V E N U S - Origin (Segunda Temporada) escrita por badgalkel
O toque da mão quente na estrutura gélida da cápsula, fez com que Harriet recolhesse a mão instintivamente. As pontas de seus dedos pareciam estar cada vez mais sensíveis ao mais simples toque.
Ela percorreu os olhos de seu reflexo que cintilava na superfície da peça à sua frente até a área oposta do cômodo. Estava de volta ao laboratório de paredes exageradamente brancas, bancadas de vidro quais emanavam o tipo mais avançado de tecnologia e repleto daquelas cápsulas douradas, desta vez, na companhia de Callisto.
O rapaz a olhava significantemente, instigando-a a entrar naquele casulo dourado e revelar fundamentos imprescindíveis para a sua existência e sobrevivência.
Vagarosamente ela deslizou seus dedos por toda a extensão da peça com os olhos fechados. Ela podia sentir a energia em seus tubos percorrendo por envolta de sua dimensão.
Sem mais tardar pressionou a porta, que se abriu automaticamente.
Ela se acomodou dentro da cápsula e mirou Callisto, que indicou positivamente com a mão e um sorriso no rosto. Ela observou-o até a porta fecha-la em um espaço limitado.
— Tudo bem, Harriet? – Ouviu a voz de Callisto indagar por algum transmissor dentro da capsula.
— Tudo. – Suspirou fundo. – Podemos começar.
— Tá legal. – Ele respondeu. – Vou pedir que não se mexa.
— Porque eu faria... – antes que ela terminasse sua indagação, sentiu um tubo finíssimo perfurar suas costas e se infiltrar entre suas células e adentrar o seu corpo.
Ela podia identificar o tubo se projetando e multiplicando por entre suas veias e órgãos.
Era angustiante, mas não insuportável.
Os tubos tomaram as suas artérias e articulações desde os seus pés até o seu cérebro, este, por último.
Quando o mais fino dos tubos se infiltrou por entre os seus neurônios, Harriet gritou.
— Harriet?! – Callisto chamou-a apreensivo.
Ela não conseguia pronunciar nada além daquele berro contínuo que apresentava toda a potência de suas cordas vocais.
Ela sentiu algo bater contra a porta da cápsula. Era Callisto.
— Harriet, acho melhor pararmos por aqui...
— N...ão. – Conseguiu converter o grito em uma sílaba.
— Certo. Vou tentar ser o mais breve possível. – Revelou.
Dado certo ponto Harriet não sabia se estava inconsciente por tamanha a dor, ou se ela cessara repentinamente.
A sua frente um holograma reluzente surge e imagens começam a aparecer. Definitivamente era o circuito de artérias e veias de uma pessoa visto por dentro, o que era completamente impressionante visto que ela só vira algo como igual quando abrira um corpo.
Uma combustão ofusca a imagem, contudo, em questão de milésimos de segundo a massa se regenera. Inicialmente está lenta e relutante, como se o próprio organismo estivesse tentando repelir a cura precipitada, mas em seguida, vasos e vasos se reconstituem até pararem em um estágio inacabado.
— Está vendo isto? – A voz de Callisto questionou, mencionando o líquido de coloração azulada que se infiltrou pela veia principal, liga ao coração. – Isto é o composto cósmico com um soro de singularidades e resíduos terráqueos se conectando ao seu organismo.
De repente as artérias começam a se romper completamente, frágeis como seda, para que então renascessem do zero com uma estrutura molecular diferente.
— Quer dizer que minha estrutura molecular simplesmente se refez? – Ela indagou já do lado de fora da cápsula, mirando o painel de vidro que repassava as etapas moleculares de seu sistema.
— Ela não só se refez como também é autoimune e agressivo. – Callisto explicou apontando para o painel – Cada vez que seu corpo se sente ameaçado, ele encontra uma forma de se autocriar e se refazer para te defender.
— Me tornando cada vez mais forte. – Soprou.
— Exatamente.
