Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 18
018. A Dádiva da Eternidade


Notas iniciais do capítulo

Emoções finais 3



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                O trem para Sinaia era gélido e cheirava a peste. Alexei agradeceu aos céus por Ramona ter trazido comida, para que assim não precisassem comer ratos ou baratas que por ali corriam, como na maior parte da viagem pela Sérvia e parte da Romênia fronteiriça com outros países europeus.

                Já estavam naquela viagem incessante haviam dois ou três meses, fugindo dos epicentros da peste, tuberculose, pelo que ouviram falar, e dos capangas do mestre de jogo francês Isaac Franchini, que havia se tornado obcecado por Ramona e queria tê-la em seus braços de qualquer maneira. A última esperança dos Boaventura estava na figura misteriosa e desconhecida, lembrada apenas pelas memórias da mãe durante as histórias de ninar, do tio romeno que havia herdado toda fortuna da casa Vanzeller quando ela fugiu com uma trupe de teatro portuguesa.

                Não havia momento de paz ou descanso na vida dos Boaventura. Estavam a todo tempo sob a premissa de estarem sendo seguidos pelos detetives ou capangas contratados por Isaac, que sabe-se lá o que faria caso botasse as mãos nos irmãos. Ramona tinha pavor daquele homem, do tipo que a fazia ter convulsões e se urinar de medo com a simples menção de seu nome. Alexei tentava ser forte o bastante para não deixar que a irmã se sentisse desamparada numa jornada tão laboriosa.

                Ouviram boatos que, além da peste, havia todo tipo de coisa na viagem pela Europa naquele tempo, desde pantomimeiros assassinos à misteriosos animais que devoravam todo sangue do corpo humano. Uma gentil bruxa sérvia deu à Alexei uma espécie de medalhão feito de puro bronze lavado, com entalhes em madeira e que, segundo à mesma, teria pertencido ao rei dos ciganos outrora, cuja grande habilidade era a de conjurar monções e tormentas torrenciais, bem como de realizar desejos mais ocultos das almas que o seguram. Não querendo contrariar a sapiência e misticidade da doce senhora que havia os acolhido como velhos amigos, aceitou e guardou o medalhão junto ao próprio peito durante toda viagem. Antes de seguirem da Sérvia para o trem de Carassaverini, no oeste da Romênia, por onde chegariam à porção oriental do país e então seguiriam à Sinaia e depois finalmente a Constanta, onde a família Vanzeller fazia história, a bruxa os advertiu:

                − Não há nada errado em buscar a própria felicidade sobre todo o resto — afirmou, com sua voz acolhedora e esganiçada como um corvo – Pois só um sentimento maior pode superar um sentimento poderoso.

                As palavras nada significaram à Alexei ou Ramona naqueles tempos. Precisaram aguardar cerca de dez anos para finalmente compreenderem.

                ...

                Alexei já havia se cansado se procurar pelo tio, então decidiu construir sua vida numa cidadezinha de Constanta, apoiado pelo amigo e amante Nicosuor, à contragosto de Ramona, que queria continuar sua busca incessante.

                Desde que chegaram num trem, maltrapilhos, doentes, famintos e feridos, foram apoiados por um estranho misterioso, de cabelos tão negros como a pura maldade, olhos tão cinza quanto os céus num dia chuvoso e tendências extremamente misteriosas, com fetiches e desejos obscuros e assustadores. Alexei era inocente demais naquela época e se entregou aos braços de Nico, seduzido pela grandeza da beleza e intensidade da energia do homem, com uma enorme facilidade. Foram-se noites e mais noites em que se amavam como um homem devia amar uma mulher, como a mãe e o pai tanto os ensinaram quando eram crianças. Alex havia se tornado quase a senhora da casa de Nico, mandando, desmandando e sendo respeitado por todos os criados como seu próprio senhor. Estranho o fato, no entanto, que sempre faziam questão de se referir a Nico apenas como “Ele”, ou “senhorio”, sem nunca dizerem seu nome e, principalmente, sobrenome – o que era algo importante, para definir o nível de nobreza que a casa dele resguardava.

