Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 16
016. O Segredo de Versa


Notas iniciais do capítulo

Entramos nas emoções finais de Tô Nem Aí :(



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                Oliver pareceu incrédulo com sua nova condição vampiresca – Alexei mais ainda, percebendo que todo o sufoco que haviam passado havia sido por nada. Teoricamente ele havia morrido, tinham um vampiro a mais no mundo e um criminoso irritado por não ser ele quem passou pela transformação. Ramona estava descompensada. Sentia seus olhos arderem em chamas perversas e instáveis de puro ódio e amargura. Edric só queria ir embora e dormir.

                − Eles sabem sobre você? – Alexei questionou, se aproximando de Oliver e examinando as condições de sua cicatriz no pescoço. Um corte rápido, ele pensou, mas não parecia ter sido de faca... Parecia mais... Com linha de aço? Engoliu seco. Oliver coçou a nuca e começou a comer do pernil com purê de batata.

                − Não, eu me escondo bem – respondeu de boca cheia – Eu só saio quando sei que eles não vão me ver... Tipo, de noite, madrugada ou quando eles tão com gente lá em cima – contou. Alexei arqueou as sobrancelhas, cheio de teorias conspirando na mente.

                − Aquilo que o Nimbus disse.... – ele começou – Que estavam ouvindo barulhos, vozes, coisas estavam sumindo... Era você esse tempo todo! – exclamou, surpreso. Envergonhado, Oliver coçou a nuca e sorriu.

                − Ele tá muito sorridente – Ramona sentenciou, por fim – O Oliver que eu conheci era mais babaca – sussurrou à Edric.

                − A transformação deve ter mudado a personalidade dele – o rapaz vampiro sussurrou de volta.

                − E como você tem feito com sua sede vampírica? – Alexei questionou. Oliver pigarreou, girou os olhos, deixou o prato de lado e caminhou para um canto mais escuro do porão, onde haviam prateleiras e mais prateleiras de garrafas de vinho.

                − Eu bebo isso – afirmou, mostrando uma das garrafas. Alexei se aproximou, a pegou das mãos de Oliver e cheirou o conteúdo. Arqueou as sobrancelhas, surpreso.

                − É sangue humano – respondeu – E bem antigo... Como ainda continua líquido? – questionou. Os amigos deram de ombro, sem saber o que responder. Alexei suspirou, deixou a garrafa ali, junto as outras e começou a pensar – Deve ser algum estoque do Nimbus... É bizarro, mas faz sentido.

                − E agora o que vamos fazer, então, Alex? – Ramona questionou impaciente – Se o Nimbus acordar, cara... – supôs, com um medo correndo pela espinha. Alexei engoliu seco, suspirou e pensou.

                − Vamos embora – afirmou convicto – Se não tem um cadáver, não tem assassinato – e sorriu sadicamente. Ramona e Edric se entreolharam, confusos.

                − E ele? – Edric questionou, apontando para Oliver.

                − Vem com a gente.

                Oliver sorriu de maneira inocente. Alexei, Edric e Ramona trocaram olhares preocupados.

                Versa Coumarine parecia mais abatida que o normal na manhã do dia seguinte. Seus cabelos estavam mais turvos e desgrenhados, sua pele mais pálida e seus olhos mais cansados. Alexei sentia um cheiro cinza vindo da alma da terapeuta, o cheiro que ele tanto conheceu: o cheiro do tempo passando e o fim da vida se aproximando. Preferiu, entretanto, ignorar o próprio olfato e focar os pensamentos na sessão que, após longos dias de espera, finalmente pôde voltar a ter.

                Estava consideravelmente feliz por ter se livrado da influência de Dominic sobre sua vida e enfrentado todos os seus medos, também se sentia aliviado por ter “se livrado”, teoricamente, dos problemas com Nimbus, ao levar Oliver do casarão e o instalar na casa de Edric, que se prontificou a o acolher, por ter sido transformado com seu sangue. Sentiam, os dois, um estranho elo de transformação. Já havia também feito os bolos para entrega naquele dia e poderia aproveitar cada minuto da sessão sem se preocupar com atrasos. A terapeuta, no entanto, não parecia estar completamente centrada naquele dia, parecia aérea, alheia e pensativa.

