Um Segredo Entre Nós escrita por Emma


Capítulo 15
Quando minha ficha caiu




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Auvers-sur-Oise era encantadora, a 30 quilômetros noroeste de Paris, a pequena comuna nas redondezas do Parque Nacional de Vexin, foi o lugar onde Daniel cresceu e coincidentemente onde Vincent Van Gogh passou suas últimas semanas de vida. Ele estava justamente lhe contando esse detalhe que ela não sabia, enquanto encantada a advogada admirava as paisagens de tirar o fôlego. 

O pequeno vilarejo era rodeado de bosques verdes, que agora com o outono, exibiam os tons marrons alaranjados que ela tanto era apaixonada, era sua estação preferida. As casinhas com aquela cadência bucólica renascentista pareciam ter saído do cenário de um filme, aliás, todo aquele lugar. Era deslumbrantemente simples e aconchegante. Exalava paz, tão diferente da agitação de Paris. Louise teria amado toda aquela natureza disponível para ser explorada... Droga! Já estava morrendo de saudades da sua girafinha.

Enquanto dirigia e fazia comentários sobre os locais que passavam, muitos retratados nos quadros do famoso pintor holandês, Daniel percebeu que sua namorada estava um tanto silenciosa, oscilando entre olhar as paisagens pela janela do carro e o celular. Foi então que buscou uma das mãos de Regina e ela olhou-o com um sorriso.

— Você está gostando daqui? – Regina adorava como ele conseguia arrancar um sorriso dos lábios dela com facilidade, ele tinha uma doçura envolvente – Sei que não teve a oportunidade de ver muito ainda e eu não parei de falar um minuto – o moreno desviou os olhos da estrada tranquila por alguns segundos a encarando com um sorriso envergonhado e um pedido de desculpas silencioso – Estou te achando um pouco calada. Não que você seja a pessoa mais falante do mundo – Mills deixou escapar uma risada concordando com ele.

— Dani – correu em se explicar – não me entenda mal por favor, eu adorei cada pedacinho do que vi até agora, estou apaixonada, estou até mesmo considerando virar uma garota do interior – agora fora ele quem soltara uma gargalhada, totalmente incrédulo aquela afirmação – Só estou pensando em Lou Lou...

— Ela faz uma falta enorme mesmo, tenho certeza que se estivesse aqui quem estaria falando pelos cotovelos seria ela.

— Louise estaria te enchendo de perguntas sobre tudo... – divagou com um sorriso melancólico.

— Na próxima vez ela virá conosco – consolou – Tenho certeza que ela está se divertindo muito com o pai e que ele está cuidando muito bem dela.

— Eu sei disso, só não estou acostumada a não tê-la por perto – a morena franziu os lábios e o namorado apertou sua mão em sinal de apoio.

— Essa noite ela estará com você amor – e tentando tirar sua mente do assunto e distrai-la para que não ficasse triste pela ausência da filha, Daniel apontou para direita de Regina e diminuiu a velocidade – você está vendo esse campo aí? Van Gogh fez um quadro dele – saindo da estrada, ele parou o veículo para que ela pudesse observar melhor.

— Ah, eu sei qual é a pintura, aquela famosa com os corvos sobrevoando os campos.

— Sim, essa mesma. O nome é “campos de trigos com corvos”.

— Ele teve um cenário fantástico – suspirou deixando os olhos passearem vagarosamente pela paisagem.

— Você quer descer um pouco?

— Claro – entrando pela estradinha de terra que dava início ao campo, ele encontrou um espaço livre e o fez de estacionamento. Ambos desceram e caminharam até a placa com uma cópia do quadro original e a descrição da imagem. 

Eles ficaram em silencio observando. Ao mesmo tempo em que parecia um simples retrato do campo a sua frente, conseguia-se sentir a aflição e angustia do pintor. Regina não era especialista em artes, na verdade, apesar de adorar contemplar tantas formas de expressões artísticas, conhecia muito pouco sobre esse universo, todavia, era impossível não sentir a arte de Van Gogh. Era viva, como se fluísse para fora da tela, não apenas pelos traços impressionistas/expressionistas, mas por toda emoção que exalava. 

Aquela em especial era intensa, densa e até um pouco perturbadora. Ela sentiu pena em imaginar a desordem que aquela pobre alma se encontrava. Não muito depois ele se suicidou e aquela havia sido sua última pintura terminada, lhe disse Daniel. A advogada só conseguia sentir empatia diante daquela pequena confusão que ela conseguiu enxergar ir muito além do retratado, pensando em como todos nós carregamos demônios interiores e perdemos batalhas para nosso caos. 