                Nico tinha o hábito frequente de trazer companhias para as noites com Alexei. Eram, então, transas frequentes, cheias de calor de vários corpos esculturais masculinos, cheiro inconfundível e excitante da testosterona, e o labor enferrujado do gosto do sangue de seus corpos. Um dos maiores fetiches de Nico era beber do sangue de seus parceiros e dar para que Alexei – que estava hipnotizado demais por toda aquela intensidade de homem para negar ou estranhar − também o fizesse. Todavia, na terceira lua do mês, Nico sempre viajava, por dois ou três dias, voltava mais fraco e assim permanecia até que se recuperasse. Eram os únicos momentos que Alexei não tinha o calor do corpo do amado junto ao seu, pois, em todos os outros dias, eram como um só, numa paixão intensa e incessante. Ramona dizia frequentemente que o irmão havia se viciado pelo amor de Nico – e ele não podia negar. Faria qualquer coisa pelo amado e tinha certeza que nunca seria nada além dele. Já não importava mais a busca pelo tio, pela família, os farejadores de Isaac ou os preconceitos da sociedade na época: só ele e Nico importavam.

                Estavam naquele jogo de gato e rato com Nico havia quase uma década.

                Com o tempo Nico se tornou possessivo demais. Odiava que os homens sequer olhassem Alexei com olhos que ele considerasse obscenos ou recheados de interesse. Parou de levar outros para completar suas transas com Alex, mas nunca deixou de ter outros amantes nesse meio tempo. Já havia assassinado três inocentes por puro ciúme doentio e obsessivo: um médico com quem Alexei se consultava frequentemente para tratar da própria visão, um criado que encontrou espiando o amado pela fresta do banheiro e um amigo americano que ele havia feito enquanto Nico viajava, Troy.

                A morte de Troy foi como um aviso para que Alexei nunca olhasse para outro homem que não o seu senhor, Nico. Ramona havia ido embora, em busca do tio pelas cidades costeiras de Constanta, então estava sozinho, numa cidade desconhecida, cativo de um homem doentio e psicopata, com sede de sangue e poder para realizar qualquer atrocidade.

                Alexei pensou em fugir, mas seu plano foi descoberto. Tudo que Nico pode fazer foi brincar com o psicológico de seu amado, fazendo-o crer que não poderia sobreviver longe de si, que voltaria ao trem, a passar fome, comer ratos e baratas, sofrer das pestes e ser procurado por assassinos e ladrões, pelo próprio Isaac Franchini e seus capangas. Nico fez com que Alex acreditasse que não havia vida digna além dele. Então, com o rabo entre as pernas, o rapaz se entregou, novamente, ao algoz de sua prisão e mais uma vez se tornou dele e mais ninguém.

                A transformação veio no seu aniversário de dez anos em Constanta.

                Alexei havia, finalmente, entendido o porquê de Nico sumir por duas noites por mês, na terceira lua: para evitar contato sexual consigo e lhe transmitir aquilo que ele chamava de “dádiva da eternidade”. Quando alguém como ele, que os aldeões mais assustados chamavam de demônio, răutate, estava como o poder no ápice, durante a terceira lua, entrava num frenesi inconstante que aumentava sua sede em parâmetros absurdamente incalculáveis, o tornando um monstro viciado e insaciável, tanto pela necessidade de sangue, quanto pela necessidade de sexo. Nesse meio tempo, qualquer um que tivesse contato sexual constante consigo, teria a oportunidade de herdar a tal dádiva e se tornar um ser como ele próprio. Nico não queria dar isso à Alexei por medo de que, dispondo agora de dons semelhantes aos seus, enxergasse a própria força e fosse embora para sempre.

                Todavia, quando completaram a marca de dez anos nesse jogo de sedução, sangue e morte, o próprio Nico se preocupou, ao perceber que o amado começava a apresentar mudanças drásticas por conta do envelhecimento humano e, preocupado em o perder para sempre, o transformou na mesma lua em que o destino decidiu que ia dar um fim em todo o jogo que Nicosuor vinha trazendo consigo havia tanto tempo.

