Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 4
O menor de dois males


Notas iniciais do capítulo

Olá xuxus ♡ como vão vocês? Primeiramente, peço desculpas pela demora. Esse mês foi bem tenso por aqui, altos estresses, ataques de ansiedade implacáveis, muita loucura. A única parte boa dessa quarentena foi ter uma ""folga"" do meu trabalho e aí sim voltar a coragem para escrever. Espero que me perdoem e digo mais: frequentemente não é esse o tempo da demora entre as postagens e.e



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785950/chapter/4

― Você costumava ser melhor ― Elena riu com maldade, após derrubar um submarino meu que se encontrava na posição G5.

― E você costumava dizer coisas mais úteis ― revirei os olhos, checando as posições que me restavam. ― Hum… E9?

Elena franziu a testa, negando com a cabeça. Após um grunhido, ela abriu mais um sorriso maldoso.

― Estou quase cedendo o xadrez para você, Alex. Não é possível que eu sempre ganhe na batalha naval. Não é um jogo complexo; é só… 

― Questão de sorte ― completei para ela, recostando-me na cadeira. ― Coisa que eu não tenho. Minha cabeça foi feita para pensar, não para sortear letras e números. Isso é coisa sua, não minha.

― Claro. Se chama estratégia. J7.

E lá se ia meu navio-tanque. Bem diante de meus olhos.

Que ele descansasse em paz.

Elena era o gato da família Banks. Aparecia quando queria, desaparecia quando bem entendia… mas era uma ótima fonte do mundo externo. Ela e Evan eram assim, por mais que Evan fosse mais… boêmio. Sequer tentava vender a imagem de bom moço, como Thomas se esforçava em aparentar. Com Elena, só precisávamos esperar, pois sempre retornava. Então, se quisesse alguma informação de como as engrenagens permaneciam girando, ela era a pessoa certa a se consultar.

― Antes jogar batalha naval com seu irmão do que chafurdar nas ruas enlameadas de Paris, não é mesmo? ― ri baixo, analisando minhas opções. ― C4. 

― Aleluia! ― Elena marca positivo em seu papel, parando para fazer uma dancinha de comemoração. ― Por que diz isso? Já está entediado?

Olhei de soslaio para o rasgão em meu braço, que após uma semana ainda estava sob observação constante. Graças aos tratamentos dedicados de Adele, ao menos o pus já havia regredido ao ponto de não ter que fechar os olhos e respirar fundo a cada aplicação de peróxido de hidrogênio para limpar a ferida. Então, voltei meu olhar para Elena, que disso nada sabia.

― Decerto que não. Cada dia em Paris é uma caixinha de surpresas.

― É bem mais interessante que Bloomsbury, de fato. A2.

Neguei com a cabeça, indicando que nada havia ali.

― O único problema é que os franceses não sorriem e se recusam a falar inglês ― Elena continuou. ― Tenho de parecer um pato grasnando para que não fechem a cara para mim.

― É por isso que deixo que Adele e Gabrielle se pronunciarem por mim.

― Como se já não fizesse isso normalmente… 

― Ei! ― gargalhei, mas isso cutucou minha ferida de um jeito ou de outro. ― Certo, já chega de batalha naval. Já sabemos que foi você quem ganhou, podemos dar a partida por encerrada.

Elena ergueu uma sobrancelha, dobrando a folha de papel no meio. 

― Medroso. Saiba que não vamos jogar xadrez.

Revirei os olhos, também dobrando minha folha de papel. Então, me recostei na parede para visualizar a situação. Era tudo questão de escolher as palavras com cuidado para não dar bandeira do real objetivo, certo?

― Alguma notícia do lado de fora?

― Nada de interessante. A menos que esteja procurando algo específico.

Ou seja. Informação paga.

― O que sabe sobre Thomas?

Elena franziu a testa, cerrando os olhos para mim.

― Como assim, Thomas? O nosso Thomas?

― Oras, sim. Estou preocupado com ele. Ele anda um tanto esquivo e sequer flerta ultimamente.

Em seguida, Elena ponderou a questão enrolando um cacho na ponta dos dedos. Mesmo com o cabelo cortado à altura dos ombros e preso com grampos, deixando o pescoço livre, ela ainda tinha a mesma mania de quando éramos crianças – enrolar, puxar o dedo para baixo e deixar que o cacho comprimisse como uma mola. 

― Ele anda um tanto estranho… porém, por que não conversamos sobre isso com uma chávena de chá gelado, querido irmão?

E eis o pagamento de hoje. Mordomia, com chá.

