It's a Match! escrita por mandy


Capítulo 20
Concepções de verdade


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Aquela história, né: quem é vivo sempre aparece! Então tô aqui depois de tempo mais lutando com o papel branco e sem conseguir muito sucesso e trago pra vocês, isso mesmo, o último capítulo de It's a Match! A boa notícia é que vocês não vão mais precisar esperar eu atualizar porque último capítulo, er ... A outra boa notícia é que ele é um BAITA CAPÍTULO! Então eu espero mesmo, mesmo, que se gostem do desfecho!



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Nos meus ouvidos ecoava um zumbido audível, tão agudo que me dava pontadas nas cabeças. Quando o refeitório havia se transformado num campo de batalha? Ao meu lado, eu observava Sirius e James com abrindo e fechando ferozmente a boca, mas não conseguia ouvir o que falavam. Gesticulavam, mas eu não entendia. Alguns monitores estavam ao lado de Severus Snape, junto de Lily que também falava alguma coisa, mas no meu estado catatônico eu me mantinha parado, sentado no mesmo lugar, e aqueles malditos zumbidos não cessavam.

Fechei os olhos e tentei respirar, recapitulando os últimos minutos sentados ali. Nós estávamos no refeitório, um fato. Estávamos numa competição de talento, talvez encerrada naquele momento, mas algo me dizia que ainda faltava alguma coisa, algum desfecho… As notas. Não havíamos recebido as notas ainda.

E não havíamos porque Severus Snape fizera algo muito errado.

Mais uma vez tentei respirar, mas me sentia sufocado. Me lembrei da tela exposta do celular que me pertencia, aquele mesmo que eu tinha jogado no lixo há algumas noites atrás. Imaginei que Snape o encontrara, fazia sentido… A ligação atendida, o telefone desligado depois. Encontrava furos na minha teoria, como o meu celular protegido por senha e digital, mas Snape era o rei da tecnologia, como ele mesmo pintara, metido numa coroa imaginária no centro do refeitório enquanto ofendia os outros. Ofendia a mim.

Snape expusera os meus pecados. O colégio inteiro agora sabia que eu era um maldito mentiroso, um provável viadinho enrustido que enganava os outros. Mas não era aquilo que me preocupava.

Mesmo com os olhos fechados eu podia ver os de Regulus, há minutos atrás, me olhando como se eu fosse a pior criatura da face da terra. Eu não sabia se no meio de tanta decepção que explodira de seus olhos havia algo mais… Raiva, nojo, indigestão, quais sentimentos mais podem matar uma pessoa? Tinha um gosto tão amargo que eu nem tentava mais engolir  saliva quando a garganta começava a secar.

— Silêncio! — De repente uma voz ecoava.

E os sons ao redor voltavam a existir. Não vozes, mas apenas respirações tensas, exasperadas, junto aquele eco silencioso no salão. As cores que agora eu enxergava eram opacas, como se envoltas a círculos negros e toda vez que eu piscava eles pareciam se fechar um pouco mais. Era como se eu fosse desmaiar. Apertei os dedos sobre a mesa e me obriguei a olhar para Minerva McGonagall, parada no centro junto dos demais monitores, alunos da equipe da Sonserina e Lily.

— Quero que todos vocês sigam para os dormitórios, agora. A votação será finalizada pela manhã — esclareceu enquanto algumas pessoas se levantavam, a expressão tão dura na face que ninguém ousava abrir a boca para contestar — Peço aos senhores Flitwick e Slughorn que façam guardas até que todos estejam devidamente recolhidos. Quanto ao senhor Snape, a senhorita Sprout irá acompanhá-lo até a minha sala.

Devagar me levantei, apoiado na mesa a minha frente. Peter prontamente se colocou ao meu lado, como se eu pudesse cair a qualquer momento, mas eu começava a recobrar os sentidos do presente. Entendera a ordem, me dirigiria ao quarto e depois eu pensaria no depois. Antes que pudesse sair, no entanto, McGonagall se aproximava e o toque em meu ombro me deu a sensação de entrar numa cachoeira gelada, me trazendo um pouco mais para o plano das ações.

— Está tudo bem? O senhor precisa conversar?

— Não acho que ele precise disso agora, senhorita — ouvia Sirius intervir, sem arredar o pé de onde estava.

— O bem estar dos alunos é o meu dever, senhor Black.

— Sendo o Remus não o meu aluno, mas o meu melhor amigo, eu tenho certeza que podemos cuidar dele muito melhor agora. Não como um dever.

