Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 5
Rugas de riso


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde e boa noite para quem chega ♥ como vão vocês?

O tempo aqui já correu mais alguns dias. Teremos a apresentação de uma personagem importante para o decorrer da história, então stay atentas. Boa leitura!



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A contagem regressiva para Cambridge ⎼ que, desde que viemos para Paris, tornara-se um hábito para manter a sanidade ⎼ ia de vento em popa. Alguns dias pareciam mais longos, quando não havia atividades programadas ou nenhum novo livro para ler; já outros eram mais curtos, quando Thomas fazia algo digno de ser seguido. Infelizmente, por um mês o tédio tomou conta de mim, Adele e, indiretamente, Elena. Dos dois meses iniciais, agora restavam 35 dias. Agora, além de Cambridge, andávamos na ponta dos pés por Belleville igualmente.

No 35.º dia em ordem decrescente, 28 de julho, tivemos a primeira ocorrência excêntrica desde o dia do jardim. 

Foi o dia em que Thomas trouxe uma garota consigo para o jantar de família. Diferente de todos nós ⎼ ressalvas para Maélie ⎼, clones de cabelos castanhos e ondulados, a garota que ele apresentou como Alice era loira e dona de cabelos escorridos que alcançavam a cintura. Seus olhos azuis cintilavam como o céu francês, e fizeram todos nós sentarmos boquiabertos. Não apenas porque ela era bonita, mas porque tinha… 

― Céus, de onde essa criatura surgiu? ― Evan franziu a testa, colocando em voz alta o que todos nós estávamos pensando. Disfarçadamente, chutei seu pé. ― Ei!

― Cala a boca, imbecil… quer iniciar uma guerra entre as casas?

― Guerra coisa nenhuma, só fiz um comentário!

― Um bem idiota ― Elena completou.

― Tente ser mais delicado, Evan ― Maélie assentiu com a cabeça, pousando a mão delicada sobre o punho do irmão. 

Evan deu de ombros, se recostando conosco na parede aguardando os dois e nossos pais terminarem a "conversinha". Após um longo suspiro, ele se arriscou em soltar um riso contido:

― Eu não julgo, mas já julgando: ele está biruta.

Tudo que se passava por minha cabeça, no entanto, era que aquilo até fazia algum sentido. Thomas havia parado de flertar com Adele porquanto que já havia encontrado alguém para fazer isso em seu lugar, permanentemente. Mesmo assim, eu havia perdido algo no meio do caminho. 

Não era que queríamos escutar atrás da porta, como aparentava ser costume. É que Thomas era o aberto e eu o reservado. Ter esses papéis trocados de uma hora para outra pegou a todos nós desprevenidos.

Repassei mentalmente todos os detalhes do jantar, tentando identificar algo fora do padrão. 



A longa mesa estendida pelo salão de jantar abrigava três famílias inteiras. Até o reencontro de tia Sienna com a minha mãe, contudo, a mesa de jantar de Belleville não passava de um balcão na cozinha. Tia Sienna e tio Émille não davam bailes e, quando os davam, todos eles se situavam na casa Moreau. Entretanto, quando tia Lilian casou-se com o tio Thierry e mudou-se para Montpellier, os bailes de ambas cessaram. 

Era uma bola de neve incessante: sem mulheres solteiras, não havia porque sediar grandes bailes. Sem grandes bailes, não havia porque ter um móvel que ocupava todo o centro do salão. Mamãe contradisse essa regra ao trazer cada vez mais bebês de Londres para Paris, como se não bastassem todos os que já atormentavam a pobre casa.

Não foi com dificuldade que nos acostumamos com a distribuição de lugares ao longo do tempo: tio Émille e tia Sienna sentados de frente um para o outro no meio da mesa, uma filha de companhia para cada um. Daí, tio Thierry, Lilian e Laurent. Em frente de si, Maélie, que sempre sobrava na contagem na falta de um filho a mais para o casal. Por último, vinham meu pai e minha mãe seguindo a ordem dos meus tios, os filhos organizados por ordem de nascimento.

Todos já se dispunham em seu local tradicional de imediato. Era de se esperar a confusão, portanto, com a nova figura. Como quem não queria nada, Alice fez tio Émille ter de providenciar duas cadeiras a mais, porquanto que agora ele e a tia Sienna precisavam ocupar as pontas para equilibrar a mesa. Igualmente, sobrou uma cadeira bem ao lado de Evan.

