Até que eu vá embora escrita por Pollyanna Felberk


Capítulo 3
Capítulo dois




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783966/chapter/3

Existem vários tipos de amizades. Aquelas de infância, de longa data, que temos com o vizinho, aquelas de escola, as de adolescência, que podem ou não durar o resto da vida, e as da faculdade. Abandonei ou fui abandonada por todas as amizades que fiz ao longo do caminho. Hoje cultivo três grandes amigos: um amigo virtual que fiz quando tinha 14 anos, que nunca tive a oportunidade de conhecer pessoalmente e minhas duas amigas de 1 ano e meio que conheci na faculdade de Letras. Todos muito diferentes de mim, mas como um golpe do destino, nos entendemos como ninguém.

Depois que eu, Carol e Bia nos conhecemos e passamos a sermos amigas inseparáveis, tive a sensação de que finalmente começava a encontrar o meu lugar no mundo. Mas nada me preparou para o que eu sentia ao conversar com Giovanni. Contei para ele coisas que talvez nem John, que me conhecia há mais tempo que qualquer um, sabia. Contei sobre cada uma das minhas milhares de decepções amorosas e sobre como me sentia hoje em relação ao amor depois de cada uma delas. Compartilhei com ele textos que nunca fui capaz de deixar ninguém ler.

No final de um mês ele já sabia mais de mim que qualquer outra pessoa, mesmo que não tivéssemos mais nos encontrado. Eu o enrolava para sair, estava constrangida depois de me abrir tanto e ele ainda já começava a dizer que gostava de mim, de uma forma muito mais que amiga, o que eu achava impossível levando em consideração tudo o que ele já sabia sobre mim. Então eu apenas ria de nervoso e o desacreditava: nunca ia rolar.

Porém, houve um dia que não pude mais evitar encontrá-lo. Se eu pensava que nós dois éramos os únicos daquele rolê que mantivemos contato, estava muito enganada. Numa aula qualquer durante a semana, Bia e Carol declararam que no sábado iríamos sair todos juntos novamente e não aceitavam o meu não. Algo no olhar delas me dizia que estavam aprontando algo. No primeiro momento que tive chance, mandei uma mensagem para Giovanni.

"Quando planejava me contar isso?"

Ele respondeu rapidamente.

"E estragar a oportunidade de te ver novamente?"

Revirei os olhos e guardei o celular sem dizer nada, para ele não ter dúvidas do quanto eu estava chateada.

Passei o resto da semana imaginando o que faria quando o encontrasse. As investidas dele continuavam as mesmas, mesmo eu tendo deixado bem claro tantas vezes que ele não fazia muito meu tipo e que eu odiava beijar na boca, não mudava nada. Carol e Bia estavam muito mais animadas que eu.

No dia da boate e em seguida praia, eles trocaram telefones e não pararam de conversar, elas só não sabiam que eu e o terceiro amigo deles também tínhamos feito o mesmo e eu fazia questão de que não soubessem nunca. E Giovanni também tinha me garantido que não contou nada aos amigos, mas aquele novo encontro triplo forçado me parecia muito suspeito.

No sábado, combinamos de nos arrumar na casa da Bia, para onde também iriamos depois do rolê. E, enquanto nos arrumávamos, minhas suspeitas só foram aumentando.

—Anna, não precisa ficar toda emburradinha, você não vai ficar de vela, aquele amigo deles estará lá. - disse Bia enquanto passava rímel. Revirei os olhos para ela no espelho.

—Por favor, ele nem é bonito. - Blefei. Era verdade que ele não era o mais bonito dos três, mas daí a ser feio era exagero.

—Amiga. - disse Carol séria ao me segurar pelos ombros. -Você precisa esquecer o Alexandre.
Fugi das mãos dela de forma brusca. Eu odiava falar sobre isso com as duas.

—Você só diz isso porque nunca gostou dele. - Resmunguei e me tranquei no banheiro para trocar de roupa.

—Eu ouvi! - Gritou ela lá de fora.

