Adam

Dizem que o bater de asas de uma borboleta pode transformar uma ventania em furacão. Adam não sabia que dividir uma cesta de frutas secas com Helena quando ainda eram crianças poderia acarretar em sua morte no futuro. Se soubesse, teria deixado o rio seguir seu curso, ao invés de tentar controlá-lo. “Você nasceu para grandeza e não para o amor”, ela sempre lhe disse, porque sabia que o amor não está  acima do dever, pois é fraco e covarde. Talvez, Helena tenha sido cruel ao dizer isso, no entanto, ele sabe que estava certa e o universo o provou isso agora. 

Adam havia chegado à casa de seus novos pais há pouco tempo. Mary Susan Johnson e Harry Leonard Johnson vieram de uma linhagem nobre de monarcas, diferente do garoto, que ainda estava se acostumando com a ideia de um mundo novo, de mulheres e homens brancos, que historicamente eram cruéis com pessoas como ele. Apenas lembrava que seu nome era Mahal e posteriormente, veio a ser batizado de Adam Hall Johnson, filho único de uma casal acolhedor que lhe ensinou bons valores e por conta disto, um lugar no topo lhe foi reservado. Apesar disso, nunca se esqueceu da miséria, de sua mãe biológica morrendo para salvá-lo de um senhor branco, Susan e Leo não foram seus verdadeiros salvadores.

Ele chegou ao seu novo lar, como um animalzinho ferido e de coração partido. Lá encontrou uma garotinha de cabelos desgrenhados que deveria se portar como uma princesa, porém, andava suja de lama, grama e conversava com minhocas. Naquele momento, não lembrava de seu nome, apenas que era mais nova que ele; sua pequenez, por certo, não combinava com a grandeza da sua alma e ela insistia para que dividissem uma cesta de damascos e outras frutas secas. Eles comeram, brincaram, descobriram duas coisas: que alguns bichos de terra se enrolam ao serem tocados e  sapos queimam quando lhes jogam sal. “Ei, não jogue sal nos sapos!”, ela o repreendeu com seus dentinhos pequenos. Depois daquele dia, o primeiro dia de sua nova vida, nunca mais a viu. 

Então, quando já se tornara duque de Hillton, filho dos venerados e respeitados Johnson’s, cheio de ideias progressistas, apaixonado pela vida e por seu povo — aqueles pobres e maltratados, os que foram escravos ou eram filhos de escravos, os que mereciam o topo tanto quanto ele e não tiveram sorte. Adam Hall Johnson o homem que nasceu para grandeza, já tinha seu punhado de inimigos e estava prestes a arrumar mais um, quando entrou  numa batalha indigna e ingrata contra o amor.

     Naquele dia, decidiu visitar sua amada tia Katherine Louise Winston, uma dama digna e adorável que morava em uma casarão no sul da Inglaterra, cujo jardim nascia narcisos de todas as cores e sempre parecia ser verão. Foi ali, no meio daquelas flores maravilhosas onde a viu pela primeira vez como uma dríade: pés descalços e cabelos lindamente desgrenhados, girando de mãos dadas com uma criança, com um sorriso tão contagiante que o fez sorrir sem saber porquê, apenas porque seu coração se aqueceu com aquela imagem.

Mais tarde, eles conversaram pela primeira vez e tomaram chá, encararam-se curiosos pois ambos se conheciam, mas não lembravam como, até que conseguiram recordar a bendita cesta de frutas secas e dos pobres sapinhos.

 Eles sorriram

  E se apaixonaram.

A brilhante Helena Crawford, a garotinha das minhocas, dos pés lamacentos e frutas secas, aquela que adorava as estrelas, a ciência. Adam sabia que o universo inteiro cabia dentro da cabeça dela e que nunca a mereceu de verdade. 

Apesar de seus corações cantarem a mesma canção, Helena havia sido prometida em casamento ao Sir Morghan Harold — cavaleiro da Rainha, dono de propriedades e construtor de alianças poderosas, aquele que já havia comprado briga com Hall apenas por odiar suas ideias utópicas, por não aceitar que Hillton poderia ser um lugar diferente, com pessoas livres e nada brancas no poder. “Um lugar livre, onde pessoas podem ser o que quiser, não têm sangue de escravos e pessoas de cor. Como pode um homem tão distinto quanto Lorde Leonard ter dado poder a um selvagem com ideias patéticas?”, Morghan queria destruir a política de Adam, só não contava com Helena, aquele verme ainda teria a audácia de roubar sua noiva.

Um dia Adam raptou Helena dos seus afazeres, de sua casa e dos últimos preparos de seu casamento que aconteceria dali dois dias, naquele fim de tarde, a conduziu de olhos vendados para praia que ficava atrás da mansão Hillton e esperou que as estrelas pintassem o céu. Nunca a viu sorrir tanto na vida, tão empolgada, tão agradecida, tão apaixonada. Mesmo assim ela recusou continuar com a loucura que seria desistir do casamento. 

— Eu não sou o amor da sua vida, Adam. — Ela encosta a cabeça em seu peito, sentindo seu cheiro doce de argan. — Não merece ser amado por mim, prosseguir com essa loucura só vai trazer dor e devastação. — Helena deixa que uma lágrima insistente escapasse. —  Não pode me deixar destruir o que você tem planejado para Hillton, Morghan não vai te deixar em paz, eu sei, porque já o ouvi falar coisas terríveis sobre você. O meu dever e o seu, estão acima dos nossos sentimentos.

— Eu não posso conceber a ideia de viver sem você e muito menos Hillton.  — Ele encostou o queixo sobre a cabeça dela. — Helena Hall Johnson, a duquesa de Hillton. 

Ela levantou a cabeça para olhá-lo, sorriu com a ideia estapafúrdia. 

— Sou apenas uma sonhadora. — A mulher se afastou para segurar suas mãos. — Você já possui o mundo em suas mãos e suas responsabilidades, que são diferentes das minhas. — Ela colocou as mãos dele sobre seu coração. — É o meu melhor amigo, meu amor e confidente, eu sempre vou pertencer à você. 

— Nunca vou desistir de você. — Ele a envolveu em um abraço. — Nunca.

E Adam não desistiu, faltando poucas horas para a cerimônia, feriu o orgulho e a honra de Morghan, desmanchou a pouca reputação de Hillton e abriu mão de parte de seu poder sobre sua própria terra apenas para ter Helena. E ele a teve, mas não por muito tempo. Naquele dia vergonho, Harold jurou destruir o duque de Hillton, começando por seu coração, depois pela honra e por fim tirar o poder que ele nunca mereceu possuir.