter compreendido.

— Sim e não. Na semana passada alguém escreveu uma mensagem parecida no espelho do vestiário da quadra de esportes, mas o boneco enforcado foi um passo além.

Eu havia ficado pensando sobre o incidente durante boa parte da noite, antes de dormir. Logo após o jantar o Headmaster havia reunido todos os garotos e nos dado um sermão a respeito do que ele se referia como “uma atitude que não está de acordo com o padrão ético e comportamental dos pupilos da St. Dominic”. E então o Headmaster tinha dito que nosso toque de recolher aconteceria duas horas mais cedo até que o culpado se apresentasse, como forma de punição. Um dos estudantes, alguém a quem Pujit se referia como “The King”, tentara protestar contra aquela atitude, mas as palavras dele não surtiram qualquer efeito no diretor.

— Qual a sua próxima aula, River?

— Eu não tenho a próxima aula. É uma matéria que eu já estudei no Japão, então eu consegui ser dispensado. Eu vou aproveitar o horário livre pra colocar as atividades em dia. — Pujit pareceu satisfeito com a minha resposta. — E a sua?

— Latim. Com o terrível mister Graves.

Eu havia visto o tal mister Graves apenas brevemente, durante a reunião após o jantar. Além de professor de latim, matemática e teatro, ele era também o Deputy Headmaster da academia, o vice-diretor. Graves era um homem negro, alto e forte, embora já passasse dos sessenta anos de idade. Ele não falara nada durante a reunião, mas a sua expressão facial severa era suficiente para me intimidar.

Pujit terminou de comer e bateu as mãos na mesa de maneira ritmada. Nos levantamos quase ao mesmo tempo, encaminhando nossos pratos até o lugar designado. Me despedi dele com um aceno e então nós seguimos caminhos diferentes.

xxx

Estudei em meu dormitório por quase uma hora, mas então a presença constante de Atticus começou a tirar minha concentração. Ele quase não fazia barulho, mas eu sentia que estava o atrapalhando por estar ali. Eu tinha visto seu rosto brevemente, por alguns segundos, quando ele se levantou para ir ao banheiro, mas o garoto sequer respondeu ao meu cumprimento.

Reuni todos os livros que tinha pegado na biblioteca e os deixei em uma pilha em cima da escrivaninha. Pujit havia me dito que Bloodworth estava esperando para tirar minhas medidas naquela tarde, embora ele não tivesse me especificado um horário. Chequei o relógio em cima do quarto e resolvi tentar minha sorte. Segundo meu roommate, Bloodworth costumava ficar em uma pequena sala debaixo da escada dos fundos da academia, então eu segui para lá.

Eu já começava a reconhecer alguns rostos recorrentes entre os garotos que encontrava nos corredores, embora ainda não soubesse seus nomes. Tentei seguir sem fazer contato visual com ninguém, caminhando em um ritmo acelerado. Assim que cheguei ao local indicado, notei que a porta estava fechada. Bati duas vezes e esperei.

A figura abriu a porta meio minuto depois. Mister Bloodworth não era como eu esperava. O homem era muito alto, próximo dos dois metros, e seu corpo era absurdamente magro. Ele devia estar perto dos quarenta anos, com cabelos que começavam a ficar grisalhos e um par de óculos. Naquele momento Bloodworth vestia-se com uma blusa de lã bege, uma calça escura e sapatos elegantes.

— Mister Bloodworth? — Perguntei, embora soubesse a resposta. O homem assentiu com a cabeça, então eu continuei: — Meu nome é River Ito. Me desculpe incomodá-lo, mas... Eu vim tirar as minhas medidas, se não for uma inconveniência. Eu sou um aluno novo...

Antes que eu terminasse minha fala, Bloodworth abriu a porta por inteiro, acenando para que eu entrasse. Tentei não prestar muita atenção na pequena sala, notando somente que ela era pequena e estava muito limpa, embora houvesse um cheiro característico de mofo.

— Estique os braços. — O homem ordenou com uma voz grave.

Fiz o que ele pedia, e Bloodworth se aproximou com uma fita métrica. Ele tirou minhas medidas por alguns minutos, anotando as informações em um caderno. Não trocamos quaisquer outras palavras durante este tempo, mas aos poucos eu me senti confortável com aquele silêncio.

