Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 1
Casos de família


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde, boa noite, sejam bem-vindos a mais uma das doideiras que a gente tira do nada xD tudo bem com vocês?

Mudamos um pouco de época, avançamos no tempo, e para quem acompanhou as outras, muitas perguntas que vocês me fizeram que tive que me segurar para não responder antes da hora. Para quem não acompanhou, podem perguntar que eu também não vou responder porque é segredo *risada malvada de fundo*

Uma ótima leitura para vocês ♥



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— De forma alguma! É impossível que seja esse o caso.

Tia Sienna negava veementemente com a cabeça ante a possibilidade de estar grávida. Afinal, já tinha seus quase quarenta anos e duas filhas crescidas. Fitava todos no Salão de Chá com a confusão estampada nos olhos castanhos – e eu sequer deveria estar ali, porém não era como Laurent, que desdenhava das mulheres que nos rodeavam. Era uma companhia agradável, e quase nunca dizia nada, então nada era como se um homem em meio a sete mulheres fosse mudar algo. Não era...?

— Pode não ser tão impossível — mamãe opinou, erguendo uma sobrancelha como sempre fazia quando estava pensando. — Afinal, sua mãe, e que Deus a tenha, concebeu Mathieu aos quarenta... não foi?

Por sua vez, tia Lilian assentiu, dando um trago em sua piteira.

— E se for o caso?

— Se for o caso, expulsá-la-ei de minha casa, locomotiva ambulante — tia Sienna provocou, arrancando uma gargalhada da amiga de longa data e, felizmente, também cunhada. — Não sei como Émille pode reagir. Bem sabem como anda estressado... não quero que eu seja obrigada a adicionar uma gravidez à pilha.

Observei as duas filhas dela, Adele e Gabrielle, trocarem um olhar significativo. Aquelas duas, desde que me entendo por gente, têm a capacidade de se comunicarem sem a necessidade de dizer coisa alguma. Era assustador, certas vezes... de qualquer maneira, Adele, a mais velha, pigarreou e se juntou ao coro de sotaques franceses:

— Mas, mamãe... terás de contar ao papai, mais cedo ou mais tarde.

— Não é preferível que ele saiba antes, para se preparar com antecedência? — Gabrielle completou o raciocínio da irmã.

Minha mãe concordou com a cabeça, acrescentando:

— Além de que os três primeiros meses são cruciais. Se avisá-lo agora, poderão consultar um médico e ver se é o caso, se exige repouso ou não...

Eis aí um terreno de conversa o qual tinha pouco ou nada de conhecimento, e menos propriedade ainda para opinar numa roda cheia de mulheres.

— Fora que ele pode se sentir ressentido se omitir isso dele, tia... — Elena, minha irmã, também contribuiu para o assunto.

Tia Sienna ponderou sobre a questão, voltando o rosto para encarar as árvores de veraneio de Belleville. Agora que Maélie frequentaria a sociedade, titia achou uma boa ideia de que as visitas dos Banks – nós, obrigado! – a Paris fossem mais frequentes. Como tínhamos duas residências à disposição – a dos Bretonne e a dos Chevalier – poderíamos alocar todos os sete Banks sem que nenhum se perdesse no meio do caminho.

Subitamente, senti um cutucão. Foi Elena quem o disferiu. Sua sobrancelha arqueada indicava que eu tinha perdido o rumo da conversa, novamente. Olhei ao redor, torcendo para que não tinha sido uma pergunta. Nunca dava sorte, sempre era...

— Sim?

— Estava perguntando o que achas do assunto, cabecinha de vento — tia Sienna sorriu.

Umedeci os lábios, respirando fundo para encontrar as palavras certas. Entretanto, ainda era difícil. Ultimamente, tinha parado de gaguejar tanto, mas era sempre bom parar e pensar bem antes de passar vergonha, como de praxe.

— Bem... acho que a verdade é sempre a melhor opção. Por mais dolorosa ou... complicada de se aceitar que seja.

Mamãe sorriu para mim, ao passo que tia Sienna acompanhou-a com um suspiro.

— Cada vez que Alexander se pronuncia é como se os anjos cantassem só para mim! — elogiou ela, o que fez eu sentir minhas bochechas pegando fogo. Tive de rir para disfarçar o nervosismo.

— É verdade, o que aconteceu com sua voz, garoto? — tia Lilian, a pior das três, contribuiu para meu constrangimento com uma risada ácida. — Ano passado ela vivia falhando...

— Parecia uma cacofonia — Elena aproveitou a oportunidade para me ofender gratuitamente.

Maélie também abriu um sorriso maldoso.

— Ou um frango sendo degolado!

— Parem de implicar com seu irmão, já — mamãe interveio, com o tom de autoridade que fazia qualquer um escutá-la.