— Vamos? – perguntou Daniel – Ou quer ficar mais um pouco? Queria passar pelo centro da cidade rapidinho antes de irmos para minha casa. 

— Tudo bem, vamos – respondeu com um sorriso. Porém, antes de se virar e caminhar para o carro, ela encarou a obra mais uma vez, percebendo que havia gostado tanto daquele quadro pois de certa forma tinha se identificado. Tinha um pequeno caos dentro dela também, que embalava a confusão de seus sentimentos... e ela não fazia ideia do que fazer com aquilo.         


* * *           



Pai e filha tinham acabado de sair de uma montanha russa. A menina o olhava com um sorriso imenso no rosto, ela estava feliz e automaticamente fazia com seu coração se enchesse de alegria. Era uma sensação única, que ele nunca tinha experimentado antes. O amor que aquela menininha lhe despertava era singular. A felicidade de sua filha tinha o poder de exterminar qualquer raiz de tristeza crescendo dentro dele. E quanto mais tempo Robin passava com Louise, mais percebia que era bom nessa tarefa. Foi assim que ele decidiu que aquele seria seu principal objetivo na vida. Fazer Lou Lou sorrir daquela maneira todos os dias. Ele se reinventaria e descobria novos caminhos e formas, mas enquanto ele vivesse, aquela criança seria feliz e amada.

Puxou seu celular e fez uma foto dela. Estava fazendo uma coleção de tantas que tinha. Não podia se ajudar, não resistia. Sua garotinha além de encantadora e vivaz, era linda. Ela tinha a beleza deslumbrante, misteriosa e intrigante de Regina, mas tinha sua energia, seu jeito, sua descontração... Era uma combinação irresistível e Locksley jamais imaginou se apaixonar e amar outra mulher depois da mãe dela, entretanto, Lou Lou lhe provava o contrário. 

Despertando da sua pequena viagem de pensamentos que durou alguns segundos, eles foram ajudados por um funcionário do parque a tirar as proteções e Robin puxou Louise para uma selfie, sem pensar muito, ele selecionou essa e uma outra foto de Louise sozinha tomando sorvete e enviou para Regina. Ela mesmo o tinha pedido para fazê-lo se se lembrasse, então, que mal tinha? Olhou no relógio e viu que já era meio dia, virando-se para a filha, indagou:

— Já está com fome lindinha? Acho melhor recarregarmos as energias agora, assim teremos forças para aproveitar mais. Vamos?

— Vamô, eu já tava com fome mesmo — eles deram um sorriso cúmplice, Robin tomou a mão dela e partiram rumo a área dos quiosques. 

Tinha uma vasta gama de opções, virando-se para a pequena perguntou:

— O que você gostaria de almoçar Lou Lou? – a menina o fitou com os olhos brilhando de emoção.

— Eu posso escolher o que eu quiser? – pediu emocionada. Robin estava quase concordando, quando, por dois milésimos de segundos, sua mente o lembrou de Regina. Ela daria qualquer para aquela criança comer? Ele duvidava muito. Deveria ter perguntado. Obviamente queria ser um pai legal, mas enche-la de porcarias certamente não seria uma escolha sabia.    

— Sua mãe te deixa comer o que você quer? – o loiro arqueou uma sobrancelha e ela mordeu o lábio inferior para esconder um sorriso malandro, desviando o olhar, pois sabia que seu plano estava indo por água abaixo graças a sua empolgação.

— Não... – Lou Lou voltou a encara-lo com aquele olhar pidão, justamente aquele que Robin tinha descoberto não resistir. Sua garota era muito esperta, estava tentando virar o jogo.

— Que tal um hamburguer? – negociou – Tenho certeza que sua mãe não reclamaria – Louise exultou, puxando-o para baixo até que estivesse na sua altura.

— Vou te contar uma coisa – sussurrou – hamburgueres são o ponto fraco da mamãe e a gente sempre come. Não diz pra ela que eu te contei viu? É nosso segredo.

Ele sorriu. Sabia que Regina era louca por hamburguer. Eles tiveram sua cota na universidade. E pizza também. Porém, essa era a comida preferida dele que ela tinha aprendido a amar. Eles comiam nas sextas a noite com vinho e depois faziam sexo. Não era uma regra, entretanto quando tinha vinho, geralmente eles terminavam na cama e não era para apenas dormir. Engoliu a seco. Sua mente não deveria transitar por aquele território com sua filha ali.

