Nos teus olhos enxerguei o infinito escrita por Sebastian


Capítulo 2
nos braços de Morfeu


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Adam

Adam aprendeu da maneira mais dolorosa que um dia ensolarado sempre antecede uma noite tempestuosa. Agora está sentado na soleira da porta da igreja, onde a esposa havia caído hoje à tarde, sentindo as gotas de chuva molhar os cabelos, escorrer para o pescoço e alagar suas costas. Está encharcado e com frio, mas não deseja entrar para um lugar aquecido, somente encarar as árvores devassas que camuflaram o assassino de Helena tão bem quanto a chuva o molha. 

Ele ainda está em estado de choque, quando ela caiu em seus braços não teve reação alguma, talvez, em algum momento tenha perdido os sentidos, pois sua visão ficou turva e de repente, todos os gritos de desespero e choros se tornaram fracos aos seus ouvidos. No entanto, é tão claro em sua cabeça que não abandonou o corpo de sua amada em nenhum instante de todo aquele martírio, mesmo quando tentaram afastá-lo do cadáver, dizendo: "Adam, ela está morta, solte-a agora". Ele não o fez, porque precisava de mais um momento, um esplendor de eternidade ou quem sabe um milagre, afrontou o buraco hediondo no peito de Helena, tão grande e profundo que doeu em sua própria carne.

Aproveitou cada segundo para contemplar cuidadosamente as órbitas estagnadas dela, os belos olhos que abriam uma janela para o firmamento, que continha todas as cores do prisma, que possuía as constelações mais brilhantes e armazenava toda a história deles. Adam os fechou e beijou a testa dela com ternura e depois disso, não lembra de muita coisa a não ser vultos de memórias fastidiosas, algo com caminhar pelo bosque com um grupo de homens (que foram seus padrinhos), procurando pelo assassino ou de voltar para igreja e apartar a mãe de Helena em um desmaio ou quem sabe, ter continuado lamentar com a falecida esposa em seus braços ou ainda, misturar todas as boas recordações com más objeções do destino. Ele estava perturbado. 

A tribulação não acabou, porque neste exato momento observa a pedra ser lavada pela chuva, levando embora o sangue dela  que ficou aglutinado até o anoitecer, até que a primeira gota de água fosse derramada. Ele sente uma mão tocar seu ombro, é o Padre Edmund, segurando uma lamparina, assemelhando-se a forma de um fantasma, uma vez que usa um manto com gorro para se proteger da chuva. 

— Adam, não pode passar a vida toda parado na chuva — diz o sacerdote, carregando compaixão na voz. — Eu fiz uma sopa e têm roupas secas que sirvam em você, é de Glover, na verdade, acho que vão ficar um pouco curtas, mas… — Ele para de falar, percebendo que estava desviando o foco do assunto. 

— Que vida resta agora, Padre? — Adam indaga com dificuldade, os lábios trêmulos de frio. — A que iria construir foi levada junto com Helena para longe do alcance das minhas mãos… — A voz saiu entrecortada. — Bem, bem, longe. 

— Eu sinto muito, filho. — O velho o ajuda a levantar. — Quem conhece os propósitos do Senhor? 

O rapaz o encara confuso e diz:

— O propósito era ela morrer nos meus braços no dia do casamento? — Adam se mantém de pé e com dificuldade encara o Padre.

— Não blasfeme, um dia irá entender o por quê.

— Desculpa — Hall murmurou. — Eu estou perdido. 

— Tudo bem, filho. — Ele o conduz para a casa paroquial que fica atrás da igreja. — Entre e descanse, amanhã será um novo dia, Deus lhe dará forças para continuar. 

Adam assente e, em seguida, entra na residência, trocando de roupa e toma à força a sopa de peixe, que o padre Edmund preparou. Depois, o velho homem lhe arrumou uma cama para deitar, porém, ele não quis, porque está sem sono, fechar os olhos é nauseante. 