Suspirei, dando meu pulo até a cozinha para preparar um bule de chá. O clima ainda permitia tais luxos, visto que ainda pingávamos de suor com o calor impetuoso. Tive de aprender na marra como utilizar a máquina de gelo, mas no final creio que podemos dizer que correu tudo dentro dos conformes.

Eu, Elena e uma bandeja contra o fim do mundo. Me parecia uma cena interessante; de meus irmãos, Elena era a mais esperta em se livrar de uma situação comprometedora com maestria.

― Então? ― comecei, servindo duas chávenas de chá. ― Desembuche.

Pacientemente, Elena tomou um longo gole da bebida, relaxando a expressão facial antes de comentar:

― É conhecido por todos nós que Thomas passa mais tempo no jardim porque cansou-se de flertar com Adele. Ela tem respondido aos flertes dele sobremaneira. Então, para não lhe dar falsas esperanças, Thomas tem procurado os jardins como… válvula de escape. Ao menos, é a opinião popular dos… herdeiros das três casas ― nomeou ela, com um riso cômico. ― Entretanto, arrancar qualquer coisa de Thomas dá no mesmo beco sem saída de praxe.

― Sei disso… Tom sempre desconversa qualquer assunto que envolva muito seus assuntos pessoais.

Elena suspirou, concordando com a cabeça.

― Aparentemente, por questão de modéstia.

― Eu temo que pode não ser esse o real motivo… mas tem de jurar que isso morrerá aqui.

Elena deu de ombros, recostando-se na cadeira.

― Meu silêncio vale outra chávena de chá.

A contragosto, enchi mais uma vez seu recipiente com o líquido gelado, ao passo que ela apenas fingiu de nada. Inclinou-se para o chá como um gato faria com um pires de leite.

― Muito bem. Qual o seu ponto?

― Bem… Adele e eu estamos preocupados com ele. Seu comportamento é típico de quem esconde algo. 

― Acha que pode estar metido em problemas? ― Elena sussurrou, apesar de não haver ninguém por perto para escutar.

Assenti com a cabeça, terminando minha chávena com menos cerimônia que ela.

― É difícil saber… estamos em Paris, e há apenas duas semanas. Ele não deixa a residência, a menos que para acompanhar Laurent a algum lugar. 

― Ou para ir com o papai nas oficinas que trabalhava antigamente… 

― Ou para falar sozinho com os livros na Sainte-Geneviève ― ri com maldade, mesmo que contida.

Elena gargalhou sob a chávena, o que fez o líquido borbulhar e derramar para fora da cerâmica delicada.

― Que horror… agora já chega, Lena.

Encerrei a sessão de comentários contrários, mesmo que bem-humorados. Não era do meu feitio falar mal de outros pelas costas. Ela concordou, visto que juntou todos os pires junto ao bule e deixou a bandeja de lado. Então, alcançou meu livro que se encontrava na cadeira ao seu lado e entregou-o a mim. Repousei-o sobre meu colo, feliz de não ser a cópia ensanguentada. Já Elena se levantou e ergueu a bandeja, pronta para levá-la de volta à cozinha.

― Não se preocupe, Alex. Vou ajudá-lo no seu dilema. No entanto, se houver atualizações no caso, espero receber o pagamento devido. Não é porque sou sua irmã que vou facilitar as coisas para você, hein?

― É claro. Qual será o próximo, chá de hortelã e biscoitos de nata?

― Engraçadinho. Veremos.

Com uma mesura desajeitada, própria de seus quase dezesseis anos, Elena partiu com a bandeja, de volta para cozinha. Não possuíamos empregados – exceto a cozinheira, a sra. Wood –, bem como os Bretonne, então desde pequenos aprendemos que, se alguma bagunça foi feita, ela exige limpeza. Apesar dos resmungos costumeiros, papai e mamãe sempre deixaram claro que, se algum dia viéssemos a ter empregados, saberíamos exatamente como tratá-los. Éramos em sete em casa, portanto o trabalho sempre era bem equilibrado.

Me lembro bem quando papai recebeu uns amigos em casa e estes ficaram horrorizados quando observaram os “herdeiros” dos Banks servindo o jantar. E me lembro das exatas palavras dele em retorno: “não é o que um homem possui que constrói o seu caráter, mas a conduta de entender que ele é servido à medida que serve a outros”.

Eu esperava ser como ele, algum dia.

Sozinho, como de costume, era tradicional que meus pensamentos se perdessem em meio ao cenário. Então não foi com surpresa que, ao abrir meu livro na mesa de centro da sacada do primeiro andar, me vi despropositadamente observando os jardins.