                Alexei, após uma noite recheada de ardor sexual como nunca havia tido antes com Nico, sentia-se completamente diferente do habitual. Tinha uma sede que não se saciava com água. Sentia-se mais forte, mas também mais instável psicologicamente. Parecia que a qualquer momento a mente ia falhar e ele entraria em um colapso interno, sem saber exatamente o que era e o que precisava ser, numa crise constante de identidade. Foi então que percebeu que já não era mais um homem que habitava sua pele, mas uma versão de seu Nico, um răutate como diziam os aldeões da cidadezinha de Constanta.

                No mesmo dia que se tornou a nova versão de si mesmo, mais sedenta e insaciável, Alexei encontrou-se com Ramona, que regressava de uma viagem de quase dois anos pela Romênia, trazendo consigo cartas antigas, esmaecidas pelo tempo, segredos do passado e a mesma identidade vampírica com que Nico lhe presenteou na noite de amor ardente. Surpreendendo ao irmão, Ramona revelou que não havia ido embora meramente para buscar o tio, mas para fugir daqueles que o acolhera, pois havia lhe marcado com a tal dádiva da eternidade, que ela mesma alcunhou de maldição de sangue.

                − Durante todo o tempo que ele esteve consigo, esteve também comigo— ela contou, com um tom de desapontamento e tristeza gritantes. Ela parecia se envergonhar de se deitar com alguém como ele, mas sem explicitar o motivo, o que deixou Alexei desconfiado, pois não parecia meramente consciência pesada por dividir o mesmo amante que o irmão. — Ele me transformou numa primavera passada e, para você, guardou o inverno.

                − Ele sempre disse que estações frias traziam histórias melhores— Alexei completou as palavras da irmã com certa curiosidade latente. Então, assustado, envolveu suas mãos nas dela e olhou no fundo de seus olhos – O que você está escondendo, Ramona? — a irmã pareceu ter dificuldade em escolher as melhores palavras, seja por medo, por arrependimento ou por vergonha. Alexei viu lágrimas saírem de seus olhos e tocarem delicadamente o chão enevoado.

                − Eu descobri o paradeiro de nosso tio— ela contou, com a voz meio esganiçada e involuntariamente rebelde. Alexei sentiu uma pontinha de esperança acertar o coração em cheio. Ramona tentou encarar tudo, menos os olhos do próprio irmão — Encontrei cartas do nosso avô com uma senhora de Sinaia, chamada Katerina, onde ele narrava todos os acontecimentos estranhos que vinham rondando sua casa desde o dia que uma trupe de teatro veio à Constanta e levou embora sua filha, Mila – Alexei sorriu com a lembrança do rosto rosado de sua mãe.

                − Mamãe— afirmou. Ramona anuiu.

                − Nosso avô, Vlad, disse que um homem que veio com a trupe ficou para trás, mas não era um ator, nem um mágico. Que era um sujeito muito estranho e bronco, vindo da Rússia, se dizendo ser descendente da rainha Catarina... Dizia nas cartas que esse homem se encontrava com nosso tio frequentemente e nosso avô se viu na obrigação de dar um fim naquilo para manter a honra da casa— Ramona engoliu seco, envergonhada – Ele mandou queimarem o homem vivo. Depois disso, relatou nas cartas que sentia que estava enlouquecendo, pois percebeu o filho havia vindo estando mais estranho, que ele havia começado a matar animais por prazer, que sua personalidade mudara drasticamente, ficando mais sádica e calculista, e que parecia espreitar seu leito a noite, como um fantasma nas sombras. Na última carta nosso avô dizia se sentir mais desprotegido do que nunca, pois os empregados haviam ido embora e os poucos que restaram pareciam prestar contas e lealdade á nosso tio. Disse que sentia que algo terrível ia acontecer consigo. Não reconhecia o próprio filho... O chamou de răutate. “Meu pequeno Nico se tornou um demônio”— as pupilas de Alexei dilataram e apresentaram um tom de negro devastador e vazio. Suas últimas nuances de calor corporal se convergiram para tornar seu rosto rosado em um tom mais rubro pela última vez em toda sua eternidade. Sentiu um labor amargo invadir sua boca e tudo que havia comido no café e no almoço sair pelo estômago e congestionar a garganta num rompante de instante que ele não pôde impedir. Seus ombros pesaram tanto quanto a própria consciência. Caiu no chão como um fruto maduro e não encontrou mais forças para se levantar. As lágrimas saíram rebeldes como cachoeiras pelo tamanho arrependimento.

