Sangue de Arthur II escrita por MT


Capítulo 9
9- Capítulo, Os dois reis


Notas iniciais do capítulo

É, chegamos até aqui meu amigo leitor. A jornada foi longa e dura, mas enfim alcançamos o graal dos mitos.
QUE NOS BANHEMOS NELE ATÉ NOSSA PELE ENRUGAR!



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Pendragon, Arthuria- Bons minutos antes do encontro entre sua outra versão e Gilgamesh

A pesada porta negra abriu-se e a luz feriu seus olhos. Uma fraca luz de lâmpada, depois de apenas uma hora e meia.

Mas ainda é capaz de machucar.

Pôs a espada a frente do corpo e vagarosamente aproximou-se da saída. Ao atravessar o batente viu a mesma sala de paredes prateadas e despida de móveis que dá última vez. Exceto pelo sangue, sangue manchando os azulejos e maculando o teto.

E uma mulher vestida de aço negro estava ali, no centro do comodo, emanando uma espessa aura preta com vislumbres de carmim. Tinha o porte pequeno apesar de carregar no corpo uma armadura de aspecto pesado. A cavaleira a olhou com cuidado. Do visor que usava no lugar de um elmo a espada escura com entalhes em vermelho. Tinha o mesmo tamanho e comprimento que a excalibur.

Sob toda parafernalha era uma pessoa branca, com cabelos de um tom mais apagado de loiro que o da cavaleira.

Arthuria sentiu um zumbido alcançar-lhe os ouvidos e fazer tremer seu corpo. As mãos quase deixaram a adaga que matara Shirou cair e os olhos por pouco não deixaram a figura sombria. Mas ela mordeu o canto inferior esquerdo do lábio, forçou sua mente a pensar no sorriso da filha que precisava proteger, e fincou-se forte.

— Quem é você? - perguntou pondo um pé à frente do outro, de novo e de novo, rumo à mulher. - Responda!

Ela sorriu e as trevas recuaram para dentro da taça dourada. Assim também fez o sangue que sujava o cômodo.

— ´´Isso deveria ficar óbvio com um único olhar``. E então você me olha outra vez, sem entender o que isso significa. Eu digo algo para conduzi-la a resposta e a dança se repete. - repondeu em tom casual. - Mas não hoje. 

O visor rachou e despedaçou-se caindo como neve sobre o peitoral da armadura negra.

E ficou óbvio após um único olhar. Mas era impossível. 

A respiração da cavaleira se perdeu no ar assim como as palavras que não acharam o caminho para fora da sua garganta. 

— É a verdade e é bom que se lembre disso. - a voz tornou-se dura, quase como uma brisa gélida de inverno. - Você estragou tudo, sua vadiazinha imprestável. Deveria tê-la mandado para os confins da terra para lutar como messias de algum povo miserável. Por que não o protegeu? Onde estava o rei Arthur quando o homem que lhe era mais importante foi morto? É sua espada a única com algum peso em toda sua lenda?

Aquilo a machucou. Nenhum golpe da espada que a outra ´´ela`` trazia parecia ter capacidade de produzir uma dor pior. Porque sentia merecer e concordava com cada questão, cada palavra de ódio e fúria escondidos naquele tom frio.

Quis chorar e implorar de quatro para a mulher de negro diante de si. ´´Traga-o de volta, por favor! Por favor! Por favor``. 

— Não tenho qualquer intenção de ajudar um fracasso como você. Não outra vez. -ela disse olhando-a com desdém e então deu-lhe as costas. - Despeça-se da garota se quiser, abrace-a uma última vez e morra. Ou…

Arthuria ouviu aquilo, alto e claro. O som do maligno e cheio de desprezo mal. Um ´´ou`` que traria a luz a salvação que jamais seria capaz de alcançar. Apenas outra fonte de agonia.

Mas, se tudo pendia ao fim, ela preferia que ao menos houvesse uma luz, ainda que venenosa, para perseguir. Um final feliz onde tudo podia dar certo se superasse o impossível.