— Volte daqui a três dias. — Bloodworth falou, guardando a fita em uma estante de madeira.

Esperei alguns segundos, mas o homem não falou mais nada. Agradeci a ele com uma reverência, me esquecendo de onde estava mais uma vez, e então eu saí. Bloodworth fechou a porta atrás de mim um pouco depois. Huh.

Decidi tentar estudar em alguma outra área da escola. Minha primeira ideia foi a biblioteca, mas talvez pudesse haver outro lugar calmo que eu ainda não conhecia.

Peguei os livros no dormitório e segui através dos corredores. Eu tinha só mais uma aula naquele dia, no fim da tarde, de modo que havia tempo.

Saí pelos fundos da academia e caminhei através da extensa área verde da instituição. Alguns garotos estavam sentados na grama, aproveitando o dia sem chuvas, enquanto outros corriam jogando uma bola. Andei até o lugar mais afastado que consegui, dentro dos limites permitidos, e então eu vi uma construção ao longe. Aquilo me chamou a atenção.

Havia uma cerca separando o lugar do restante da academia. Apesar disso, eu conseguia ver a construção com clareza. Se tratava de uma mansão aparentemente abandonada, com as paredes externas cobertas por vegetação e a típica ação do tempo. As janelas estavam em sua maioria quebradas, tapadas por placas de madeira. Até mesmo a grama crescia bem alta ali, com árvores e plantas descuidadas. Aquilo era curioso. Eu não tinha lido qualquer coisa a respeito daquela construção.

Decidi que perguntaria ao Pujit sobre o lugar quando o encontrasse. Sem outra alternativa, dei meia volta e escolhi um lugar silencioso para estudar, debaixo de uma árvore. Passei as duas horas seguintes dedicado ao conteúdo, conseguindo finalizar três quartos do que eu precisava. Boa parte eram coisas que eu já havia aprendido no Japão, mas que não havia conseguido equivaler por algum motivo técnico, geralmente diferenças no sistema métrico dos Estados Unidos. Eu não tinha um relógio comigo, mas o sol ainda não parecia prestes a se por, então eu não devia estar atrasado. Pensei em ficar mais algum tempo ali, descansando, mas as nuvens escuras no céu mudaram meus planos.

Quando voltei para o quarto, Atticus não estava ali. Deixei os livros que ainda precisava utilizar na escrivaninha e entreguei os restantes na biblioteca. O relógio na parede indicava que eu ainda tinha mais de meia hora, mas decidi ir direto para a sala de aula.

Não havia ninguém por lá quando eu cheguei, então eu esperei do lado de fora, sentado em um banco de madeira. Demorou apenas alguns minutos para que o mister Takami aparecesse. Ele era um homem alto e forte, com uma barba bem feita, cabelos escuros e um olhar sério. Apesar disso, ele sorria bastante.

— River. — O professor falou, e eu me levantei da cadeira e o cumprimentei com uma reverência de corpo. De novo, River?

mister Takami sorriu com o meu gesto, destrancando a porta da sala. Voltei a me sentar do lado de fora e esperei que professor entrasse e acendesse as luzes, e então ele me chamou. Eu pedi licença e entrei.

mister Takami começou a organizar os livros em cima da mesa de madeira escura, enquanto eu me sentava em uma das carteiras da frente.

— E aí, como está sendo a adaptação? — Ele perguntou.

— Tranquila. — Respondi com sinceridade. — Nada muito diferente ao que eu estou acostumado, na verdade.

mister Takami assentiu com a cabeça.

— Você chegou a falar com o Spencer sobre as matérias que você precisava colocar em dia?

— Oh, não foi necessário. — Falei. — Não são matérias muito desafiadoras.

O professor riu com a minha resposta.

— Algumas pessoas interpretariam isso como arrogância, River.

— Oh, não foi minha intenção, eu...

— Eu estou brincando com você. — Mister Takami falou, abrindo um sorriso. Ele encostou-se em sua mesa, de frente para a mim, e cruzou os braços na frente do corpo. — Me diga: qual o seu livro favorito?

Pensei por alguns segundos. Vários livros japoneses me vinham à cabeça, mas o professor provavelmente esperava que eu respondesse alguma obra em língua inglesa.

— Pode ser sincero. Qualquer um.