— Remus — era Lily quem se aproximava desta vez, o salão já quase todo vazio — Tá tudo okay? O que quer fazer agora?

Agora. Me focar no presente. O que eu queria fazer naquele momento? Sumir não era uma opção, não com todos eles em cima de mim, mas ainda tinha a minha cama e cobertores. Uma cabana de cobertores me parecia uma boa ideia.

— Eu só tô um pouco cansado… Acho que… preciso dormir um pouco — dizia, finalmente conseguindo respirar fundo uma vez. — McGonagall, amanhã pela manhã passo na sua sala. Disse que queria conversar, então…

Eu já sabia do que se tratava. Se ela tinha o meu histórico, provavelmente saberia do transtorno e agora era mais um olheiro preocupado com o meu estado mental. Ainda assim eu me senti na obrigação de lhe dar aquela satisfação. Era o certo, no final das contas.

A equipe da Grifinória inteira ainda estava lá. Me acompanharam para o lado de fora e eu não tinha coragem de erguer os olhos para nenhum deles, nem mesmo para os meus amigos, porque eu não podia permitir que ninguém enxergasse o quão oco eu me sentia por dentro. E tudo aquilo viria a tona uma hora ou outra, certo?! Não era uma surpresa, eu não podia estar tão abalado, era um grande exagero. Mas, no meio do caminho, eu acabava por desviar os olhos para Lily Evans.

Ela tinha o rosto muito vermelho, provavelmente por conta da discussão acalorada com Snape no meio do salão, a qual eu não pude prestar nem mínima atenção.

Sinto muito… — ela murmurou de forma quase inaudível e tão logo eu desviava os olhos uma vez mais.

No quarto, quando a porta se fechou, por alguns segundos o zumbido voltava aos meus ouvidos. Eu olhava ao redor sem ver de fato, identificando as camas dispostas ali, mas não me movendo por alguns segundos. Os olhos dos outros três sobre mim me faziam de novo aterrizar.

— Rems, como é que tá se sentindo? — James perguntava, cuidadoso.

Mas eu só queria que eles ficassem quietos, alguém tão irresponsável não precisava daqueles cuidados. Engoli em seco e encolhi os ombros, seguindo para a minha cama enfim e me sentando meio desajeitado.

— Quer saber? — Agora era Sirius quem falava — Foda-se o Regulus. Foda-se ele e toda a corja daquela equipe ridícula, mas foda-se principalmente ele e aquele escroto de cabelo fedorento. Existe uma infinidade de garotos que você pode conhecer e se relacionar, e eu sinto muito que você esteja apaixonado por aquele merdinha, mas você precisa mandá-lo a puta que pariu agora…

— Não, Sirius… — verbalizei com a voz mais baixa, mas ele prosseguia.

— Sim, Remus! É isso o que ele faz, diante do primeiro problema ele sai correndo como um covarde e eu tenho certeza de que se a minha mãe estivesse aqui agora ele estaria choramingando na saia dela…

— Para! Para de tentar remediar isso jogando a culpa em cima de outra pessoa! — Não era a minha intenção falar tão alto. Nem estar tão abruptamente de pé, nem gastar toda a minha energia contida com aquelas palavras — Isso não tem nada a ver com Regulus, não tem nada a ver com Snape, quem fez a merda colossal fui eu! O que você faria, hum? Me diz, sinceramente, o que você faria numa situação como essa?

— Tentaria entender!

— Mentira! Você viria pra cima de mim com socos e pontapés porque é isso o que você faz! E se o Regulus também o fizesse eu não me surpreenderia, afinal, foi essa a forma que vocês foram criados e eu bem que merecia!

— Remus… — novamente era a voz de James, cuidadosa.

Então eu percebia o rosto quente, os punhos cerrados e os passos mal dados para frente, na direção de Sirius. Percebia também que minhas palavras o haviam desestabilizado de alguma forma.

Não era a minha intenção, mas inconscientemente eu o havia comparado com o pai. Mas não era a minha intenção.

Muita coisa não era.

Balancei a cabeça numa negativa assim, sentindo uma vez mais o ar entalar na garganta. Ao menos eles haviam calado a boca.

— Eu preciso de um banho. E sim, eu tô bem, pelo amor de Deus não perguntem!