— Não vou contar que você me disse, mas preciso te dizer que eu já sabia Lou Lou – ela o olhou chocada, tanto que ele quis sorrir.

— Quem te contou?

— Eu namorei sua mãe sabia? Conheço as coisas que ela gosta – ele deu dois toques com o indicador no nariz dela carinhosamente, puxando-a delicadamente para a fila do quiosque.

— O que é namorar Robin? – inquiriu curiosa alguns segundos depois.

— Uma coisa que eu espero que você não faça nunca na sua vida – soltou em sussurro alto, mais para si do que para sua filha. 

— Por que? É ruim? – ela se desesperou, arregalando os olhos e ele sorriu de si mesmo e dela, pensando em como explicar o porquê não queria que ela namorasse um dia.

— Não, não é ruim Lou Lou, eu estava brincando – tranquilizou-a, mesmo que a ideia lhe parecesse horrível no momento – Namorar é começar a compartilhar a vida com uma pessoa que você ame e construir um futuro com ela.

— Ahh... Tipo a mamãe e o tio Daniel? – rapidamente Robin amaldiçoou-se por ter começado aquele assunto.

— Sim – tentou encerrar o argumento, mas a pequena, ainda não satisfeita, o reabriu.

— Eu gosto dele – ela o encarou e ele se segurou para não revirar os olhos – eu tinha até dito para a mamãe que queria que ele fosse meu papai sabe – Robin sentiu seu coração se partir, então ela o surpreendeu – mas isso foi antes deu conhecer você – sorrindo envergonhada, continuou –  feliz que meu papai é você e que a gente se encontrou e vai ficar junto pra sempre – e com a mesma facilidade e inocência com que o havia despedaçado, Louise o reparou. Seus olhos estavam marejados. Ele até precisou de um minuto para responde-la, pois sua garganta tinha secado.

— Também estou muito feliz em ter você como filha lindinha e agora que estamos juntos, ninguém vai nos separar. Eu te prometo – piscou, beijando sua cabeça.

A menina sorriu, contente com a resposta. Entretanto parecia pensativa, eles continuavam na fila, então ela puxou sua mão novamente, atraindo sua atenção para si.

— Robin, posso te fazer uma pergunta? – Louise o encarava com uma carinha de curiosidade muito fofa.

— Claro Lou Lou – sorriu, já esperando a pequena bomba que ela soltaria. 

— Você disse que namorou minha mamãe e que a gente só namora quem gente gosta muito... Você não ama mais ela? Por isso não tão mais juntos?

— Louise... – o loiro quis sorrir. Ele nunca tinha deixado de amar a mãe dela. Talvez nunca deixaria... Todavia, como explicar o que tinha acontecido entre ele e Regina para sua filha? Era muito para aquela criança assimilar – é uma história complicada...

— Vocês adultos sempre dizem isso – cruzou os braços. Quando ia tentar se justificar, tinha chegado a vez deles na fila e ele agradeceu, pedindo um segundo ao atendente, se virou para a garotinha.

— Prometo que quando você for mais velha, te explicarei o que aconteceu. Acredite, existem coisas difíceis de processar até mesmo para sua cabecinha esperta – Louise concordou não muito satisfeita, mas não tinha escolha. Virando-se novamente para o homem a sua frente, ele fez os pedidos e se afastou com a senha em mãos, procurando uma mesa para se sentarem. Quando estavam acomodados, pediu – por que toda essa curiosidade sobre mim e sua mãe hoje mocinha?

— Porque uma vez eu perguntei para a mamãe se ela te amava, quando vi o anel que você deu no dedo dela – coração de Robin começou a acelerar, ele nem sabia porque estava em expectativa pelo que ela diria – e ela me disse que te amava tanto que não podia te deixar ir embora sem que você deixasse um pedacinho seu com ela. Ela estava falando de mim – a menina acrescentou orgulhosa e pausadamente, como se ele não fosse entender o significado do que ela estava dizendo, muito possivelmente era o modo como Regina lhe explicava as coisas. Ele não resistiu soltar uma risada.

Locksley aproximou ainda mais suas cadeiras e começou a arrumar algumas mechas que tinham soltado fora do penteado delicado que Regina tinha feito. O relacionamento dele e Regina não tinha durado muito, para sua tristeza, porém, o amor que eles cultivaram naquele tempo, gerou Louise. Sempre teria um pedaço seu que pertenceria a ela e um pedaço dela que pertenceria a ele. Eles poderiam seguir em frente com outras pessoas, como ela estava fazendo agora, todavia, estariam conectados para sempre.