Um sentimento grande só dá lugar para um sentimento maior ainda.

                Quando se deu por conta que vinha se deitando com o próprio tio haviam anos e mais anos, enganados pela futilidade e sadismo de Nico num jogo de gato e rato, unicamente movido para sustentar o próprio ego e a obsessão de um conquistador sádico e psicopata. Alexei se sentiu preencher por um arrependimento tão grande, mas tão grande, que podia tomar forma e ter a própria consciência. Tudo que ele queria era desaparecer dali para nunca mais voltar.

                − Ele sabia? — Alexei questionou, com um tom de amargura entonado na voz. Ramona anuiu.

                A última vez que viu Nico foi no jantar daquela noite, quando fingiu normalidade e brindou com o recém descoberto tio uma taça de vinho com sague, adocicado por doses cavalares de remédio para acalmar animais, ervas que induziam ao sono e um pouco de absinto, que o próprio Nico guardava para momentos especiais. Nico, entorpecido pela mistura, mal podia parar de olhos abertos, com a consciência flutuante como se tivesse asas. Alexei ficou diante dele, odioso, e pensou em mil coisas que poderia fazer para poder se vingar. Não havia medo em seu coração, nem vergonha, só arrependimento.

                − Você dizia que estações frias traziam melhores histórias. Lembre-se, agora, que numa estação fria a nossa acabou. Até nunca mais— foi tudo que se limitou a dizer, sendo respondido com uma gargalhada irônica e abafada pelo entorpecimento da poção.

                − Você não pode fugir de mim para sempre— Nico disse, antes de cair no sono profundo de uma vez por todas. Alexei engoliu seco, assustado, e correu para juntar as próprias coisas.

                Se encontrou com Ramona na estrada para fora da fazenda Vanzeller. Havia roubado um dos cavalos puro sangue e uma das carroças de Nico, além de objetos valiosos que poderiam pagar sua passagem para qualquer lugar do mundo e permitir que recomeçassem suas vidas distante de toda aquela escuridão pérfida e gélida dos braços do tio sádico – Alexei, no entanto, sabia que parte daquela escuridão estaria dentro dele para sempre... E, agora, com a dádiva da eternidade dada por Nicosuor, um para sempre tinha um sentido maior e mais assustador. Engoliu seco ao pensar nisso e suspirou, ainda marcado pelo nojo e arrependimento.

                Estavam na estrada para fora da fazenda, quando viram uma multidão de aldeões armada de foices, tochas, paus e pedras indo a caminho de Nico. Alexei e Ramona se entreolharam, se escondendo na escuridão da noite e adentrando na estrada mais deserta, para longe de toda aquela multidão enfurecia e frenética que teriam, finalmente, sua vingança. Sabe-se lá por que escolheram justo aquela noite para atacar, mas Alexei agradeceu a ajuda indireta deles, pois nunca mais teria que se preocupar com o maníaco Nicosuor Vanzeller, amante, transmutador, original, tio, alfa e carcereiro

                − Para onde vamos, irmã?— Alexei questionou, quando já estavam longe o suficiente para sonharem, novamente. Ramona o envolveu num caloroso abraço.

                − Vamos para casa. Mônaco.

...