Abriu a boca.

— Ou? - já não tremia mais, já não sentia mais medo. 

Pois estava às portas do inferno a espera de conquistá-lo com aço frio.

— Ou me mate e pegue ambos. - disse e mostrou a taça que carregava na mão esquerda. 

Arthuria pôs a espada a frente do corpo, respirou fundo e observou a pele da cabeça que a outra ´´ela`` mantinha exposta. Um golpe e terá acabado. Só precisava avançar, nem mesmo o outro lado do rei Arthur poderia reagir a tempo.

Uma morte pela sua família inteira outra vez. 

— Você é estúpida, será que não entende sequer a si mesma? - a outra respondeu ao som do silêncio. - Não é mais altruísta, é hoje tão egoísta quanto qualquer pessoa. Seu desejo é ter sua própria felicidade. Sequer sabe o que Shirou era todo esse tempo. Simplesmente morra como o lixo que é.

´´O que o Shirou era`` fez a forma da lámina tremular até quase sumir. Não conseguia pensar naquilo e ficar sem sentir uma pontada profunda acertando seu coração a cada batida. 

Ele disse algo num sentido parecido, Sasaki Kojiro, pegou-se pensando nas palavras que usou. ´´Diga, Saber, o que bonecos fazem quando ganham uma mente e algemas? ``. 

A ideia fez com que um frio subisse-lhe pelo corpo, do dedão a ponta da nuca. Imaginar que o homem com quem dividiu aqueles dez anos não passava de um… Ela sequer sabia o quê. 

Então outro pensamento. Que fez seu corpo empalidecer e os dedos afrouxarem quase o suficiente para soltar o cabo da arma.

— E o que isso importa? - falou sua outra ´´eu`` já com os pés nos degraus e subindo. - Eli saiu do seu corpo, Shirou a plantou lá e juntos foram felizes, o que importa essa sua questão? Ela fará sua decisão de amá-los mudar? Se sim deveria morrer aqui e agora, como eu já disse. Porque não haverá mais nada para você.

Os passos sumiram e o único som restante foi o da cavaleira caída sobre os joelhos, ponderando enquanto lágrimas caíam no chão.

 

Pendragon, Mordred

Por um instante pareceu que o mundo seria desintegrado. Os sentidos perderam o valor e o cérebro entrou em pane. Carmim e negro cobriram seus olhos, ouvidos, tato e paladar. Aquecendo ao ponto de parecer que os atómos separariam-se uns dos outros.

Mas não aconteceu e Mordred viu-se com a cara no chão negro e seco. Ainda sentia o peso de Eli acima de si. E agradeceu silenciosamente por isso.

— Tudo bem aí? - perguntou ainda com a bochecha beijando o solo. Sentia o corpo fraco e dormente, mas ainda podia senti-lo.

— Pensei que fosse morrer. - ela respondeu. - Vai descansar por muito tempo?

A cavaleira suprimiu um xingamento a menina que vinha sendo carregada todo o caminho até ali. Ergueu-se silenciosa, com os músculos tremendo, e voltou a correr em direção ao centro da explosão.

O caminho mostrara-se ser um extenso negrume sem aclives ou sinais de outras cores que indicassem sobreviventes. Tudo num certo raio de ao menos uma dezena de quilómetros parecia ter sido reduzido a partículas negras.

Mordred sabia que aquilo era ruim. Sem um mestre, com o anel mágico de absorção de mana declinando em produtividade e uma garotinha ao qual proteger, suas chances, pela segunda vez naquele dia, pareciam as piores. Na luta contra o Berserker dera a sorte do apoio de uma terceira facção, mas não poderia contar com aquilo de novo. O mais provável é que dessa vez ela os tivesse como inimigos extras com forte desejo por vingança. 

— Você vai morrer. - a garota resumiu sua série de pensamentos de mal agouro numa única sentença.