                − Eu... Hum... E como você, sabe, encarou Dominic? – ela questionou, meio que gaguejando, com certa dificuldade para discernir os pensamentos. Alexei engoliu seco, encarou a terapeuta, com receio e suspirou.

                − Eu só usei tudo que aprendi nos últimos dias, sabe... Entender como o que ele fazia comigo era obsessão, não amor... Perceber que eu poderia ser amado, sem estar preso a ninguém... Encarar meus traumas, por se dizer – ele respondeu, com um olhar confuso para com a situação da psicóloga – Eu encontrei minha força... Como você sugeriu – Versa riu baixinho e resmungou alguma coisa, em tom de zombação.

                − Encontrar sua força... De onde tirei essa merda? – ela questionou. Alexei arqueou as sobrancelhas, confuso. A terapeuta parecia irritada, desamparada e nitidamente... fragilizada.

                − Versa? O que aconteceu? – Alexei questionou, num tom amigável. A terapeuta chacoalhou a cabeça e forçou um sorriso extremamente assustador.

                − Nada, eu... – ela suspirou por um instante – Voltemos a sessão, tudo bem? – suplicou, alisando o próprio pescoço lentamente. Alexei engoliu seco.

                − Você quer dizer para eu voltar, não é? Pois só eu pareço estar aqui – Alexei disse num tom direto e sério. Versa pigarreou e encarou o chão, envergonhada. O vampiro se aproximou e segurou sua mão – Versa... O que aconteceu? Por favor, me responde! Você já fez tanto por mim... Posso fazer qualquer coisa por você! – afirmou. Versa desvencilhou sua mão da de Alexei com certo desprezo, riu, com uma tosse lenta no final, se levantou e se sentou mais distante. A terapeuta encarou Alex com um olhar de raiva que ele nunca havia visto antes.

                − Você não pode fazer nada, Alexei – ela afirmou irritada. Não havia só raiva, havia também amargura e desamor. O vampiro engoliu seco assustado – Ninguém pode fazer – sentenciou, se jogando na cadeira e juntando os braços em volta do rosto e o segurando por cima dos joelhos – Vá embora. Vai aproveitar sua vida. Já te disse uma vez: vá e viva – ela disse, num tom meio choroso, abafado pelos próprios braços – Você tem essa oportunidade, não desperdice ela assim – suplicou. Alexei sentiu uma pontinha de tristeza invadir seu coração como um vírus destrutivo.

                − Não, Versa, por favor – Alexei se aproximou da terapeuta e tentou lhe passar calma – Fala comigo eu... – Versa levantou o rosto, inchado pelas lágrimas e com um olhar de raiva, o óculos havia caído no chão, e gritou:

                − ME DEIXA SOZINHA! Para de perder tempo comigo! Logo eu não vou estar mais aqui, então faz alguma coisa produtiva e que te ajude de verdade e vai atrás da porra da sua felicidade, porque muita gente queria estar no seu lugar... Mas não vão poder, pois não tiveram a mesma sorte que você – sentenciou, por fim. Alexei engoliu seco. Havia entendido a mensagem, só se sentiu triste por não ter percebido antes.

                Ela andava abatida, triste, cansada... Cheirava a cinza, como a morte... como o fim dos tempos. Sempre incentivando que ele vivesse, que tomasse iniciativa, fizesse louras. Ela havia dito que ele aproveitasse a vida, pois era o maior ato de loucura que podia fazer. Versa Coumarine despejava todos os seus desejos mais ínfimos em Alexei, pois não os podia realizar plenamente.

                Ele teria toda a eternidade. Ela teria... Sabe-se lá quantos dias, meses ou anos.