— Sempre irei amar sua mãe Louise – buscando os olhos dela, continuou – porque ela me deu você, a melhor coisa que me aconteceu – a menina pulou em seus braços, abraçando-o e ele a manteve apertado em seu abraço, até ela se afastar e lhe oferecer seu belo sorriso – Agora, eu estava aqui pensando... O que você acha de conhecer a cidade onde eu moro qualquer dia desses? – os olhinhos dela brilharam em expectativa.

— Eu acho muuuuuito bom – respondeu batendo as mãozinhas – Eu quero conhecer a Inglaterra. E lá que tem aquela roda gigante enorme, não é? A mamãe me disse o nome, mas não lembro mais – Lou Lou bateu a palma da mão na testa, chateada com ela mesma pelo esquecimento.

— É lá sim Lou Lou, e o nome é London Eye.

— Isso, esse mesmo! Podemos ir lá?

— Podemos sim – ela saltitou de felicidade.

— É verdade que a gente consegue ver o outro lado do oceano lá de cima? – os olhos dela cresceram em expectativa.

— Não princesa, mas conseguimos ver bastante coisa – sorriu do seu desapontamento e lembrando-se de algo, falou – Lou Lou... Você gosta tanto de música, tem vontade de aprender a tocar algum instrumento?

Os olhinhos tão azuis quanto os seus brilharam de excitação outra vez, enquanto ela balançava a cabeça e respondia:

— Sim Robin, eu gosto muito de violão e piano – Locksley não resistiu sorrir deliciado. Ela podia ser mais sua filha? – Por que?

— Porque se você quiser, posso te ensinar a tocar.

Louise se lançou contra ele, abraçando suas pernas desajeitadamente e quase o fazendo tropeçar uma vez que não esperava o ato. Tocado, ele esfregou carinhosamente suas costas, fazendo uma carícia em seus cabelos.

— Eu adoraria – fitou-o com seus grandes e doces olhos cheios de pureza e admiração – Você é mesmo o melhor papai do mundo! Obrigada.

 

 

* * * 



Daniel os tinha guiado pela estrada até um pequeno castelo em comparação as proporções de todos os outros que ela já tinha visto pela França, conhecido como Castel Val, era lindo e mais parecia um grande chalé, com sua estrutura em pedra e janelas de ladrilhos vermelhos que ostentavam belos vitrais, alguns ainda da construção original do início do século XX. Era um charme. Depois seguiram passando pelo Château* de Auvers, eles não entraram, mas a construção, cercada por um pequeno bosque, era elegante e tinha um jardim de tirar o fôlego.

Continuaram dirigindo até chegar ao centro da cidade. Era muito belo, parecia muito que haviam parado no tempo, talvez por ser um ponto turístico, tudo ainda era muito preservado e remetiam muito a arquitetura renascentista francesa, ao campo e ao aspecto bucólico que os cercavam. Tinha a imponente igreja, que acabou virando outro quadro do grande pintor. O museu do absinto e por fim, os túmulos de Van Gogh e seu irmão Théo. 

Eles desceram por alguns minutos, admirando a casa ao redor, até chegarem à sepultura. Era simples, com duas lápides em pedra com inscrições contendo seus nomes e datas de nascimento e morte, entretanto, o que fascinou Regina, fora o fato de a pequena relva sobre os túmulos estar cheia de girassóis. Uma pequena homenagem dos visitantes ao talentoso pintor.

Após observarem por mais algum minutos, eles partiram finalmente rumo a casa de sua sogra. Ao chegarem na propriedade rural, afastada do centro e cercada por uma cerca simples de madeira pintada de branco que abrigava um enorme prado verde, Regina até mesmo conseguiu ver cavalos em uma baia. Estava confusa, até ler o nome na entrada: Rancho Colter. 

Logo ao fundo, ela pode avistar a casa azul claro de dois andares, com vasinhos de flores pendurados nos balcões das sacadas superiores e nas janelas de moldura branca. Tinha uma varandinha coberta, cercadas por mais minúsculas flores vermelhas que casavam demasiadamente bem com o ambiente. O lugar gritava aconchego, amor, lar, então, quando Daniel parou o carro e ela desceu tentando inspirar tudo aquilo para seu peito, toda aquela sensação que seus olhos viam, simplesmente não funcionou, nada aconteceu. Pois, por mais que ela desejasse, sabia que aquele lugar, ele, jamais seria o lar que seu coração reconheceria como seu.

