Deuses de carne e osso escrita por Luiz Henrique


Capítulo 22
Dezesseis


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde!
Esse é o último capítulo!
Obrigado a todos que acompanharam!
Espero que tenham gostado!
Boa leitura!



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No fundo, Kalik sabia que não possuía mais motivos para ter medo. Ainda assim, ele sentiu um desconforto despontar no estomago, à medida que se aproximava do quarto. Talvez, ele pensou consigo mesmo, porque já não estivesse mais habituado a despedidas.

No meio do caminho, acabou esbarrando em Nayeli. A idosa pediu desculpas e continuou a andar.

— Você não vai dizer mais nada? — Kalik indagou, insatisfeito — Viajamos juntos, durante meses! Sei que tivemos nossas desavenças, mas eu pensei que tivesse mais consideração por mim, agora que estou indo embora.

— Desculpe! — Ela esfregou os olhos — Também não ficarei por muito tempo. Decidi que quero viajar o mundo, espalhando a palavra do deus Sol.

— Isso é ótimo! — Sorriu — Quero dizer, combina com você.

A sacerdotisa levantou uma sobrancelha.

— Estou apenas sendo racional. Acredito que todos nós temos um objetivo nesse mundo... Entende o que quero dizer?

Sob o seu olhar intimidante, Kalik trocou o peso de uma perna, para a outra.

— Eu estive pensando muito, antes de tomar essa decisão. Agora que Adélia e Aima estão presas e seus comparsas, curados, eu posso, finalmente, me dedicar a mim mesmo e isso significa voltar para casa. Ainda existem muitas pessoas por aí, que são contrárias a intervenção dos deuses. Enquanto estivermos distantes, Kanna e eu ficaremos mais fracos e não representaremos uma ameaça aos civis.

— Aconteceram muitas coisas com você, em Thulen. Tem certeza de que quer voltar e encarar todas aquelas pessoas? Pode te trazer lembranças dolorosas....

— Eu vou ficar bem. Silla viajará comigo e iremos morar juntos, como nos velhos tempos. Além disso.... — Ele fez uma pausa — A esposa de Émile me ligou.

— E o que ela disse?

Kalik ergueu os olhos. Estavam brilhando.

— Que me perdoa.

Nayeli se aproximou do rapaz e acariciou seus cabelos, gentilmente. Kalik ficou surpreso com o gesto, mas não a afastou.

— Você mudou. Está muito mais... agradável.

—  Ou você deixou de ser tão implicante.

Os dois trocaram um sorriso cúmplice.

— Sei o que isso parece para você, mas eu não estou fugindo. — o pescador afirmou — Todos nós, ainda nos veremos, em outras circunstâncias.

— Estou contando com isso.

Quando se afastaram, Kalik seguiu em linha reta, até alcançar um cômodo fechado. Antes que pudesse tomar qualquer atitude, um homem atendeu a porta. Áquila não parecia estar esperando por ele, mas o convidou para entrar.

— Eu ouvi passos, pensei que fosse outra pessoa... — O alfaiate se sentou na cama — Mas me diga, o que te traz aqui? Pensei que estivesse ocupado, com seu novo amigo.

— Eu conheço Silla, desde que era criança...

— E mesmo assim, ele te virou as costas, quando você mais precisou. — As palavras eram duras, mas honestas — É muito conveniente que Silla tenha decidido te procurar agora. Você está famoso, é um deus!

— Você...

— O quê?

— Está com ciúmes?

Áquila virou o rosto, corado.

— Bobagem!

— Silla me criou, mas você nunca desistiu de mim. Eu reconheço isso... — Kalik segurou suas mãos — ...e por isso gostaria de agradecê-lo! Eu não teria conseguido enfrentar tudo o que aconteceu, se não estivesse ao meu lado.

O alfaiate não conseguiu se conter e começou a chorar.

— O quê? — Kalik se afastou, envergonhado — Não era minha intenção...

— Nayeli e eu decidimos nos separar.

— Eu não acredito! Vocês estão juntos há anos!

— Eu sou um homem simples, Kalik. Tudo o que eu quero é passar o resto da vida em uma casa confortável, com minha mulher e meus filhos. Mas Nayeli tem outros planos...

— Ela me contou. — Kalik afundou no colchão ao seu lado — Isso é ruim. Muito ruim.