— Não pude fazer muita coisa. — Comenta o Padre. — Mandamos alguns soldados vasculhar cada canto de Hillton até mesmo além das fronteiras e no porto. Eu sei que é delicado falar sobre isso agora, mas eu já ungi o corpo de Helena e o enviei para o cemitério de St. Therese of Lisieux, amanhã será a cerimônia de enterro. 

— Obrigado… — O rapaz responde após um longo instante de silêncio. — Ela não quis uma grande cerimônia como todo membro da realeza merece. — Adam caminha para a janela e encara a chuva que continua a cair com potência. — Escolheu uma capela, os convidados mais honrosos e produziu tudo com tanto carinho que fez eu não me achar digno dela. — Ele dá um soco na vidraça, assustando o sacerdote. — O senhor sabe, não é? Tudo o que passamos para merecer nosso momento de paz. 

— Sim, eu sei.

— Então me dê um motivo para não ir atrás do maldito que mandou assassinar Helena. 

— Adam, não. — Edmund percebe que dos olhos do rapaz não correm mais lágrimas, mas possuem uma faísca perigosa de raiva. 

— Só ele faria isso, não queria que fossemos felizes e para se vingar encomendou a morte de Helena. — Hall está impaciente. 

— Você está se precipitando. — O Padre se levanta, aproximando-se do homem, na tentativa de acalmá-lo. 

— Não, não estou! — Adam o empurra, indo em direção à saída. 

— O que vai fazer?!

— Acertar minhas contas com Morghan Harold. — Ele enuncia, batendo a porta com força, sem nem mesmo escutar o que  Edmund têm a dizer. 

O Padre se ajoelha, unindo as mãos e reza pela jornada de Adam Hall Johnson. 



Adam sabe que não há muitos cavalos disponíveis na capela, apenas dois: um para Edmund e outro para Glover, o seminarista. Correu até o estábulo, procurando pelo animal que ainda resta, amansando-o e o conduzindo para o lado de fora, onde o Padre se encontra pronto para fazê-lo mudar de ideia. 

— Filho, não faça algo que se arrependa. — Ele implora. — Se Morgan fez isso, a justiça Divina irá julgá-lo, chega de derramar sangue. 

— É tarde demais. — O homem sobe no equino, a chuva o encharcando novamente. — Eu não me importo de não sair vivo, contanto, que aquele desgraçado pague o preço. — E de novo, ele parte sem ouvir o que o sacerdote lhe têm a dizer. 

Adam apenas escuta o Padre chamar seu nome cada vez mais longe e abafado pela chuva forte, ele pode estar certo, talvez Morgan não seja o culpado, todavia, algo no seu peito diz o contrário, sabe que o cavaleiro da rainha moveria céus e terra para lhe tirar Helena.

A tempestade se torna cada vez mais intensa, ele tenta se localizar pelo céu, mas está nublado, nem mesmo a luz da lua ousa brilhar. O caminho pelo bosque transmuda, mostrando-se denso e difícil de atravessar e o cavalo, por mais que use as rédeas para mantê-lo dominado e veloz, encontra-se exausto pelos contratempos da viagem. Hall já cavalga há um bom tempo com um pensamento sombrio e orgulhoso tomando a paz que ainda lhe resta: não conseguirá chegar a Londres, menos ainda, descarregar todo o ódio em cima de Morghan sem explicações concretas. 

Adam encosta o cavalo em baixo de um teixo na tentativa de se proteger da chuva, sentindo-se estúpido, fraco e covarde, como um animal de orgulho ferido. Ele, cansado, com frio e no escuro, reclina-se ao tronco úmido, encarando o céu negro, onde, vez ou outra, os relâmpagos cortam o firmamento com um brilho intenso, antecedendo os altos gritos dos trovões. Desta maneira, de uma hora para a outra, ele adormece nos braços de Morfeu.

 


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