E fechar a porta do banheiro foi como abrir a de um abismo. Era escuro mesmo com a luz acesa, parecia à prova de todos os sons e ecos, menos os que começavam a latejar em minha cabeça. Me meti debaixo do chuveiro frio e passei tanto tempo ali, pulando e me sacudindo, que tive a impressão de estar com a pele roxa. Tremendo de frio eu não encontrei uma toalha, eu deveria ter carregado uma para lá, então a opção foi me vestir mesmo molhado nas roupas antigas, voltar para o quarto e só assim me secar adequadamente.

Meus amigos estavam em silêncio. Sirius não estava no quarto. Quis questionar para onde tinha ido, mas mordi a língua, me enrolando com cobertas e cobrindo o rosto para não enxergar nenhum deles. Eu sabia que devia desculpas a Sirius, mas eu não conseguia pensar em absolutamente nada no momento.

Como se o meu cérebro fosse permitir.

 

Tudo o que eu precisava fazer era me concentrar no momento presente. Certo? De olhos fechados eu tentei visualizar a mim mesmo no espaço vazio da minha cabeça que tão subitamente se expandia num cenário de muitas coisas. Um quarto, apertado demais, com os rostos grandes de Sirius, James e Peter me olhando, muito perto da minha cama já que a deles parecia colada a ela, o teto baixo que os fazia curvar sobre o meu corpo embalado pelas cobertas. Eu estava lá, em algum, mas antes de chegar a mim mesmo o cenário se expandia ainda mais, para o acampamento inteiro: a área central, as piscinas, o acampamento externo e uma falação incessante que vinha… de onde vinham todas as vozes?

Concentre-se, Remus Lupin.

Tentei retornar ao quarto, refazendo o caminho por entre águas, árvores, chão, mas acabava no refeitório e as vozes se tornavam ainda mais altas, ganhando rostos diversos, caras e bocas. O que pensaria a menina Abbott com os seus bastões depois da apresentação de Severus Snape? Claro ele também estava lá, junto aos rostos de Narcissa, Greengrass, Avery, outros rostos que eu não tinha um mínimo contato, como Lockhart metido num salto alto ou Diggory com expressões risonhas. Todos eles sabiam que eu era um mentiroso, a escola inteira sabia, mas porque eu deveria me importar? Fora de foco, busquei por Lily em meus pensamentos, mas assim como a mim mesmo, eu não conseguia encontrá-la.

E Regulus. Onde ele estava? Eu podia ver o rosto em desaprovação de Bartemius Crouch, mas Regulus não estava com ele. E de repente eu quis, mais do que tudo, encontrá-lo. Quis mais do que a mim mesmo.

Sentia-me fisicamente tenso, os músculos chegavam a doer. Lembrei-me, então, em minha busca desesperada, das dicas que recebera em minha primeira consulta com um psicólogo: exercícios físicos. Eu talvez pudesse me exercitar um pouco, relaxar o corpo, dormir quem sabe. Sirius voltava há poucos minutos, eu ouvira os passos para dentro do dormitório e depois disso o quarto se fechava num silêncio esmagador. Quando finalmente saía de baixo das cobertas, sem ar, já estava tudo escuro. Eu duvidava um pouco que os rapazes estivessem mesmo dormindo afinal ninguém dorme em menos de cinco minutos…

Ainda assim, decidido, me levantei. Calcei os sapatos, busquei por um maço de cigarros que não era meu e me dirigi à porta.

— Eu vou dar uma volta… — avisava, na certeza de que eles me ouviriam, me apressando para que não fosse interceptado.

Não aconteceu, de qualquer forma.

As luzes já estavam apagadas do lado de fora. Inconscientemente eu sabia que, se queria fumar, deveria fazê-lo em algum lugar escondido, então deixei que meus passos me guiassem e me levassem para trás das cabanas, mesmo lugar em que havia me encontrado com Regulus. Mas dessa vez eu estava sozinho, o que eu esperava? Acendi um cigarro e me encolhi embaixo da camiseta, sentindo o ar gelado contra a minha pele e, em seguida, olhei para o céu. Não tinha nave extraterrestre desta vez. A lua estava sozinha, não havia conjunção. Não havia Regulus.

Eu precisava fazer alguma coisa.

Respirei fundo e levei o cigarro à boca, sentindo o calor da chama queimar o lábio inferior. Só haviam cinzas ali e eu nem sentia o gosto da fumaça na boca. Fechei os olhos e contei até dez. Sem planos, sem argumentos, eu refiz o meu caminho sem de fato voltar ao meu quarto.

