CRY BABY - The Storyfic escrita por puremelodrama


Capítulo 3
Sippy Cup




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 Uma semana havia se passado desde a visita da família Thomson, e para a sua própria surpresa, Melanie só pensava em quando poderia ver Alexandre novamente. Não poderiam se encontrar na escola, pois os pais o ensinavam rigorosamente em casa. Seria a sua família tão afetuosa a ponto de ele não se importar em passar quase o dia todo em casa estudando?

 Melanie voltava lentamente da escola a pé, dia difícil. Francis e seu grupinho de novo, além de passar por uma prova extremamente difícil onde havia tirado a nota média. Melanie não se dava ao luxo de tirar notas médias, apesar de ser a bebê chorão esquisita, ainda tinha as melhores notas da classe, e não queria dar o gostinho a Francis de chamá-la de burra. Os professores constantemente a elogiavam e perguntavam-lhe como aprendia tudo tão facilmente. "Bom, eu não tenho vida, mas tenho muito tempo livre". Respondia-lhes que adorava estudar, o que não era verdade, odiava a escola e tudo o que a envolvia.

 Enquanto ia andando pelas ruas, um grande cartaz cor de rosa colada à vidraçaria de uma padaria chamou-lhe a atenção. O cartaz anunciava a vinda de um grande festival para a cidade em apenas um dia, onde haveriam todos os mais variados tipos de brinquedos, com direito a um circo e barracas de doces. Os olhos de Melanie brilharam diante daquilo, nunca havia ido a um festival, na verdade, nunca tivera tempo fora de casa dedicado ao lazer. Naquele momento, decidiu que iria, e pensou em talvez convidar certo garoto para ir junto.

 Correu para casa animada pela novidade. Chegou batendo a porta de propósito, apenas de brincadeira, mas dessa vez não foi ameaçada de ter o braço arrancado. Subiu para o quarto, largou a mochila em cima da cama e desceu para comer. Não havia qualquer sinal de gente dentro da casa, o que lhe permitiria pegar os biscoitos proibidos da prateleira alta. Preparou um copo de leite quente, e, em seguida, subiu de volta para o quarto.

♠ ♠ ♠

 Murcy Agnella nunca fora a melhor pessoa do mundo para demonstrar afeto e sentimentos. Talvez porque não os sentisse verdadeiramente por ninguém, não de propósito. Viera de um lar estagnado. Quebrado. Há muitos anos que os pais nutriam repugnância por ela. O estorvo. O pequeno diabinho. A vadiazinha. Vadia, realmente, fora a criatura que enfim arruinara sua vida medíocre de uma vez por todas. Jolie. A queridinha de toda a família. Uma graça. Até mesmo seus berros de chegada ao mundo foram contemplados com lágrimas de alegria e orações. Mamãe nunca fez questão de esconder que havia uma preferida, não é, irmãzinha?

 Não saberia dizer-lhe o que é amor, afinal, nunca lhe fora ensinado, não o havia encontrado em lugar algum, um mero conto de fadas para seu solitário coração.

 Tivera pais rigorosos e orgulhosos, o que resultara em seu casamento arranjado com Jose Martinez em seus precoces treze anos. Durante toda a relação, nunca conseguira encontrar um momento sequer em que pudesse dizer que gostava de Jose. Sempre se tratavam com ignorância, frieza, e não importava o que os pais lhes obrigassem a fazer.

 Aos seus quinze anos, porém, uma salvação carregada de felicidade e paz havia lhe encontrado. Álcool, o solene amor da sua vida. Cigarros, sua paixão mais ardente. Depois disso, nunca mais haviam se separado. O triângulo amoroso mais cômico e melancólico que já existira.

 Murcy, desde então, afundava-se em sua própria fantasia viciosa a fim de suportar os dias infernais que vivia dentro de casa. Um marido que não a amava. Dois filhos de quem não se lembrava nem a idade. Em último caso, forçava-se a ajoelhar ao lado da cama e rezar. Claro que Murcy conseguia ver a ironia que havia naquela cena. Nem mesmo uma pessoa que conhecesse Murcy Agnella suficientemente bem poderia supor que acreditasse em algo como Deus. Não que ainda tivesse esperanças de ir para o céu. Louvado seja.

 Seu filho mais velho era quase uma cópia de seus pais, também não se interessava em tentar tornar aquele circo em uma família de verdade, exceto quando havia alguém por perto. Não era lá um garoto caseiro, sempre estava fora de casa fazendo sabe-se lá o que.