— Então não existe uma forma de parar? – Questionou – Digo, ele sempre vai estar se autodefendendo então eu sempre estarei aparecendo com novos dons?
— Uma possibilidade infinita de dons. Isso explica como você aprendeu a nossa linguagem tão rapidamente. Sua mente está se adaptando e evoluindo. – Callisto ressaltou. – Aconteceu porque se sentiu ameaçada.
— Então se eu parar de me sentir ameaçada...
— Seu corpo não vai reagir.
— Faz sentido. – Ela concordou, dando de ombros. – Talvez eu consiga compreender os meus próprios instintos de forma que consiga controlar essas defesas automáticas.
— É possível. – O rapaz assentiu – Se conseguir jogar para o seu subconsciente que não corre ameaça alguma, eles desaparecerão.
— Então eu preciso acessar o meu hipocampo[1] para conceituar algumas lembranças que induzam o meu sistema límbico8 a programar o meu corpo em padrões normais.
— Por que faria isso? – Callisto riu anasalado. – Aparentemente você pode ser o ser mais poderoso do universo e está se recusando a isto?
Harriet fixou o olhar em um ponto qualquer no chão e franziu a testa, refletindo.
— Desde quando adquiri essas...habilidades – ela sorri triste – as pessoas ora ou outra perguntavam o porquê de eu não querer ficar com elas, o porquê eu não as aceitava. – Umedeceu os lábios para ganhar tempo. – Do meu ponto de vista, ninguém pode se dar ao luxo de ter acesso a esse tipo de poder. Qualquer indivíduo nunca será sensato o suficiente para decidir o que fazer com ele. É tão abrangente e tentador que se torna perigoso, algo pelo qual as pessoas lutariam com suas vidas para ter.
— Só para ter repleto controle. – Callisto soprou.
— Exato. A ilusão do poder supremo cria a guerra. Superpotências lutam todos os dias para dominarem uns aos outros e defenderem os seus conceitos e fazem de tudo para ganhar. A guerra é cruel. Entre a benevolência e a rebeldia existem os inocentes, - ela engoliu em seco ao se recordar do bombardeio na divisão 107. – Eu só não quero ser responsável pela morte deles.
— Mas, é fácil. – Deu de ombros. - Se alguém tentar ir contra você para ter os seus poderes você pode facilmente lutar para impedir isso. – Sugeriu. – As rajadas cósmicas são imbatíveis.
— Não é tão fácil. – Ela sopra e o rapaz franziu o cenho, confuso. Portando, ela tratou de explicar: – Apesar da minha capacidade e força. Todos temos nossas fraquezas e bons observadores sabem usá-las e jogá-las contra nós, como estrategistas. São capazes de fazer a nossa cabeça, nos instigar, nos enganar... Seja qualquer a forma de persuasão, força física ou emocional, eles sempre têm como nos fazer colaborar. Concordado ou não. Por bem ou por mal. – Engoliu em seco – Não seria a primeira vez que aconteceria.
Callisto escorou-se na mesa de controle, virando-se para Harriet, e cruzou os braços, indicando que ela poderia continuar.
— As pessoas ficam loucas e fazem tudo pelo poder. É algo que sobe à cabeça. Transforma as pessoas. - O rapaz assente lentamente, então ela prossegue: – Pouco antes de ser tele transportada para o vácuo do espaço, eu estava em cativeiro sendo mutada e torturada para criar ainda mais poder para que um falso diplomata conseguisse comandar o nosso mundo.
Callisto engoliu em seco.
“Isso foi um acontecimento. A questão é que o cara que fez isso comigo não é o único líder com ideais disposto a ameaçar, chantagear, torturar e matar. Em qualquer lugar pode-se encontrar alguém disposto a fazer coisas terríveis para conseguir o que quer. – Harriet mordeu o lábio inferior antes de admitir – Eu sempre soube que isso ia acabar acontecendo e o que eu mais temia era que pudesse colocar aqueles que eu amo em risco por conta disso. – Indicou soltando faíscas oscilantes pelas mãos. – A todo momento, enquanto estava naquele cativeiro, ficava me perguntando o que ele seria capaz de fazer com eles caso eu me recusasse a participar dos experimentos dele. Eu poderia muito bem sair de lá, mas ele estava comigo nas palmas de suas mãos.”
