(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 8
No escuro da noite


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Maremotos de Supercombo.



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A música chegou ao fim, com uma sucessão de palmas vindas dos dançarinos próximos ao palco e de outros espectadores que assistiam a tudo um pouco mais distantes. Clarice soltou-se de Lysandre para aplaudir a dupla sertaneja, que anunciou a próxima canção. Diferente da anterior, era dançante demais.

— Essa eu acho que vai ser difícil demais pra gente — Clarice comentou rindo e olhou para Lysandre, que parecia observá-la com um olhar distante. Ela ergueu a sobrancelha em uma pergunta silenciosa do que se passava.

— Estava pensando em algo... — respondeu e começaram a se afastar do palco, quando algumas pessoas mais animadas — ou bêbadas — iam se aproximando para dançar.

— Isso eu percebi. Parecia que você estava bem distante. — Lysandre não pôde deixar de sorrir com a fala da amiga. Na verdade, ele não estivera com a mente tão longe dali. Um trovão ribombou, chamando a atenção. — Parece que eles tão ficando pior... — Clarice comentou, olhando para o céu noturno totalmente coberto por nuvens.

O vento de mais cedo tornara-se mais forte, não só causando frio nos braços desnudos da moça, mas também agitando os galhos das árvores e deixando um certo temor nas pessoas das barraquinhas, tremelicando os toldos.

— Acha melhor irmos embora? — Lysandre sugeriu.

— Acho que sim. A chuva parece que vai vir forte e depois vai ser ruim pra voltar — Clarice justificou e logo os dois começaram a sair do meio do povo.

Doía no coração se afastar daquela música divertida, das risadas infantis e do cheiro delicioso de comida, mas a veterinária começou a se preocupar quando sentiu algumas gotas de chuva sobre si ao virarem a esquina da rua de trás. A festa ia tornando-se algo distante, com toda a diversão baixinha aos ouvidos.

— Talvez dê tempo de chegarmos antes que piore — Lysandre disse e os dois entraram na caminhonete.

Com a batida das portas, o fazendeiro ligou o motor e colocou o veículo em movimento, tirando-os dali o mais rápido possível. As cores da praça matriz passaram apenas como um borrão com a velocidade da caminhonete.

— Será que vai dar tempo de desmontarem tudo? — a veterinária questionou com preocupação.

As casas da vila iam ficando para trás e Lysandre teve que ligar os para-brisas quando tudo começou a ficar embaçado demais, conforme a chuva fraca aumentava de intensidade. Raios e trovões ainda cortavam a noite, mostrando a tempestade que vinha chegando com a ventania.

— Acho difícil — o fazendeiro respondeu, concentrado no caminho à frente, que logo se tornou de terra batida.

A tempestade aumentava cada vez mais conforme os minutos passavam dentro daquele veículo. Lysandre viu-se obrigado a diminuir um pouco a velocidade por questão de segurança. Em um certo momento, a caminhonete parou de vez. Mas aquilo não era obra do fazendeiro, que continuava com o pé no acelerador. O carro fazia barulho de quem queria continuar, porém, não saiam do lugar.

— Será que atolou? — Clarice questionou com preocupação. Lysandre apenas respondeu que iria ver e abriu a porta do motorista, saindo no meio daquele dilúvio com ventania. — Toma cuidado — ela alertou preocupada e pulou para o banco do motorista.

Com o vento, a água entrava pela porta aberta e molhava o interior do veículo e Clarice.

— Está atolado. — A veterinária foi capaz de ouvir a voz do amigo no meio do assobiar do vento furioso. Um raio iluminou não muito longe dali e um trovão estourou. — Tente acelerar.

Clarice pisou no acelerador e o carro deu de querer se mexer com o ruído do motor, contudo, permanecia no mesmo lugar. A veterinária continuou tentando pôr a caminhonete para funcionar, com a natureza em fúria do lado de fora e a água encharcando o lado do motorista.

— Pare — Lysandre pediu, parando ao lado da porta aberta. Estava encharcado dos pés a cabeça e com o colete e camisa sujos de lama. O cabelo pingava água nos olhos. — Não vamos conseguir sair daqui com essa chuva — disse, pois sabia que a amiga continuaria insistindo e ofereceria ajuda para desatolar o veículo. — Estamos próximos da minha fazenda, podemos correr até lá — sugeriu, no que Clarice saiu do carro e foi para trás, vendo a situação das rodas traseiras.

A roda do lado esquerdo estava afundada numa poça de lama, no que deveria ser um buraco da estrada. Lysandre estava certo, não teriam como tirar a caminhonete dali com aquela tempestade. Seu cabelo começou a grudar no rosto e pescoço, conforme ia sendo encharcado pela água. Estava gelado com aquela ventania. 