                Alexei já estava enrolado naqueles cobertores haviam dois dias seguidos, só saía para comer, ir ao banheiro e, momentaneamente, uma vez por dia, olhar a rua pela fresta das cortinas da janela do quarto. Ramona, Teresa e Edric ficavam se revezando para fazer companhia ao amigo em seu momento tão doloroso e triste. Haviam tentado, de todas as formas possíveis, fazer com que ele voltasse a se animar e se tornasse o Alexei que tanto conheciam e adoravam, infrutiferamente. Os vampiros explicaram, outrora, sobre o enigma do sentimento poderoso para Teresa e os demais amigos humanos de Alex, para que compreendessem a complexidade e a intensidade de um sentimento forte no coração de um vampiro.

                Alexei havia mergulhado num poço de depressão e auto-ódio, provocado pela raiva e preconceitos de terceiros reacionários e sem escrúpulos. Se sentia odiado – e se odiava mais ainda −, feio, perigoso, insuficiente para tudo e todos, inconstante e altamente descartável. Seu coração, envenenado pelas mazelas do destino, o fazia acreditar ser um estorvo na vida de todos que o cercavam, sempre trazendo seus problemas e dramalhões dignos de novelas mexicanas para estragar a vida alheia. Se culpava por ter magoado Ignácio Cruz, que ainda nem sequer teve coragem o suficiente para pedir desculpas, se culpava por gostar de Roman, mesmo sabendo que ele amava outra mulher, se culpava por não ter protegido a irmã – e por coisas do passado longínquo, como quando os colocou sob a guarda de um sádico homem que veio a se tornar o algoz de todos os seus dias de tormenta – de Nimbus e das drogas... Se odiava por ser quem era, acima de tudo. Sentia que a natureza vampírica, a “dádiva da eternidade”, só servia para complicar todas as suas relações e fazer com que tudo parecesse dez vezes maior e mais complexo do que era. Alexei odiava o vampiro, tal qual os reacionários, tal qual Dulla, Ellen, os cristãos... Não sentia vontade de viver. Não sentia vontade de amar. Não sentia vontade sequer de fazer bolos – e isso sim era preocupante.

                Teresa e Ramona já estavam demasiadamente preocupadas. Em razão disso, marcaram um dia na semana, na sexta onde todos os reacionários se reuniriam para jogo de bingo e exaltação do nazismo, provavelmente, para convidar todas as pessoas preocupadas com a vida e o bem-estar de Alexei, para que pudessem conversar e pensar numa melhor solução para tudo que afligia o amigo e despertava seus piores sentimentos.

                Já quase versada sobre sentimentos vampíricos e a complexidade do maior superando o poderoso, Teresa estava convicta na ideia de que só fazer com que Alexei sentisse algo mais poderoso que a própria depressão poderia ser suficiente para fazer com que ele despertasse dessa crise e desse um primeiro passo em direção a uma cura mais eficiente – pois, segundo o que havia ouvido de Edric, a depressão de um vampiro se assemelha a de humanos, por não desaparecer magicamente, mas sim com muitos e muitos anos de tratamento, mas, todavia, fazer com que um sentimento maior surgisse ia a diminuir satisfatoriamente.

                A confeitaria havia estado às moscas durante a fatídica manhã de sexta-feira. Teresa convocou a todos: Joshua, Jerichó, Dayana Flores, o pessoal da cozinha e até os entregadores. Ligou para Vivi Jeong, Roman Medina, Ignácio Cruz, o médico de Alexei que não teve participação suficiente para ter um nome, Versa Coumarine e, surpreendentemente, até Dominic. Edric e Ramona já eram presença frequente. Avisaram Leia e Sehu para que também viessem.

                Já à noitinha a confeitaria estava cheia até o teto de todas as pessoas que resguardavam, ainda que minimamente, preocupação por Alexei. Bem, estavam todos ali, e Teresa não sabia como dar prosseguimento ao plano.

                Diante do salão cheio, com todos sentados em suas cadeiras, divididos em seus grupinhos e conversando ininterruptamente, tentando descobrir o motivo daquele convite inesperado, Teresa suspirou, engoliu seco, fechou os olhos e assoviou tão alto que chegava a doer a cabeça. Houve um grande silêncio geral.