— Kamen no Kokuhaku, Mishima Yukio. — Falei instintivamente. — Eu acredito que na América ele tenha recebido o título de...

— “Confessions of a Mask”. — O mister Takami completou. — É um bom livro, embora eu tenha minhas ressalvas quanto ao Mishima-san.

Não consegui esconder minha surpresa com o fato de o professor conhecer aquele livro. Seria possível que...?

— Eu sinto falta de conversar sobre literatura asiática as vezes. O que você acha de iniciarmos um pequeno clube, huh? Eu sei que vocês têm uma agenda bem apertada aqui na St. Dominic, mas... Talvez outros possam se interessar.

Abri um sorriso.

— はい、いいです! — Respondi no mesmo instante, e dessa vez não me preocupei em repetir a frase em inglês.

mister Takami sorriu e pegou um papel em cima de sua mesa.

— Preenche esse papel e coloca ele no mural do lado de fora da sala? Não custa nada tentarmos...

Peguei o papel da mão do professor e assenti com a cabeça. Aquela era uma listagem para clubes. Preenchi as informações e saí, prendendo o papel no mural verde. Assim que me virei, um garoto passava por mim e entrava na sala.

— O Captain! My Captain... — Eu ouvi o professor Takami dizer ao garoto de maneira solene. — Spencer.

Aquele era o trecho de um poema de Walt Whitman, eu reconhecia. Espiei através da porta e vi que os dois riam de alguma coisa. Então aquele garoto era o tal Spencer sobre quem o professor tinha me falado. Entrei de volta na sala e passei os minutos seguintes me dedicando a leitura dos textos que estudaríamos naquela aula. Aos poucos os outros garotos começavam a chegar. Notei que alguns deles paravam para ler o papel no mural do lado de fora, mas não prestei atenção se algum deles havia assinado.

xxx

Pujit e eu voltamos ao nosso dormitório imediatamente após a janta. Eu havia tido tempo somente de tomar um banho e comer, e então estávamos diante do toque de recolher. Normalmente teríamos mais duas horas antes disso acontecer, mas o Headmaster estava cumprindo sua promessa de punição.

Atticus já estava ali, deitado e roncando baixinho. A luz estava apagada.

— Esse toque de recolher é um saco! — Pujit reclamou, se jogando na cama. — Ainda está cedo demais! Eu não vou conseguir dormir tão cedo.

Me estiquei na parte de baixo do beliche, sentado, me encostando na parede.

— Nós podemos conversar até você dormir, se quiser.

O garoto abriu um sorriso e me pediu licença, se deitando na beirada da minha cama, com os pés por cima das minhas pernas.

— Eu acho que se você não tivesse se mudado pra cá eu já estaria maluco. Esse quarto estava num silêncio sepulcral desde que o Matt... — E então Pujit se calou por alguns segundos. — Como você já deve ter percebido, eu gosto de falar. E o Atticus não é exatamente o melhor ouvinte.

Eu ri.

— Ah, me lembrei de uma coisa. — Falei, me ajeitando na cama. — Hoje mais cedo eu estava andando pela escola e eu encontrei uma construção abandonada.

— O dormitório das garotas! — Pujit exclamou, percebendo que tinha falado um pouco alto demais. — Eu não quis estragar essa surpresa. E aí, o que você achou?

— É... Estranho. — Respondi. — Você disse “dormitório das garotas”. Como assim?

Pujit abriu um sorriso enigmático, como se estivesse empolgado para me contar um segredo.

— Aconteceu alguns anos depois da aplicação do sistema de Packs, quando a Headmistress ainda comandava a instituição. Naquela época o governo estava começando a apoiar monetariamente a educação de garotas, então a St. Dominic decidiu abrir um dormitório exclusivo para meninas. Elas e os meninos não tinham qualquer tipo de contato, claro, mas para todos os efeitos a escola oferecia vagas para meninos e meninas. Isso perdurou por mais de meio século.

— Eu não sabia de nada disso... — Eu murmurei, genuinamente curioso por aquele fato ter sido escondido das informações mais acessíveis disponíveis sobre a escola.

Pujit concordou com a cabeça e continuou:

— Ninguém sabe exatamente o que aconteceu, mas de um dia pro outro os Dumas abandonaram a ideia. Na biblioteca existem alguns resquícios dessa época nos registros, mas nada que faça muito sentido. O dormitório foi deixado de lado por “questões financeiras”, e a versão oficial é que a construção está condenada e blá, blá, blá. Isso foi no século XX, e até hoje o dormitório não foi derrubado.