Espantou aquele pensamento assim que vi uma senhora muito bonita e de semblante gentil saindo da casa com um sorriso de orelha a orelha direcionado ao seu namorado. Ela pode ver ali o quanto aquela mãe admirava seu filho. Merecidamente diria ela. Então, depois de ir até ele e abraça-lo apertado, se virou para Regina, ainda com um sorriso desenhado nos lábios finos. Mills continuou sorrindo, percebendo o mesmo olhar doce de Daniel nela, mas a mulher mais velha logo lhe abraçou, beijando sua testa e rompendo o gelo:

— Meu filho não estava exagerando quando elogiou sua beleza – ela olhou da nora para o filho, que abriu um sorriso enorme – Você é belíssima Regina, muito mais pessoalmente que por fotos.

— Obrigada dona Cécile – a advogada corou pelo elogio – a senhora que é muito gentil. Prazer em finalmente conhecê-la.

— Estou muito feliz em tê-la aqui na minha casa. E por favor sem formalidades, apenas Cécile – pediu lhe dando uma piscadela – agora vamos entrar? Preparei a mesa para nós na varanda, o dia está tão agradável que seria um pecado comer lá dentro. Venham – a mais velha das mulheres liderou o caminho, subindo pela escadinha de dois degraus que ligava a casa ao jardim e Daniel tomou a mão de Regina guiando-a atrás de sua mãe.

 

 

* * *         



Regina tinha entrado em uma conversa tão gostosa com Daniel e sua mãe que não tinha nem mesmo olhado para o telefone, estava sendo tão bem recebida por aquela pequena família que abaixou suas barreiras e se deixou envolver pela cordialidade dos Colters.  Ela nunca tinha recebido tanto favor de alguém que vira pela primeira vez, sua sogra falava e a ouvia com atenção, paciência e interesse, o que a fez perceber que se Daniel era o homem incrível que era, era porque tinha crescido cercado de muito amor e tinha sido criado por aquela mulher maravilhosa. Por ela e pelo pai Elliot, morto por um infarto, há pouco menos de 5 anos. Mesmo que fosse um assunto doloroso, que ela pode ler no olhar de ambos, seu sogro era lembrado com muito carinho. Ele fazia parte daquele ninho de amor sem fim, que envolvia todos que se aproximavam.

 Quanto mais falavam, mais Regina constatava que Cécile era apaixonante, tanto que se perguntava o porquê de ter adiado tantas vezes aquele momento. Depois da sua última experiência, ficara tão assustada que quase perdeu a oportunidade de se relacionar com uma sogra que estava mais do que feliz em tê-la ao lado do filho. E assim, comiam embalados pelo som da natureza e pelas histórias da infância de seu namorado, que ela descobriu ser um traquina, quando junto dos amigos da vizinhança. 

Enquanto a mulher mais velha narrava o dia em que Daniel e os amigos soltaram todos os cavalos pelas ruas de Auvers, Regina se virou para encará-lo e o pegou olhando para ela deslumbrado, ela sorriu sem graça e Cécile viu o quanto o filho estava apaixonado por aquela jovem. Todavia, apesar de ver muito carinho e admiração na forma como sua nora o olhava, não sabia se a profundidade dos sentimentos era recíproca e queria muito descobrir. 

Depois da sobremesa, uma deliciosa torta de maçãs conhecida como Tatin, o casal, depois de muita resistência por parte da anfitriã, ajudou a retirar a mesa e lavar as louças. E quando tudo estava limpo, Daniel perguntou se ela queria montar um pouco. Regina declinou, explicando que não era um bom período do mês para aquilo, eles sorriram e ela pegou o celular para verificar se havia qualquer mensagem de Robin, percebendo que o mesmo estava descarregado. 

Procurando urgentemente seu carregador na bolsa, se apressou em pedir por uma tomada que pudesse usar. O aparelho demorou alguns minutos para ligar, Daniel insistira em esperar, mas ela o dispensou, dizendo para que o mesmo aproveitasse o tempo e fosse, qualquer problema ela o chamaria. Cécile se ofereceu para fazer companhia a moça, que aceitou de bom grado. Depois de um selinho, ele partiu. Deixando sogra e nora juntas na sala da casa.