— Não importa e não vai acontecer.

— Seu mestre está doente não é? Se morrer, ele vai morrer também. - respondeu a menina cujos braços enrolavam-se no seu pescoço. - Uma donzela, disse Elisa. Ela também disse que os cavaleiros sempre salvam donzelas em perigo. Se for lutar agora, irá morrer por vento.

A cavaleira podia enxergar a sensatez nas palavras dela. Porém, como o cão raivoso do rei Arthur, não tinha princesas as quais livrar do perigo e da qual ganhar favores. Como cão raivoso, tudo que podia fazer é implantar o medo no coração dos inimigos do seu suserano e matar aqueles cuja coragem suplanta esse sentimento.

Não tinha algo como uma promessa de consorte no futuro, ou uma vida tranquila no campo ao se aposentar. Do início até seu último suspiro, morte e matança eram sua única imagem pendendo no longínquo horizonte chamado amanhã.

— Tudo que posso fazer é lutar. - disse enquanto suas passadas ecoavam sobre os restos negros do que antes haviam sido casas, estradas, pessoas.

— É, mas não precisa morrer agora. Pode esperar por um momento menos incerto. Reunir informações, traçar uma estratégia. Sabe, o básico.

Mordred negou com um balançar de cabeça. 

— Isso é para pessoas inteligentes e para covardes como… - ´´como Tatsuo Koji`` a voz perdeu-se antes de completar a frase.

Não queria que ele morresse, ainda mais sob a guarda dela e de modo tão insignificante. Uma morte vazia, quieta e desproposital como a de um inseto qualquer.

Se ao menos houvesse sido nobre, um estúpido e galante sacrifício por… mim. Talvez eu pudesse dar para trás agora, talvez não houvesse doido tanto aquela ilusão com meu pai e Eli, talvez eu não me achasse um cão assim tão raivoso. 

— Então vai simplesmente morrer. - o recipiente do graal disse como quem desiste de discutir. - Espero que o mestre do Caster tenha um bom desejo. Paz mundial talvez deixasse aquele padre feliz.

A cavaleira fez um gemido de desprezo.

— O maldito administrador dessa guerra pelo graal?

— Não, o papa.

Mordred continuou o trajeto em silêncio. ´´Paz mundial``, um desejo bem grande, ainda mais para alguém que passou um bom tempo em vida almejando a paz de um lugar tão menor. 

Teria considerado mais sobre aquilo e suas implicações, mas avistou algo que decididamente era o marco zero para as explosões recentes.

Um enorme buraco erguendo-se, notou quando chegou perto o bastante, numa circunferência perfeita. Grande o suficiente para devorar um castelo e soava ser fundo o suficiente para que ninguém jamais voltasse a avistar esse castelo. 

Duas pessoas viam-se em lados opostos daquele precipício. Ambas desceram as íris sobre os recém chegados com um ar de gélida curiosidade.

— Fique onde está, vira-lata! Ou melhor, ponha o rabo entre as pernas e corra para casa! - a voz retumbou como um relâmpago e Mordred a reconheceu com um estremecimento de fúria. - Se ela te matar aqui estará mais perto de alcançar seu objetivo! Então fuja antes que eu mesmo te mate por insolência! 

Do outro lado sob um vestido negro e cores mais pálidas, o rei Arthur pairava quieto com a aba do traje balançando ao vento. O rosto dela virou-se lentamente para a cavaleira. Um sorriso lento e leve brotando nos lábios.

Suas íris estavam douradas.

Mordred estremeceu de leve e invocou sua espada.

— O que está fazendo sua tola! Mandei fugir…! - antes que terminasse e mesmo antes que Clarent materializasse-s por completo, uma rajada negra engoliu o rei dos heróis.

Quando cessou, não havia nada.

— Mordred, sempre tive baixas expectativas e amor por você, mas visto o presente que me traz, talvez eu deva mudar a imagem sua que carrego. - disse enquanto se aproximava andando.