 Joseph lembrava um pouco o marido quando este era mais novo, e isso enchia a mulher de raiva e tristeza sempre que pensava nisso. É claro, quando Joseph nascera, Murcy tentou fazer valer o mínimo de instinto maternal para cuidar do filho, talvez torná-lo uma pessoa mais decente que os pais. Mas logo desistira. Percebera que não havia mesmo nascido para ser mãe. Nunca desejara ter filhos, porém, regras estúpidas de sociedade estúpida.

 A filha mais nova era totalmente incompreensível para Murcy. Não se parecia em nada com algum de seus pais, era teimosa e meio estranha, talvez um pouco maluca. Muitas vezes que passava pelo quarto da filha ouvia soluços e choros do outro lado da porta, mas não era suficientemente sentimental para se forçar a girar a maçaneta e perguntar-lhe o que se passava.

 Melanie. Murcy poderia jurar que a garota a mataria em seu parto, nunca havia sentido tamanha dor na vida. Murcy a odiara mesmo antes de nascer. Quando tivera Joseph, achava que seria só ele, porém não havia qualquer possibilidade dos pais aceitarem menos que dois netos. Regras estúpidas...

 Quando pensara na possibilidade de vir uma menina, Murcy imaginou que talvez não fosse tão ruim, que poderiam se entender. Que Murcy poderia ter uma amiga. Como estava errada. Desistira há muito tempo de tentar qualquer aproximação com qualquer uma daquelas pessoas. Sua verdadeira família era encontrada dentro de garrafas e maços de cigarros.

 Murcy. Sua alma era tão vazia quanto possível. Passava seus dias saindo pela cidade, comprando roupas, joias e maquiagens caras para lhe suprir o vazio interior – todo o dinheiro vinha do marido, que era o único a trabalhar. Odiava ficar em casa, não suportava olhar o rosto dos três diabinhos de sua vida, não suportava olhar aquelas paredes. Sentia-se presa, sufocada. Ah, o que ela não faria para fugir. Para qualquer lugar. Longe daquela casa. Longe dos filhos. Longe de Jose. Amém.

 No entanto, mesmo não possuindo uma relação verdadeira com Jose, ainda se permitia se importar quando o relógio marcava uma da manhã e ainda não sentia o corpo do marido ao seu lado na cama. Murcy sabia que era traída. Enxergava marcas de batom cor de rosa no pescoço do marido, uma cor de batom que aprendera a odiar. Fios de cabelos lisos de uma cor que não era a que costumava tingir não escapavam dos seus olhos. Por vezes, nem dormia. Sentava na frente do espelho e pintava a cara inteira, se enchia de pó e brilho labial, tentando convencer a si mesma e aos outros de que era bonita, de que não precisava de Jose, ou de qualquer outra pessoa, mas nem toda a maquiagem do mundo poderia fazê-la sentir-se menos insegura. Pegava uma garrafa de uísque na estante de vidro da sala, ia para a cozinha e bebia, de novo, e de novo, e sempre abria mais espaço para qualquer outra bebida que visse primeiro.

 Naquela noite, Jose não voltara para casa novamente. Duas da manhã e nada do marido dar as caras. O mal estar causado pela quantidade de bebida ingerida fizera com que desmaiasse ali mesmo, no meio da cozinha. Sua cabeça doía quando abriu os olhos. Ouvira a porta bater, mas quem quer que fosse não o queria ter feito, pois ouviu alguns "Shhh" seguidos de risinhos. Murcy não emitiu som algum e continuou imóvel no chão frio, sentindo-se fraca demais para tentar levantar. Os passos ficaram mais próximos, percebeu que se tratava de duas pessoas, sabia que uma delas era Jose.

 Assim que os sentiu passando a um ponto próximo ao seu corpo, reuniu toda a sua energia e forçou-se a se levantar. Cambaleando, apoiou-se na cadeira da mesa onde estivera minutos atrás.

 — E então, quem é a dama de sorte desta vez? — perguntou bêbada para o marido, enquanto tentava se equilibrar de pé.

 Abraçada a Jose, a segunda pessoa virou-se revelando seu rosto. Murcy não conseguia expressar completamente o choque que sentia no momento, devido ao fato de estar bêbada. Seu rosto exibia uma expressão nada amigável quando enxergou o rosto de Jane Thomson sob a tênue luz da lua que atravessava a cozinha. Santo Deus.

 — Murcy? — a voz de Jose expressava surpresa. — Por que ainda está acordada?

 — O que essa vadia faz aqui? — Murcy perguntou em tom alto, apontando e cambaleando na direção da senhora Thomson.

