Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 6
006. Como Você Dorme Quando Mente Para Mim?




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Dominic deixou a câmera sobre a mesa do estúdio e se atirou no sofá de couro negro, coçando os olhos para afastar o sono e bocejando involuntariamente para demonstrar a preguiça que chegava faceira como uma brisa inesperada. As costas doíam de ter de continuar dormindo no seu estúdio, já que havia ficado sem cama após se separar de Alexei. Algo dizia que era daquilo para pior – e que, mais cedo ou mais tarde, devia colocar uma cama no seu escritório ou alugar um novo apartamento. A segunda opção parecia mais satisfatória, visto que Domi nunca gostou de espaços pequenos e limitações.

Era noite. Ele não soube – e nem quis saber – as horas exatas. Estava escuro e isso bastava para que as lembranças tomassem forma e consumissem sua alma como bestas vorazes consumindo carne. Deitou-se de mal jeito sobre o sofá, ajeitou os pés na mesa de centro, desabotoou dois botões da camisa verde-escura, colocou uma mão sob a cabeça e deixou a outra alisando o próprio peito, enquanto encarava o teto do estúdio. Ele se lamentava profundamente por ter tido a ideia de enfeitar o teto com fotografias que havia tirado e criado um afeto especial com o passar dos anos. Estava cara-a-cara com todos os fantasmas de seu passado – e, principalmente, seu fantasma do presente, visto que a grande maioria das fotografias eram de Alexei. Domi suspirou profundamente, fechou os olhos e tentou dormir...

..., mas as lembranças gritavam tão alto que nada as calariam, nem o sono e provavelmente nem a morte. Aquela noite... Aquela maldita noite.

− E então? – o jovem vampiro questionou, enquanto era fotografado por Dominic, trajando unicamente as roupas de baixo. Ele se mexeu e colocou as mãos atrás da cabeça, deixando seus bíceps à mostra. Domi sentia seu corpo arder em paixão e os olhos pesarem, entorpecidos pelo hipnotizante aroma do sangue do rapaz a sua frente. Tirou uma foto, outra, mais uma, outra pose, sentado, de pé, deitado, com chapéu, de rosto, de corpo inteiro, dos pés...

− Perfeito, Edric. – Dominic disse ao fim, quando já deviam ter tirado ao menos cem fotografias. O jovem vampirou saltitou de alegria e se jogou no sofá de couro do estúdio. Domi sorriu com a virilidade e animação jovial de Edric, enquanto ajeitava a aparelhagem de luz e fotografia para poder fechar o estúdio. – Sabia que você fotografaria bem. Seu rosto é perfeito para a campanha do governo contra a venda de sangue – ele afirmou convicto. Edric ergueu as pernas e as cruzou no ar.

− Claro – ele disse em tom irônico – Só um vampiro poderia conscientizar os outros... – afirmou, convicto – Em especial um como eu... – ele disse, se levantando e indo até Dominic – Que sou especialista a convencer a todos – ele sussurrou de maneira sensual ao ouvido de Domi, que retribuiu com um sorriso sádico e cheio de segundas intenções, enquanto envolvia os braços na cintura de Edric e apalpava seu corpo. – Olha o maridinho... – Edric debochou.

− Ele está fora da cidade... – afirmou – Não consigo ficar sozinho... Você ficaria comigo? – suplicou entristecido. Edric riu e se aconchegou no chamego de Dominic, olho-a-olho, como em um enquadramento perfeito para um polaroide, e sorriu.

− Já estou aqui – afirmou, entregando à Dominic um beijo ardente e cheio de poder e manipulação. Domi se envolveu na carícia de maneira avassaladora, como uma mistura de luzes na criação do cenário perfeito. Se tornaram um só, a luz e a sombra, se fundindo num beijo espetacular... Que não durou mais que dois minutos, quando a porta do estúdio se abriu e Alexei entrou, os encontrou agarrados e não soube esboçar outra reação que não fosse a de ir embora dali o mais rápido possível.