Quando finalmente ligou, o aparelho em sua mão vibrou com as mensagens que chegaram. Não haviam ligações perdidas, o que a deixou mais tranquila. A ideia de sua filha haver precisado dela e ela não estar alcançável lhe estava apertando o coração. Vendo que entre as notificações havia uma de Robin, ela abriu primeiro aquela.

Eram duas fotos. A primeira tinha Louise toda lambuzada comendo um sorvete de casquinha. Meneou a cabeça com um sorriso traiçoeiro que ela nem percebeu escapar de seus lábios. Ele a havia entupido de doces e pelo horário não era nem mesmo hora do almoço! A segunda era uma selfie deles em uma montanha russa. Seu coração se aqueceu em confirmar que sua filha estava realmente bem e se divertindo. O sorriso eufórico no rosto da menina não negava. Por um momento, ela percebeu que daria tudo para estar lá, com sua menininha, com os dois. Como se seu coração lhe dissesse que seu lugar, por mais bem que estivesse se sentindo naquela casa, não era ali. Ela não pertencia aos Colters, por mais que tentasse...

— Foi sua garotinha quem fez brotar esse sorriso lindo nos seus lábios, minha querida?

— Foi sim, eu já estou morrendo de saudades – Regina afirmou enquanto se aproximava e estendia o celular para que Cécile pudesse ver Louise.

— Oh, ela é adorável! Tão linda quanto você – Regina agradeceu com um sorriso genuíno – Com exceção dos olhos, que suponho que sejam do pai.

— Sim – a advogada deslizou para a outra foto para que sua sogra pudesse confirmar o que havia suposto.

— É engraçado, porque ao mesmo tempo em que se parece com você, ela tem muito dele também – a morena acenou – Eles parecem ter uma relação muito linda. Ela é muito apegada a ele? Geralmente as crianças nessa idade são, me lembro que Daniel não desgrudava de Elliot quando chegava em casa da escola.

— Você acreditaria se eu te dissesse que eles se conhecem há pouco mais de um mês? – Mills riu nervosa, mas se sentiu à vontade para falar sobre aquela parte de sua vida com ela.

— Como assim? – Cécile riu não entendendo – mas eu não quero ser invasiva, se você não quiser falar não se preocupe. 

— Eu e o pai de Louise tivemos uma história muito bonita que terminou de forma complicada, para não dizer trágica. Vou resumir dizendo que a mãe dele me odiava, não suportava o fato deu não ser da nobreza como eles. Um pouco depois que ele me pediu em noivado, acabei ficando grávida e por uma série de desencontros ele nunca soube. A mãe dele armou para mim fazendo eu pensar que ele tinha engravidado outra, meu pai também interferiu e um vim embora achando que ele não me queria, quando na verdade ele procurou por mim por tanto tempo. Nos encontramos mês passado inesperadamente em uma audiência e desde então estamos lidando com tudo. Robin tem sido ótimo para Louise e isso é o que importa para mim – Regina iniciou a olhar a foto que tinha apenas mostrado a sua sogra com uma mistura de pesar e amor que não passou despercebido a outra mulher ao lado dela, que com a experiência que tinha, sabia bem o que aquele olhar cheio de significado queria dizer. Cécile se compadeceu.

— Tem certeza que é a única coisa que importa para você minha filha? – sua sogra a encarava com um olhar cheio de compreensão.

— Cécile... – começou Mills sem entender bem o que ela queria dizer.

— Não estou aqui para julgá-la meu bem, só gostaria de entender o que você sente pelo meu menino. Ele está tão apaixonado por você, eu vejo tanto amor e devoção nos olhos dele por ti e por aquela garotinha linda. Não sei se você percebeu, mas Daniel está pronto para tudo, se ele ainda não lhe fez um pedido, acredite, falta muito pouco, eu o conheço muito bem para saber.

Os olhos de Regina cresceram e suas sobrancelhas quase tocaram a linha do couro cabeludo... Meu Deus, eles ainda não estavam prontos para aquele passo! E se ele lhe fizesse o pedido, o que ela lhe diria? Sua mente começou a confabular uma série de possibilidades quando Cécile lhe trouxe de volta tocando suavemente sua coxa.

— Eu... nós... não falamos sobre isso ainda Cécile, estamos juntos há tão pouco tempo que não sei se já chegamos nesse nível e – a senhora Colter a cortou gentilmente:

— Quanto tempo você tinha com seu ex quando aceitou a proposta dele? – Regina continuou a fita-la em silêncio, engolindo a seco, ela tinha sido pega.