Harriet puxou uma cadeira e se sentou, passando as mãos pelo rosto e suspirando fundo.
— Desejei morrer, todos os malditos dias que estive naquele lugar.
Callisto puxou uma cadeira também, sentando-se de frente à Harriet.
“Fui tele transportada repentinamente então eu não sei como ou se a guerra acabou no meu planeta, nem mesmo a certeza de que aqueles que eu amo estão a salvo. Contudo, eu me recuso permitir que outros usem isso – indicou as mãos – contra mim novamente. Por isso eu tenho que acabar com isso”
Callisto assentiu vagarosamente.
— Com tudo o que se passa na minha cabeça, eu não posso assumir uma responsabilidade tão grande que é ter controle deste tipo de poder. Proteger aqueles que eu amo era o meu propósito. Mas agora que estou aqui, pedida de novo, desnorteada, eu não tenho mais nada. – Ela suspirou – Eu não sei o que fazer nem o que pensar e estar assim me torna vulnerável. – Ela secou a lágrima que escorreu por sua bochecha. – Só mais uma arma.
Callisto respirou fundo.
— Meu irmão costumava dizer: “Nenhuma grana no mundo pode comprar um segundo de tempo”. – Ela engoliu em seco – Eu renunciaria a todo esse poder por mais um minuto com eles. Só para saber se estão bem.
O silêncio se apossa do ambiente maçante, ambos perdidos em próprios pensamentos.
— Desculpe, não sei o que há comigo. Não costumo me abrir desta forma com estranhos. – Harriet sorri sem graça. – Não têm que ficar me ouvindo lamentar minhas perdas.
— Está tudo bem, é sério. – Callisto sorriu gentilmente. – Apesar de não poder alterar o seu passado, quem sabe eu não consiga melhorar o seu futuro. – Harriet ergue uma sobrancelha e o rapaz completa: - Eu já consegui o que queria para a minha pesquisa. Te ajudo ir para casa e ver se estão todos bem.
Harriet franziu a testa para em seguida sorrir desacreditada.
— Está falando sério?
— Foi o que eu prometi, não foi? – Ele virou-se para o painel e começou a apertar em diversos botões consecutivos. – Só vou apagar os registros desses exames para, você sabe... ninguém ir atrás de você querendo usá-la novamente.
Harriet recordou-se da conversa que havia ouvido secretamente há algumas horas e mordeu o lábio inferior, duvidosa. Mas seu instinto afirmava que a aura do rapaz era boa, sincera. Seria o suficiente para confiar nele?
Com o painel sem nenhuma informação, Callisto se vira para Harriet e lhe estende a mão.
— Vamos, temos de ser rápidos.
Harriet agarra-lhe a mão e aquela sensação de honestidade a domina novamente. Antes que saíssem do laboratório, ela torna a vestir a capa e se cobre da cabeça aos pés.
Quando deram a primeira passada pela abertura para fora do laboratório, foram surpreendidos por dezenas de guardas mirando suas armas em suas direções e Ayesha a frente deles.
— Ora, ora... eu sempre soube que você seria a ruína de Sovereign, Callisto. – Ela cuspiu rudemente.
— Não compreendo o que fiz agora que implica a pensar isto ao meu respeito, Ayesha. – Ele respondeu a altura para em seguida ordenar, com calma: - Abaixem as armas, estão ameaçando o herdeiro do trono.
— Infelizmente as armas não estão contra você, príncipe. – Ayesha soltou rispidamente para em seguida sorrir ao mirar Harriet. – Ela é uma ameaça, deve ser mantida sedada e inconsciente. É tóxica, e o conselho concorda comigo.