As circunstâncias e as consequências da eternidade são inexplicáveis e imprevisíveis. Se tornar um vampiro é assinar um contrato obscuro, cheio de brechas e linhas pequenas, pronto para corromper sua vida e dizimar sua felicidade como um grande vilão caótico e imparável. Cada um sabe das próprias limitações impostas pela transformação, alguns tornam-se mais agressivos, mais famintos, mais vorazes, outros ficam mais melancólicos, solitários, carentes... A eternidade vem sempre com um preço, que quase sempre é o estopim para desmantelar as esperanças e tornar os vampiros cativos de sua própria condição. Dominic conhecia seus deslizes e suas imperfeições provocadas pela sede vampírica – e nada podia, ou mesmo queria fazer para contornar seu “lado ruim”, como ele se referia a sua espessa carência afetiva e emocional e a seu avassalador e ininterrupto sentimento de solidão que só se atenuava na presença de Alexei. Todavia, nunca soube conter os próprios impulsos quando o sangue fervia e ele se via na oportunidade de estar em outros braços... No fim, sempre se arrependia e voltava à estaca zero.

Quando Dominic deu por si já era manhã do outro dia. Havia passado a noite em claro, só com suas lembranças e sua amante mais inseparável: a consciência. Não ficou surpreso, afinal, tinha virado rotina há quase um século. Tinha também essa outra consequência da sede vampírica: as vezes os pensamentos pesavam mais que tudo e o impedia de dormir. Dominic não conseguia esquecer nada, não como Alexei, e isso lhe doía mais que tudo: se lembrar de cada rosto, cada voz e cada sorriso que passou por sua vida e se perdeu no tempo, enquanto ele contemplava a infinitude de sua eternidade. Sendo realista, eram poucos os dias que conseguia dormir verdadeiramente bem, sem ter pesadelos com pessoas que se foram, ou se manter acordado por um frenesi de lembranças avassaladoras, que gritavam em seu ouvido como um coral desafinado de viúvas que ouvira uma vez na França, durante a primeira guerra mundial. A guerra... Sim... Dominic lembrava-se perfeitamente de cada minuto, cada segundo e cada ano em que serviu ao exército inglês na guerra. Lembrava-se da dor das balas, do fedor e da desumanidade das trincheiras, do medo e do psicológico abalado pelo ardor do fogo cruzado... Lembrava dos colegas morrendo durante os confrontos... Dos poucos que sobreviviam ao fogo inimigo se suicidando vítimas do próprio psicolóico... Dos adoecidos perdendo membros, partes da própria carne, sangue. Não existia sequer a penicilina. São tempos que mais assombrariam Dominic, com toda certeza, e provavelmente os que para sempre marcariam sua existência.

Se espreguiçou, estalou o pescoço e bocejou. Já estava de pé, diante da cafeteira, aguardando um expresso amargo como seus dias para lhe acordar para trabalhar plenamente, quando Vivi chegou. Era uma garota de cabelos negros longos, com algumas mechas rosadas e franja espessa, tinha olhos escuros e redondos como de uma lontra e pele amarelada como pudim.

− Já acordado? – ela questionou, tirando a mochila de panda das costas e jogando sobre o sofá do centro. Dominic pegou a xícara com o café ardente, assoprou um pouco e bebericou, com um olhar desanimado. Vivi chacoalhou a cabeça em desdém – Nem dormiu, não é? – afirmou. Dominic anuiu – É a terceira noite seguida?

− Quarta – respondeu.

− E vamos de auge... – disse, enquanto tirava da mochila uma vasilha de plástico e entregava à Dominic – Imaginei que você não teria sequer comido.... Ou saciado sua sede. Fiz uns sanduíches de ovo e comprei um pedaço do seu bolo especial – afirmou. Dominic sorriu de orelha a orelha, agora atento a fome que sentia e havia ignorado, correu até a moça e lhe abraçou.