                Versa Coumarine estava morrendo.

                Ela queria que Alexei vivesse, pois ela mesma não poderia o fazer. Ou pelo menos era o que ela enxergava de sua situação. Versa Coumarine ainda não havia morrido, mas, em seu coração e em suas esperanças, a morte havia chegado na pré-venda, mais cedo do que haviam combinado. Seu corpo continuava vivo... mas sua alma morria a cada dia. E isso fazia Alexei se sentir a alma mais egoísta e impotente do mundo.

                Alexei fez menção a seguir as ordens da terapeuta e ir embora, mas voltou, a abraçou rapidamente e sussurrou em seu ouvido:

                − Eu sei. Eu entendo – ele disse, num tom fraternal e compadecido. Versa engoliu seco – Eu encontrei meu motivo para viver, Versa, tenho certeza que você vai encontrar um também – afirmou, com pensamentos alternando entre a própria felicidade, os amigos, os pretendentes. Não havia motivo direto e palpável para que insistisse em viver, no fim, mas também não havia motivo para que ele desejasse o contrário, o que já era uma grande conquista. Alexei, até outrora, odiava a condição de vampiro, a eternidade, sua sede, seus atos e sua inconstância... Não que ele ame agora, mas, graças as sessões de terapia, muita conversa com pessoas queridas e muito aprendizado próprio, aprendeu a se aceitar e respeitar como era. E isso era o maior começo que se podia esperar. Por conseguinte, tinha esperança que Versa pudesse enxergar que a vida só acaba quando termina e não desistir tão facilmente.

                Versa Coumarine suspirou, envergonhada, e não pôde olhar Alexei nos olhos. O vampiro sorriu, compadecido, e deixou o consultório cabisbaixo, convicto que devia dar o tempo devido para que a amiga pudesse pensar e refletir sobre tudo.

                Já estava há quarenta minutos sentado no ponto esperando que o ônibus passasse. Definitivamente, ele detestava essa espera que parecia interminável. De fones, ouvindo sua playlist de músicas favoritas, mascando um chiclete de sangue, próprio para vampiros, e fazendo bolas de goma na boca, contemplando o próprio tédio. A sessão havia terminado bem mais cedo que esperava e, em consequência, devia aguardar o ônibus muito antes de seu horário.

                No celular tocava a música “Você Sempre Será”, mais um dos clássicos hits dos anos dois mil. Não pôde evitar pensar em Ignácio, em como o que Alexei sentia sempre o arrastava para mais próximo do homem de corpo escultural, mesmo quando sentia que devia esperar, quando queria terminar tudo... Mesmo até quando tinha medo o suficiente para acreditar que não daria certo entre os dois. Não se engane, te digo, se sentir insuficiente para alguém que se gosta é a arma mais dolorosa e tortuosa que a baixa autoestima pode usar contra pessoas sem confiança. Sentir que alguém é perfeito... E você é só mais um, em meio a tantos, melhores, mais bonitos, mais interessantes... É um medo insuperável, cuja única saída conhecida é o amor desbravador o suficiente para alavancar a coragem estagnada e nos fazer cometer atos inimagináveis.

                “Eu posso tentar te esquecer, mas você sempre será, a onda que arrasta, que me leva, pro teu mar”.

                Pensou em como seria mais fácil se, simplesmente, as pessoas enxergassem as diferenças e pudessem respeitá-las, admirá-las em comum. Não seria uma profilaxia só para os corações inseguros, mas também para os corações amargos em preconceitos, como o de Dulla Swanna, de Ellen Guttenberg e, provavelmente, de Consuela Cruz. Alexei sorriu, imaginando como tudo seria mais fácil para Ignácio se a mãe fosse uma mulher tolerante, compreensiva e menos presa à dogmas religiosos defasados. Como ele poderia ser ele mesmo, sem ter o medo de ser rejeitado... Como, enfim, os dois poderiam se entregar à o que quer que o destino os reservasse, sem limitações de corações inseguros, como o de Alexei, que não se sentia suficiente para ninguém, e o de Ignácio, que não aceitava ser quem havia nascido para ser, e de corações intolerantes, como o da mãe religiosa de Cruz.

