Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 3
3




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E lá se ia mais uma semana. Milagrosamente nenhum desastre aconteceu, considerando como tinha começado ruim ficou surpreso por terminar tão bem. Malvina tinha se saído bem como secretária, até Sônia que costuma criticar as pessoas sem nenhum filtro, admitiu que tinha gostado da novata.

— Ela é esquisita – comentou na quarta-feira entrando na sala de Nicolas sem se anunciar, como de costume – A novata, entreguei para ela o contrato da ANTech e ela me devolveu meia hora depois, tinha levado ao pé da letra meu pedido de corrigir as falhas do contrato.

— Estou perdido, pode voltar do começo?

Sônia entregou para ele a pasta com algumas marcações em vermelho.

— Aquele cretino do Paulo Mendonça tentou nos colocar no meio de uma fraude, eu redigi o contrato da Ortiz e mandei para ele assinar, sabe o que ele fez? Refez o contrato em seus termos usando minhas palavras. Mandei sua secretária reler o contrato em busca de erros de digitação, mas ela entendeu errado, felizmente. Se eu tivesse mandado Roberto registrar esses documentos, estaríamos ferrados. Leia as cláusulas da página 4 e 6.

Ele leu as marcações. À medida que lia, ficava mais aborrecido. Não era a primeira e nem seria a última vez que aquilo acontecia. Grandes empresas se associavam á pequenas ou iniciantes, faziam grandes investimentos e depois tomavam tudo, se algo desse errado no meio do caminho quem arcaria com as responsabilidades seria a pequena empresa que ia á ruina. Havia vezes que as armações eram tão obvias que podiam ser corrigidas antes mesmo de começarem a parte burocrática, e havia às vezes em que os detalhes passavam despercebido o que acabava em processos milionários envolvendo pessoas que nem sabiam que estavam sendo usadas em crimes.

— Mendonça filho da puta – rosnou batendo com a pasta na mesa e pegando o telefone – Salles, ligue para Roberto, o quero na minha sala agora.

— Roberto saiu – a voz inexpressiva informou – E não sou a Elisabete Salles.

Nicolas tinha esquecido esse detalhe.

— Qual é seu sobrenome?

— Coelho.

— Não posso gritar com alguém chamado Coelho.

— Quer que eu vá ao cartório mudar meu nome? – era difícil saber se ela estava sendo sarcástica ou se perguntava sério.

 - Só ligue para o Roberto, mande-o me encontrar no escritório de Paulo Mendonça em vinte minutos.

Desligou e encarou Sônia que tentava controlar o riso.

— O que foi?

— Gostei dessa mulher, ela me faz lembrar uma ex-colega do ensino médio, aquela garota era perturbadora.

— Você vem comigo ou vai ficar aqui contemplando minha secretária maluca?

Claro que Sônia foi com ele para brigar com o executivo que mudou seu trabalho e quase a fez se meter numa sociedade de má-fé. Sônia tinha interrompido a carreira para poder cuidar dos filhos e refazer o casamento em vias de separação, passou anos fora do mercado e quando voltou foi difícil encontrar alguém que aceitasse contratar uma profissional que tinha passado tanto tempo parada. Nicolas estava assumindo o comando da agência de contabilidade da família e não hesitou em contratar a desempregada que teria tido uma carreira formidável se não tivesse parado para cuidar da família. E não se arrependeu de ter apostado no brilhantismo dela.

— Até que fim é sexta-feira – Ulisses gritou animado no corredor, tirando Nicolas de seus pensamentos.

Ulisses era seu amigo desde o tempo da faculdade, era um tanto idiota, mas era uma boa pessoa e conseguia ser um bom profissional quando não estava resolvendo seus problemas pessoais que normalmente incluía uma mulher. Nicolas riu, ao lembrar-se da última vez que Ulisses prometeu que nunca mais ficaria com uma mulher sem ter certeza de quem era, mas na semana seguinte já estava envolvido noutro caso conjugal e desta vez era a mulher de um traficante que chegou bem perto de mata-lo. Ulisses era rico, nascido em berço de ouro, só trabalhava mesmo por que achava que conseguia impressionar mais mulheres quando dizia que tinha uma profissão e se passava por bom moço humilde que apesar de mulherengo, não dependia dos pais.

Pura mentira.

— Não.

— Um jantar á luz de velas no meu iate – a voz de Ulisses parecia veludo de tão suave que falava com sua secretária.

Mulherengo. Nicolas parou para ver quanto tempo levaria até ela ceder ao charme ou ao dinheiro do amigo.

— Já disse que não gosto de frutos do mar, senhor D’Ávila Albuquerque.

— Me chame de Ulisses, meu anjo, e posso mandar preparar o que você quiser. Qualquer coisa.

— Qualquer coisa? – o tom frio dela derreteu, parecia tentada.

— Pra você – ele pegou a mão dela, Nicolas revirou os olhos, esperava mais da irmã de Dandara – Realizo até seus sonhos mais ousados.

Ela ficou em pé, olhou nos olhos azuis de Ulisses e num tom de voz doce que não combinava em nada com a imagem que Nicolas tinha formado dela, pediu:

— Eu quero o seu coração no espeto.

— Como é?

Ela sorriu de modo que Ulisses deu um passo para trás, ela ainda segurava as mãos dele. Até Nicolas que observava de longe estremeceu com aquele sorriso, nunca tinha visto uma cobra sorrir, mas aquilo definia o termo “riso de víbora”.

— Nunca ofereça qualquer coisa á ninguém, senhor D’Ávila Albuquerque, algumas pessoas podem considerar qualquer coisa, tudo. E eu não sou um anjo – ela sibilou a última parte fazendo os pelos da nuca de Nicolas se arrepiarem.

Ela soltou a mão de Ulisses e ele se apressou a se afastar não notando a presença do amigo que depois da sensação estranha de ver o amigo se livrar do perigo, não controlou o riso, atraindo a atenção de Malvina para si.

— Acho que o assustei – ela comentou no seu tom usual, pegando a bolsa.

— Esse momento vai entrar para a história, o dia em que Ulisses fugiu de uma mulher antes de seduzi-la.

— O pior é que agora estou com vontade de comer frutos do mar.

— Mentiu para evitar sair com ele?

— Não. Eu realmente não gosto de frutos do mar, só que não gostar de uma coisa não é empecilho para querer.

Isso era indiscutível. E movido de um de seus impulsos repentinos, a convidou.

— Conheço um restaurante ótimo, janta comigo?

Ela o olhou com desconfiança, parecia ser a única expressão que ela era capaz de reproduzir.

— Por quê?

Boa pergunta, a resposta veio de imediato.

— Por que eu não gosto de ir á um restaurante sozinho e agora também quero frutos do mar.

Malvina aceitou a resposta, marcaram de se encontrar na porta do restaurante, por que ela morava longe e aquilo não era um encontro. Mesmo sabendo que não era um encontro, Nicolas não pode deixar de se divertir com a ideia de que ia levar Malvina para jantar, controlou a vontade infantil de ligar para o amigo e contar seu feito. Não era um encontro, era só um jantar entre duas pessoas que de repente se viram necessitados por algo que nenhum deles gostava.


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