                − Obrigada – Teresa agradeceu, sabe-se lá o que. Estava diante de todos, de pé, observando as mesas com rostos curiosos lhe encarando. David estava do seu lado, tentando lhe passar confiança – Vocês devem estar se perguntando por que eu chamei vocês aqui, correto? – alguns anuíram, confusos. Teresa suspirou – Todos que estão aqui, estão por um motivo... Por uma pessoa... Alguém que nos liga com toda sua, sei lá, bondade, alegria e boas doses de falta de confiança: Alexei – todos no salão se entreolharam, preocupados. Dominic, atrelado à Kol, lançou um olhar curioso para Ignácio e Roman, dois rostos que não conhecia – Como vocês sabem, não só ele, mas grande parte da nossa sociedade foi atacada recentemente... E ele, mais do que ninguém, sofreu com isso.

                − Você tá falando daquele vídeo da Dulla Swanna? – Day Flores questionou.

                − O próprio – Teresa respondeu, preocupada. Houve um murmurinho controlado, cheio de indignação – Demonizaram pessoas inocentes, que nunca fizeram mal para ninguém, como o próprio Alexei, e isso mais tudo que vem havendo com ele nos últimos tempos... – Teresa lançou um olhar irritado nada sútil para Dominic – Acho que foi muito pra ele. Já vinha estando meio instável, triste, sem confiança... E isso só piorou tudo. O vídeo nem foi direcionado pra ele, mas não sei, meio que abriu margem para que as pessoas sentissem que ele era o alvo, sabe? Enviaram ameaças, picharam a confeitaria e até começaram a espalhar notícias falsas sobre ele pelo whatsapp – todos os olhares eram perplexos e indignados. – Sem falar que ele próprio achava que tudo era para ele, que a culpa de tudo era dele... Se sentia mal, odiado... E isso tudo refletiu da pior maneira possível.

                − Ele estagnou? – Dominic questionou, com um olhar curioso e confuso. Teresa pareceu estar tão confusa quanto.

                − Ele o que? – questionou.

                − Estagnou. Quando um sentimento forte toma conta de todas as ações dele – respondeu, com um olhar meio entediado, tentando forçar não estar tão preocupado. Teresa e Ramona trocaram olhares. Era isso, no fim de tudo, só não sabia um nome correto.

                − Sim, eu acho – Ramona respondeu do outro lado da sala – Ai, cara, desde que rolou tudo com você ele já estava estagnando os sentimentos – ela afirmou, com certo tom de raiva acentuado – Mas quando era só uma falta de confiança, uma autoestima baixa e um sentimento de solidão... Tudo bem... Você simplesmente ignorava e continuava fazendo tudo que fazia mal pra ele... Agora que é algo sério você quer fingir que se preocupa... Irônico, no mínimo, cara – ela contou, obviamente odiosa, com certo ardor em seus olhos. Dominic encarou a ex cunhada com raiva.

                − Não vim aqui para ouvir sermões de nenhuma drogada, Ramona – ele gritou, irritado – E você? Onde estava quando ele estava estagnado? Provavelmente com uma agulha no braço e duas no pescoço – afirmou. Ramona se levantou abruptamente, irritada, e encarou Dominic olho a olho.

                − O que você ta querendo dizer com isso, seu bosta? – gritou. Dominic se levantou e ficou cara a cara com Ramona.

                − Que você é uma drogadinha de merda que vendia seu sangue por uma seringa ou outra de heroína – afirmou, com um sorrisinho sádico – E tem mais você... – e antes que pudesse terminar, Teresa se aproximou e deu um soco na barriga de Dominic, que pareceu fazer com que tudo que houvesse em seu estômago revirasse e saísse garganta a fora, mas ele engoliu tudo, de maneira forçosa. Domi encarou a moça com um olhar confuso. Teresa se limitou a sorrir.

                − Não é momento para isso... – disse calmamente – Caramba! – gritou, caminhando pelo salão – A gente tá aqui para discutir o futuro do Alexei e, por mais ruim que tenha sido o passado dele, nada disso é importante agora... – afirmou convicta, encarando todos os rostos ao seu redor – E esse murro você merecia, Dominic, não leve pro pessoal – ela sussurrou a Domi, que se limitou a revirar os olhos e se sentar novamente.