Bati uma, duas, três vezes à porta. Me preparava para bater uma vez mais quando Bartemius a abriu com cara amassada e tão logo a expressão preguiçosa se fechava numa carranca mal humorada.

— O que você quer? — Questionou, puxando parte da porta, com metade do corpo para dentro do quarto.

— Falar com o Regulus — respondi e, mesmo sendo consideravelmente mais alto, ficava na ponta dos pés para enxergar o interior da barraca, observando apenas um corpo coberto até a cabeça na cama mais alta.

— Regulus está dormindo, Lupin.

— Regulus não dorme cedo.

— São três e quarenta e cinco da manhã.

E aquilo não fazia o menor sentido. Não tinha nem uma hora desde que havíamos voltado do refeitório, depois de todo aquele desastre. Todas as barracas estavam apagadas, de fato, e os meus amigos talvez estivessem mesmo dormindo, mas era impossível ser quase quatro da manhã.

— Escuta, é melhor você ir para o seu quarto, sabe por que? — Voltava os olhos para Crouch uma vez mais ao ouvi-lo — Porque eu to louco pra meter a porrada nessa sua cara patética.

— Me deixa, por favor, falar com o Regulus… — pedia uma vez mais, tentando equilibrar minha respiração, mal sentindo as unhas cravadas nas palmas.

— Barty. — A voz desta vez vinha de dentro.

Pela fresta entreaberta eu podia ver Regulus metido num casaco comprido. Não tinha cara de sono, não parecia mesmo estar dormindo. Também não sorria ou tinha cara feia. Regulus caminhou até a porta, os braços cruzados sobre o peito e a expressão apática.

— Me dá um minuto… — e apesar de ter os olhos direcionados a mim, ele falava com o Crouch.

— Nem pensar…

— Barty, por favor…

A contragosto, o rapaz respirou fundo e fechou a porta, deixando Regulus do lado de fora, não antes de praticamente me fuzilar com os olhos.

Então éramos só nós dois. Individualmente, não juntos. Fechei as mãos, uma sobre a outra, estalando os dedos um a um, enquanto as palavras girarem em minha mente. Antes de dizer qualquer coisa, porém, Regulus se manifestou:

— O que você quer?

Eu queria ele. Queria que estivesse tudo bem, que estivéssemos sentados na parte detrás da cabana falando besteira, nos provocando, beijando. Mas essas palavras não saíram da minha boca, seria uma grande audácia até mesmo para um desesperado como eu.

— Eu quero me explicar. E… me desculpar.

— Não tem muito o que explicar, está tudo bem claro pra mim — ele cruzou com mais força os braços sobre o casaco, sem nunca desviar os olhos — Você mentiu. Mentiu e se aproveitou disso. Acha que eu tenho que te desculpar? Porque eu deveria?

— Eu… Não tive a intenção. Não quis me aproveitar, apenas aconteceu e eu não tive controle da situação.

— Hum… — ele forçou uma careta, como quem faz um esforço enorme para pensar — Fraco. Vai precisar melhorar os seus argumentos, então vou perguntar de novo: porque eu deveria te desculpar?

E porque deveria?

Eu estava errado desde o começo. Desde o momento em que julguei necessário escancarar a sexualidade de uma pessoa por conta dos meus ideais contrários. Regulus era um burguês de merda, não era essa a minha desculpa? Antes de ser um burguês de merda, ele era um garoto que deveria fazer as próprias escolhas. De quem queria gostar e se queria ou não dizer isso ao irmão mais velho. E depois disso, depois de conhecê-lo, não havia argumento algum que pudesse me fazer inocente. Eu não podia culpar a minha falta de ar do momento, não podia culpar os meus surtos esporádicos, não podia jogar a culpa em cima da minha carência despercebida, desculpa nenhuma justificava a minha atitude egoísta, como Lily havia mencionado.

— Eu não acho que deveria — e minha voz saiu tão baixa que eu não tinha certeza de que Regulus a havia compreendido a minha resposta.

Mas ele continuava parado a minha frente, as sobrancelhas arqueadas, a expressão incrédula. Mordi com alguma força o lábio inferior, me apegando ao quase nada que tinha diante de mim. Quase nada era melhor do que nada, no final das contas.