− Você é um anjo – afirmou, apoderando-se da vasilha e tirando um pedaço do bolo avermelhado e comendo com gosto. Contudo, segundos após dar a primeira mordida, fez um olhar de desdém e nojo, encarando a garota – Não é do Alexei, né? – questionou, comendo a contragosto.

− Adivinhou – ela disse, voltando-se à um dos computadores do estúdio – Não tenho cara para aparecer lá não.

− Por que? Ele não tem nada contra você... – afirmou Dominic. Vivi lhe lançou um olhar odioso.

− Porque eu ainda sou sua estagiária e ele me conhece – respondeu – Não quero vir trabalhar com glacê na cara... – contou, referindo-se ao episódio em que Dominic e Alexei brigaram. Vivi, juntou os cabelos num rabo de cavalo e começou a digitar algo no computador – É hoje a sessão de fotos dos velhinhos? – Dominic pareceu confuso, terminando de comer o bolo e se voltando aos sanduíches.

− Quem?

− Aquele casal que tá fazendo bodas de ouro – ela disse. Dominic lembrou-se que haviam feito um convênio, quando ainda estava bem com Alexei, de um bolo para festa e um álbum fotográfico para as bodas do casal de idosos. O bolo, no entanto, havia se espatifado no seu rosto e coberto todo seu corpo, o transformando numa versão sua exageradamente açúcarada. A lembrança lhe fez rir, ainda que fosse triste. – Que foi? – Vivi questionou.

− Nada – ele disse, segurando o riso – Me passa os dados, por favor. – Vivi deu de ombros, coçou o cabelo e pegou uma agenda com capa de gatinhos da mesa, suspirou, foleou e achou uma página em específico.

− Eita – foi tudo que ela soube dizer, com olhos atentos e assustados. Dominic se aproximou da moça e olhou os dados por cima de seu ombro. Realmente eita, ele pensou, enquanto envolvia as mãos no rosto e empurrava os olhos, num longo murmúrio pesado como um respirar.

− Por que eu aceito fazer essas coisas? – ele questionou a ninguém além de si mesmo, observando o fato de que teria de realizar a sessão de fotografias no lugar favorito dos idosos: na casa de jogos próxima à confeitaria de Alexei, onde o ex, provavelmente, estaria para entregar o bolo que os idosos haviam encomendado para festejar após as fotos com os amigos de jogatina da igreja. Suspirou profundamente.

− Calma, não acho que ele vá pessoalmente levar o bolo – ela afirmou e tinha certa razão em suas palavras. Dominic suspirou, deu de ombros e se foi até o armário do outro lado da sala, separando os materiais para as fotos – No mais, vocês ainda podem conviver como dois adultos civilizados, não? – Dominic encarou Vivi com um olhar de julgamento, a garota se encolheu e deu de ombros – Esperança é a última que morre. Se importa se eu sair mais cedo hoje? – suplicou, com olhos esperançosos de um gatinho sem lar – Tenho que ir numa exposição de uma prima minha que veio lá da Coreia... Ela praticamente me obrigou a ir e tirar algumas fotos para mostrar para uns críticos de arte daqui.

− Claro – Dominic respondeu, ignorando grande parte da explicação e focando seus pensamentos unicamente em Alexei e nos próximos momentos que o aguardavam, enquanto ajeitava sua maleta de equipamentos. – Só não esquece de trancar tudo.

− Tá com a chave? – questionou.

− Estou – Domi tirou a chave do bolso e mostrou para a moça, guardando novamente segundos depois. – Pode levar alguma câmera, caso queira tirar fotos em melhor qualidade – ofereceu. Vivi sorriu de orelha a orelha.

− Que bom – disse, com um olhar sapeca – Porque eu já planejava levar... – e riu envergonhada. Dominic lhe lançou um olhar de desaprovação, sorriu, jogou uma mochila nas costas, pegou a maleta e foi em direção à porta, se despedindo da amiga com um aceno de mãos.