                − Concordo com a Teresa – Roman interveio, com sua voz poderosa e acalentadora – Estive com Alexei. A situação dele me preocupa, muito... Ele não tem ânimo para nada, nem para fazer bolos – todos arregalaram os olhos, surpresos, isso sim era algo de se assustar. – Tudo que aquelas pessoas têm dito dele, todas essas mentiras... Logo de alguém que lutou tanto para superar tudo que viveu e que faz de tudo para que as pessoas o amem...

                − Alexei é a pessoa mais amável que eu já conheci – Edric deu um adento, curioso, enquanto lixava as unhas. – E, sabe, aquele vídeo não foi só pra ele: foi para mim, pra Ramona, pra você, Dominic, e para todo mundo que não se encaixe no padrão de velhice e moral aceitável pelos idiotas seguidores da Dulla Swanna e compartilhadores de notícias falsas no zap. Assim, amores, não podemos esquecer que o que eles fizeram é meio que um crime, né? Sabe, a gente tem passado pano por tempo demais. Sei que o motivo da reunião é o Alex, o que todo mundo sabe, e ele é também meu motivo de orações e preocupação diária, chocando a todos que fizeram rivalidade entre nós, mas também temos que lidar com esse problema – afirmou. Todos se entreolharam. − Humanos, vampiros... Brancos, negros, amarelos... Gays, Héteros, bissexuais, assexuais e todas as sexualidades que o Tumblr tem para nos apresentar ainda... Nós somos a minoria que a maioria odeia e, enquanto nós continuarmos fingindo que não tem problema nesse ódiozinho deles, eles vão se fortificar cada vez mais.

                − É, exatamente – Leia complementou – Falamos disso com Alexei alguns dias atrás, inclusive... Toda pessoa com o mínimo de noção ficaria perplexa com um vídeo daquele, sabe? Parece um convite aberto a caça aos vampiros... E nós sabemos a que tipo de coisa isso leva. Ok! Tudo bem. Ontem picharam o muro da confeitaria... O que vão fazer depois?

                Houve um silêncio geral. Todos estavam assustados demais com o mero pensamento do que poderiam fazer com Alexei ou com qualquer outro presente naquele salão. Os olhares estavam recheados de medo e angústia. Viram, inclusive, algumas lágrimas nos cantos dos olhos de Sehu, enquanto era acalentado pela namorada. Teresa suspirou profundamente, sem saber exatamente o que dizer. Ninguém sabia, no fim, estavam todos preocupados, assustados e envergonhados. Ignácio Cruz tinha a consciência mais pesada que a própria gravidade, não soube o que falar em nenhum instante, se sentindo um intruso ali. Versa Coumarine se manteve em silêncio por toda reunião, com as mãos envolvendo o rosto numa pose eternamente reflexiva, fazendo com que ninguém notasse sua presença. Exausta de todo aquele silêncio constrangedor, a terapeuta estalou os dedos e o pescoço, num som um tanto quanto, bem, medonho e suspirou.

                − É de uma depressão que estamos falando – ela afirmou, para a surpresa de todos que mal a conheciam... Exceto Ignácio Cruz, que lhe lançou um olhar surpreso e confuso – Provavelmente aquilo que mais me fez mal na vida, inclusive... Não porque eu tive, mas por um paciente meu... Que não conseguiu sobreviver... – suspirou profundamente e tentou acalmar o coração – Não vou aceitar que isso aconteça com ninguém. Não mais – afirmou mais para si mesma do que para todos no salão, com um olhar confiante – E sim, o rapaz está certo... Não podemos simplesmente deixar que alguém propague ódio impunimente. Acho que é o mínimo que qualquer pessoa verdadeiramente boa faria: lutar para que não haja mais esse tipo de preconceito no meio em que se vive – houve uma concordata geral, com olhares esperançosos e curioso. Versa cruzou as pernas e olhou para todos – O que eu vejo aqui é lindo, inclusive... Tantas pessoas, tantos corações, tantos rostos... Todos aqui compartilham o mesmo pensamento: Queremos que Alexei fique bem... E podem ter certeza que isso vai ser a principal arma que usaremos contra a depressão dele... Junto de medicação, é claro, não esqueçam que estamos tratando de uma doença. Uma vez disse para ele que era errado depender de colo... – Versa riu amargamente – Acho que errada estava eu. Colo é importante. Amor é importante. Se sentir amado, isso sim, vai ser mais forte que qualquer ódio. 