— Eu estive procurando por você — falei, tentando controlar uma vez mais o meu corpo inquieto, tentando não morder a bochecha enquanto falava, tentando relaxar as mãos para não machucar a palma com as unhas — Eu tive a impressão de ter andado por todos os lugares do acampamento e não encontrá-lo, isso me deixou um pouco perdido. E acho que, mesmo se eu tivesse andando por toda a Inglaterra ou dado a volta no globo, eu ainda me sentiria perdido porque eu não teria encontrado você em canto nenhum, mesmo você estando há alguns portas de distância da minha. O que eu quero dizer com tudo isso é que, sem o Tinder, sem a Luci, eu nunca teria te encontrado de verdade… Eu nunca teria te olhado, nem você olhado para mim, a gente está a um abismo de distância.

De forma anasalada, Regulus riu, balançando a cabeça numa negativa.

— Esta é a sua desculpa por ter mentido? Por ter se aproveitado dos meus pontos fracos para se aproximar de mim?

— Pelo contrário. Não foi por causa dos seus pontos fracos que eu me aproximei. E eu também tenho os meus…

— Quais? Porque eu não conheço você, Remus Lupin. — E então, respirou fundo uma vez, os olhos pesando sobre mim — Eu conheço um fake que mentiu sobre uma vida inteira enquanto eu falava dos meus problemas pessoais. Conheço um cara tão desesperado por atenção que se apegou às próprias mentiras e resolveu seguir com elas, tão miserável que quando nos aproximamos jogou a culpa em mim, como se essa aproximação não fosse um desejo seu, como se não tivesse feito de caso pensado. Você percebe o teor dramático de tudo isso? Poderia ter me contado, teve o dia no parque pra fazer isso ou mesmo no banheiro quando estávamos prestes a nos beijar, mas você preferiu esperar que um idiota nos expusesse para todo o colégio, então muito obrigado por me tirar do armário e continuar no seu pódio de hétero, o pica das galáxias, que faz fake de chacota, mas se enrosca com garotos atrás das árvores — e falou tudo tão rápido que até eu perdia o meu fôlego.

De repente eu sentia ainda mais o peso de tudo aquilo nas minhas costas e me apeguei a força que ainda tinha para não me curvar para baixo. Era só uma sensação, não precisava ser físico.

— Essa nunca foi a minha intenção — tentei consertar de alguma forma — Não mesmo. Eu estou pouco me fodendo para o que vão dizer de mim, se fico ou não com garotos. Eu não quero ficar com você atrás das árvores, Remus, eu quero ficar de verdade.

— Besteira…

— Não é, eu realmente gosto de você… — e, aquilo que deveria ser uma carga saindo do meu peito saiu com tanto pesar que eu mal conseguia olhar para ele. Porque sabia que, no fundo, independente das minhas declarações, eu tinha estragado tudo.

E Regulus só provou a minha teoria.

— E porque eu acreditaria nisso? Até agora você só mentiu pra mim, então me diz, Remus Lupin, eu te imploro, me diz uma única verdade sobre você que não seja uma merda superficial que qualquer idiota pode notar — disse isso por entre dentes, mas com tanta força que seu rosto ficara avermelhado.

E então eu sentia o ar mais denso em volta do meu corpo, fazendo pressão. Respirá-lo fazia doer o meu peito e parecia se solidificar no meu coração que batia tão forte que parecia querer rasgar o meu peito. E de repente eu estava enjoado, tonto, e só conseguia pensar na única verdade que me acometia naquele momento, a única verdade que eu não poderia lhe dizer.

Não culparia o transtorno. Não usaria dele como uma saída de emergência, não queria novas perguntas frequentes acerca do meu estado, não o queria comigo por… pena. Não tinha nada a ver com a bipolaridade. Ele não precisava saber, ninguém mais precisava.

E diante do meu silêncio, Regulus balançou a cabeça numa negativa. O vi levar a mão à maçaneta como se acontecesse em câmera lenta, abrindo a porta atrás de si.

— Vai dormir, Lupin, São quatro da manhã.

 

No final das contas, o Transtorno Afetivo Bipolar era tudo o que eu tinha. Uma verdade única e dolorida demais para se apegar. O resto… mentiras.

Caminhei a passos pesados, regressando para o meu novo esconderijo - o esconderijo dele que eu havia tomado para mim - com um cigarro preso entre os dedos enquanto o que existia de mais latente em meu corpo era o nó que me sufocava na garganta. Pouco a pouco observava o cenário se desfazer diante dos meus olhos, até que restasse apenas a vastidão do céu coberto de estrelas e eu.

Eu, enfim, havia me encontrado.