— 7 meses – revelou abaixando a cabeça em seguida. Cécile não queria que ela se sentisse mal, então abraçou-a da melhor forma que pode e levantou o queixo de Regina para que pudesse olhar em seus olhos novamente – eu não quero que me entenda mal, meus sentimentos por Daniel são reais.

— Oh minha criança, eu sei – ela lhe tocou a bochecha carinhosamente, enxugando uma lágrima que Regina nem viu cair – eu vi como você o olha com tamanha admiração, sei que gosta dele de verdade. Entretanto, seria o suficiente para construir um futuro com ele? 

— Daniel é fácil de amar, eu o adoro e estou construindo algo lindo com ele agora, aos poucos chegaremos lá.

— Seria assim ou você tem repetido isso para si mesma até que vire uma verdade?

Novamente sem respostas. Abriu a boca, porém nada lhe veio. O que aquela mulher tinha que conseguia lê-la tão bem daquela forma? Era uma vidente? Mills não sabia o porquê, todavia, não conseguia parar de se abrir. Ela tinha conseguido em menos de um dia, o que Madeline levara anos.

— Eu só... – suspirou buscando outra vez os olhos de sua sogra – era tudo mais fácil antes dele reaparecer, eu estava seguindo minha vida com Daniel, feliz por ter achado alguém tão bom como ele para amar de novo, então Robin voltou – Regina franziu o cenho e Cécile percebeu que aquilo realmente doía nela – descobri que ele não foi o covarde que eu pensei que fosse... e minha mente começou a me sabotar, pensando em como teria sido, sabe...? – a mais velha continuou acariciando o rosto de Regina com a delicadeza do toque de uma mãe quando tenta consolar um filho.

— Vou te fazer uma pergunta e preciso que seja sincera como foi até agora comigo – a advogada acenou – Se tivesse a oportunidade de ter uma chance com o outro, você aceitaria?

— Essa possibilidade não existe Cécile e mesmo que existisse, jamais faria algo que ferisse Daniel. Eu me importo demais com seu filho para fazer algo do tipo.

— O que você não pode fazer é receber um coração por inteiro e dar só a metade do seu como retorno – a senhora colocou uma mecha do seu cabelo atrás da orelha, olhando-a profundamente e sem perder a ternura que habitava ali. Ela pode ver os mesmos olhos verdes doces e compreensivos de Daniel que a tinham conquistado – Quem ama minha querida, merece totalidade e se você não pode dar isso ao meu filho, não o prive de encontrar alguém que o fará – afagando sua mão, Cécile continuou – E nem se prive de ter alguém que você ame com todo seu coração. 

— Mas... – Regina a encarava tentando fazê-la entender a insanidade que parecia aquele pedido.

— Pense a respeito, ok? Sei que seus sentimentos pelo meu Daniel são verdadeiros, todavia, eu vi como você olhou para aquela foto, a que tem ele, vi quando seus olhos ficaram nostálgicos e ao mesmo tempo desejosos, como se vocês 3 juntos fosse tudo o que quisesse e não pudesse ter. Mesmo que você insista em negar para si própria, tudo o que queres, é a sua família reunida e meu menino não faz parte dela. 

— Eu sinto muito – outra lágrima escorreu pela bochecha dela e a gentil senhora a secou.

— Oh minha filha, não sinta, a gente não manda no coração não é mesmo? – ela sorriu e Regina lhe ofereceu um sorriso grato como resposta – Você é muito jovem para já ter sofrido assim tanto.  Espero que a vida seja gentil contigo daqui para frente, pois você merece – deixando um beijo gentil na testa de Regina, Cécile se levantou após alguns minutos tendo-a nos braços. Com seu habitual sorriso doce, estendeu a mão para Mills que a tomou sem pensar e guiou-as pela saída da cozinha para que pudessem ver Daniel montando no picadeiro não muito distante do quintal.

 

 

  * * *   



Quando a campainha do apartamento de Regina soou, já havia passado das oito e meia da noite, ao abrir a porta, se deparou com Robin segurando uma adormecida Louise que repousava a cabeça em seu ombro direito. Ela se apressou em deixa-lo passar, pegando a mochila pendurada no outro ombro para ajudá-lo.

— Ela acabou dormindo no carro quando estávamos voltando.

