Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 4
4




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Ela adorava Vênus, o restaurante era considerado um dos melhores da cidade e isso significava muito para uma cidade com muitos restaurantes. A razão por qual gostava daquele restaurante, contudo, era por que sua irmã e seus amigos trabalhavam ali. Quitéria e Henrique eram cozinheiros da equipe de Ian MacPherson, chefe-proprietário, e Maria era confeiteira responsável pelas sobremesas divinas que compunha o cardápio da casa.

— Pontual – Nicolas comentou quando ela se aproximou dele.

Ficou momentaneamente surpresa em vê-lo em trajes informais. Tinha se habituado aos costumes de cores escuras. Tênis, jeans e camiseta de manga comprida combinavam com ele, tirava toda aquela seriedade e fazia-o parecer menos velho, não que aos 29 anos ele devesse ser considerado velho. Ela vestia short alaranjado, blusa verde e botas oliva.

— Ou desejo obsessivo por polvo – não era uma piada, era um fato, sentia que se não comesse polvo criaria tentáculos.

Nicolas tocou em seu braço a guiando para dentro do restaurante, Malvina tinha plena consciência de que aquele era um gesto automático dele, já tinha notado que ele fazia isso com as pessoas quando as acompanhava para a porta de qualquer lugar. Mesmo assim ela queria gritar para ele que não a tocasse, sabia o que viria a seguir.

Ele a soltaria, a pele dela ia formigar como se tivesse uma reação alérgica e a sensação de vazio quando perdesse o toque dele ia deixa-la distraída pensando na sensação quente que ele causava. Ela estava doente? Adoraria dizer que sim, mas já tinha idade mais que suficiente para conhecer as reações químicas de seu corpo e saber que aquela inquietação que o chefe de Elisabete lhe causava se chamava atração.

Por incrível que pareça, a companhia de Nicolas era bem mais agradável do que se podia ter suposto. Ele até parecia um cara normal que não precisava comandar uma agência de contabilidade e bancar o chefe tirano. O assunto saltava de amenidades que nenhum entendia á assuntos que se estendia á argumentações. Só mudavam de assunto, sem ligar em concluir a conversa anterior.

Tinham gostos similares e contrários por várias coisas, ambos gostavam de ler para passar o tempo, ela gostava de romance-policial e ele preferia aventuras épicas. Os dois gostavam dos filmes e séries de super-heróis, ele gostava de live-action, ela de animações. Ainda não tinham encontrado nada que um gostasse e o outro não, por completo. Pelo menos não até ele perguntar:

— Café? – quando estavam terminando a sobremesa.

— Não gosto de café.

Ele arregalou os olhos. Ter visto que ela tinha senso de humor e que podia demonstrá-lo, em vez de parecer apática o tempo todo, tinha sido bom, mas dizer que não gostava de café... Quem não gosta de café? De tudo que aprenderam a extrair da natureza, o café era o melhor.

— Você deve ser a primeira pessoa que eu conheço que não gosta de café – comentou, sem esconder a surpresa.

— Peça seu café, pedirei chá.

— Chá? Aqui não vende chá – avisou, repassando mentalmente a lista de bebidas do restaurante.

— Café tecnicamente é chá.

Ele colocou a mão sobre o peito, fazendo-se de ofendido.

— Como ousa? Café é o elixir dos deuses – brincou chamando o garçom.

— Não seria vinho?

— Isso foi o que eles disseram para impedir que bebessem todo o café do mundo – piscou para ela antes de se voltar para o garçom e pedir seu café.

— E eu quero chá.

— Canela com limão e mel ou flor-de-laranjeira sem açúcar? – o homem loiro de olhos claros perguntou com um pequeno sorriso de quem já previa a resposta.

— Flor.

Quando o garçom se afastou, Nicolas a interrogou com curiosidade:

— Você vem aqui com frequência ou é telepata? Por que eu tenho certeza que chá não está no menu.

— Minha irmã caçula trabalha aqui.

Chá estava no mesmo patamar de água para os clientes, não estava no cardápio, mas se o pedisse lhe dariam opções e serviriam. Claro que não fazia sentido para ela, mas e daí? Mais da metade de tudo no mundo não fazia o menor sentido e ainda assim estava ali coexistindo perfeitamente com o resto todo.

