Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 13
13




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Já tinha sua moto de volta, seus documentos que pegou na noite anterior na delegacia e um celular que precisou comprar depois que o seu foi danificado. No momento estava no canto da sala de reuniões segurando algumas pastas pedidas por Nicolas e que aparentemente tinha gerado a discussão entre o representante da editora alemã e os publicitários da empresa contratada para divulgar seus serviços no Brasil.

Nicolas lia algo no celular e ignorava aquela discussão que estava chegando ao ponto de ofensas verbais. Malvina estreitou os olhos ligeiramente na direção do contador-executivo, se perguntando o que diabos ele pensava estar fazendo fingindo não notar a bagunça que tinha causado.

Ela preferia estar sentada na sua mesa, mas o chefe pediu que esperasse na sala e era o que ela estava fazendo. Então, para se distrair daquela briga sem sentido sobre reputação e valor líquido de patrimônios, abriu a pasta e começou a ler. Não entendia nada daqueles termos técnicos, mas tinha estado com Oliver tempo mais do que suficiente para aprender a identificar uma fraude.

— Chega! – o grito de Nicolas todos se calarem e assustou Malvina que derrubou a pasta, fazendo os papeis se espalharem.

As pessoas a olharam com desagrado como se fosse culpada de alguma coisa. Nicolas chamou a atenção deles de volta.

— Me cansei de vocês e dou a reunião por encerrada. A partir desde momento irei tratar de negócios com os seus superiores. Podem se retirar – como ninguém se moveu ele aumentou o tom – Saiam!

Os publicitários e o representante comercial voltaram a falar ao mesmo tempo, exaltados. Reclamavam contra o contador, tinham sido ofendidos. Nicolas espalmou as mãos na mesa e disse ao trio, com calma forçada:

— Eu não trabalho com amadores, vocês não estão aptos para as responsabilidades de suas funções e os quero fora do meu escritório, agora – havia autoridade em suas palavras e os três não hesitaram em obedecer.

Malvina ouviu a série de ameaças e acusações trocadas pelos três em voz baixa enquanto saiam da sala. Ela riu baixo enquanto terminava de amontoar a papelada. Nicolas arqueou a sobrancelha, tinham retomado a convivência pacifica, mas era só. Talvez por que não tinham se encontrado fora do escritório nas últimas 36 horas ou talvez por que fosse mais confortável agir de modo profissional no ambiente de trabalho ou por que era mais fácil não tocarem em assuntos que se esforçavam para não pensar.

— O que é tão engraçado, senhorita Coelho?

— Você é manipulador.

Dos ruins, mais ainda manipulador.

— Eu? Isso é uma acusação infundada que pode render um processo por difamação.

Ela se aproximou da mesa e encarou a expressão relaxada dele que tinha os pés sobre a mesa e os braços cruzados atrás da cabeça.

— Manipulou os três, plantou a discórdia e os assistiu como se fosse uma peça. E não negou minha acusação.

— E você acha isso engraçado por quê?

— Eu estava rindo da situação em geral. Eles três são mais velhos que você, contam com alguns anos a mais de experiência profissional que você e ainda assim se permitiram a baixar a cabeça como meros aprendizes rechaçados pelo mestre. Eu achei engraçado.

— Isso se chama reconhecimento, Malvina. Eu não fui colocado nesta posição só por ser herdeiro do patrimônio da família. Estou aqui por mérito.

“E o lugar que conquistou por seus esforços te dá o direito de julgar a aptidão dos empregados alheios que podem ter passado por testes de competência para assumir os cargos que ocupam? Assim como te dá imunidade ao usar documentos falsos para impedir uma transação vantajosa para ambas as partes apenas por que há interesses de terceiros em fechar negócios com a editora WK?”, ela pensou e disse:

— Eles vão se encrencar com os chefes deles, não vão?

— Não se preocupe com eles, se fossem mais competentes não correriam riscos de demissão.

Eles eram competentes, só foram fracos em não lutar por seus objetivos e se deixaram levar pela raiva das ofensas e acusações sobre suas capacidades, Malvina tinha notado o tom de superioridade de Nicolas ao lidar com funcionários que estavam abaixo dele. Ela já tinha estado dos dois lados e sabia como era recuar para não perder tanto quando era tentador empurrar até conseguir o que queria. Nicolas queria algo que não precisava.

— Está bem. Vou levar esses papéis para Luiza.

— Diz para ela destruí-los – ele mandou e ela assentiu.

Malvina entregou apenas as cópias para ser destruídas, enquanto a nova e eficiente arquivista estava ocupada picotando os papéis, ela arquivou o original. Pegou o celular e enviou uma mensagem para Oliver. Quando saiu do arquivo encontrou Nicolas que entrava na sua sala e suspirou com pesar. Era lastimável quando se via obrigada á se meter em assuntos alheios por necessidades que não eram suas.

Almoçou na tapiocaria que ficava na rua de trás do prédio comercial onde trabalhava, gostava dali. Foi indicação de Elisabete, um lugar calmo onde se podia comer com despreocupação e ficava perto do trabalho de modo que podia ir a pé se não visse problema em caminhar por umas quadras (ida e volta). Depois contou os minutos para que acabasse logo o expediente e pudesse ir para casa.