Me encontrado em fragmentos, completamente despedaçado enquanto tentava encontrar qualquer outra verdade em minha vida. Não me lembrava muito do tempo antes do colégio, mas desde o meu ingresso eu me havia esforçado tanto para pertencer, para ser um garoto descolado sem um puto no bolso que em algum momento me perdi. Era tão cansativo me esforçar para ser o mais inteligente, “não perca essa maldita bolsa, Remus Lupin”, e ao mesmo tempo me encaixar numa realidade que não me pertencia. Talvez eu precisasse mudar de escola.

Mas haviam os garotos. Os meus melhores amigos, aqueles que a proximidade tamanha vinha por conta da doença. O quase suicídio. Mirei a chama acesa do cigarro e precisei conter o impulso de aproximá-la da pele. Porque a dor tinha todo aquele poder de estreitar laços?

Odiei pensar que Sirius, James e Peter só estavam ao meu lado por pena. Odiei pensar que, no momento em que contasse a Regulus, ele também o faria por pena e odiei o contrário, que ele não se importasse o suficiente para ligar.

Me vi deitado no chão, pensando no tanto de coisas que odiava no momento só para chegar a conclusão de que eram todas culpa minha e odiar a imagem de mim mesmo formada na minha cabeça, aleijado, doente. Se eu odiava Severus Snape era porque eu havia sido burro demais e não notado que, quando joguei fora o celular, ele estava por perto e se eu fosse alguém íntegro nada teria a esconder. E odiava Crouch, mas somente por que ele tinha razão ao querer me socar. E à Lily por ter me sugerido contar a verdade tão tardiamente, porque não éramos suficientemente próximos para lhe contar minhas coisas, mas de quem era a culpa disso também?

Odiei meus pais, à senhora McGonagall, a todos os meus companheiros de colégio e cada faísca rancorosa se voltava duplamente para mim, me queimando a pele até que estivesse em carne viva.

A única pessoa que não pude odiar foi Regulus.

 

Ah, merda. Remus?

Aos poucos tomava consciência do meu corpo. Eu tremia tanto que os meus músculos doíam, principalmente a mandíbula, mas daí eu não sabia se era pelo bater de dentes ou ranger da noite toda.

Noite? Mesmo antes de abrir os olhos, eu percebia a claridade intensa ali.

— Sirius, vem aqui! — Ouvi novamente alguém próximo.

Tão logo eu senti duas mãos em meus braços, mas eu não tinha forças para me levantar. Respirar levava ao meu peito uma lufada de ar frio. Doía. Eu sentia um puta frio e quando dois pares de mãos me erguiam do chão, enfim, eu sentia a camiseta molhada em minhas costas, provavelmente por causa do sereno da madrugada. Depois de um tempo com os olhos apertado os abri para me deparar com os irmãos Black mais pálido do que eu mesmo deveria estar.

— Levanta, vem… — Sirius me forçava a ficar de pé enquanto.

Eu tinha passado a noite fora. Não conscientemente, eu só precisava tentar entender e me acalmar. E se durante a noite eu houvesse conseguido algum progresso, já não conseguia me lembrar. Não diante de Regulus.

— Ei, tudo bem? Vem, eu vou te levar para o quarto — meu amigo dizia e, automaticamente, eu concordava.

E o acompanhava, cego a quem estava no caminho. Devia ser bem cedo, porque além de dois ou três vultos irreconhecíveis, não tinha mais ninguém pelos terrenos do acampamento. Não dava para pensar, no momento, nas consequências de um caminho cheio de gente, mas eu não poderia me importar menos. Regulus tinha me visto no meu pior estado e aquilo era tudo o que eu não queria.

Sirius havia procurado por ele? O contrário? Não importava, não eram como se as coisas estivessem resolvidas entre os dois agora.

— Eu assumo daqui — Sirius me colocava para dentro do quarto, fechando a porta com o irmão do lado de fora. Logo suas mãos quentes tocavam o meu rosto — ‘Cê tá bem?

Entreabri os lábios, mas não pude verbalizar nada.

Pouco depois, Peter e James estavam no quarto, acompanhados também por Lily. Nenhum deles permitiu que eu seguisse para a minha cama e foi James quem me arrastou para o banheiro, já que eu não conseguia parar de tremer. Todo o constrangimento de ser despido pelo meu melhor amigo desapareceu quando entrei embaixo do chuveiro quente. Queimava, mas eu não conseguia imaginar algo melhor do que aquilo na hora.

Ou conseguia.

Ficar ali para sempre seria ainda melhor do que voltar a encarar todo mundo.

