(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 6
É festa de peão


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Meu Sol de Vanguart.



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Lysandre conseguiu conectar o celular no sinal do Wi-Fi, tendo o aparelho vibrando sem parar em seguida, tamanho o número de mensagens que chegou ao obter acesso à internet. Leigh, Castiel, alguns e-mails importantes, spam... Não costumava interagir com tantas pessoas, o que era visível pelas poucas conversas no aplicativo de mensagens.

Enquanto dona Lurdes pegava o dinheiro para pagar pelas hortaliças, ele aproveitava para pôr-se em dia com o mundo. A vila era o único lugar de Vale dos Jucás com o acesso a internet. Sendo assim, o fazendeiro apenas conseguia conectar-se quando vinha a um dos estabelecimentos. Porém, logo isso iria mudar. Segundo diziam por aí, a internet via rádio logo chegaria às propriedades mais afastadas. Esperava que isso fosse realmente verdade.

— Aqui, querido. Tá contadinho. — A dona da quitanda entregou o dinheiro para o rapaz, que agradeceu com um sorriso e colocou as notas dobradas no bolso da calça jeans.

— Acabamos tendo menos alfaces esse mês, espero que não tenha... — A mulher abanou a mão, indicando para não se importar. — É melhor eu ir. Um bom dia para a senhora — desejou, desconectando-se do Wi-Fi e guardando o celular no bolso.

— Já vai? Fica mais um pouquinho — a mulher pediu, passando por entre as frutas expostas para compra e acompanhando o fazendeiro até a saída do pequeno estabelecimento.

— Tenho algumas coisas para fazer na fazenda, não posso deixar Chico sozinho — Lysandre respondeu.

Do lado de fora, foram saudados pelo sol que começava a aparecer, dissipando de vez todo e qualquer rastro da neblina que cobrira a cidade no início da manhã. O frio que veio com ela desaparecia conforme o sol ia dando as caras. Lysandre dobrou as mangas de seu casaco.

— Manda um beijo pro Chico pra mim — dona Lurdes pediu e acenou para o rapaz, que retribuiu a despedida.

Após ter comprado os mantimentos que precisava na vila, Lysandre sabia que era hora de retornar para casa, pronto para abrir a porta de sua caminhonete vermelha. Parou o gesto quando uma voz conhecida chamou-o pelo nome.

— Lys! Que surpresa ver você por aqui — Clarice cumprimentou e o fazendeiro voltou-se para ela, vendo-a tentar equilibrar uma enorme caixa fechada nas mãos. Aquilo parecia pesado.

— Quer ajuda com isso? — ofereceu, no que a veterinária negou.

— Não precisa. Vou pegar uma carona com o seu Juca ali. — Apontou com a cabeça para o homem ocupado na conversa com o atendente da farmácia alguns metros atrás. — Vim com a minha tia pra comprar algumas coisas, mas ela ainda vai ficar pra resolver uns negócios, então vou voltar sozinha — explicou.

— Quer uma carona? — ele ofereceu, no que Clarice estava pronta para negar. — Tomamos o mesmo caminho, é mais fácil voltarmos juntos.

Clarice pareceu pensar um pouco, olhando rapidamente para seu Juca, que ainda conversava animadamente na farmácia. Não parecia que ia sair dali tão cedo...

— Tudo bem, vai — ela concordou e Lysandre sorriu. O fazendeiro ofereceu para colocar a caixa da moça na parte de trás da caminhonete. — Só toma cuidado com isso, por favor — pediu e entrou no lado do carona. — Eu fui pegar mais colostro com o doutor Luís. Não posso deixar as garrafas quebrarem — finalizou e colocou o cinto de segurança. Lysandre sentou-se no lado do motorista, fechando a porta com uma batida.

— Sinto muito se o Fausto tem dado trabalho — desculpou-se e, após também pôr o cinto, girou a chave na ignição, colocando o motor para funcionar.

— Imagina! É o meu trabalho e eu amo cuidar daquela belezinha. Não é incômodo algum — Clarice retorquiu com um sorriso e Lysandre curvou os lábios de canto.

O fazendeiro colocou a caminhonete para funcionar, logo começando a deixar a vila para trás. Ao passarem pela praça matriz, viram pela janela uma estrutura de metal a ser erguida, além de inúmeras pessoas montarem suas barraquinhas.

— Hoje começa a quermesse da igreja — Clarice anunciou animada, vendo o trabalho dos moradores ficar para trás conforme entravam em uma das ruas cheia de casas. — Você vai vir?

— Sequer sabia que iam voltar com a quermesse esse ano — Lysandre respondeu.

— Pois é, mas a comunidade vai ajudar esse ano — a veterinária explicou. — Vai ter quermesse todos os finais de semana desse mês. — Sendo aquele dia um sábado, o segundo do mês de junho, os moradores estavam levemente atrasados nos preparativos. — Vai ter comida, brincadeiras, música ao vivo...