Elena e Maélie, por sua vez, entreolharam-se, contrariadas. Engoliram em seco e entoaram em uníssono:

— Desculpe, maman.

Observei minha mãe estreitar os olhos para as filhas rebeldes. Eu e Gabrielle trocamos um olhar solidário, ao passo que o voltei para o livro que estava lendo – O Fantasma da Ópera – e abri-o para tentar me distrair e fingir que não me incomodei com os comentários.

— Não ligue para elas, Alex — tia Sienna, amorosa como sempre, abriu um sorriso acolhedor. — Aposto que disseram o mesmo de Laurent e Thomas.

— Assim como farão com Evan — Adele sustentou, rindo disfarçadamente.

Bem, não é como se fosse mentira. A sorte é que nunca digo nada, não é? Evan, o gêmeo da Elena, por outro lado, não tem a mesma sorte. É mais tagarela que um papagaio. Ao menos, sei que a implicância não é algo exclusivo meu.

— Não desviemos do assunto em foco — tia Lilian pontuou, faiscando os olhos escuros para tia Sienna. A pobre coitada estava mesmo encurralada. — Já decidistes que fará com a notícia? Guardá-la-á mais tempo ou contá-la-á o mais breve?

Toda a atmosfera pareceu pesar, com as respirações travadas de todos, tia Sienna mordeu o lábio e respirou fundo.

— Vocês têm razão — ela pronunciou após alguns segundos. — Não posso esconder isso de Émille. Seria imprudente. No entanto, ainda não encontrei um modo de amenizar seu estresse...

— Diga a ele que fume — tia Lilian zombou.

— Para ele ficar estressado se acaso não houver mais fumo?

— Há sempre uma consequência para tudo, não há?

As duas compartilharam uma risada nervosa, que logo contagiou o ambiente. Até mesmo eu resolvi arriscar um sorriso. Bem no trecho onde Christine acompanha o Fantasma pela passagem no espelho.

— Pode planejar programas dos quais ele se sinta bem — Adele sugeriu, com um sorriso.

— É! — Gabrielle concordou, animadamente. — O papai ama passear no jardim. Podem combinar um piquenique todos os finais de semana. Aí a senhora conta da gravidez num ambiente tranquilo e, de quebra, deixa-o recarregado para a próxima semana!

Alvíssaras mentais pelos livros românticos que emprestei à Gabrielle todos estes anos: confere!

Mamãe suspirou sonoramente, brincando com as cutículas.

— Além de que Harvey e Thierry o amam, bem como Thomas e Mathieu. Podem ser péssimos no carteado, mas ótimos em matéria de amor.

Tia Sienna sorriu com o comentário. Mamãe sempre sabia o que dizer. Papai dizia que ela faz isso porque já sofreu muito na vida. Porém, se tem algo que jamais entra em pauta nas reuniões de família é o passado dos Banks/ Bretonne/ Chevalier. São as regras da casa, sem discussão.

— Não só eles! Todos nós gostamos do titio — Maélie sorriu, fazendo as sardas arquearem em conjunto com as bochechas. Ela foi a única de nós cinco que puxou o gene ruivo de papai.

— A senhorita diz isso porque é a mais nova — mamãe riu com maldade. — Émille ama mimá-la, mas com um novo filho chegando, seu reinado como caçula está com os dias contados!

O rosto de Maélie se contraiu em uma careta intrigada. Não era possível que ela somente tenha se dado conta agora! Pelo bufar que veio em seguida, todos pudemos notar sua frustração.

— Ah, querida — tia Sienna veio se sentar ao seu lado, envolvendo-a em um abraço carinhoso. — Nunca a deixaríamos de lado. Nem em um milhão de anos.

Então, seu olhar perscrutou todos os presentes no Salão de Chá. Com um sorriso, acrescentou:

— Nenhum de vocês jamais se sentirá de lado.

Algo em seu tom de voz me indicou que tia Sienna estava falando mais do que sério. Então, acreditei nela.

Eu amava tanto aquela família enorme, confusa e amorosa além dos limites do possível...

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Finalizamos a reunião no Salão de Chá depois de mais alguns tópicos a serem resolvidos ou que eram relevantes a serem comentados, tais como o noivado de Mathieu, a primeira temporada de Maélie na sociedade parisiense, a volta de Thomas de sua viagem à Itália... como sempre, papai ficou comicamente impaciente durante o tempo que passou longe da mamãe, e logo bateu à porta para perguntar se queríamos chá.

Papai é inglês. Apesar dos estereótipos serem bem cruéis às vezes, neste podemos dizer que tudo está correto. Todo dia, pontualmente às 17h, ele requisitava seu chá com leite, independentemente de onde esteja. É claro que em Belleville não seria diferente.