                Mas ainda não havia certeza em Alexei. Mesmo depois de tanto tempo, de tantas provações, tanto aprendizado e tanta compreensão sobre si próprio, o vampiro ainda resguardava certo medo de se entregar a más escolhas. Versa Coumarine certa vez disse, referindo-se explicitamente à Roman:

                − Cuidado para não se envolver em algo que você sabe, porém ignora, que está fadado à machucados maiores que você pode aguentar.

                Ainda que fosse uma frase endereçada, aquilo se encaixava – basicamente – em uma centelha de momentos da vida que Alexei podia, inclusive, listar, mas não o faria para não ocupar a mente com pensamentos desnecessários, quando já tinha coisas o bastante para pensar e resolver. Ele definitivamente gostava de Ignácio... Mas não tinha certeza o suficiente se o amava. Não o amor no sentido figurado, mas o amor no sentido literal. Aquele sentimento que consome todo seu ódio pela humanidade e te transforma em uma pessoa nova, cheia de felicidade, alegria e bons sentimentos, como o que experimentou, haviam anos, com Dominic, na União Soviética. Podia odiar o ex e o considerar um lixo extremamente radioativo, destrutivo, desgraçado e abominável, mas não podia negar que o amor de Domi havia o salvado de ser algo que até hoje tem vergonha de se lembrar – e, por mais magoado que estivesse com ele, ainda se sentia agradecido por isso. Dominic era um merda, mas havia feito o açougueiro de Mônaco desaparecer da vida de Alex para nunca mais voltar.

                É assim para os vampiros, já disse outrora: um sentimento grande só desaparece para dar lugar à um sentimento maior ainda. Nunca na mesma intensidade, nunca menor, apenas maior. O ódio pela humanidade desapareceu para dar lugar a um amor platônico, que desapareceu no dia que Alexei viu Dominic aos beijos com Edric, dando lugar à uma insegurança incólume e devastadora, que fez o vampiro se odiar a ponto de desejar não existir. Agora, cansado de ser vítima desse sentimento indesejado, Alex devia encontrar algo maior e mais poderoso para preencher seu coração, mas que não lhe traga machucados maiores que pode aguentar.

                Talvez esse algo seja o amor de Ignácio, ou a amizade de Teresa, ou o mistério de Roman... Ou então... Seja si mesmo. Já havia encontrado a própria confiança e tido coragem o suficiente para enfrentar seu maior trauma, talvez pudesse encontrá-la, novamente, e se preencher por completo por ela. Sendo, assim, o algoz de sua própria mudança.

                “Mude a si mesmo e depois mude todo o resto” Alexei se sentiu iluminar por uma luz brilhosa de esperança. Era tão óbvio! O tempo todo. Ele queria ser amado por Ignácio, mas não queria que o amor dele fosse o responsável por sua troca de sentimentos poderosos, pois sabia que não precisava de alguém para ser completo... Precisava de si mesmo. Ele tinha medo de desejar “colo” e ser fraco por isso... Ele não queria depender de alguém... Pois sabia que precisava mudar a si mesmo, mudar sua compreensão, entender sua própria complexidade, ser tudo que sua dependência precisa para ser sanada. Depender de si mesmo. Alexei não se sentia perfeito, e havia percebido que no fim ninguém era, pois ser perfeito é ser completo. E, carambolas, ninguém é, até perceber que a parte que falta não é alguém, não é algo, não é um sentimento: é si mesmo.