A porcaria da culpa estava a incomodando, sentia como se estivesse traindo Nicolas e isso não era natural dela. A porcaria das emoções que começava a nutrir pelo contador estava ofuscando seu discernimento. Concentrou na pesquisa que estava fazendo sobre as empresas Navarro e Cia, todos os rumores de ilegalidades e os muitos casos nas quais foram envolvidos e levaram á nada...

Já passava das dez da noite quando o notebook alertou sobre a chamada de vídeo. Oliver sorriu para ela do outro lado da tela, os olhos castanho-escuros tão facilmente confundidos com pretos lhe escrutinou o rosto preocupado. Oliver não tinha a beleza que a maioria das mulheres elevaria ao nível de “Deus Grego”, tinha cabelos escuros que por pura teimosia ele raspava e o porte físico esguio completava seus 1,86 de altura como se fosse alguém que cresceu rápido demais e não se desenvolveu por completo.

Não que ele se importasse com o que as pessoas pensavam sobre si. Não que as mulheres se importassem com sua aparência física de rapaz no inicio da vida adulta quando ouviam seu nome e quem não sabia quem ele era só precisava fazer uma rápida pesquisa na internet para saber que estavam diante de um arquimilionário. Não que as pessoas no seu ramo de trabalho se importassem com o sua vida de playboy quando conheciam o gênio por trás da fama.

E havia o que unia ele e Malvina daquele modo bizarro que os tornavam “almas gêmeas”, a capacidade rara de se desconstruírem e reinventarem o tempo todo. A capacidade de ultrapassarem todos os limites legais e morais para atingirem seus objetivos sem terem uma crise de consciência por agirem de acordo com suas próprias regras.

Haviam se conhecido quando ela acompanhou sua mãe numa cerimonia de casamento aos onze anos, ela não queria ter ido, tentou convencer uma das irmãs á trocar com ela, só que as irmãs já tinham se comprometido com a avó de passarem aquelas férias com ela no sitio de alguns amigos e as gêmeas estavam ansiosas pelos cavalos, pelo rio, pelo pomar... A ela coube ser acompanhante da mãe nas reuniões sociais do fim de ano da Divisão.

Todos os seus sentidos havia entrando em alerta quando entrou no salão da recepção e se moveu quase que movida por uma força invisível atrás do que era aquilo que estava fazendo os pêlos de seu braço se arrepiarem e ali estava a fonte de sua irritação, um garçom magro e alto que parecia dançar entre os convidados sem se deixar tocar por nenhum deles. Ele parou no meio do caminho, se virou para ela a olhando diretamente como se a sentisse.

— Olá, pequena estranha – eles estavam longe um do outro, separados por dezenas de pessoas falantes num salão com música desagradável e ela tinha ouvido perfeitamente seu sussurrar divertido.

Ao longo dos anos eles se reencontrariam em ocasiões aleatórias até se tornarem amigos, até ele assumir o comando da sua Divisão, até ele a chamar para estar com ele ao seu lado. Malvina ao tropeçar num obstáculo, se levantaria, removeria o estorvo de seu caminho e seguia em frete. Oliver na mesma situação ficaria no chão observando o obstáculo até achar um ponto fraco, então o destruiria para nunca mais fazer alguém tropeçar.

— Coelhinha é sempre bom rever você, mas vamos direto ao assunto. O que é que você está maquinando?

Ela contou para ele o que sabia e suas conclusões sobre o fato, então foi a vez dele falar o que tinha encontrado em sua rápida pesquisa sobre as agências publicitárias e a editora alemã, também sobre o histórico de integridade da Navarro Contabilidade e as empresas administradas pela família Navarro. Quando terminou de falar ela já tinha tomado sua decisão e pela expressão de Oliver ele também já tinha tomado as suas á respeito daquele assunto que não lhes dizia respeito, e foi ele quem se pronunciou primeiro:

— Sabe as consequências que mexer nisso trará, não sabe?

— Eles tinham em mente ferrar a vida de algumas dezenas de pessoas por causa de alguns bilhões de reais, no fim vai ser só mais um escândalo de corrupção.

— Nesse caso prepare a pipoca para contemplar o espetáculo — a expressão dele se tornou séria – Malvina, por que você se importa com isso?

Era raro ele chama-la pelo nome e quando o fazia, ela se sentia compelida a contar a verdade, sem distorção ou omissão. Contudo, desta vez, pela preferiu se despedir sem lhe responder. Ela não estava pronta para assumir para Oliver seus sentimentos á respeito de Nicolas, não quando ainda não estava certa da profundidade de tais sentimentos.

Acordou de repente tendo a irritante certeza de estar sendo observada. A pessoa no quarto lhe estendeu os óculos multifocais que ela não hesitou em pegar. Ainda não era sete da manhã, mas a casa já estava acordada por que... bem, era o hábito de acordar cedo. Ela entregou também o tablet na página de um site jornalístico local chamado O Eco.

— Tem dez minutos para me explicar isto e nem ouse tentar me enganar.

— Bom dia para você também, Dandara. Eu posso ir escovar os dentes primeiro?

— Não.

Malvina leu a notícia e suspirou. Devia se mudar de vez para a casa de Henrique ou ir morar com a mãe na cidade vizinha... É parecia uma boa ideia.


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