O carro ainda tinha o cheiro dele. Dominic não havia conseguido sequer abrir as janelas ou ligar o ar, com medo de que o perfume de Alexei se fosse com as ondas ladras do vento. A constante açucarada do aroma do amado lhe trazia boas recordações de seu passado perfeito, quando estavam apenas no começo, conhecendo as cidades da Europa, provando do melhor da culinária mundial, saboreando sabores de bolos e doces de todos os cantos do mundo: chocolates suíços, paellas espanholas, cannolis italianos, croissaints franceses... Todos os momentos... Todos os gostos... Todos os cheiros. Juntos viram o muro que separava a Alemanha cair, dançaram nas discotecas, viram tendências nascerem e morrerem, modas, roupas, cabelos... Mas Alexei sempre foi o mesmo: o seu Alexei. Imutável, eternamente lindo, eternamente perfeito... Aquilo que nenhum humano teria. Aquilo que sempre arrastava Dominic de volta pra ele.

Dominic suspirou, ligou o rádio e girou a chave do carro.

I'm hopin' that my love will keep you up tonight

Baby, how do you sleep when you lie to me?

Revirou os olhos, suspirou novamente e coçou os olhos cansados, enquanto corria para dar fim à música que tocava tão sugestivamente, justo naquele fatídico momento de sua vida.

− É – ele disse a si mesmo – Seu amor tem mantido acordado. Espero que esteja satisfeito – ele disse à Alexei, mesmo sabendo que ele não poderia ouvir.

 

Já estava na centésima foto do casal de idosos, Dona Flor e senhor Geraldo, e nada da presença de Alexei. Dominic não sabia se sentia aliviado por poder evitar uma nova briga com o ex, ou triste por não poder ver sua adorada imagem e ter sua mente preenchida pela sua beleza iluminada, como a luz de uma câmera preenchia um espaço escuro e criava uma fotografia perfeita. A senhora, na casa dos sessenta anos, trajava um belo vestido azul-marinho, com delicadas pérolas ao redor do pescoço, usando um chapéu exageradamente pomposo. O esposo se limitou a um terno azul-escuro, com gravata borboleta branca. Os amigos da igreja – e também de jogatina – acompanhavam a sessão e, por vezes, faziam parte das fotografias. O salão de jogos da rua havia sido enfeitado com pomposos balões dourados, fitas brancas de cetim e fotografias antigas do casal. Alguns não gostavam da presença de Dominic, pois sabiam bem de sua natureza vampírica e homossexual, maldizendo e sussurrando preconceitos, que ele ignorava por completo. Já havia passado por tanta coisa na vida, tanto aprendizado e tanto ódio, que aprendeu a ignorar tudo.

Mas não aquilo.

A câmera de Dominic teria se espatifado em mil pedaços no chão, não fosse o fato dela estar presa a um cordão em seu pescoço, quando ele se descuidou e a sentiu cair por entre os dedos descuidados com a surpresa do momento. Estava boquiaberto, arregalou os olhos e sentiu todo seu corpo se ouriçar numa sintonia apaixonada e frenética. Era ele, mas também não era. Domi engoliu seco, limpou os olhos para ver se não enxergava loucuras, sentiu suas pernas tremerem e suas partes mais íntimas se agitarem. As presas ficaram evidentes ao se libertarem das gengivas.

Era tão óbvio e tão doloroso o fato de que ele não podia tirar os olhos de Alexei. Nunca mais.

− Bom dia – Alexei disse à senhora na entrada da casa de jogatina, com seu olhar penetrante e seu sorriso simpático, carregando um bolo nos braços. Ninguém além de Dominic havia se dado por sua presença, enquanto jazia hipnotizado por sua imagem tão diferente do habitual. A mudança era tão ínfima, mas também tão significativa. Domi sentia como na primeira vez que haviam se visto, na União Soviética, quando percebeu que havia encontrado, finalmente, o sentido para sua eternidade.