—  Ela vai te matar e me usar… para alguma coisa, não sei o que ela quer. - Cali apontou-lhe sem sequer dá tempo a cavaleira para ponderar. - Se lutar vai perder.

Não precisava que aquilo fosse parafraseado. Podia sentir a enorme e incomparável montanha de mana que vinha do pai. Comparando com sua própria reserva, não tinha nenhuma esperança.

Ela estava estranhamente bonita naqueles tons sombrios, mas ali não havia momento para apreciação.

Agachou-se para que a criança descesse e então levantou-se fazendo a armadura surgir sobre sua pele. Cobrindo-a de aço da cabeça aos pés.

Não  queria lutar contra o pai. Porque o amava apesar de tudo. E também porque não via a menor possibilidade de vitória. E precisava desesperadamente vencer.

— Não quero lutar com você, pai. - deixou claro na esperança de que ela compartilhasse de sentimento parecido.

— Então abaixe sua cabeça e me permita decapitá-la. Prometo fazê-lo num único e rápido golpe.

E ela avançou fazendo a lâmina cair sobre Mordred com violência o bastante para atirá-la a dois metros de onde estava mesmo sob o bloqueio de Clarent. Os pés mantiveram-na erguida, mas sua respiração tornara-se precocemente ofegante.

— Parece fraca, filha. Talvez aquela criatura medíocre tenha falecido, é isso?

— O que houve com você? - respondeu sentindo-se mais confusa do que irritada. - Por que está fazendo isso, pai?!

Arthuria voltou a atacar. Por cima, por baixo, estocadas e golpes laterais. Mordred aparou, esquivou e enviou o próprio aço em resposta. Mas acabou criando uma abertura que o inimigo aproveitou para investir com excalibur ao seu rosto. 

Mordred lançou a cabeça para esquerda fugindo do pior do ataque. Um corte emergiu em sua bochecha sob o capacete e a cavaleira respondeu acertando a bota na lateral do estômago do pai. Após o golpe recuou. Precisava arranjar espaço para descansar ou seria massacrada pela exaustão.

— Você me odeia, pai? - tinha de saber ao menos isso.

Que se fodessem todos os seus motivos. Precisava daquelas palavras, daquele ´´não`` ou mesmo do ´´sim``. Só isso e poderia seguir com amor ou raiva de uma vez por todas.

— E o que isso importa? A resposta também já não é óbvia?

As espadas voltaram a dançar sob estocadas e aparadas. Crepitar de aço e subir de fagulhas. A cavaleira perdia terreno e era encurralado pela esquerda e direita como se o inimigo pudesse ocupar mais de um lugar no espaço. 

Uma esgrima enxuta, elegante e selvagem ao mesmo tempo, performava-se a frente de Mordred. Era a estranha mistura entre o rei Arthur e o cavaleiro da rebelião. Algo belo e brutal. 

E maravilhoso de se observar.

Golpes com a perfeita forma da esgrima e a força desumana de uma fera selvagem. Esquivas e contra-ataques tão naturais quanto a respiração. Passos maestrais que punham-na nos melhores ângulos.

Contra tamanha obra de arte mesmo Mordred não pôde fazer mais que segurar-se o melhor que podia a vida.

E nem isso a impediu de começar a sentir os dentes da espada inimiga morderem sua pele abaixo da armadura.

Braços, coxas, barriga, todos tiveram sua dose.

— Pronta para juntar-se ao seu amado? - perguntou o rei Arthur despedaçando o elmo da cavaleira com uma estocada e fazendo-a cair rolando alguns metros de onde estivera.

Mordred ofegava, desesperadamente em busca de ar e mana. Sangue escorria da testa ao resto da face cegando-a do olho esquerdo. As pernas tremiam e recusavam-se a levantar, os braços também mantinham-se rebeldes aos comandos do cérebro.