— Não sei se virei. Tenho muito trabalho na fazenda... — Lysandre tentou se justificar, com o veículo finalmente alcançando a estrada de terra, indicando que deixavam a vila para trás e se aproximavam das fazendas mais afastadas do centro da pequena cidade.

— Vem sim, é bom se divertir de vez em quando — Clarice tentou convencê-lo, no que o fazendeiro apenas balançou a cabeça.

Decidindo não continuar, para não soar insistente demais, a veterinária se calou, fazendo o interior do veículo cair num silêncio momentâneo. Lysandre ligou o rádio do carro, querendo algo para ouvir na volta para casa que não fosse o barulho do vento através das janelas abertas. O som de viola logo invadiu a caminhonete, fazendo com que o rapaz abaixasse um pouco o volume. Culpa do Chico, que gostava de ouvir música alta quando tomava a caminhonete para ir até a vila.

“Ah, jeito triste de ter você

Longe dos olhos e dentro do meu coração

Me ensina a te esquecer

Ou venha logo e me tire dessa solidão”

— Nossa, faz tanto tempo que não ouço essa música! — Clarice exclamou de repente, atraindo a atenção de canto de olho do rapaz. — Não costumo ouvir esse tipo de sertanejo na cidade.

— É bem raro de tocar nas rádios — Lysandre devolveu. Não costumava deixar sintonizado naquela estação em específico e nem ouvir esse tipo de música, mas, como a amiga parecia gostar, não mudou.

— Lembra que uma vez você quase cantou isso na quermesse da vila? — ela relembrou com animação, no que Lysandre apenas fez uma careta quando a memória de sua adolescência veio com a citação.

— É uma música muito difícil de se cantar, eu não ia conseguir na época — ele respondeu, referindo-se à vez em que a professora o convidou para se apresentar em uma das edições da quermesse. Apenas algumas pessoas sabiam do talento do rapaz com os vocais, afinal, Lysandre era reservado demais. Como ele preferiu não cantar, a oportunidade ficou para outro aluno da escola.

— Você deu a mesma desculpa naquela época — Clarice disse com um sorriso, apoiando o braço sobre a lateral do carro, o vento fazendo com que alguns fios de cabelo soltassem de sua trança.

“Há uma nuvem de lágrimas sobre meus olhos

Dizendo pra mim que você foi embora

E que não demora pro meu pranto rolar”

— Essa música é tão triste... — Clarice comentou mais consigo mesma, sendo observada de canto de olho por Lysandre, que dividia sua atenção com a estrada. — Minha vó ama ela, diz que lembra do meu vô.

Lysandre calou-se, não sabendo exatamente como responder. A memória era algo que deixava saudades para Clarice, bem sabia, apesar dela gostar de falar sobre o velho Alfredo Guimarães. Sabendo que a estrada à frente não possuía curvas, conforme se aproximavam mais das propriedades de ambos, pôde observá-la um pouco mais. Os raios de sol entravam pela janela aberta, iluminando os fios castanho escuro de seu cabelo, dando um tom um pouco mais claro a eles. Ela deixava seu rosto ser banhado pela luz, aproveitando aqueles raios não tão quentes do início da manhã para se aquecer.

“Ah, jeito triste de ter você

Longe dos olhos e dentro do meu coração”

— Será que vão tocar alguma música deles na quermesse hoje? — Clarice mudou de assunto com rapidez, mostrando empolgação pela festa. — Minha vó queria muito ir, mas vai deixar pra fazer isso no último final de semana.

— Vocês tem alguém para levá-las até lá? — Lysandre questionou e a música no interior do carro foi esvanecendo aos poucos, indicando o fim. A voz do locutor entrou em seguida, anunciando o título da canção.

— Vamos com o Godô mesmo — respondeu, referindo-se ao cavalo dos Guimarães que guiava a carroça e que ficou com Marina na vila. — Aí vai ir todo mundo de lá de casa. — A caminhonete passou pela propriedade de Lysandre, indicando que já estavam em seu destino. O veículo continuou mais um pouco, até chegar à fazenda dos Guimarães. — Você devia ir. É bom sair um pouco da fazenda — tentou convidá-lo mais uma vez.

Lysandre apenas meneou a cabeça.

— Vou pensar nisso — retorquiu somente e parou a caminhonete. — Vou te ajudar com a caixa.

Os dois saíram do veículo e o fazendeiro retirou a caixa da parte de trás da caminhonete, entregando-a com cuidado para Clarice.

— Daqui eu levo sozinha — disse, ajeitando o objeto nas mãos. — Te vejo depois? Tenho que ir na sua fazenda depois do almoço pra cuidar do Fausto.