Respirei fundo e olhei para a pessoa que me encarava de volta no espelho. Havia manchas escuras ao redor dos meus olhos inchados, resultado de várias noites indo dormir só depois de chorar muito. Eu não dizia nada e elas também não comentavam mais, mas eu sabia que reparavam. Elas eram minhas amigas, só queriam o meu bem. Ouvi o celular vibrando dentro da mochila onde estavam minhas roupas. Era uma mensagem do Gio.

"Mal posso esperar para te ver de novo, espero que não tenha desistido."

Encarei aquela mensagem por alguns instantes antes de me decidir. Lavei o rosto e passei base e corretivo para disfarçar as olheiras. Era raro eu passar tanta maquiagem assim, mas naquela noite, mais do que nunca, eu queria me sentir bonita. E deu certo, quando olhei novamente no espelho depois de terminar, vi outra pessoa refletida ali.

—Uau! - Exclamou Carol quando saí do banheiro. -É assim que gostamos de te ver.

Sorri para ela, sem saber o que dizer.

—Vamos, vamos, que daqui a pouco chegaremos atrasadas. - disse Bia nos empurrando para a porta.

—Para onde estamos indo mesmo? - Perguntei quando estávamos dentro do uber.

—Um restaurante novo que abriu tem pouco tempo, não sei direito. - Bia não tirava os olhos do celular e eu sabia que era o máximo de informação que conseguiria.

O restaurante era um pouco distante, mas no momento em que descemos do carro, eu sabia que tinha valido a pena. Localizado no Museu da Vale, o Café do Museu era um restaurante dentro de vagões que antigamente faziam a rota Vitória-Belo Horizonte. Os rapazes nos aguardavam em uma mesa no deque, com vista para a Baía de Vitória e suas luzes do início da noite.

—Esses caras realmente gostam de vocês, isso aqui é maravilhoso. - disse até um pouco deslumbrada enquanto íamos até eles.

—Ah, foi ideia o Giovanni. - Respondeu Carol se adiantando para cair nos braços da sua mais recente conquista.

Deixei-me ficar um pouco mais para trás, raciocinando o que ela havia dito. Ele queria mesmo surpreender alguém. Cumprimentei primeiro Rafael e Daniel (eram esses os nomes dos seus amigos) e foi Giovanni que puxou uma cadeira para que eu sentasse ao seu lado. Agradeci, mas evitei contato visual. O que ele estava pensando ao inventar aquele encontro? Eles conversavam animadamente enquanto eu me mantinha absorta no cardápio. Comida italiana. Como ele sabia? Não me lembrava de ter comentado nada sobre minhas paixões italianas, nunca havia surgido o assunto.

—Filé Mignon com Penne à gorgonzola está bom para você, Anna? - Assustei-me um pouco com sua voz se dirigindo à mim.

—Sim, claro. - Respondi largando o cardápio. Penne. Minha massa favorita, como ele sabia?

Poucos minutos depois nossas taças foram cheias com algum vinho. Encarei aquele líquido rubro antes de tomar coragem como todos os outros. O líquido doce me esquentou por dentro, até que não era tão ruim assim.

—O que achou? - Eu o ouvi perguntar indicando a taça que eu colocava de volta na mesa.

—Não é tão ruim. - Meu erro nessa hora foi olhar para ele. A camisa presta que usava contrastando muito bem com sua pele clara. Ele estava lindo.

—Fico feliz que tenha gostado. - E ele sorriu quase que aliviado, como se tudo aquilo tivesse sido planejado para mim e eu vinha atingindo suas expectativas. Senti meu rosto esquentar. Seria uma noite muito longa.

A conversa fluiu tranquilamente e sem maiores constrangimentos, foi até melhor do que eu esperava. A comida estava perfeita e eu, como apreciadora de boa culinária, me sentia nas nuvens, culpa também de algumas várias taças de vinho. Carol e Rafael e Bia e Danilo se arriscaram a ir dançar um pouco junto a vários outros casais que eram embalados pela MPB ao vivo. Nunca fui muito fã de dançar, então preferi permanecer sentada admirando as luzes da cidade refletidas na água.

—Desculpa por não ter dito nada. - disse Giovanni depois de alguns minutos de silêncio e contemplação.