− Dominic? – dona Flor disse, observando que o fotógrafo estava absolutamente distraído, imerso nas lembranças e na imagem do amado – Dominic? – ela chamou de novo, um pouco mais audível. Alexei pareceu também ouvir, levando os olhos pelo salão e encontrando os de Domi, atentos sobre seu novo cabelo colorido. Ele se encolheu, fez uma expressão de raiva e desviou o olhar o mais rápido possível. Domi até tentou sorrir para ele, pois sabia que o ex amava seu sorriso, mas não surtiu efeito.

− Desculpe – Dominic disse, sem tirar os olhos de tudo que havia perdido por culpa do próprio egoísmo – Me distraí – afirmou, recolhendo a câmera e se voltando à senhora, seu esposo e seus amigos, ajeitados em cadeiras em uma pequena roda, esperando a próxima fotografia. Dulla Swanna torceu o nariz para ele, irritada. Já devia ser a quinta ou quarta vez só nos últimos vinte minutos. Dominic a achava extremamente intragável.

Dominic voltou a registrar as fotografias, mas mantinha os pensamentos única e exclusivamente voltado ao ex, que havia se instalado no salão, fazendo a entrega do bolo e esperando, provavelmente, os demais doces que acompanhavam o pedido, ignorando Domi por completo – mesmo que seu coração o impedisse de fingir que o ex não existia. De vez em quando olhava de maneira nada implícita e se admirava cada vez mais o quão bonito Alexei tinha ficado com a nova coloração dos cabelos. Pareceu ter rejuvenescido um século.

Haviam estabelecido uma pausa da sessão para que o casal e os amigos tomassem chá e jogassem uma rodada de buraco, dando a Dominic a abertura perfeita para poder, finalmente, conversar com Alexei. Deixou a câmera, a bolsa e todos os pertences sobre a mesa no canto do salão, incluindo as chaves do estúdio de fotografia, ajeitou os cabelos diante do espelho, retirou os amassados da camisa, treinou seu melhor sorriso e começou a caminhar pelo salão, a procura do ex.

Estava diante dele, mais perto que nunca. Não o via tão nitidamente desde o dia que levou uma chuva de glacê no rosto, junto de Teresa e Edric. Dominic engoliu seco. Ele parecia tão confiante... Diante de tantos olhares vorazes e odiosos de idosos retrógrados que só sabiam escarnar e maldizer daqueles que não estivessem dentro de seus padrões religiosos, não perdeu a compostura em nenhum instante. Estava sorridente. Era estranho – Dominic esperava maior instabilidade emocional... Maior saudade... Ele estava assim tão bem sem sua companhia, sem seu cheiro, sem seu amor? Será que ele dormia bem à noite? Esses pensamentos assombravam seus dias e atormentavam suas noites. Domi recuou por alguns instantes, suspirou profundamente e se aproximou.

− Alexei... – ele chamou. Alex virou-se, com um olhar surpreso, enquanto terminava de ajeitar a mesa com doces e bolos. Dominic sorriu de maneira desconcertada. Alexei revirou os olhos e voltou aos afazeres.

− Não tenho tempo, Dominic – e foi tudo que ele se limitou a dizer. Sem mágoas, arrependimentos ou vontades reprimidas evidentes no tom de voz, apenas a maior das sensações apáticas e frias. Alexei havia aprendido perfeitamente com Versa. Domi sentiu um nervosismo percorrer a espinha e uma súbita covardia alcançar seu ser e delimitar suas palavras.

− Eu... É... – suspirou profundamente, tentando acalmar o vendaval de pensamentos – Seu cabelo ficou incrível – e foi tudo que pode dizer, aceitando a derrota de estar diante de um caso perdido. Alexei observou Dominic pelo canto de olho, com o estômago revirando em nervosismo e a mente ardendo em tensão, medo e desesperança, mesmo assim, não perdeu o olhar confiante e apático.