— O que? – Callisto indaga desacreditado.
— Prendam-na. – A sacerdotisa ordena.
— Não dessa vez. – Harriet sopra e joga rajadas cósmicas contra os guardas e a própria sacerdotisa.
No entanto, no mesmo instante, Ayesha projeta um campo de força com as moléculas do ar comprimidas e os defende. Assim, Harriet não vê outra opção senão correr.
Os guardas tentam segurá-la para então, um por um, caírem ao chão desacordados pela descarga de energia que ela dispara através do próprio corpo.
— Parem! – Callisto pede. – Ela é inofensiva.
— É isto o que veem? – Ayesha retruca indicando os homens ao chão.
Os guardas seguem para cima de Harriet, sem tocá-la desta vez, disparando contra seu corpo. As munições nada mais eram que pura energia de coloração dourada. Energia das baterias Anulax.
A cada tiro absorvido pela sua pele, Harriet grita de dor, ajoelhando-se.
Ayesha sorri, contudo, por pouco tempo.
Os tiros não eram piores que os tiros das armas da HIDRA, na realidade, a dor passou a diminuir à medida que atingiam o seu corpo. E a medida que o organismo absorvia a energia, era redirecionada ao seu núcleo.
Em meio aos tiros Harriet respira fundo, se levanta vagarosamente e resgata toda aquela energia acumulada. Quando torna a abrir os olhos eles estão repletos de energia cósmica e, em uma só rajada, ela derruba o restante dos guardas.
Ayesha ergue a sobrancelhas, assustada e grita:
— Agora!
Por trás de Harriet um guarda coberto de proteção da cabeça aos pés surge e dispara contra sua nuca, chamando-a a atenção.
Harriet se vira para o guarda com seus olhos iluminados o mirando diabolicamente. Este, assustado, se atrapalha ao deixar a arma cair e procurar algo por entre as vestes enquanto Harriet se aproximava vagarosamente.
Assim que ele encontra a espécie de um controle minúsculo com um botão só, não hesita em apertá-lo.
Antes que Harriet pudesse perceber, aquilo que fora disparado contra sua nuca não era munição como das outras armas e sim um pequeno dispositivo que quando acionado, a derruba imediatamente desacordada.
— Exatamente como o planejado. – Ayesha sopra para o corpo imóvel ao chão.
— O que diabos isso significa? – Callisto dispara contra a sacerdotisa. – Ela só queria ir para casa.
— Você é um imbecil, Callisto. – Ela retrucou. – Estava deixando fugir a nossa arma contra os Krees. Tolo.
— Era isso o que ela temia. – Rugiu entre dentes. – Devia estar pressentindo que faria isso com ela.
— E você a ajudaria?
— Obviamente, é um indivíduo como você e eu, merece ser tratada com respeito.
— Esse indivíduo não é como você e eu, é infinitamente mais poderoso. Com muita sorte consegui criar um dispositivo que consegue desativar o cérebro dela, com muita sorte conseguimos derrota-la.
— Por que faria isso? – Indagou perplexo.
— Para a nossa proteção. – Ela esbravejou, calando o outro. – Ela vai proteger o nosso povo contra a ameaça dos Krees.
— Ela não tem de fazer isso, já tem os próprios problemas.
— Está colocando as necessidades desse ser acima das de seu povo? – Indaga indignada. – Como ousa? Principalmente você, herdeiro do trono.
— Não é o que estou dizendo, quero dizer que conseguimos nos defender sozinhos. Não precisamos dela.
— Precisamos. – Esbravejou. – E você vai me ajudar. Sei que descobriu coisas sobre ela.
— Eu não...
— Está em débito com seu povo. – Interrompeu-o. – Têm que fazer isso. Ou terei que entrar em contato com o rei?
Callisto mira com pesar o corpo da terráquea ao chão antes de murmurar:
— Não será necessário.
[1] Hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico, que é responsável pelas emoções e comportamentos sociais.
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