Se eu fechasse os olhos, era possível imaginar com perfeição a cena de Thomas a Adele percorrendo os arbustos bem-aparados, floreados com as pétalas de chuvas-de-prata e resedás por todo o caminho. Ao menos não eram rosas. Porque, se fossem, também não seria difícil inventar meu irmão cortando espinho por espinho de uma para entregar à Adele.

Por que eu não poderia ser como ele? 

Por que nunca estava satisfeito com quem era? Deveria haver um motivo que pudesse ser respondido pela psicologia. Quer dizer, não era uma pessoa ruim. Só não tinha uma personalidade marcante. 

Meu pai era gentil. Thomas era cativante. Evan era desinibido. Eu… era só eu. Nada em destaque.

Espiei as páginas do livro sem o menor interesse, abrindo os olhos para voltar a adaptação para a luz do dia. Me peguei perguntando se era isso que o Fantasma sentia ao observar Raoul e Christine. Obviamente não sou solitário e obsessivo a esse ponto, no entanto… Raoul também não era um perfeito exemplo de homem amoroso. Por meses a fio insistiu para que Christine desistisse de sua carreira, até que a venceu por cansaço. 

Talvez eu fosse exatamente isso, afinal de contas: o menor de dois males.

Eu precisava deixá-la ir. Do contrário, não duvido que me permitiria aproximar da personalidade do Fantasma.

E ambos sabemos como essa história termina.

┗━━━━━━༻❁༺━━━━━━┛

Quando tia Sienna finalmente contou ao tio Émille acerca de sua nova gestação, houve uma série de reações plausíveis a serem listadas. Primeiro, o silêncio reinou em Belleville. Mamãe perguntou quem havia morrido no salão principal. Cinco minutos, ele desatou a rir. O resto de nós, que ouvimos através das paredes, nos entreolhamos.

― Em defesa de Émille ― papai começou, pigarreando. ― Tivemos a mesma reação quando soubemos de Evan e Elena.

― Todas as mulheres do mundo ficariam apavoradas com dois monstrinhos como aqueles no ventre ― tia Lilian deu de ombros, após ser fuzilada pelo olhar de mamãe. ― O quê? É verdade.

Evan e Elena, por sua vez, apenas trocaram um risinho orgulhoso.

― Não fale mal dos meus filhos. Apenas eu posso fazer isso. Seus monstrinhos.

Em seguida, mamãe passou os braços estrategicamente por debaixo dos braços dos filhos, estendendo os dedos finos como garras afiadas para lhe provocar cócegas. Evan gargalhou, no entanto Elena deu um saltinho e foi esconder-se atrás do tio Thierry. Este, não podendo responder pelo comportamento malcriado da esposa, viu-se obrigado a rir, igualmente.

Daí, a terceira reação. Gritos entusiastas e uma porta sendo escancarada.

― Meu Deus… ― Maélie colocou uma mão sobre o peito, sobressaltada, ao passo que Adele passou um braço ao redor de seus ombros. ― Eles estão loucos?

― Algum dia deixaram de ser? ― Gabrielle comentou, voltando o olhar para a porta. 

E então, a quarta foi aparentemente realizar uma performance solo de foxtrot em frente dos sobrinhos e amigos.

― Três! ― a primeira vítima de seu emocional abalado foi papai, que se viu erguido no ar diante de um abraço apertado. Em seguida lá estava ele cumprimentando os adultos como se houvesse ganhado na loteria.

― Por que tia Sienna estava mesmo preocupada com a reação do tio Émille? ― Maélie perguntou baixo, para mim.

― Adultos são difíceis de interpretar, querida ― respondi com um sorriso.

Então, tia Sienna entrou calmamente pela porta, com um sorriso de orelha a orelha. Sentando-se numa das poltronas, admirou o marido com a mesma expressão de costume.

― Não estamos tentando competir com vocês ― tio Émille se explicou aos meus pais, após enxugar o rosto.

Sua esposa concordou, exausta.

― Pelo amor de Deus, três já está de bom tamanho.

Então, nós voltamos a rir. Como sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada, Harry Hart, por me fornecer o lema "a conduta define o homem". Tenho quase certeza que Harvey Banks foi o fundador da Kingsman, com esses modos impecáveis, hehe.
Por sorte, o Alex não é obsessivo como o Fantasma, mas que já tá começando a ficar doido das ideias, isso ele tá.
Finalmente mamãe Sienna abriu o jogo. Cês viram, ficou apavorada por nada!

That's all, folks ♡ novamente, os capítulos estão um pouco paradinhos por se tratar do começo, mas daqui a pouco o quebra pau vem. Até mais!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bravado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.