Assenti com um gesto, atento à história.

— E quais são as especulações? — Eu arrisquei, e Pujit abriu o seu tradicional sorriso enigmático. — Eu tenho certeza que devem existir muitas lendas.

— Você está pegando o ritmo das coisas, filhotinho. — O garoto falou, esticando o corpo e me dando um soquinho no braço. — Bom, a história mais contada por todo mundo é que as garotas do dormitório desapareceram sem qualquer explicação. Elas foram dormir uma noite, e quando todos acordaram elas não estavam mais lá. Trinta e três garotas, segundo contam.

Franzi o cenho. Eu não acreditava que fosse possível que trinta e três garotas desaparecessem sem explicações. A St. Dominic sempre havia sido uma instituição para filhos de famílias afluentes, mesmo no século XX. As famílias das garotas certamente iriam demandar explicações.

— E ninguém nunca conseguiu encontrar registros dessas garotas nos anos após o fim do dormitório?

Pujit chacoalhou a cabeça.

— Todos os nomes são muito genéricos. Elizabeth, Mary, Emily, Sophia... Os sobrenomes também. Brancos, você sabe. Para todos os efeitos, elas estudaram na escola e voltaram para suas casas quando o dormitório foi fechado.

Aquilo era definitivamente curioso.

— Eu imagino que alguns pupilos devam atravessar a cerca vez ou outra, correto?

— Certo de novo, filhotinho! — Pujit exclamou, e eu ri com a empolgação dele. — Eu já passei por lá algumas vezes. Uma delas com o Matt, aliás. Mas de dia. Os garotos que foram durante a noite disseram que ouviram e viram umas coisas, mas eu sei que eles devem ter inventado.

Concordei com a cabeça. Me levantei e olhei pela janela. Não chovia mais, e a lua estava alta e brilhante no céu. Voltei a me sentar na cama, próximo ao Pujit, e perguntei:

— Eu posso te fazer uma pergunta? — Arrisquei, observando a expressão facial dele por alguns segundos. — Não é sobre o dormitório abandonado.

Pujit suspirou.

— É sobre o Matt né, eu sei. Pergunte.

— Eu não quero te deixar desconfortável.

— Tarde demais, filhotinho. Fale.

Concordei com a cabeça, arrependido por estar importunando o garoto.

— Você e o Matt eram amigos, certo? — Pujit não me respondeu por alguns segundos, então eu continuei: — Você já falou sobre ele algumas vezes e...

— Isso foi uma pergunta? — O garoto perguntou, um pouco irritado. — Me parece mais uma acusação.

— Me desculpe, Pujit. — Falei de maneira sincera. — Eu não vou mais tocar nesse assunto, eu prometo.

Pujit me olhou seriamente por alguns segundos, mas daí ele abriu um sorriso fraco.

— Tá tudo bem. Só pare de ficar perdendo moedas por aí.

O garoto se levantou da cama e encostou a mão atrás da minha orelha, retirando outra moeda de lá. Essa tinha uma coloração dourada. Pujit depositou o objeto na minha mão e me deu dois tapinhas no ombro, seguindo para a sua própria cama.

Sorri fracamente. Pujit era um bom sujeito.

xxx

Subi as escadas com o meu novo uniforme em mãos e o guardei na cômoda. Bendito mister Bloodworth! Vesti uma camiseta regata e uma bermuda azuis e um tênis branco. Chequei o relógio na parede e notei que eu estava prestes a me atrasar para a seleção do time de basquete. O papel do clube de literatura asiática continuava no mural ao lado da sala de Literatura, mas ninguém tinha se inscrito ainda.

Caminhei a passos rápidos pelos corredores e comecei a correr quando saí do castelo. O ginásio ficava um pouco longe, mas eu chegaria a tempo. Atravessei o campo verde através da chuva, sem tempo para me preocupar se iria me molhar. Entrei no ginásio discretamente, tentando não chamar a atenção, mas dois garotos perceberam a minha chegada mesmo assim.