— Você com certeza a destruiu, porque Louise geralmente é dura na queda – eles sorriram um para o outro e seguraram o olhar, como se algum tipo de magnetismo os atraísse a continuar ali, naquela troca silenciosa. Regina lembrou-se vividamente de tudo o que Cécile lhe tinha dito mais cedo. Seu coração começou a acelerar e engoliu seco, quebrando a conexão.

— Eu a coloco na cama? – pediu ele.

— Sim, por favor – ela foi na frente abrindo a porta, antes que ele a deitasse na cama tirou os sapatos da menina e depois trocou a roupa por um pijama confortável. Ambos deram um beijo na testa da filha e Regina ligou a luz noturna, deixando-a repousar tranquila em seu quartinho.

— Como foi? Ela se comportou bem? – perguntou quando chegaram a sala de estar.

— Sim, ela foi maravilhosa. Fiquei com medo que ela sentisse muito sua falta e pedisse para voltar, mas Lou Lou adorou.

— Fico feliz Robin, isso mostra que ela já está bem acostumada contigo.

— E foi pensando nisso que eu... – protelou alguns segundos, pois tinha receio que ela não concordasse e iniciassem um problema por aquilo – queria te pedir permissão para levá-la comigo a Nottingham alguns fins de semana. Têm algumas pessoas que eu gostaria que ela conhecesse – Locksley, ainda que sem perceber, a olhou com a mesma cara de cachorro pidão que Louise fazia quando queria alguma coisa. Ela quis sorrir.

— Por mim tudo bem – concordou sem retesar – ela pode fazer meio período na escola nas sextas que você quiser levá-la – sugeriu – assim vocês têm mais tempo juntos.

— Seria perfeito – ele sorriu agradecido – também precisamos resolver as coisas do reconhecimento de paternidade, assim evitamos tantas burocracias nos aeroportos.

— Claro. Isso é um processo simples. Você fica aqui até segunda-feira? – Robin acenou – Perfeito! Podemos ir até o cartório dar entrada, ok?

— Ok – ele continuou encarando-a, sabendo que devia dar a deixa para ir embora, mas, sua cabeça não concordava com seu coração e ficou ali, aproveitando seus últimos segundos para admira-la. Ela continuava com as roupas de mais cedo, linda e quando ele ia finalmente dizer, Daniel saiu do banheiro enrolado com a toalha na cintura e uma outra menor enxugando o cabelo.     

— Chéri, eu esqueci... – ao ver Robin ele parou e rapidamente se desculpou pelo modo como se tinha apresentado – eu não ouvi que vocês tinham chegado, meu Deus me desculpe, esqueci minhas roupas limpas no quarto – envergonhado ele apressou os passos até o quarto de Regina para se trocar.

Regina voltou a encarar Robin e o olhar ferido que ela via ali cortava seu coração. O que ela deveria fazer? Era Daniel quem era seu namorado, ela não tinha culpa que ele precisou de um banho após derramar café cremoso em suas roupas e cabelo quando estavam na frente do prédio dela vinte minutos antes.

— Eu acho melhor ir andando, já está ficando tarde e não quero atrapalhar a noite de vocês – apressado, começou a se mover rumo a porta – Amanhã combinamos tudo para ir até o cartório – ele abriu a porta velozmente passando por ela, como se de repente tivesse que fugir dali – boa noite.

— Boa noite Robin – ela sussurrou para as costas dele, enquanto olhava em direção ao seu quarto e novamente para o caminho que percorria Locksley, pensando nas palavras de sua sogra, sabendo que por mais nunca o tivesse outra vez, ela precisava fazer algo a respeito. 

Seu coração doía por Robin e não por Daniel, ficara tão nítido agora que o via ir embora depois do modo ferido como o olhara, Mills queria correr até ele e consolá-lo, tê-lo em seus braços e nunca mais deixá-lo partir... Cécile tinha razão, quem ama merece totalidade e não era o que ela podia oferecer ao seu namorado.

.

.

.

“Tudo que faço, faço pensando em você, 

não sei mais o que fazer,

você me tem, você me tem, querido

tudo o que eu faço, eu faço somente por você

Querido, seja paciente comigo

e por favor, não se apaixone por alguém novo... 

Eu prometo que um dia irei voltar para você”                              

Someone new - Banks 


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Notas finais do capítulo

Château: castelo.

Bem, parece que a ficha da Regina caiu né gente. Vamos ver o que vem aí agora, pq o Robin não me pareceu sair muito satisfeito não haha Enfim, me deixem saber o que acharam do capítulo, é muito importante pra mim. Beijooo



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