Apático, eu regressei ao quarto. Lily e Peter já não estavam mais lá e eu só consegui agradecer mentalmente por, depois de me trocar, poder sentar num lugar confortável como a cama e finalmente conseguir respirar, mas me limitei a fazer isso bem devagar. O corpo ainda doía um bocado e eu começava a sentir o nariz congestionado.

— Eu sei que você não quer conversar sobre isso — ouvia James agora, sentado ao meu lado — Mas você precisa, Rems.

Precisava.

Mas não queria.

Passei a manga da camisa pelo nariz e apenas concordei uma vez com a cabeça, mas guardei o silêncio.

Sirius caminhou alguns segundos pelo quarto e, depois de seguir até o armário e voltar, entregou para mim o meu celular. A tela apagada, quebrada por conta da queda. Não quis mexer. Apenas o coloquei embaixo do travesseiro e puxei para mim algumas cobertas.

Antes de me deitar, a porta.

Peter trazia consigo uma caneca fumegante, estendendo-a para mim.

— É um daqueles chás de mato, que acalmam a gente — me explicava — Se não ajudar a te sentir melhor, ao menos deve te esquentar.

Eu queria dizer que estava bem. Que eles não precisavam se preocupar. Ao invés disso, apenas tomei o chá, lentamente, sem conseguir encarar a nenhum deles. Era embaraçoso. 

— Eu… vou dormir um pouquinho. Tá? — Era difícil mesmo falar sem perder o fôlego — Depois a gente conversa melhor.

E eles eram perfeitos por não questionar. Por me deixarem apenas deitar e me cobrir até que não restasse nenhuma brecha para a luz do dia, e ficavam ali, mas tão quietos que inibiam até mesmo os ecos da minha cabeça. Ou eu só estivesse cansado demais, então dormi.

Não sei por quantas horas. Não sei quanto dos pesadelos eram vozes presentes no mundo real ou somente incremento de uma mente psicótica, que ouvia conversas sobre o desdobramento da noite no refeitório e imaginava dois garotos brigando com um terceiro, ou conversas sobre o estado mental e tão logo sentia as dores físicas de agulhas me perfurando o corpo enquanto gritava com uma equipe de médicos feios, mas a voz não saía. Os calafrios no corpo me faziam apertar ainda mais embaixo das cobertas, mas nunca passava e se respirar antes já era difícil, agora, era ainda pior com a garganta doendo.

Ao menos eu era bom em alguma coisa: autossabotagem.

Tempos depois eu senti lábios quentes em minha bochecha. Tentei ignorar como buscava fazer com cada sonho estranho do dia, mas mãos insistentes tocavam a minha testa, o que acabava por me assustar um pouco.

— Ele está um pouco febril… — ouvi dizer uma voz feminina.

Não era a Lily. Não era Mary, Marlene ou nenhuma outra garota do meu convívio e foi pensando nisso que me abri um dos olhos. Precisei esfregá-los para enxergar melhor porque, de todas as miragens e imagens implantadas por uma imaginação em colapso, aquela era a mais real e a mais estranha.

— Mãe?

E, em troca, eu recebia um sorriso terno.

Eu não sabia disso, mas era tudo o que eu precisava. Não me lembro de tamanho sentimento de segurança e ao mesmo tempo vulnerabilidade. E, enquanto a minha mãe me acariciava os cabelos, eu me senti derreter feito gelatina: o corpo amolecia nos braços dela, o nó na garganta se intensificava e bastou ser apertado com um pouco mais de força para desabar num choro copioso.

 

Minha mãe não precisou saber do que estava acontecendo. Enquanto os rapazes me ajudavam a fazer a mala, ela conversava com Minerva McGonagall em seu escritório, findando ali o meu programa de férias. Não havia uma discussão acerca daquilo, e em todo caso, não era também como se eu quisesse ficar. Não tinha condições para tal. E não era a obrigação dos meus amigos ficarem o tempo todo de olho em mim, como fizeram naquela tarde. Seria melhor pra todo mundo.

— Mas isso não tem nada a ver com você sendo um fardo, ou seja lá o que a sua cabeça tá imaginando — James se antecipava antes mesmo de eu dizer qualquer coisa — A gente chamou sua mãe porque ficamos um pouco assustados. E atados.

Porque nenhum deles tinha PhD em Psicologia. Sensato.