— Nós dois chegamos a um acordo.... — ele se curvou, com as mãos no estomago — Então por que isso me dói tanto?

Kalik permaneceu ao lado do amigo, até os soluços cessarem. Depois que o alfaiate adormeceu em seus braços, ele se levantou, fechou a porta atrás de si e continuou caminhando, perdido em pensamentos. Mesmo depois de tudo o que passou, a vida ainda era capaz de surpreendê-lo.

O garoto pensou em recuar e retornar para as suas acomodações. Não estava pronto para ouvir mais notícias ruins. Contudo, alguém chamou seu nome.

— Estávamos falando de você... — disse Yandina, enquanto se aproximava

Kalik engoliu em seco.

— Já que está indo embora, pensamos em te dar uma coisa, para que não se esqueça de nós.

Niara passou pela amiga, e entregou em suas mãos, um colar de contas.

— Fizemos outros, para cada um dos nossos amigos. Você gostou?

Kalik esboçou um sorriso sincero.

— Eu adorei!

— E nós temos novidades. — Niara esfregou as mãos, como se não pudesse conter a ansiedade — Yandina e Simbo estão namorando!

A agricultora cobriu o rosto com as mãos.

— Nós decidimos morar juntos. — ela explicou — Eu sei que pode parecer exagero, mas essa foi a melhor decisão que poderíamos ter tomado. Eu amo a minha mãe, ela me disse que seria bom vivermos na mesma casa, novamente, e até me ofereceu um cargo importante no seu gabinete, mas dessa vez, eu quero fazer as coisas do meu jeito. Vou voltar a estudar e no futuro, posso conseguir um emprego melhor, por conta própria.

Niara tocou o braço de Kalik e começou a falar.

— Eu e Melina estivemos pensando e seria bem legal se todos nós continuássemos nos falando, através de cartas. Não me levem a mal, eu me sinto muito satisfeita comigo mesma por ter ajudado os deuses, mas agora que vou voltar para Hibira, preciso de um motivo para me levantar da cama, todos os dias.

— Parece uma ótima ideia! — Kalik sorriu — Eu vou sentir saudades!

— Nós também! — responderam as duas, em uníssono.

Mais tarde, Kalik encontrou Rizvan, sentado de frente para a piscina, vestido com roupas de banho. Assim que o viu, o estudante umedeceu os lábios e bateu com uma das mãos no chão ao seu lado, indicando que o rapaz deveria se aproximar.

— Eu precisava mesmo falar com você.

Kalik levantou a sobrancelha, confuso.

— Não conversamos muito desde que... bem... você sabe...

— Desde que você e Kanna se beijaram?

Rizvan assentiu, envergonhado.

O pescador soltou uma risada.

— Eu sei o quê está pensando. Algumas vezes, eu também achei que Kanna e eu estivéssemos destinados a ficar juntos, mas eu não acredito mais nisso. Nós precisávamos agir como seres de carne osso para compreendermos os sentimentos humanos.

— Quer dizer, que está tudo bem para você?

— Diga-me uma coisa, vocês estão felizes, juntos?

— Sim. — Rizvan respondeu, rapidamente — Combinamos de visitar um ao outro, toda semana.

— Então não há nada para se preocuparem.

— Certo... — o estudante respirou fundo — O que acha que vai acontecer agora?

— Eu não faço ideia. — respondeu, com sinceridade — Vamos apenas continuar vivendo...

Kanna abriu a porta do vestiário. Ele tinha o peito desnudo e usava uma sunga.

— Kalik?

O pescador se levantou.

— Nós já encerramos a nossa conversa, não se preocupe!

Antes que pudesse prosseguir, Kanna segurou sua mão.

— Por que não fica mais um pouco? Ainda é cedo.

Kalik ponderou durante alguns segundos, mas acabou assentindo, mesmo assim.

— Eu estava pensando, Kanna... — ele começou a falar — Estamos ligados. Isso quer dizer que nós dois morreremos no mesmo dia? E depois disso? Retornaremos para o céu como se nada tivesse acontecido?

— Nós nos lembraremos do que aconteceu. Ao menos, eu espero que sim.

O pescador fechou os olhos e se concentrou nos sons a sua volta. Desde o movimento turbulento das águas até as risadas inocentes das crianças brincando. Nem tudo era perfeito, o rapaz pensou consigo mesmo, mas não havia nada que ele fosse mudar.


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