— Que o trono dos heróis a receba de braços abertos. - o rei Arthur proclamou erguendo excalibur sobre a cabeça e fazendo mana acumular-se.

Era o fim para o cavaleiro da rebelião. Ela podia vê-lo ao encarar a face fria e gélida que enviara-na para a morte muitos séculos antes. 

Pelo menos dessa vez não agonizarei com uma lança enterrada na minha barriga.

Fechou os olhos. Desistiu. Aceitou a morte.

Ouviu o som  da voz do pai gritando a distância, então a do pai, um pouco mais fria, falando de perto.

Escutou a explosão da massa de mana que o rei Arthur reunia. E outra a encontrou. Sentiu o impacto arrastá-la quase um metro da onde havia deitado para receber seu fim.

Mordred não morreu e senitu um toque na bochecha. Um dedo pequeno a cutucando. Então parou e uma mão envolveu seu pulso por alguns instantes.

— Tá morta?

Em algum canto de si a cavaleira arranjou forças para responder.

— Não. - disse a Cali, o recipiente do graal.

— Entendo. - ela respondeu. - Vai ficar descansando até quando?

Essa pequena bastarda.

Abriu os olhos para ver a pele albina da garota que a fitava. Estava suja de poeira e alguns cortes enfeitavam-lhe o rosto e os braços.

— Não tô descansando, merda. Eu só… - só tô esperando meu pai me matar, mas não conseguiu dizer aquilo.

— Então acho melhor sairmos daqui, quando a mulher de preto matar a de azul você será a próxima a morrer.

De azul?

— Mas que merda de azul? 

Mordred se esforçou para erguer o tronco com os braços, lutando contra o cansaço e a dor. Mas o que viu a fez esquecer de ambos.

Sob o ar quente e pesado, com espadas que reluziam a mana e rostos idênticos, o rei Arthur combatia uma versão sombria de si mesmo.

Cada golpe explodia no ar e ambos os combatentes recuavam para não serem pegos naquilo. Dando um teor movimentado e explosivo a dança de aço que proporcionava um show de luzes negras, carmesins e douradas.

Mordred assistia de boca aberta enquanto seu pai lutava contra si mesmo.

— Vamos. -  a garota albina a despertou do seu  coma de admiração.

— Para onde? - perguntou ainda meio dopada pelo espetáculo.

— Para onde você quiser ir.

— Como se houvesse uma merda de… - parou, subitamente consciente de que havia tal lugar.

O edifício onde por fim ele dera seu último suspiro, na companhia de Emiya Shirou e do pai da cavaleira. Ou assim ela imaginava. O rei Arthur parecia ter lutado contra o cara dourado antes de encontrar Mordred e a versão mais corada de si. Uma boa e longa luta, apesar de não carregar sinais de ferimentos, soava como seu passado mais recente.

Talvez não houvesse havido ninguém para segurar a mão do garoto nos momentos finais e dizer que tudo ia ficar bem. Ele muito bem poderia ter morrido como passou um bom pedaço da vida. Sozinho e assustado.

Aquilo fez o coração da cavaleira parecer murchar dentro do peito.

— Certo. - Mordred disse e usando de toda sua força de vontade pôs-se de pé, agachada para que a menina Einzbern subisse nas costas dela. - Vamos…

Cali foi arrancada do chão e levada embora por uma enorme águia em um piscar de olhos.

Os nervos de Mordred alarmaram-se e o sangue correu o mais rápido que podia por suas veias.

Ergueu-se num salto, materializou a espada e pulou para tentar alcançar a ave. Atingiu os três metros de altura. Mas não tinha força o suficiente para os dez onde o pássaro pairava e acabou caindo com uma das mãos ainda tentando alcançá-los. Seu queixo atingiu o chão com força e ela viu-se de volta deitada sobre o negrume.

Por algum motivo lembrou de Tatsuo Koji, de Eli e do pai. Dos seus rostos e de como os vira pela última vez. A morte do garoto vindo, o desgosto e desespero da irmã e do rei Arthur. Pensou na garotinha que acabara de ser raptada e em como falhara com ela.