Enquanto terminávamos de dobrar as roupas, Lily se juntou a nós. Contou que a Corvinal tinha ganhado aquela disputa, não somente por conta do desfile de moda bem elaborado por Lockhart, mas por conta das artes individuais dos membros. Aparentemente era uma equipe bem criativa. Contou ainda que o acampamento tinha ganhado o dia livre, boa parte dos alunos estavam na piscina no momento.

Com alguma relutância, Lily também disse que Severus Snape estava suspenso. Ninguém sabia ao certo o que significava, se ele seria banido do acampamento ou só proibido de participar das tarefas em equipe - o que não era de fato uma punição àquela altura - mas a violação de privacidade era um ato criminoso e ele aparentemente tinha sorte porque não houvera denúncia formal.

— Mas você pode fazer isso, se quiser — ela disse com firmeza.

Não valia a pena.

A culpa continuaria sendo minha.

Ela depois falou que os monitores pareciam inquietos. Que tentavam agora encaixar Snape noutro quarto já que os membros que dividiam a cabana com ele - Regulus e Bartemius, por exemplo - não viam uma forma do convívio funcionar agora. Eu achava que Bartemius na verdade não se importava nem um pouco com a atitude de Snape, mas era leal a Regulus, claro que o apoiaria. Os monitores também tentava organizar algum tipo de palestra sobre diferentes orientações sexuais, e partindo dessa informação eu só conseguia pensar em duas coisas: a repercussão acerca da sexualidade de Regulus e da minha própria fora mais comentada do que o fato de Severus Snape ter burlado o sistema do meu celular e, se os pais daqueles burgueses tradicionalistas soubessem daquele tipo de palestra o acampamento estaria realmente encrencado.

Mas pensar naquilo tudo me faria surtar um pouco mais.

Sentados, alguns no chão do quarto e outros na cama, como eu mesmo, era como se tudo pudesse voltar a ficar bem logo, com antes. Como se depois de a febre passar e o resfriado que eu tinha adquirido naquela noite fosse embora, poderíamos curtir o acampamento como planejado. Me deixar levar por aquela sensação era completamente ilusório, porém. Ainda assim depois de um tempo, quando toda a equipe estava junta no meu quarto, incluindo agora Mary e Marlene, eu me deixei divagar por alguns minutos sobre o nosso convívio, desde aquele aglomerado de novas caras e amizades, até os laços mais fortes que eu tinha naquele quarto.

— Porque a gente é amigo?

Era uma pergunta infantil, eu tinha noção, mas eu só precisava me livrar daquela sensação de que a minha única verdade era o meu estado psicológico fodido. E depois de um tempo em silêncio, talvez processando aquela pergunta maluca, eles começaram a responder com alguma descontração.

— Por que eu to na mesma equipe que você, foi inevitável — Marlene foi a primeira a responder.

— Isso é meio indelicado, Lene — Mary a bronqueava.

— Eu tô sendo sincera, e basicamente você também só é amiga dele porque namora o Peter…

— E porque ele é legal.

— Mais do que legal. Remus é inteligente pra caralho — Lily prosseguiu, como se eu não estivesse ali.

— Eu não acho que exista um universo em que alguém se aproxime do Remus e não queira ser amigo dele… — era a vez de Peter e sua careta pensativa — Acho que uma pessoa que não goste do Rems não é confiável.

— Cara, a pergunta tá meio errada — James era o primeiro que se voltava, de fato, a mim — Tem que se perguntar porque você é amigo da gente? Você não precisa se esforçar para ser inteligente, mesmo quando insiste em fazer isso, e é sensato pra porra. Você tem tudo pra ser um grande arrogante, mas não é!

— E até quando eu brigo com você eu te amo e não consigo dissociar você, James e Peter da minha vida — Sirius concluía — Não tem marotos sem você, Remus. E nós quatro juntos somos fodidamente bons.

Respirei fundo uma vez, me apegando a familiaridade daquelas palavras. Já haviam me dito antes, não com todas as letras, às vezes até sem palavras, porque nossas verdades eram ações, gestos, cuidados que não eram limitados somente a mim. Não era a dor que fortalecia os nossos laços.

Éramos, de fato, fodidamente bons juntos.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? E esse é o "o que acharam" mais importantes de toda a fanfic, por favorzinho... Mas a outra boa notícia é que eu tenho um Epílogo pra vocês, é claro. E ele já tá programado pra vocês, na quinta, então eu me despeço bonitinho logo mais ♥ Obrigada mesmo mesmo por quem tá por aqui e, mais uma vez, até o próximo!



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