‘              − Eu sou completo sendo... eu? – Alexei pensou, olhou ao redor e encontrou a própria imagem no reflexo da janela do ônibus que acabava de chegar. Se levantou, caminhou, ainda pensativo, e entrou. – Eu ainda gosto de Ignácio, mas eu não sou só o que sinto por ele. Acho que é isso que tenho que perceber. Eu sou alguém além das coisas que eu sinto — pensou consigo mesmo, orgulhoso das próprias conclusões. 

                Ramona, Oliver e Edric estavam na confeitaria aguardando o retorno de Alexei, como haviam combinado. Teresa estava na mesa junto a eles e ouvia calmamente toda a história dos últimos dias, com um olhar de raiva, braveza e julgamento. Quando o vampiro chegou, metralhou o amigo com o maior dos olhares de “Eu vou te matar”. Alexei engoliu seco, a chamou para um cantinho na cozinha e se foi.

                − Eu vou te matar – ela afirmou, extremamente irritada, mas com certo tom de preocupação. Teresa deu um tapa na nuca de Alexei – Você me disse que não ia! – afirmou. Alexei engoliu seco, envergonhado.

                − Eu não podia Tê – respondeu, botando o avental de gatinhos – Se eu não fosse ele poderia fazer alguma coisa com vocês, com a Ramona... – supôs, com um certo medo transparecendo no olhar. Teresa suspirou.

                − Bom, agora vocês têm um vampiro a mais e uma dívida a menos – ela afirmou num tom mais calmo, porém igualmente irritado – O que vão fazer com o esquisitinho? – questionou. Alexei pensou que ela se referia à Oliver.

                Alexei encarou o novo vampiro com um olhar preocupado e coçou a nuca.

                − Deixa ele aí... Por enquanto – respondeu – Se ninguém descobrir que ele era humano até duas semanas atrás, não vai ter problema. Ainda não é crime transformar alguém em vampiro, no fim, só não é bem visto – afirmou, com um olhar forçosamente esperançoso. Teresa torceu o nariz.

                − Melhor dizer que ele é algum parente vampiro que morava lá na Romengália – afirmou. Alexei riu baixinho – Que foi?

                − Você ainda lembra da Romengália? – questionou. A amiga riu também.

                − Você enganou certinho a Dulla – respondeu – Ela fez uns dois vídeos falando sobre Romengália: o país onde todos são vampiros e porque não deportamos todos para lá – contou, coçando a nuca – Falando na peça... Soube que ela tava querendo organizar uma manifestação, mas é claro que ela inventou outro nome: Reunião das Pessoas da Época de Ouro contra O Modernismo Pecaminoso – contou. Alexei riu.

                − Ou seja: reunião do asilo contra os vampiros que não fizeram nada além de continuarem jovens – afirmou. Teresa gargalhou e deu um tapinha no ombro do amigo.

                − Ai, cala-te boca, viu... – ela começou, olhando aos arredores – Mas, é sério, toma cuidado com esse pessoal nesses dias que estão por vir. Sinto que em boa coisa não vai dar – afirmou, com um olhar de preocupação. Alexei engoliu seco e anuiu. Conhecia bem a maldade dos homens para saber do que eles eram possíveis.

                − Pode deixar – afirmou, tentando deixar a amiga mais calma. Teresa deu um abraço rápido no vampiro, sorriu e ajeitou os cabelos – E o casório, como vão as preparações?

                Teresa se iluminou por uma luz indescritível e sorriu. Adorava que perguntassem de seu casamento – e poderia passar horas e mais horas falando sobre ele. Alexei engoliu seco, sabendo que ia ter uma conversa de no mínimo cinquenta minutos sobre harmonização de cores, o quão longo é o vestido ideal, o quanto de laquê se deve usar no cabelo para deixar o penteado perfeito, etc. Então, enquanto acompanhava a ladainha interminável de uma mulher vivendo um sonho, começou a preparar os bolos que ainda estavam pendentes para a entrega, com ela à suas costas.

                Alexei estava fazendo seu secundo bolo (Um naked cake de banana com mirtilo e frutas silvestres), quando Teresa resolveu dar uma pausa em toda sua explicação sobre o casório e atender o telefone que tocava freneticamente há alguns instantes.