Dominic recolheu os pedaços do próprio coração e se prendeu no arrependimento, ao deixar Alexei – tanto agora quanto no passado −, que nada respondera ao elogio, e voltar a suas fotografias das festividades do casal.

Ele sentia aquele que mais amou em vida escapar por entre seus dedos como a câmera mais cedo... E tudo era fruto das próprias escolhas, não tendo sequer uma cordinha que o pendurasse. Não podia culpar ninguém além de si mesmo por toda dor sofrida, todas as noites mal dormidas e todo amor perdido... mas e Edric? E Alexei? Sim! Alexei!— Dominic pensou, engolindo toda a tristeza e dando margem para sua transmutação numa brasa de raiva e ódio. Era culpa dele também! Dominic se cobriu com uma certeza de que Alexei não o amava na mesma intensidade que ele lhe amava, e isso foi o motivo que o fez, tantas vezes, buscar conforto em outros braços... A expressão de Domi ficou séria e repleta de tempestividade, seu coração, outrora batendo apenas para expressar a paixão, se acelerou de maneira a evidenciar a raiva, o arrependimento e a culpa reprimida. Como uma linha tênue que une duas realidades, dois pesares e dois corações, o amor e o ódio se alternavam tão facilmente como o dia alternava com a noite. Dominic havia provado do amor... E agora se recobria da raiva e de mágoa.

Alexei era um idiota – e essa era sua conclusão principal.

Já estava chegando ao estúdio, após um dia repleto de fotografias e meios olhares zangados para com Alexei, bem como para com os idosos retrógrados, quando percebeu que havia esquecido as chaves da porta na loteria dos idosos, junto de parte dos equipamentos que havia deixado para a continuação das fotografias no próximo dia. Dominic suspirou profundamente, pareceu se lembrar de tudo que marcou sua existência e criou laços emotivos, seja de amor ou de ódio, sentiu-se arrependido das péssimas escolhas e das decisões reprimidas, se viu diante de nada, além de si mesmo, se observando pelo retrovisor do carro, repleto do cheiro do perfume do ex... E gritou. À todo pulmões, deixando todo ar se ir, e com ele todo ódio, toda paixão, todo tesão e todo medo que preenchia seu ser.

Limpou os olhos, se livrando das pestanas sonolentas que chegavam para piorar ainda mais sua situação. Bocejou, virou a chave do carro, ligou o motor e dirigiu para longe. Precisava de uma bebida, definitivamente.

Estava na bancada de um bar próximo ao estúdio, degustando sua segunda ou terceira dose de uísque, com a camisa meio desabotoada, os olhos pesados pelo sono, a mente pesada pelos erros, aguardando algum sinal de vida de Vivi para que pudesse dormir – ou tentar, inutilmente, mais uma vez.

A seu lado esquerdo havia um rapaz de no máximo vinte e um anos, com olhos azuis como o oceano, pele tom-oliva, cabelos escuros e raspados, com corpo magro e barba rala, com expressão triste e arrependida. O rosto era redondo, com orelhas que lhe encaixavam perfeitamente. As roupas eram justas o bastante para se adequar a seu corpo e traçar suas curvas com louvor.

− Dia difícil? – ele questionou à Dominic, sem tirar os olhos da bebida que agitava com o canudinho de metal. Havia certo pesar em sua voz, mas também um tom de interesse.

− Difícil é pouco – Dominic respondeu. O rapaz tirou os olhos da bebida e encarou Domi com um olhar e um sorriso cheios de segundas intenções. E riu.

− Kol – se apresentou, estendendo a mão para que Domi apertasse.

− Dominic – ele disse, apertando a mão do rapaz, com certa tensão sexual extravasando de seus pensamentos e transbordando em seu olhar – Dominic Vanguard.

Kol sorriu, alisando a mão de Dominic na sua.

 

 


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