Então, mamãe pediu licença e o acompanhou até a cozinha, bem como tia Sienna, que era a dona da casa na ausência do tio Émille. Tia Lilian também se cansou de nós – novidade – e nos deixou para o que chamamos de sessão noturna do Salão de Chá. Essa é a hora que Laurent, Thomas, Mathieu e Evan juntam-se a nós. Geralmente, também é a hora que começa a chover, então imagino que eles não tenham muitas opções.

Os quatro se ajeitaram no sofá e no tapete, suspirando dramaticamente.

— Droga de chuva — foi Evan quem reclamou primeiro, e recebeu o apoio dos primos. Menos de Thomas.

— Não há problema, seu reclamão. Podemos continuar a jogar aqui dentro.

— E é claro que o fato de as abelhas não perseguirem a sua geleia não é um acréscimo para a felicidade, Thomas? — Laurent, filho da tia Lilian, provocou. Ele era igualzinho à mãe, em questão de personalidade.

— De modo algum. As abelhas são amigas da natureza, por mais que me odeiem. E geleias são facilmente transportáveis.

Todos riram ou sorriram com seu comentário. É impossível não se afeiçoar a Thomas logo de cara. Meu irmão mais velho era inteligente, sabia falar acerca de quaisquer assuntos, e todos diziam que era lindo – como seu irmão, não tomava partido. Seu único problema é que ele era viciado em flertar. Isso, é claro, não seria um problema. Contudo, começou a ser quando num desses flertes despretensiosos ele fez alguém se apaixonar.

Adele sempre o olhava com doçura. Quando eu tinha quinze anos, ela veio confessar seus sentimentos pelo meu irmão. Na ocasião, ela veio me pedir conselhos, pois não queria que as coisas ficassem estranhas entre os dois.

Antes que vá achando que apoio relações incestuosas, devo dizer que os únicos ligados pelo sangue nessa confusão toda são a tia Lilian e a tia Sienna. Tia Lilian casou-se com o irmão de tia Sienna, portanto são oficialmente cunhadas. Mamãe é apenas uma boa amiga das duas famílias, e tem à tia Sienna como a uma irmã mais nova. O carinho entre as duas é tanto que tia Sienna deu o nome da filha igual ao de minha mãe. Adele. Então, é lógico que nos acostumamos a chamá-la de “tia”.

Enfim. Adele, não minha mãe, e Thomas.

Todos os olhares doces de Adele nunca eram correspondidos. Porque, ou ela os fazia disfarçadamente em demasia ou, quando o fazia notoriamente... eram como todos os outros, que ela dava a qualquer um. Era necessário observar com atenção. Ou conhecê-la como a conheço.

Quer dizer... porque longe de mim observá-la. Adele é mais velha. E está interessada em Thomas.

E... bem... porque eu sou eu. Isso já elimina todas as possibilidades de encontrar alguém. Sou casado com meus livros, e creio ser suficiente. Trabalhar como Cupido deve ser relevante enquanto estou aqui atazanando as pessoas. Pelo menos, ninguém nunca reclamou.

Não me leve a mal. Não estou me menosprezando. É que, de todas as personalidades formidáveis das três famílias, sou o único que não tem nada de excepcional. Já me acostumei.

Senti outro cutucão da série de intermináveis. É Gabrielle, novamente. Diferente de Elena, ao menos, ela foi delicada em seu gesto.

— Perdi o rumo de novo? — brinquei, olhando para ela.

— Faz uns minutos, Alex. Precisa parar de viajar em sua cabeça dessa maneira, ou vai acabar preferindo-a à realidade.

— Já prefiro, Elle. Tarde demais.

Ela ri, revirando os olhos e soltando um longo suspiro logo depois. Apontou com a cabeça para a sala vazia, com exceção de nós e de Elena e Adele bordando no outro sofá.

— Papai chegou — explicou Gabrielle. — E ofereceu bebidas. Há vinte minutos.

— Claro...

Tentei fingir que não fiquei preocupado com a sabotagem que minha cabeça tinha pregado em mim. Assenti com a cabeça e olhei para o livro em meu colo. Sequer tinha o lido.

Lá fora, a chuva cessara.


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Notas finais do capítulo

Como não podia deixar de ser, me inspirei pra história com "Bravado", da Lorde: https://www.youtube.com/watch?v=q_Xffs6o-Vo

Para quem ficou curioso, deixei o link para as histórias anteriores nas notas da história. E para quem ficou perdido com o tanto de filho de 3 famílias diferentes: CALMA! A gente vai estendendo as explicações KKKKKK mas, se assim como eu, você é apressado, pode chamar nos comentários que eu esclareço a árvore genealógica de cada um.

Alex é o meu bebê e eu vou protegê-lo com unhas e dentes ♥ me digam a opinião de vocês sobre quem apareceu até agora, se gostaram, se odiaram... enfim, ou se só quiserem papear. Até o próximo!