                − Ela o que??? – Teresa questionou irritada, ouvindo a voz atrás do telefone. Seu olhar destilava veneno, raiva e amargura – Não! Nem pensa nisso! Tô indo aí AGORA! Se ela chegar... Me ouve, Maeve – Maeve era a prima e melhor amiga de Teresa – Mae! Se ela chegar perto da lista de novo você morde a mão dela, por mim! – gritou, enquanto tirava o celular do ouvido e deixava em cima da mesa, com um olhar pesado em raiva. – Sabe qual a mais nova da dona “não sou racista pois tenho até amigos vampiros”? – Alexei riu imaginando tudo que Ellen poderia ser capaz.

                − Ela abriu um campo de concentração para vampiros? – brincou, mas sem duvidar que os conservadores seriam capazes disso. Teresa revirou os olhos, bufando de ódio como um touro ao ver vermelho.

                − Ela deu para querer mexer na lista de convidados! – Teresa contou, com ódio transparecendo no fundo dos olhos negros. A amiga tremia como uma pinscher chamada Belinha, comum na maioria das famílias brasileiras – Maeve me disse que ela tava com a wikipédia aberta numa página chamada “nomes e sobrenomes de vampiros”— Teresa se jogou na cadeira, incrédula e envergonhada, alisando o próprio rosto – Dá vontade de cancelar esse casamento só por saber que se casar ela vem de brinde... – confessou. Alexei se aproximou da amiga, compadecido, e alisou suas costas.

                − Calma, Tê, vai dar certo – afirmou convicto. Alexei tem estado relativamente mais confiante e otimista desde o dia que enfrentou Dominic – Você mesma disse que nem sequer o David tem muito contato com ela...

                − Eu sei, mas meu deus – ela suspirou – Eu amo TANTO aquele desgraçado! Mas não quero que o amor dele venha com uma cruz tão pesada para carregar, entende? – Alexei entendia bem, era uma situação parecida com tudo que ele havia vivido, no fim.

                − Eu sei amiga... Eu sei... – afirmou – Às vezes é difícil se entregar ao amor quando tem algo que dificulta a passagem, sabe... É difícil, no fim, encarar até os próprios sentimentos − contou. Teresa cerrou os olhos, confusa.

                − Você tá falando de mim ou de você? – questionou. Alexei engoliu seco.

                Ele não sabia.

                − Não sei – afirmou, se voltando para o bolo e se lembrando de Ignácio Cruz. Teresa ficou encarando o vampiro por longos instantes, até o momento que ficou incômodo – Que foi?

                − Você tem que falar com ele – ela afirmou. Alexei suspirou.

                − Ele quer um tempo – respondeu.

                − Ele tá confuso. Precisa de você nesse momento mais do que nunca! – exclamou. E isso, no fim de tudo, era a maior verdade que Alexei ouvia em tempos. Não podia fingir que passar por um momento desses sozinho era tarefa fácil. Ele mesmo já havia o feito por várias vezes e nunca conseguiria se não tivesse ajuda de alguém... Mas, Ignácio, estava sozinho, velado sobre os próprios segredos e afastado de todos com quem podia conversar.

                − Eu sou a última pessoa que ele quer ver, Teresa – Alexei sentenciou. Por mais vontade que ele tivesse de correr para os braços de Ignácio, tinha medo de sofrer uma rejeição maior ainda e, dessa vez, definitiva. Não podia simplesmente passar por aquelas portas de vidro da clínica e o obrigar a se aceitar, se amar e se assumir. – Ele precisa falar com alguém, mas não comigo... Vou deixar ele com o tempo dele, logo menos ele se encontra.

                Teresa coçou a nuca, pensativa.

                − Bom, se você diz... – ela respondeu, com um tom misterioso no ar. Alexei cerrou os olhos, desconfiado, mas se limitou a continuar o bolo. – Vou precisar ir dar uns berros com minha sogra querida, posso?