 — Não toque nela — Jose revidou grosseiramente, afastando bruscamente a esposa da amante. Murcy estava bêbada, mas não o suficiente para aceitar que aquele romance fosse consumado.

 Jane Thomson. Jane Thomson. A mulher que havia pisado sob seu teto, comido da "sua" comida e que exibia aquele sorrisinho metido enquanto falava sobre unir os seus filhos, estava bem ali, na sua frente, em um caso com seu marido. Murcy há muito tempo havia se acostumado com as traições de Jose, mas aquela vez era diferente. Era Jane Thomson. Teria ele já dormido com ela antes? A possibilidade piorava tudo. Murcy retirou as mãos de Jose de si.

 — Não, você não toque em mim, desgraçado — respondeu devolvendo o tom rude. — Como ousa trazer essa vaca para dormir com você? O seu tão amado chefe que você tanto puxa o saco sabe disso? Ou também dormiu com ele?

 — Você não contará nada a ninguém, senão...

 — "Senão"? — Murcy riu debochadamente e andou ao redor da cozinha. — Senão o quê? Vai me agredir? Vai dizer a todos que eu sou uma grande vadia maluca e vai me internar?

 A luz da lua ainda refletia nas superfícies da mobília da cozinha. Junto à penumbra, o cômodo se afundava em tons de azul e cinza. Os objetos de metal se tornavam grandes pontos brilhosos e cegantes. Eram como pequenas estrelas que pontilhavam a cozinha com uma beleza inacreditável. Murcy se aproximou de um deles, o álcool em seu corpo tornando aquela pequena luminosidade a coisa mais impressionante do mundo.

 — É isso o que eu sou, não é? — continuou falando. — Uma grande vadia maluca... — Uma beleza incontestável... Murcy sentia coisas que há muito tempo, ou mesmo nunca, sentira antes. Esperança. Felicidade. Paz. Oh, gloriosa luz, permita que eu seja digna de sua clemência e misericórdia. — Eu sou tão idiota... Tão idiota...

 Murcy estendeu os dedos em direção à luz. Um toque de salvação. Perdão. Piedade. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Os dedos de Murcy dispersaram a luz divina. Onde a gloriosa salvação estivera segundos atrás, uma lâmina afiada se encontrava largada sobre o balcão, como se os céus a houvessem presenteado com aquele objeto. Murcy piscou os olhos, e pareceu voltar a si. Noite. Bebida. Cozinha. Cadeira. Jose. Thomson. Vadia. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

 — Eu sou só um grande disfarce. Um disfarce para manter sua aparência — Murcy, ainda sem total certeza do que estava fazendo, correu os dedos pela faca prateada e logo depois a tomou em sua mão. Obrigada, luz divina e misericordiosa. — Eu sou um fantoche que você usa para impressionar seu chefe e outros idiotas, para que não descubram como você é um mentiroso e cafajeste, e que dorme com uma puta diferente todas as noites.

 Murcy virou-se, exibindo a sagrada lâmina brilhante. Jose, que não havia falado mais nada, arregalou os olhos enquanto protegia sua amante com o próprio corpo. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.

— Mas adivinha só — continuou Murcy, enquanto se aproximava do casal de amantes. —, dessa vez a puta... É a puta dele — terminou com um riso sádico.

 — Murcy, por favor — era possível notar o desespero surgindo na voz do homem. — Não está pensando direito, está bêbada. Largue esta coisa, nós podemos resolver isso. Não iria fazer isso com o seu marido, não é? — Jose tentou um sorriso amistoso, o que só deixara Murcy com ainda mais raiva.

 Murcy ergueu a mão com a faca enquanto se aproximava ainda mais, os dois amantes caminhando lentamente para trás.

 — Marido? Marido?! — gritou. — Durante todos esses anos vivemos sob o mesmo teto e você não me dá nem bom dia! Eu deito todas as noites esperando que haja um homem do meu lado, mas ao invés disso você está sabe-se lá onde com essas prostitutas! Sei que não gosta de mim tanto quanto não gosto de você, mas se é tão bom em fingir seu amor patético para as pessoas, por que não pode fingir para mim também? — por um momento, parecia que Murcy iria começar a chorar ali mesmo, mas logo retomou sua compostura em um tom de voz baixo. — Tudo bem, porque agora não vai poder fingir para mais ninguém.

 Num impulso, Jose prendeu os pulsos de Murcy enquanto Jane Thomson corria para tirar a faca de sua mão. Murcy se debatia e agarrava o máximo que podia o presente de sua luz divina, porém Jose era muito mais forte. Então, reunindo toda a força que tinha, chutou o corpo de Jane, que caiu e bateu a cabeça no armário da pia.