— Ah! Isso explica o garçom sorridente, achei que ele estava flertando com você.

Se um olhar matasse... O dela congelaria um vulcão em erupção.

— Não confunda simpatia com flerte – seu tom descontraído sumiu.

— Não quis ofendê-la.

— Não ofendeu. Se Júlio tivesse algum interesse em mim ele não teria problema nenhum em demonstrar, mas não aqui por que ele respeita seu ambiente de trabalho e nunca flertaria com uma cliente enquanto estivesse em serviço.

Nicolas arqueou a sobrancelha.

— Vejo que aprecia muito o profissionalismo de seu amigo.

— Não somos amigos – soou indiferente – Ele é colega de trabalho da minha irmã, eu o conheço por que ele á conhece. Se em algum momento nos tornamos amigos será uma amizade muito bem vinda, se não, continuaremos sendo duas pessoas com conhecidos em comum que eventualmente conversa seja por necessidade seja por vontade.

Ele ia responder com rudeza ao que ela disse, mas nesse momento o garçom se aproximou com o café e o chá.

— Cortesia de Henry para sua enfermeira preferida.

— Gêmea errada.

O garçom empalideceu e quase derrubou a bandeja, o tom gélido dela era por que Nicolas tinha a chateado com sua insinuação, mas o rapaz não sabia disso.

— Perdoe-me, achei que fosse Dandara. Eu realmente... Me desculpe.

— Tudo bem, Júlio, é o mal de ser idêntica – sorriu para desfazer o constrangimento e alterou toda sua postura, expressão e humor para não assustar o rapaz – Diga ao Henry que eu agradeço pela gentileza.

Teria sido cômico se não fosse o fato dela ter perdido o bom humor, por um tempo agradável se esqueceu de que era o chefe aborrecível de sua amiga com quem ela jantava. Não o cara com gostos tão parecidos com os seus e que lhe despertava aquela vontade estúpida de sorrir até sentir cãibra nos músculos faciais. Pegou a xícara entre as mãos.

Nicolas pigarreou atraindo seu olhar por cima da xícara. O clima bom entre eles tinha sido dissolvido e agora parecia que estava novamente diante da secretária inexpressiva. Para sua defesa, ele só reagiu á um senso de posse quando viu a atenção de outro homem em alguém que estava em sua companhia.

— Eu te aborreci – observou.

— Sim.

— Muda alguma coisa se eu disser que sinto muito?

— Isso é um pedido de desculpas sincero ou só quer sentir-se melhor consigo mesmo?

— É um pedido de desculpas sincero, ás vezes eu sou meio precipitado e falo sem pensar.

— Aceito seu pedido de desculpas, Nicolas, mas me aborreci por você tirar conclusões precipitadas e não por dizer o que pensa.

— O que é quase a mesma coisa.

Quase não era o mesmo que, mas Malvina não o contradisse. Aceitava o fato de que conexões de dados aleatórios fazem parte da natureza humana, só que preferia quando lhe perguntam diretamente sobre si. Isso evita uma série de mal-entendidos constrangedores como o que tinha acontecido. Fez uma anotação mental de se desculpar com Júlio por tê-lo assustado com seu tom. Para não ter que bater naquela mesma tecla, bebericou seu chá. Fez uma careta e fechou os olhos com força.

— Algo errado? – Nicolas perguntou, divertindo-se com a expressão dela – Parece o pior chá do mundo.

— Não é chá. É leite morno com rum, mel, canela e noz-moscada. O preferido de Dandara.

Apesar da careta inicial, ela continuou a beber.

— As pessoas costumam confundir vocês com muita frequência?

— Não. Na verdade acontece só comigo. Ou acham que sou a Dandara em um de seus dias bons ou a Quitéria em seus dias ruins.

— Espera, existe outra gêmea?

— Sim. Trigêmeas idênticas. Quitéria trabalha aqui, na cozinha.

Nicolas entreabriu os lábios, sem nada a dizer além de pensar na possibilidade de ter tratado a outra gêmea com algum desprezo por confundi-la, assim como fez com Malvina quando a conheceu. Ele não sabia muito pouco a respeito da amiga do primo, só que no período que eles se afastaram, Jonas se tornou amigo de Dandara, em resumo, era culpa da enfermeira maléfica que seu melhor amigo se tornasse seu pior inimigo.


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