Provavelmente perdi metade da conversa inicial, apenas registrando tudo do ponto dos antecedentes:

― … ah, sim! Infelizmente sou a única mulher em minha classe, no entanto estamos colaborando com a ciência, que é um bem maior, então creio que tal competição se coloca de lado por um minuto ― Alice tagarelava num inglês arrastado, ganhando pontos com meu pai. 

Por outro lado, minha mãe apenas observava-a em silêncio. Para quem a conhecia, conseguia identificar suas engrenagens girando dentro da cabecinha curiosa.

― Onde disse que estudava mesmo, senhorita Bethencourt? ― indagou ela, despretensiosamente.

― Sorbonne, senhora. Faço Farmácia. É um novo ramo.

Mamãe assentiu com a cabeça, voltando a se concentrar em seu cozido. Já papai continuou bombardeando-a de perguntas. Imaginei que, por fazer anos que não frequentasse uma universidade, apreciava fazer relatórios recentes dos andamentos das atuais de tempos em tempos. Nenhum de nós seguira a carreira científica como ele, no entanto não era motivo para se orgulhar menos dos dois filhos que caminhavam para a carreira acadêmica perfeita.

De relance, olhei para Adele, no centro da mesa junto ao pai. Como de praxe, comia em silêncio, mas desta vez preferia não participar da conversa. Jamais tirava os olhos do prato e, quando o fazia, evitava os olhares de todos que ousassem tentar sustentá-lo. Incluindo o meu.

Engoli em seco, transitando o olhar entre ela e Thomas. Ele sorria, mas de maneira contida.

Não conseguia enxergar em seu rosto suas rugas de riso as que andavam chamando de "bigode chinês". E olhe que, quando estava muito feliz, elas eram visíveis há quilômetros.



Piscando para aliviar a vista, comecei a ligar os pontos.

Sorbonne.

Farmácia.

Loira.

Alice.

Aí estava o erro. Thomas estava procurando alguém exatamente como Adele em aspecto psicológico, mas não em sentido físico. A única coisa que Thomas não sabia era que fazia isso inconsequentemente.

Thomas jamais se dera ao trabalho de procurar saber que Adele almejava Sorbonne e a Enfermagem ⎼ convenhamos, dali até Farmácia eram dois pulos, afinal. Ele estava mirando num tipo específico de personalidade, mas sem um rosto adequado à qualquer moldura.

Quanto tempo levaria até Alice perceber que não era única aos olhos de meu irmão? E quanto tempo levaria até Thomas dar-se conta de não sabia o que procurava? Quantas garotas passariam por suas mãos, esperançosas, até que ele decidisse que não era bem isso?

A pior parte era saber disso, e ser obrigado a guardar para mim mesmo. Porque, além de não passarem de suposições, eram suposições de caráter duvidoso. Por isso, me limitei a uma respirada funda.

― Pensou em algo? ― Elena murmurou, para mim.

― Pensei. Mas para isso, preciso ver alguém primeiro.

Ela assentiu com a cabeça, sem tirar o olhar da sala de estar. Evan e Maélie, já cansados dessa atividade, se sentaram no beiral da janela e puseram a observar as gotas de chuva caindo pela janela. Quanto a mim, fui testar o quanto minhas pernas eram desconjuntadas ao tentar subir dois degraus de escada de uma vez.

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Gabrielle entendeu o recado sem que eu precisasse dá-lo. Com uma cara de pesar, negou com a cabeça e me liberou a passagem para o quarto. Antes de fazê-lo, entretanto, puxou a manga de minha camiseta e sussurrou:

― Veja se não a aborreça. Vou cuidar do traste do seu irmão o quanto antes. Ele vai ver o quanto eu posso bater nele.

― Não se preocupe, eu nunca falo nada ― achei graça, então segurei-a pelos ombros. ― Primeiro, cresça uns centímetros. No máximo, vai alcançar o joelho dele.

― Eu o mordo! Não é um problema.

Segurei a risada, negando com a cabeça.

― Pense na carreira de luta livre, Elle. Enquanto isso, vá tomar uma água. Não irei aborrecer sua irmã, não há motivo para pânico. Sim?

A contragosto, ela assentiu. Com uma atuação impecável, jogou os cabelos negros para trás, deixando o segundo andar com passos firmes. Ri sozinho, batendo na porta antes de entrar. 

― Me deixe sozinha, Elle ― escutei-a resmungar lá de dentro.

― Para ser a Elle acho que precisaria de um pouco mais de cabelo ― ri fraco.

