Nos teus olhos enxerguei o infinito escrita por Sebastian
Notas iniciais do capítulo
Boa leitura!
Adam
Adam aprendeu da maneira mais dolorosa que um dia ensolarado sempre antecede uma noite tempestuosa. Agora está sentado na soleira da porta da igreja, onde a esposa havia caído hoje à tarde, sentindo as gotas de chuva molhar os cabelos, escorrer para o pescoço e alagar suas costas. Está encharcado e com frio, mas não deseja entrar para um lugar aquecido, somente encarar as árvores devassas que camuflaram o assassino de Helena tão bem quanto a chuva o molha.
Ele ainda está em estado de choque, quando ela caiu em seus braços não teve reação alguma, talvez, em algum momento tenha perdido os sentidos, pois sua visão ficou turva e de repente, todos os gritos de desespero e choros se tornaram fracos aos seus ouvidos. No entanto, é tão claro em sua cabeça que não abandonou o corpo de sua amada em nenhum instante de todo aquele martírio, mesmo quando tentaram afastá-lo do cadáver, dizendo: "Adam, ela está morta, solte-a agora". Ele não o fez, porque precisava de mais um momento, um esplendor de eternidade ou quem sabe um milagre, afrontou o buraco hediondo no peito de Helena, tão grande e profundo que doeu em sua própria carne.
Aproveitou cada segundo para contemplar cuidadosamente as órbitas estagnadas dela, os belos olhos que abriam uma janela para o firmamento, que continha todas as cores do prisma, que possuía as constelações mais brilhantes e armazenava toda a história deles. Adam os fechou e beijou a testa dela com ternura e depois disso, não lembra de muita coisa a não ser vultos de memórias fastidiosas, algo com caminhar pelo bosque com um grupo de homens (que foram seus padrinhos), procurando pelo assassino ou de voltar para igreja e apartar a mãe de Helena em um desmaio ou quem sabe, ter continuado lamentar com a falecida esposa em seus braços ou ainda, misturar todas as boas recordações com más objeções do destino. Ele estava perturbado.
A tribulação não acabou, porque neste exato momento observa a pedra ser lavada pela chuva, levando embora o sangue dela que ficou aglutinado até o anoitecer, até que a primeira gota de água fosse derramada. Ele sente uma mão tocar seu ombro, é o Padre Edmund, segurando uma lamparina, assemelhando-se a forma de um fantasma, uma vez que usa um manto com gorro para se proteger da chuva.
— Adam, não pode passar a vida toda parado na chuva — diz o sacerdote, carregando compaixão na voz. — Eu fiz uma sopa e têm roupas secas que sirvam em você, é de Glover, na verdade, acho que vão ficar um pouco curtas, mas… — Ele para de falar, percebendo que estava desviando o foco do assunto.
— Que vida resta agora, Padre? — Adam indaga com dificuldade, os lábios trêmulos de frio. — A que iria construir foi levada junto com Helena para longe do alcance das minhas mãos… — A voz saiu entrecortada. — Bem, bem, longe.
— Eu sinto muito, filho. — O velho o ajuda a levantar. — Quem conhece os propósitos do Senhor?
O rapaz o encara confuso e diz:
— O propósito era ela morrer nos meus braços no dia do casamento? — Adam se mantém de pé e com dificuldade encara o Padre.
— Não blasfeme, um dia irá entender o por quê.
— Desculpa — Hall murmurou. — Eu estou perdido.
— Tudo bem, filho. — Ele o conduz para a casa paroquial que fica atrás da igreja. — Entre e descanse, amanhã será um novo dia, Deus lhe dará forças para continuar.
Adam assente e, em seguida, entra na residência, trocando de roupa e toma à força a sopa de peixe, que o padre Edmund preparou. Depois, o velho homem lhe arrumou uma cama para deitar, porém, ele não quis, porque está sem sono, fechar os olhos é nauseante.
— Não pude fazer muita coisa. — Comenta o Padre. — Mandamos alguns soldados vasculhar cada canto de Hillton até mesmo além das fronteiras e no porto. Eu sei que é delicado falar sobre isso agora, mas eu já ungi o corpo de Helena e o enviei para o cemitério de St. Therese of Lisieux, amanhã será a cerimônia de enterro.
— Obrigado… — O rapaz responde após um longo instante de silêncio. — Ela não quis uma grande cerimônia como todo membro da realeza merece. — Adam caminha para a janela e encara a chuva que continua a cair com potência. — Escolheu uma capela, os convidados mais honrosos e produziu tudo com tanto carinho que fez eu não me achar digno dela. — Ele dá um soco na vidraça, assustando o sacerdote. — O senhor sabe, não é? Tudo o que passamos para merecer nosso momento de paz.
— Sim, eu sei.
— Então me dê um motivo para não ir atrás do maldito que mandou assassinar Helena.
— Adam, não. — Edmund percebe que dos olhos do rapaz não correm mais lágrimas, mas possuem uma faísca perigosa de raiva.
— Só ele faria isso, não queria que fossemos felizes e para se vingar encomendou a morte de Helena. — Hall está impaciente.
— Você está se precipitando. — O Padre se levanta, aproximando-se do homem, na tentativa de acalmá-lo.
— Não, não estou! — Adam o empurra, indo em direção à saída.
— O que vai fazer?!
— Acertar minhas contas com Morghan Harold. — Ele enuncia, batendo a porta com força, sem nem mesmo escutar o que Edmund têm a dizer.
O Padre se ajoelha, unindo as mãos e reza pela jornada de Adam Hall Johnson.
Adam sabe que não há muitos cavalos disponíveis na capela, apenas dois: um para Edmund e outro para Glover, o seminarista. Correu até o estábulo, procurando pelo animal que ainda resta, amansando-o e o conduzindo para o lado de fora, onde o Padre se encontra pronto para fazê-lo mudar de ideia.
— Filho, não faça algo que se arrependa. — Ele implora. — Se Morgan fez isso, a justiça Divina irá julgá-lo, chega de derramar sangue.
— É tarde demais. — O homem sobe no equino, a chuva o encharcando novamente. — Eu não me importo de não sair vivo, contanto, que aquele desgraçado pague o preço. — E de novo, ele parte sem ouvir o que o sacerdote lhe têm a dizer.
Adam apenas escuta o Padre chamar seu nome cada vez mais longe e abafado pela chuva forte, ele pode estar certo, talvez Morgan não seja o culpado, todavia, algo no seu peito diz o contrário, sabe que o cavaleiro da rainha moveria céus e terra para lhe tirar Helena.
A tempestade se torna cada vez mais intensa, ele tenta se localizar pelo céu, mas está nublado, nem mesmo a luz da lua ousa brilhar. O caminho pelo bosque transmuda, mostrando-se denso e difícil de atravessar e o cavalo, por mais que use as rédeas para mantê-lo dominado e veloz, encontra-se exausto pelos contratempos da viagem. Hall já cavalga há um bom tempo com um pensamento sombrio e orgulhoso tomando a paz que ainda lhe resta: não conseguirá chegar a Londres, menos ainda, descarregar todo o ódio em cima de Morghan sem explicações concretas.
Adam encosta o cavalo em baixo de um teixo na tentativa de se proteger da chuva, sentindo-se estúpido, fraco e covarde, como um animal de orgulho ferido. Ele, cansado, com frio e no escuro, reclina-se ao tronco úmido, encarando o céu negro, onde, vez ou outra, os relâmpagos cortam o firmamento com um brilho intenso, antecedendo os altos gritos dos trovões. Desta maneira, de uma hora para a outra, ele adormece nos braços de Morfeu.
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