O ginásio de esportes era a única área que eu havia visitado em toda a escola e que não parecia ter saído diretamente da era vitoriana. Tudo ali era mais iluminado e contemporâneo, embora os detalhes da construção estivessem em preto. No piso havia a inscrição “CERBERUS”, logo abaixo do desenho do mascote da academia, um cachorro raivoso de três cabeças, saído diretamente da mitologia grega.

— Mais pontual impossível, filhotinho.

Olhei para o relógio do ginásio e ele marcava exatamente 17:00.

Quem havia falado aquilo era o mister Strong, o professor de educação física. Eu havia tido exatamente uma aula com ele antes daquela seleção, mas ele parecia um sujeito fácil de lidar. Ao meu ver, pelo menos. Mister Strong era alto e musculoso, com olhos castanhos claros e um cabelo cortado de forma militar. Ele usava um par de dog tags em seu pescoço, então eu imaginava que ele devia ser um soldado.

Me aproximei do grupo reunido no centro da quadra, notando alguns rostos que eu já havia visto antes. Um deles em especial era o vice-presidente do corpo estudantil, Teague Cox. Eu havia o visto pela primeira durante a reunião realizada pelo Headmaster uns dias antes, e então de novo quando ele veio até uma aula em que eu estava para avisar aos garotos sobre os testes para o time. Teague não era muito alto, tinha um corpo magro e a pele negra. Ele era um dos raros Wolves da academia.

— Bom, antes de tudo, vamos às apresentações. — O professor falou, apertando o ombro de Teague ao seu lado. — Eu acredito que quase todos vocês já se conheçam, mas nós temos um filhotinho entre nós, então...

O professor estava se referindo a mim. Freshmen não eram permitidos no time, o que significava que todos os que estavam ali estudavam na academia ao menos desde o ano anterior. Não era comum que alunos fossem transferidos no meio do high school.

— Teague Cox. Capitão. — O vice-presidente falou de maneira sucinta.

O presidente e o vice-presidente do corpo estudantil eram escolhidos através de uma eleição direta entre todos os estudantes, em aqueles com as maiores notas gerais se candidatavam. Apenas Wolves que fossem seniors (ou seja, que estivessem no quarto e último ano do high school) eram permitidos a se candidatarem. Teague devia ser absurdamente inteligente, se era capaz de ser tanto vice-presidente do corpo estudantil quanto capitão dos Cerberus.

— Samuel. Vice-capitão, enquanto o Knox está de molho. — Um garoto ao lado de Teague falou, olhando especificamente para mim.

Os outros garotos riram. Eu não fazia ideia de quem era Knox.

Fiquei imediatamente envergonhado, mas o tal Samuel sorriu e acenou a cabeça de maneira simpática. Ele era bem mais alto do que Teague, e mais alto que o mister Strong também. O garoto tinha um corpo musculoso, pele escura e um enorme sorriso de dentes brancos. Samuel tinha o desenho de uma raposa dourada costurada em sua camiseta, sinal de que era um Fox.

— Essa é só uma seleção, então o restante do time você vai conhecer durante o nosso primeiro treino, filhotinho. — O professor falou diretamente para mim.

Acenei com a cabeça de maneira firme.

A seleção durou cerca de uma hora. Eu havia jogado basquete somente esporadicamente durante a minha vida, já que aquele não era um esporte muito comum nas escolas japonesas. Apesar disso, eu acreditava que meu desempenho tivesse sido razoável. Especialmente comparado aos outros garotos que estavam ali.

mister Strong pediu que nós sentássemos na arquibancada enquanto ele deliberava com Teague. Eu estava completamente suado, esfregando meu cabelo molhado enquanto olhava para o chão.

— Você já está dentro, nem precisa se preocupar. — Eu ouvi uma voz dizer.

Olhei para cima e notei a presença de Samuel. O garoto se sentou ao meu lado, olhando para a quadra. Aquela fala dele me pegou de surpresa.

— Eu sei como é ser um puppy. Eu também cheguei na St. Dominic durante o meu segundo ano, quando todos os outros sophomores já se conheciam.

— Você é um senior?

— Junior, terceiro ano. — Samuel respondeu. — Eu cheguei na academia há exatamente um ano. E deixa eu te falar: eu não tive essa iniciativa toda quando cheguei por aqui não. Foi o Teague quem me viu jogando sozinho aqui na quadra e me pediu pra tentar entrar pro time.