                Houve um novo silêncio prolongado. Ramona interveio, curiosa.

                − O que você sugere que façamos? – questionou. Versa coçou a nuca, confusa.

                − Precisamos fazer com que ele se sinta amado... Que ele abra os olhos e perceba que não é cercado só por ódio ... Só não sei exatamente como – e suspirou – E também precisamos dar um jeito nesses conservadores para que eles não possam fazer mais mal à Alexei – afirmou – Claro, infelizmente, não poderemos fazer nada ilícito.

                − Eu tenho uma ideia – Dayana Flores afirmou, levantando a mão com um olhar cheio de luz. Todos encararam a mocinha, que se encolheu envergonhada, e pigarreou.

                − Pode falar, Day – Teresa interveio. Dayana suspirou.

                − Bem, como todos sabem, eu escrevo, bem, histórias – começou, tentando não perceber os olhares que a encaravam – E muitas dessas histórias tem vampiros como protagonistas, sabe... – deu um risinho baixinho – Eu odeio ser o deus ex machina assim, mas, bem, é preciso... Bem... Ele tem que sentir que é amado... Talvez eu possa conseguir algumas pessoas além de todos aqui... Algumas pessoas que são vampiro friendly, sabe, que lutam pelos seus direitos e pela sua inserção na sociedade.

                − Gente com fetiche em vampiro, você quer dizer? – Edric interveio. Day revirou os olhos.

                − Não... Bem, sim, talvez... Mas, sabe, existe uma comunidade inteira de humanos que lutam para que todos tenham os mesmos direitos, para que se extinga essa divisão racial da sociedade... Pessoas que são amigas dos vampiros... Elas leem minhas histórias, sabe, e sempre questionam quando poderão conhecer um vampiro de verdade. – Day afirmou, todos estavam meio desconfiados – Tem todo tipo de gente nessa comunidade de leitores, confesso, mas a maioria é composta por um pessoal que só quer o bem geral... E que ficaria beeem incomodado com um vídeo desses da Dulla Swanna – todos se entreolharam por um instante. Dayana Flores pareceu se encher de ideias diabólicas.

                − Vai ter um evento deles... Uma passeata na rua, ou algo assim, não é? – Vivi Jeong questionou. Teresa anuiu – Bem, eu voto para que façamos nossa própria manifestação... – todos se entreolharam – Se eles podem lutar pelo que acreditam... Nós também podemos, ué. Só que todo mundo sabe que nossa sociedade é bem melhor que a que eles idealizaram – sussurrou ao ouvido de Edric, que concordou com um risinho.

                − Acho uma boa ideia... Vai ser perfeito para o Alexei ver o quanto as pessoas gostam dele! – Sehu afirmou, animado. Leia deu um beijinho na bochecha do namorado. Todos pareceram se empolgar com a ideia.

                − Sim, podemos convidar alguns vampiros que conhecemos – Ramona interveio – Quantas pessoas você acha que consegue trazer, Day? Dessa sua comunidade doida?

                Dayana suspirou e olhou ao redor, com as bochechas coradas de vergonha.

                − Bem... – ela tentou dizer – Eu tenho algumas leituras... – contou.

                − Quantas? – Teresa questionou.

                − Ah... Só umas... Duzentas... Mil... – todos do salão ficaram boquiabertos – Isso deve dar umas três ou quatro mil pessoas que acompanham e questionam sempre sobre um encontro de leitores....

                Todos no salão se entreolhara assustados.

                − É, parece que a rua vai precisar ser fechada – Edric afirmou.


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