— Minha vó vai ficar preocupada comigo — ela disse alto quando outro trovão estourou, logo após um raio cair em campo aberto. Era perigoso ficar ali fora.

— É perigoso você caminhar sozinha até sua fazenda no meio dessa tempestade — Lysandre explicou, trazendo o óbvio à tona. — A minha é mais perto, lá podemos esperar a chuva passar.

Clarice olhou para o rosto do amigo. Não dava para enxergar muita coisa no meio daquela escuridão, exceto com o clarão de raios ocasionais. Seria pior se continuassem parados no mesmo lugar, ainda mais encharcados daquele jeito.

— Vamos logo, meu pé tá afundando nessa lama — reclamou e surpreendeu-se quando sentiu a mão molhada e enlameada do fazendeiro na sua.

Sem muito tempo para pensar ou fazer mais perguntas, Lysandre puxou-a para uma corrida. Mesmo que tomasse cuidado, Clarice quase caiu quando sua sapatilha afundou na lama molhada. Não querendo demorar ainda mais, tirou os sapatos e levou-os na mão livre. Era uma pena, pois aquilo estragaria sua meia-calça nova.

Lysandre soltou a mão da amiga para abrir a porteira de sua fazenda e deixou que ela passasse primeiro, fechando-a e voltando a correr ao lado da veterinária. Clarice segurou o pulso do fazendeiro com força quando ele quase escorregou em um certo ponto.

— O Chico não tá em casa? — ela perguntou em voz alta e outro trovão estourou. As luzes da casinha do caseiro estavam todas apagadas, mal sendo visível no meio da tempestade, que parecia piorar ainda mais.

— Deve estar dormindo a essa hora — Lysandre ergueu a voz para ser ouvido. Continuaram a correr. — Estamos quase lá.

Quando outro raio iluminou a noite, a dupla já pisara na varanda da frente da casa ao centro da propriedade. O fazendeiro aproveitou a parte coberta para tatear os bolsos em busca da chave da porta.

— Eu não acho que essa chuva vai passar tão cedo, não — Clarice afirmou, observando a tempestade cair. Agora que estava em segurança, sua preocupação maior era a avó e a tia.

Lysandre encontrou a chave e a colocou na fechadura, girando-a e abrindo a porta, dando uma visão da sala de estar às escuras. O fazendeiro apertou o interruptor, porém, não funcionou.

— A tempestade derrubou a energia. Era de se esperar… — soltou mais como um resmungo. Parou para retirar as botas de cano longo, deixando-as ao lado da porta. — Entre — ofereceu à Clarice, que estivera parada aquele tempo todo.

— Vou sujar todo seu chão. — Ela colocou as sapatilhas ao lado das botas de Lysandre. 

— Eu limpo o chão depois. 

Com isso, a veterinária pisou de pés descalços no chão frio de tacos da sala de estar. Ouviu o barulho da porta fechar às suas costas e percebeu a silhueta de Lysandre passando por ela em direção ao corredor.

— Venha para a cozinha, vou acender uma vela — ele pediu e Clarice o seguiu.

Mesmo com a casa bem arejada e com muitas janelas, continuava escuro do lado de dentro. Outro trovão estourou quando chegaram à cozinha e a luz do raio que caiu possibilitou que a moça enxergasse com clareza o amigo abaixado no armário abaixo da pia.

Lysandre se levantou e riscou um fósforo, acendendo uma vela. Pegando uma xícara do armário pregado à parede, usou a cera para colá-la ao vidro. Entregou-a para Clarice e pegou outra vela, acendendo-a na chama da outra e repetindo o mesmo processo com a outra xícara.

— Fique aqui, vou pegar roupas secas e uma toalha para você — instruiu e começou a se afastar para o corredor.

— Não precisa, Lys. Eu só vou esperar a chuva passar e vou embora — ela disse mais para o nada, já que Lysandre havia entrado em uma das portas dos corredores. 

— Mesmo que não demore muito, é bom que não fique tanto tempo com roupas molhadas. — O fazendeiro reapareceu, caminhando com a vela em uma das mãos e uma pilha de roupas na outra. Lysandre entregou-as na mão da veterinária. — O banheiro é a porta à direita — orientou.

— De quem são essas roupas? — Clarice questionou, analisando-as. Com apenas uma mão livre, não dava para examiná-las melhor. Mas parecia ser uma calça legging preta e uma camiseta de mangas compridas roxa.