                − Claro.

                Teresa sorriu, se levantou, ajeitou os cabelos e se foi até Day Flores, no balcão da confeitaria. A mocinha digitava freneticamente no computador.

                − Day – Teresa sussurrou, a moça olhou, assustada – Liga pra minha prima e fala pra ela que chego lá daqui a pouco. Diz pra ela não deixar a Ellen sequer tocar na lista – suplicou. Dayana anuiu – Tenho umas coisas pra resolver antes.

                A clínica ainda não tinha uma placa decente e Teresa demorou alguns minutos para perceber onde era. As portas de vidro harmonizavam perfeitamente com o azul das paredes. Era meio escuro lá dentro, fruto da ausência de janelas, com a luz rosada de algumas lâmpadas iluminando de maneira precária. Havia uma fileira de cadeiras na entrada, o que lembrou uma sala de espera. Duas moças estavam sentadas, aguardando, e Teresa soube naquele instante que não ia esperar aquelas duas peruas serem atendidas para poder falar com Ignácio Cruz.

                Torceu o nariz, coçou os cabelos, se sentou e cruzou as pernas, aguardando um sinal do massagista.

                − Elie... Teresa? – Ignácio Cruz questionou, com uma prancheta de horários em mãos. Estava trajado de branco da cabeça aos pés, com uma camiseta que se acentuava perfeitamente à estrutura do corpo. Teresa sorriu, olhando o amigo da cabeça aos pés.

                − Vim conhecer a clínica, finalmente – ela mentiu, o que era óbvio para qualquer pessoa, menos para Ignácio Cruz, que sorriu amigavelmente. – Podemos conversar? É importante – suplicou. Ignácio engoliu seco, parecendo compreender que aquela visita não era meramente contemplativa.

                − Eu tenho alguns horários marcados hoje, Teresa, não sei se... – ele começou a dizer. Teresa sorriu, encarou as mulheres com um olhar de ódio e dominação. As senhoras engoliram seco.

                − Tenho certeza que elas não vão se importar se de esperarem quinze minutinhos, não é? – não era um pedido, era quase uma ordem. As mulheres não discordaram, meio amedrontadas. Ignácio suspirou, coçou o rosto e abriu a porta da clínica.

                − Sobre o que você quer falar?

                Teresa sorriu, já dentro do consultório, com um olhar confiante.

                − Sobre a hora de você ter coragem o suficiente para enfrentar seus medos – e se sentou numa das cadeiras, cruzando as pernas. Ignácio engoliu seco.

                Alexei finalizava o último bolo quando Teresa saiu. Alguns minutos depois, acompanhado de Jerichó, com quem conversava initerruptamente, chegou Roman Medina, vestindo terno, gravata e sapatos sociais, carregando uma maleta preta. O vampiro nunca havia o visto além do sobretudo e do macacão jeans, não conseguindo evitar ficar boquiaberto quando o viu tão bem arrumado, como um típico advogado.

                Quando viu Alexei, sujo de farinha e glacê, com o típico avental de gatinhos, Roman abriu seu clássico e canônico sorriso fofo e apaixonante, se aproximando com cautela e um bom tom de elegância.

                − Boas notícias – ele afirmou, confiante, se colocando próximo o bastante para que Alexei pudesse sentir seu perfume doce e contagiante – Conversei com o advogado do Dominic, ele pediu para fazer uma proposta pra você antes de levar o caso pro tribunal – Alexei torceu o nariz com a mera menção do nome do ex.

                − Queria eu propor uma coisa na cara do Dominic – começou, irritado – Minha mão, principalmente – afirmou. Roman riu, com seu riso contagiante como um vírus fatal. Alexei acabou sorrindo também.