 Jose, no momento em que se virou para ver o que havia acontecido à amante, afrouxou as mãos, então Murcy deliciou-se de uma sensação que nunca havia experimentado antes. Liberdade. Aquilo tomara seu corpo instantaneamente quando viu o marido cair no chão com sangue escorrendo do meio do peito. O grito agudo de Jane Thomson atingiu seus ouvidos.

 — Você é louca! — gritou a mulher no chão. — Fique longe de mim!

 — Ah, meu bem, você ainda não viu nada — Murcy rapidamente enterrou a faca na barriga da mulher. — Te vejo no inferno, vaca — sussurrou ao mesmo tempo em que os olhos de Jane Thomson se fechavam e seu corpo caía de lado.

 Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Uma ova.

♠ ♠ ♠

 Uma gritaria estridente no andar de baixo fez Melanie acordar assustada. O relógio na parede marcavam três da manhã. O que estaria acontecendo lá embaixo? Seu irmão não saía durante a madrugada e sua mãe era preguiçosa demais para sequer ir matar a própria sede no meio da noite, exceto quando ia se embebedar. Geralmente, apenas Jose chegava mais tarde. A sua curiosidade não deixou aquilo passar batido. Levantou-se da cama e saiu do quarto descalça, para que assim seus passos não pudessem ser ouvidos.

 À medida que se aproximava da escadaria, ouvia a voz zangada da mãe lá de baixo. Deu uma espiada. A cena mais estranha que já vira mostrava Murcy discutindo com seu pai e... Jane Thomson? no meio da cozinha, no meio da madrugada. O que a mãe de Alexandre estaria fazendo àquela hora em sua casa? E sem o marido?

 Sua respiração tornou-se ofegante quando percebeu que em uma das mãos Murcy levava uma faca. Rapidamente encostou-se à parede do corredor e não se permitiu olhar, apenas escutar, embora o desespero não a deixasse prestar bem atenção na conversa.

 Murcy terminara de falar, algo estava acontecendo naquele exato momento. Ouviu um barulho alto, como algo batendo em um móvel, e em seguida um grito de terror. Tapou os ouvidos com força e fechou os olhos, seu corpo tremia, desejando que aquilo não fosse real. O ar lhe faltava. Com muita dificuldade, tentou relaxar e se acalmar.

 Respirou fundo, e, ainda tremendo, reuniu coragem para descer as escadas, desejando que tudo estivesse bem. Adentrou a cozinha, mas não havia ninguém lá. Receosa, deu a volta na mesa e a falta de ar retornou ao se deparar com um grande lençol branco manchado de vermelho escondendo algo.

 Aproximou-se com medo do que imaginava estar prestes a ver. Abaixou-se e com cuidado levantou um pedaço do lençol manchado, onde via os sapatos de seu pai e os saltos altos da senhora Thomson. Seus olhos se arregalaram e ela foi tomada por um pânico e medo incompreensível. Nunca havia visto uma pessoa morta, e pior, nunca havia visto alguém assassinado. O que aconteceria agora? Seu próprio pai fora assassinado, a esposa do seu patrão também, e a culpada era sua mãe. E Melanie havia sido testemunha. Não sabendo o que fazer, começou a chorar.

 Largou o lençol e se afastou dos corpos, aterrorizada, as lágrimas rolando pelo rosto. Certamente chamariam a polícia, Murcy iria presa, e então, o que aconteceria com ela e seu irmão? Respire fundo. Tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo.

 Então, como se o pânico dentro de si não pudesse piorar, sentiu alguém a prender com um braço e tapar seu rosto com um pano. Compreendendo as intenções do indivíduo para com ela, Melanie começou a se debater fortemente, tendo seus gritos abafados pelo pano. Eu vou morrer.

 — Eu ficaria quieta se fosse você — surpreendeu-se ao ouvir a voz de Murcy sussurrar ao seu ouvido. Melanie não entendia o que estava acontecendo. Sua mãe estava tentando matá-la? — Não grite.

 Melanie não gritou. Murcy retirou o pano de seu rosto, um de seus braços ainda a prendendo fortemente. A garota se acalmou por uma fração de segundo, até que Murcy começou a forçar uma mamadeira contendo um líquido de cor estranha à sua boca. Engolindo contra sua vontade, sentiu seus olhos ficarem pesados e o corpo enfraquecer por completo, perdendo a consciência antes que pudesse ter certeza se havia atingido o chão ou não.


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