O fazendeiro ajudou a amiga a abrir a porteira da fazenda e fechou-a em seguida.

— Até mais tarde — Lysandre se despediu, vendo Clarice afastar-se para mais dentro da propriedade da avó.

Quando ela sumiu de vista, voltou para a caminhonete e guiou-a para sua própria fazenda.

Após o almoço, o sol começava a sair da posição a pino. A sensação do lado de fora de casa era agradável o suficiente para não precisar de uma camisa de manga comprida. Colocando seu chapéu para se proteger dos raios solares, Lysandre foi em direção à horta. Já encontrando Chico no trabalho com as leguminosas, acabou não tendo muito o que fazer.

— 'Tarde, seu Lysandre — o caseiro cumprimentou, erguendo o rosto da direção da terra. — Como foi com a dona Lurdes? — questionou.

— Ela mandou seus cumprimentos para você — Lysandre passou o recado. — Você sabia sobre a quermesse da vila? — inquiriu, lembrando de todo o trabalho que vira na praça matriz.

— Ah sim, fiquei sabendo da última vez que fui à igreja. Mas esqueci de falar pro senhor. — Àquela altura, Chico havia parado o trabalho no pé de alface, mais absorto na conversa. — O senhor vai? — O fazendeiro negou com a cabeça. — Eu tava pensando em ir mais pro final do mês e convidar… — Chico ergueu o rosto na direção do sol, olhando ao longe. — Não é a doutora Clarice chegando lá? — Ele apontou para a porteira da fazenda. O caseiro realmente tinha uma visão muito boa.

— Irei recebê-la — Lysandre anunciou e deixou o outro com o trabalho na horta. Para sua sorte, não havia muito mais o que fazer na fazenda naquela tarde. Sempre agradeceria a Chico pela tamanha ajuda que dava.

Clarice abriu a porteira e entrou na fazenda, acenando assim que viu o dono da propriedade caminhar em sua direção.

— Lys! Boa tarde — ela cumprimentou e logo alcançou o amigo, com ambos caminhando lado a lado para dentro da fazenda, passando pela casinha de dois cômodos de Chico perto da entrada. Lysandre devolveu a saudação. — Eu ia vir um pouco mais cedo hoje, por causa da festa.

— Não estamos no horário normal? — ele questionou, tentando avaliar a hora pela posição do sol. Parecia ser quase três da tarde.

A dupla passou pelas galinhas, pelos coelhos, pela horta — com Chico acenando para eles — e mais um pouco estariam chegando ao curral.

— Estamos. Mas eu mudei de ideia. 

Eles entraram e Clarice abriu a porteira da baía de Fausto, a primeira de todas, falando com o animal em uma voz engraçada. Lysandre riu. Por que será que todos faziam aquilo ao dirigir-se para bebês? Não importava a espécie do bebê.

— Não vou mais na quermesse hoje — Clarice retomou o assunto de repente, enquanto se abaixava para dar a mamadeira ao bezerro. — Por isso vim no horário normal. 

Ela volveu o olhar de Lysandre para o animal, fazendo um carinho em Fausto, que a olhou com os olhos pretos como jabuticaba brilhando para a veterinária. Era uma cena adorável de se apreciar, Lysandre marcou mentalmente para si mesmo.

— E por que não vai? Estava tão animada de manhã — questionou, apoiando os cotovelos sobre a cerca da baía e observando a veterinária de perfil para ele.

— Minha tia mudou de ideia e resolveu ir no final do mês junto da minha vó. Aí é chato eu ir sozinha, né? — ela respondeu, soltando um "opa" quando o bezerro quase puxou a mamadeira da mão dela.

Lysandre ficou em silêncio, com a mente saindo do curral e ponderando para si mesmo.

— Eu posso levá-la — ele disse de repente, fazendo com que Clarice se sobressaltasse com um "oi?". — Eu posso levá-la à quermesse — repetiu, adicionando sua intenção.

— Mas você disse que não ia… — deixou a frase morrer, voltando os olhos para o amigo na entrada da baía. — Eu vou no final do mês com elas, você não precisa ir se não…

— Eu quero ir. Com você. — Lysandre adicionou após uma pausa, fazendo com que Clarice erguesse as sobrancelhas em surpresa. 

A veterinária voltou o rosto para o bezerro, vendo que ele alimentara-se de todo o leite.

— Que horas a gente vai?


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Notas finais do capítulo

Meu Sol, Vanguart: https://youtu.be/0wyGCh_1U8I
A música que toca no rádio do carro é Nuvem de Lágrimas do Chitãozinho e Xororó: https://youtu.be/JjEDqJrAQfI
Hummm, Lysandre aceitou só pra acompanhar a Clarice mesmo ou temos outro motivo? Bora pra esse arrasta pé -q



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