—Não tem problema. - Sorri para ele para mostrar que eu realmente não estava mais chateada.

—Será que agora eu mereço aquele beijo? - Não havia qualquer pontada de humor em sua voz.

—Na frente das minhas amigas? De jeito nenhum. - Eu ri, talvez tivesse bebido vinho demais.

—Que amigas? - Ele indicou a pista de dança improvisada.

Olhei para trás e percebi que realmente não havia mais ninguém conhecido.

—Para onde eles foram? - perguntei meio assustada por ter ficado para trás.

—Dar uma volta. E acho que nós deveríamos fazer o mesmo. - Ele chamou o garçom e olhei para mim novamente. - Tudo bem para você?

Acho que uma caminhada ao luar não faz mal a ninguém. - Relaxei e sorri enquanto ele pedia a conta. -Você vai pagar tudo sozinho? - Comecei a abrir a bolsa, mas ele colocou a mão sobre as minhas.

—Ei, não se preocupe, os caras irão pagar as partes deles depois. - Ele sorriu pra mim e assenti.

Assim que ele pagou a conta, saímos do deque em direção a lugares menos iluminados do "parque". Haviam muitos casais passeando, a noite estava fresca e a lua muito romântica refletida na água. Sentamos em um dos bancos vazios e mais afastado dos outros casais. Mesmo no escuro pude constatar que nossos amigos não estavam em lugar nenhum por ali. Tinham ido atras de mais privacidade ou queriam nos dar privacidade?

Ficamos alguns instantes em silêncio, apenas observando o leve movimento da água. Não era um silêncio constrangedor, mas eu sentia que tinha algo que ele gostaria de dizer. E eu já sabia o que era. Virei o rosto e o encontrei olhando para mim, seus olhos mais escuros que nunca devido as pupilas dilatadas. Ele não pediu nenhum consentimento, mas se aproximou lento o suficiente para me dar tempo de escapar. Meu raciocínio lento devido ao vinho se confundiu com o desejo e sem que eu tomasse qualquer decisão seus lábios já estavam colados nos meus. Antes que ele pudesse aprofundar o beijo, me afastei delicadamente.

—O que foi? - Perguntou visivelmente preocupado.

—Eu... não sei beijar. - Tentei evitar contato visual, estava muito envergonhada.

Com os dedos em meu queixo, Gio me fez olhar para ele e havia tanta compreensão em seu rosto que eu sabia que não tinha mais motivos para resistir.

—Não tem problema, eu te ensino. - E mais uma vez colou seus lábios nos meus, dessa vez sem me deixar escapar.

Algum tempo depois, e após recusar três vezes o pedido de namoro que ele fez, eu realmente não achava que fosse sério, apesar dele insistir, nos encontramos novamente com nossos amigos. Carol e Bia pareciam radiantes e resistiram muito para largarem seus parceiros e entrarem no uber. Despedi-me de Giovanni com apenas um aceno de mão.

Durante todo o caminho ouvi as duas repetirem o quanto os garotos eram perfeitos e o quanto estavam apaixonadas, nem pareciam se lembrar que haviam me deixado sozinha com Giovanni e eu agradeci por isso. Já não aguentava mais ouvi-las falando das qualidades deles, até que Carol disse algo que nunca imaginei que a ouviria falando.

—Acho que estou finalmente pronta para namorar. - Ela se olhava no espelho tirando a maquiagem.

Carol era a mais fechada de nós três, desde que viramos amigas poucas vezes ela tinha se permitido se envolver com alguém e nunca de forma séria. Era inédito ouvir aquilo dela.

—É uma pena que eles vão embora no final do ano. - Respondi distraída, sem prestar atenção no que estava dizendo enquanto mandava uma mensagem para o Gio agradecendo pela noite e, mais uma vez, declinando seu pedido de namoro.

Até que tive o celular inesperadamente arrancado de minhas mãos.

—O que foi que você disse? - perguntou Bia com a raiva querendo explodir em sua voz.

E parecia que eu tinha estragado a noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Até que eu vá embora" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.