E sentiu a garganta inchar, os olhos umedecerem e o peito contrair.

Mordred ergueu o punho e o soltou sobre a terra queimada, acertando-a com a raiva que lhe remoia como se fosse uma dezena de larvas abaixo da pele. 

— Mas que droga!!! - gritou enquanto atingia o chão de novo e de novo. E de novo até o punho sangrar e a força furiosa abandoná-la.

Ouviu-se soluçar sob o som das explosões. 

Estava chorando outra vez, percebeu quando sentiu um gota úmida e quente deslizar por sua bochecha junto ao sangue. Aquilo a enfureceu e a fez derramar mais lágrimas. Ela começou a levantar e após uns segundos estava de pé.

As pernas tremiam e o corpo parecia prestes a ceder numa chuva de esferas douradas.

Mas algo dentro dela já havia decidido seu curso de ação e então estava correndo. Passando por cada pedaço de terra preta que impunha-se no seu caminho e ignorando o confronto furioso que decorria atrás de si.

Precisava ir até o garoto, olhá-lo uma última vez e… enterrar o seu corpo. Terminar de vez qualquer pensamento em relação a ele e poder finalmente se entregar a sua última batalha e morte.

Chegou diante a enorme silhueta de concreto após uma quantidade de tempo que não poderia calcular. Meia hora? Duas? Uma ida e volta ao infinito? O prédio mantivera-se numa área intocada pela explosão que varrera centenas de casas e vidas. Isso era certo.

A cavaleira atrevessou mancando a porta principal e se dirigiu ao elevador. Antes de entrar no equipamento de transporte não deixara de notar a imensidão vazia que tornara-se o saguão e enquanto sumia dentro da caixa metálica se questionava se poderiam ter ido embora por outro motivo que não a recente chacina feita por espadas mágicas. 

Se aquilo e a morte de Tatsuo Koji não tinham, em verdade, sido obra do Caster.

Espero que sim, espero que tenha me dado esse último gole de ódio para alimentar minhas forças. 

O elevador abriu as portas e Mordred avançou pelo corredor checando, com relance rápido de olhar, se os quartos permaneciam preenchidos. Sentindo dedos frios roçarem-lhe a espinha ela constatou que não.

Seus passos tornaram-se mais rápidos e sua respiração mais aflita. Números sobre as portas passavam tão breves pela mente da cavaleira que logo o cérebro os esquecia por completo. Menos um.

Quarto 24, ala C.

A porta fechada era um universo de promessas, nenhuma delas melhor do que a dura verdade da morte. Estando ali ou não, uma coisa mantinha-se certa.

Tatsuo Koji já não andava entre os vivos.

Com o coração batendo violentamente no peito e o zumbido do sangue fazendo-se ouvir a mão dela tocou a maçaneta, girou-a e abriu a porta.

E num piscar de olhos viu-se recuando para trás quando uma pequena lâmina voo contra seu pescoço. O aço a fez suar com seu susto, quem o segurava a fez ficar sem palavras.

Tinha perdido muito peso e a cor da pele tornara-se ainda mais pálida. Os olhos haviam ganhado protuberantes olheiras negras e o cabelo ficara ralo quase ao ponto de calvície.

Mordred piscou meia dezena de vezes num único segundo.

O garoto que sabia ter morrido estava de pé diante de si, segurando um bisturi sujo de sangue num quarto onde ao fundo três corpos pairavam inertes no chão.

Era maravilhoso e perverso ao mesmo tempo.

Porque Tatsuo Koji estava indubitavelmente morto, não importava quanto a cavaleira desejasse que não.


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Notas finais do capítulo

Pelos deuses...! Que final! Que cenas! Que drama! Aplausos, senhores, pois esta obra merece!

Obrigado por ler e se quiser a terceira temporada me deixe saber nos comentários! Tchau!



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