— São da minha cunhada — Lysandre respondeu e colocou a vela sobre a mesa da cozinha. Foi procurar alguma lenha em um dos cantos da cozinha. — Ela e Leigh esqueceram algumas coisas na última vez que estiveram aqui. Arrumaram as malas de última hora — explicou e começou a acender o fogão a lenha.

— Que bom saber que o Leigh tá namorando — Clarice disse e foi em direção ao banheiro em posse das roupas, toalha e vela.

O cômodo teria ficado em completo silêncio se não fosse o crepitar do fogo no fogão a lenha que Lysandre acendera. Nos minutos sozinhos, resolveu colocar um pouco de leite para esquentar em uma leiteira. 

— Ela é meio rica, né? — A voz de Clarice perguntou, se aproximando pelo corredor. A vela iluminava o rosto da moça, mais preocupada em puxar a calça, larga na cintura. — Isso aqui é tudo roupa de marca, parece.

— Leigh é dono de uma loja de roupas. — Clarice abriu a boca em espanto com a informação. — Está abrindo uma filial em outro ponto da capital — ele informou e puxou duas cadeiras para perto do fogo, sentando-se em uma e oferecendo a outra para Clarice. 

— Posso colocar a toalha pra secar aqui? — ela questionou e, com o consentimento do fazendeiro, pôs a toalha nas costas da cadeira. — Você devia trocar de roupa também. — Com a fala da moça, Lysandre resmungou algo como desculpa. — Você vai acabar ficando doente, Lys… Deixa que eu tiro o leite quando esquentar.

Sabendo que Clarice não cederia tão fácil, ele levantou-se em direção ao corredor. Após entrar em um dos quartos, foi para o banheiro.

Clarice retirou a leiteira do fogo e escolheu duas canecas no armário, enchendo-as com o leite quente em seguida. Sentou-se de volta em sua cadeira com uma das canecas, pousando a outra sobre o assento da cadeira livre. Um trovão ecoou ao longe, sem a claridade de um relâmpago dessa vez. Estavam ficando cada vez mais esparsos, mas, mesmo assim a chuva continuava caindo com força e batucando no telhado. Clarice assoprou a bebida antes de tomar um gole.

Ouviu passos se aproximando e viu quando Lysandre apagou a vela que segurava, colocando-a ao lado da outra sobre a mesa e a toalha sobre o encosto de sua cadeira. 

— Obrigado — agradeceu e ergueu a caneca. Clarice fez o mesmo e bateu a sua com a dele. Lysandre sentou-se.

— Um brinde pros dois que vão ficar gripados amanhã — brincou e bebeu mais do leite quente. Olhando para o chão, observou os pés de Lysandre em chinelos de dedos e os seus próprios, descalços sobre o chão de caquinhos da cozinha. Resolveu tirá-los do frio, sentando-se sobre eles na cadeira.

— Espero que não — Lysandre disse taciturno e bebeu do leite em sua caneca. Clarice observou o rosto dele, iluminado pela chama.

— Você tá com bigode — indicou e os dois riram. Lysandre limpou com as mangas compridas da camiseta. Estava com roupa de dormir, junto da calça de flanela.

Ambos permaneceram em silêncio, apenas ouvindo o crepitar do fogo e a batucada da chuva. Quando Lysandre estava prestes a dizer algo sobre a festa em que estiveram ou a chuva que não cessava — não tinha como saber o que ele realmente iria dizer —, foi interrompido pela veterinária:

— É um pouco solitário viver aqui — ela soltou um comentário. Diferentemente das primeiras semanas após se reencontrarem, Clarice não pisava mais em ovos para falar com Lysandre. Aos poucos, sentiu que fora conquistando parte da liberdade que tinham antes. Porém, ainda não era como antes.

— Nem tanto. — Lysandre bebeu do conteúdo em sua caneca. — Tenho Chico como companhia.

— Só que ele tem a casinha dele lá na entrada da fazenda. Você sempre fica sozinho aqui todas as noites, não é? — Clarice inquiriu e ganhou um balançar de cabeça como resposta. Ela suspirou. E ponderou. Em seguida, voltou os olhos do chão para cima, percebendo que era observada por Lysandre. — Lys, eu posso… — Clarice deixou no ar, insegura.

— Pergunte — o fazendeiro deu carta verde e a veterinária voltou a encará-lo diretamente nos olhos.

— Eu posso perguntar como você chegou aqui? Não é assim que eu me lembro de você.


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Notas finais do capítulo

Maremotos, Supercombo: https://youtu.be/Us7kEfLf5rY
Eitaaa que menina Clarice é direta xD O que será que Lys tem pra contar?
Até mais, povo o/



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