— E você já se tornou vice-capitão nesse tempo. Você deve ser bom.

Samuel deu com os ombros.

— Eu só sou vice-capitão enquanto o Knox espera o braço dele consertar. Mas chega de falar sobre mim. Como está sendo a sua primeira semana... — E então ele ficou em silêncio por alguns segundos. — Eu não sei o seu nome.

— River. — Eu respondi, estendendo o braço.

Samuel apertou a minha mão de maneira suave, o que me surpreendeu.

— Está sendo tranquila.

— Amigos...?

— O Pujit, por enquanto. — Respondi, incerto. — Embora eu acredito que eu traga mais dor de cabeça pra ele do que qualquer coisa.

Samuel negou com a cabeça, sorrindo.

— Nah, eu tenho certeza que não é o caso. — O garoto então voltou seu olhar na minha direção: — Eu vi sobre o clube de literatura asiática no mural. Eu pensei em me inscrever, mas eu acho que não conheço muita coisa.

O sorriso de Samuel vinha tão naturalmente que eu fiquei desconcertado por alguns segundos.

— Eu acredito que não vá vingar. Foi o professor Takami quem sugeriu, mas eu acho que só eu e ele estamos interessados.

Samuel concordou com a cabeça, prestando atenção.

— Eu tenho exatamente uma janela na minha grade, se você prometer não tirar sarro da minha ignorância quanto à literatura da Ásia.

Eu sorri.

— Eu prometo.

Ao fundo nós ouvimos o apito do professor Strong. Ele chamou todos os garotos para o centro da quadra e anunciou suas escolhas sem cerimônia. Como Samuel tinha previsto, eu havia sido selecionado. O garoto se aproximou de mim e abriu outro sorriso.

— Bem-vindo aos Cerberus, River.

Assenti com a cabeça, devolvendo seu sorriso com timidez.

xxx

Por ser um puppy, eu acabei gastando a meia hora seguinte conversando com o mister Strong sobre os horários de treino dos Cerberus. Quando ele me liberou, todos os outros garotos já tinham tomado banho, trocado de roupa e saído do ginásio. Fui até os armários e peguei uma muda de roupa limpa de lá. Eu só ouvia os sons dos meus passos naquele banheiro vazio.

Tirei minha roupa suada e a coloquei em cima do banco de madeira, caminhando até os chuveiros. Deixei a água morna cair no meu corpo por alguns segundos, encostando a mão na parede.

E então eu ouvi passos.

Olhei para trás e vi o garoto nu se aproximando. Binky. Ele acenou com a cabeça e ligou um dos chuveiros distantes de mim.

Tentei não prestar atenção, procurando tomar o meu banho o mais rápido possível. Não consegui. Me virei para trás quase que por instinto, e o meu olhar se cruzou com o de Binky. Desviei rapidamente, mas quando voltei a olhá-lo, o garoto ainda estava olhando para mim. Minha respiração subitamente se tornou pesada.

Binky se aproximou com passos leves. Eu olhei para baixo, observando seus pés descalços caminhando pelo chão molhado. Quando olhei para cima, ele já estava diante de mim. O som do chuveiro se misturava às batidas do meu coração.

Binky esticou os braços e segurou minha cintura com as duas mãos. Tremi. O garoto aproximou lentamente seu rosto do meu. Segurei sua nuca e depositei um beijo solitário em seus lábios. Quando me afastei, Binky me olhava com um sorriso diabólico no rosto. Ele negou com a cabeça e então puxou meu corpo para perto do seu com um único movimento, seus lábios encostando-se aos meus com urgência. A água do chuveiro que caía em nossos corpos abraçados abafava qualquer som que estivéssemos fazendo.

Binky era quente e firme, não havia qualquer hesitação em seus movimentos. Deixei que ele conduzisse suas mãos pelo meu corpo enquanto eu acariciava seus cabelos molhados, sentindo-me confortável pela primeira vez em muito, muito tempo.

Quando nos afastamos, o garoto me olhou fixamente por vários segundos. Ele aproximou seu rosto do meu uma última vez e beijou a minha bochecha com a mesma firmeza de sempre.

— Nos vemos por aí, River. — O garoto falou.

Antes que eu pudesse processar o que havia acontecido, Binky já havia desaparecido do vestiário. 

 

 


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Notas finais do capítulo

;)



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