                − Não, mas é serio... – Roman começou, pegando um mirtilo que havia sobrado do bolo de outrora e comendo – Ele estava se borrando, praticamente. Sabem que não tem muitas chances no processo... Vão fazer de tudo para evitar... E como o valor do processo é substancialmente maior que o que o Dominic gastou no imóvel... – Roman riu baixinho, em tom de deboche.

                Alexei fixou seus olhos naquele homem que lhe trazia um mix de sentimentos inexplicáveis. O que ele sentia por Ignácio era confuso, no fim, mas não tanto quanto o que ele sentia por Roman Medina. Era impossível não se apaixonar por ele – e ele devia saber disso, pois tentava sempre se apagar da existência, seja se vestindo de maneira simples, ficando nas sombras do mundo ou cultivando humildade. Tudo em Roman era cativante: seus olhos, seu sorriso, seu cabelo, seu nariz, seu corpo, sua voz, seu cheiro, sua história... Não havia como simplesmente conviver com alguém como ele e ignorar todos os sentimentos que ele provocava. Alexei lembrou-se de uma canção que tanto lhe dizia sobre Roman:

                “Como cortar pela raiz, se já deu flor?”como não se apaixonar por um homem que não quer amar alguém, se ele o faz de maneira tão implacável?“Como inventar um adeus, se já é amor?” — Alexei se questionou, novamente, pela confusão sobre o que sentia. Ele podia fazer tudo por Ignácio Cruz, mas tinha certeza absoluta que faria o mesmo por Roman Medina. Ele não sabia se sentia amor ou se era mero fruto da paixão, do lado vampírico. Sabia que, segundo o principal entendimento, só poderia amar verdadeiramente um. Só que, quanto mais tempo passava com um, mais sentia que estava dividido demais entre ambos.

                Havia passado tantos dias pensando em fazer bem para Ignácio, sempre acalentado pelo calor da amizade e do amor de Roman, que foi tão presente nos últimos dias...

                Mas Roman amava Tori. E Alexei o amava, mas também amava Ignácio. Sim. Negar já não era mais a solução adequada. Ele os amava, independentemente de todo medo que corrompa seu ser e queira tentar impedir de encontrar sua felicidade e se entregar para alguém novamente, com medo de se tornar um cativo mais uma vez, não havia mais como mentir para si mesmo sobre o que sentia: era amor, do mais confuso, misterioso e evidente. Mas quem ele amava mais? O homem que estava comprometido pela eternidade com alguém que não podia ter ou o homem que não podia ser quem era plenamente por medo de ser rejeitado por quem ele já tinha?

                Os pensamentos de Alexei só cessaram quando Joshua entrou carregando uma caixa de papelão que havia encontrado nos fundos da confeitaria, endereçado à Alexei.

                − Quem deixou isso? – ele questionou, confuso, despertando dos próprios pensamentos. Joshua chacoalhou a cabeça, confuso.

                − Eu só encontrei lá fora. Tem seu nome no cartão, chefe – contou. Alexei engoliu seco, olhou mais uma vez para Roman e buscou a própria coragem.

                − Agora até eu tô curioso – Roman afirmou, amistoso como sempre – Será de um admirador secreto? – tinha um certo tom de piada, mas com uma pontinha de ciúmes no fundo. Alexei sorriu, suspirou e abriu a caixa, sem mais se alongar:

                Havia um peixe fedido e amarelado, e um livro de capa dura e folhas manchadas.

                Alexei engoliu seco, assustado. Roman tocou no peixe, levantou e o encarou, o segurando pela ponta dos dedos.

                − É uma bíblia – Joshua afirmou, folheando o livro com cuidado.

                − E isso é uma... Anchova? – questionou Roman sobre o peixe. Alexei engoliu seco. Sabia exatamente o que era e o que significava.

                − Bacalhau – respondeu.

                − E o que isso significa? – questionou, confuso. Alexei suspirou. – Que tipo de presente é esse?

                − Que lembram que eu tenho descendência portuguesa – contou, referindo-se a Nimbus – E é do tipo de presente que te avisa sobre o que está por vir.


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