Aguardei alguns segundos. Até lá, me contentei em agonizar escutando o nariz sendo assoado e, provavelmente, seu rosto sendo lavado para amenizar o estrago. Após um pigarro, ela caminhou até a porta e abriu-a com cuidado, apenas uma fresta. Esgueirei-me por ela, evitando o contato visual. Sentei-me na cama de Gabrielle, ao passo que Adele fechou a porta com cuidado redobrado.

Seus olhos, que costumavam brilhar de empolgação, agora encontravam-se anuviados como o céu do lado de fora. Com o pouco de ânimo que lhe sobrava, ela voltou a se deitar, dessa vez virada para mim.

― Por que veio até aqui, Alex? Veio tripudiar, prestar condolências ou dar-me a extrema-unção?

Mordi o lábio, me esparramando na cama adjacente.

― Vim ouvir. Ou ficar quieto. É o que faço.

Adele riu fraco, puxando o travesseiro para si. Em seguida, fungou, deixando mais algumas lágrimas rolarem no processo.

― Me perdoe, como posso ser grosseira contigo? Olhe só para mim, é patético… 

― Não foi ― sorri. ― Não se preocupe.

Ela suspirou, procurando palavras em que encontrasse formas de se expressar. Também me virei para ela, aguardando. Conhecia a sensação. De procurar, procurar e a língua apenas não obedecer os comandos dados pelo cérebro. Jamais apressaria alguém que mal se conseguia se encontrar dentro da própria cabeça.

― Eu só… ― começou ela, franzindo a testa. ― Não entendo. Aparentemente, não entendo nada do que acontece no mundo. 

― Por que acha isso?

― Porque… eu perdi tanto tempo cultivando uma ideia errada e… com ela, um sentimento que eu pensava ser real. No final das contas, era real apenas dentro da minha cabeça. Eu quis tanto que não passasse de uma fantasia que criei a fantasia perfeita. Ela era real para mim. Faz… faz sentido?

Ela ergueu os olhos amendoados para mim, analisando a situação toda.

― Faz. Por isso agora dói.

― Como assim…?

― É como um livro. Quando o final é diferente do que aparentava do andamento, nos sentimos traídos.

― Mas foi minha expectativa ― murmurou ela. ― É culpa minha. Não deveria estar me sentindo assim.

Me ajeitei na cama, abraçando o travesseiro.

― E por isso dói menos?

― Não… dói mais… 

― Exatamente. Sabe o que doeria mais ainda? ― indaguei, esperando ela olhar para mim. Assim que ela o fez, baixei o tom da voz: ― Ter confessado seus sentimentos, ele ter ficado com você apenas por isso e depois dispensá-la por aquela loira.

Adele abriu a boca para responder, no entanto fechou-a no mesmo segundo. Vendo que nada que dissesse a consolaria, apenas suspirei e continuei ali. Ficamos deste mesmo modo por no mínimo meia-hora. Quando pensei que Adele havia se rendido ao sono ⎼ porquanto que jazia com os olhos fechados e respirava pela boca ⎼, ela me surpreendeu enunciando seus pensamentos desconexos:

― Queria que Thomas fosse como você, Alex. Você faz muito mais sentido.

Engoli em seco, agradecendo por ela não estar de olhos abertos.

Mas não sou. É essa a questão.

― É engraçado. A vida inteira quis ser como ele, e agora sugere que ele seria melhor se fosse como eu?

― É… é uma possibilidade.

Ri fraco, pressionando o travesseiro contra o meu peito. Será que ela tinha consciência do que tinha acabado de sugerir?

Gabrielle tinha razão; eu iria sufocar com aquilo. No entanto, naquele momento, mais do que em qualquer outro, eu teria de ser discreto. Jamais me aproveitaria dos sentimentos negativos dela por Thomas para me dar bem. Continuavam sendo meus sentimentos, é claro, mas agora era a hora de ajudar outro coração a se recuperar de cicatrizes de dor.

Minha vontade era de que ela fosse feliz. Comigo ou não, já não fazia diferença. Por isso mesmo, permaneci em silêncio até que ela dormisse.

Então, deixei-a em paz. Ela merecia uma folga.


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Notas finais do capítulo

Não tem correlação direta com o capítulo, mas tirei o nome do capítulo de "Laughter Lines", do Bastille: https://www.youtube.com/watch?v=2EFAif620Wc. É uma música que considero a relação perfeita entre o Thomas e o Alex.

Por falar em Thomas, o que esse menino quer da vida, hein?
E a Adele, será que tem noção do impacto dessas palavras que ela disse?
Cenas para os próximos capítulos (¬‿¬)



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