Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 12
12




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Ele havia tomado banho enquanto esperava pela pizza que pediu para o jantar. Tinha sido a única desculpa aceitável que encontrou para evitar ficar no mesmo espaço que Malvina, do contrário não seria capaz de se manter distante dela. Já tinha dormido com ela, aquela atração toda devia ter diminuído se tornando só a lembrança de algo que o levou á fazer algo. Em vez de ser assim, aumentou. E não era só o desejo incontrolável por ela que o irritava, era o ciúme.

Vê-la com Roberto era como levar um tapa, doía e mesmo revidando não tirava a sensação desagradável. Tinha tentado sair com outras mulheres, quem sabe uma delas não o distraía? Só que nenhuma delas era ela, isso o deixava mal-humorado e descontava sua frustação na mesma que reagia com frieza. Era como se nada nele a afetasse. Será que ela e Roberto tinham alguma coisa? Os observou por um tempo e concluiu que era só amizade.

Então ela teria outro? Quem? Alguém digno dela? Alguém que a fazia feliz? Tinha pensamentos contraditórios sobre isso, queria que ela fosse feliz só não queria que fosse outro a lhe fazer feliz. E quando percebeu sua contradição é que entendeu o que estava acontecendo com ele, a obsessão repentina pela felicidade da secretaria, o ciúmes anormal ao vê-la conversando com outro homem, o desejo de tê-la em seus braços, em tocá-la, em vê-la sorrir... Tomou a decisão de ficar longe dela, mesmo que tivesse que demiti-la.

Não podia ter se apaixonado de novo, a única vez em que isso aconteceu ele saiu da história magoado. Ele fugiu da dor, se refugiou nos Estados Unidos com Ulisses que tinha acabado de sair da reabilitação e queria ficar longe dos problemas familiares. Estudou e focou em sua vida profissional.

Não precisava de outro amor que não fosse pelos pais e por si mesmo. Jurou que não deixaria que outra mulher fizesse com ele o que Tessa fez. Seja lá o que estivesse sentindo por Malvina ia matar antes que crescesse. Depois de anos juntando e colando os cacos que sobraram de seu coração, não deixaria que outra pessoa o quebrasse.

Decisão tomada.

Primeiro ia avisar Malvina que seria substituída e não precisava se preocupar com o emprego de Elle que era o aparente motivo por qual ela estava ali, depois pedia ao RH outra secretária temporária. Ao sair da sala, porém foi informado que ela já tinha ido embora, segundo Pérola, descido pelas escadas. Não ficou surpreso já que nos últimos dias ela parecia sempre apressada para ir embora e era maluca suficiente para descer nove andares pela escada. Estava procurando pelo número dela quando esbarrou com a mesma na portaria.

Preocupado era eufemismo para o medo que sentiu quando ela disse que foi assaltada. Sabia como agiam esses criminosos, sempre armados e nervosos com o dedo no gatilho sem se importar com nada além de conseguir o que quer e fugir. E se ela fosse ferida? Ele queria abraça-la e confortá-la, mas não era necessário por que ela dava ares de não ter sido afetada pelo crime, exceto no humor, estava á uma pergunta de gritar com o escrivão quando foram registrar ocorrência.

— Nossa, conseguiu memorizar a cor, marca e modelo do veiculo usado? – o homem espichado atrás da mesa perguntou com leve ironia depois dela descrever a moto dos assaltantes.

— Não é a primeira vez que sou assaltada, moço, sei manter a calma em situações extremas – ela informou com seu sorriso falso.

Naquele momento ele viu de outro ângulo a razão dela estar sempre com aquela máscara de indiferença, ela usava quando estava com raiva de alguém. Ela estava sempre com aquela expressão quando tinha que lidar com ele, então estava sempre com raiva dele. Isso o deixou incomodado, será que a raiva dela podia virar ódio? Não gostava da ideia de que ela o odiasse.

A apatia dela sumiu quando entrou na sua cobertura, parecia fascinada por alguma coisa e entendeu que era só curiosidade pela decoração de sua casa. Nicolas admitia que tivesse desses impulsos consumistas de quem comprava coisas que não precisava e tinha dificuldade em se livrar do que era inútil, mas não era acumulador.

Um dia ele ia precisar daquelas coisas.

Após quase cometer o erro de beijá-la, ligou a televisão, pediu pizza e foi tomar banho. Quando o entregador chegou teve que sair do quarto. Ela assistia um western com legenda. Esforçou para agir com naturalidade, conversaram sobre filmes, música e comida. Terminado o jantar não tinham mais sobre o que falar.

Depois do western assistiram um terror mediano que tinha mais universitários transando em lugar errado e na hora errada, do que coerência na razão de um mascarado matar pessoas aleatórias. Nicolas deitou a cabeça no colo de Malvina, tinha sido um gesto inconsciente, estava cansado e aquele filme era absurdamente chato mesmo com o exagero da violência em decepar uma pessoa com apenas um golpe de facão.

Tão automático quanto ao gesto dele, ela começou a acalentar de modo que ele fechou os olhos e ficou naquele estágio entre o adormecer e o despertar. Abriu os olhos quando parou de sentir o toque de Malvina em seus cabelos. Ela o olhava com uma expressão intrigante.

— O que houve?

— Você me confunde.

— Por que...

Não terminou o que dizia por que ela se curvou e o beijou. E lá se ia todo o esforço que fez para ficar longe dela. Sentou e a puxou para seu colo. Não havia resistência, só entrega. Não houve pressa, só desejo. Mãos tateando pano em busca de carne. Respiração ofegante. O despir-se apressado. Os lábios explorando a pele sensível do pescoço abaixo. Os gemidos de prazer. O toque do interfone...

— O interfone – Malvina arquejou.

— Ignora.

Os lábios dele tomaram os seus novamente, quando a campainha do telefone voltou a ecoar, ela se forçou a ir atender. Informou que já estava descendo e se virou para dar tchau á Nicolas, sendo pega de surpresa pelo mesmo que estava atrás dela e a prensou contra a porta, voltando a beijá-la.

— Fica – ordenou.

— Tenho que ir – disse o afastando e se abanando com as duas mãos – Tenho que ir.

Abriu a porta e correu para fora. Nicolas a observou chamando pelo elevador enquanto vestia a blusa, então cantarolou o nome dela que se virou e entreabriu a boca. Ele estava girando seu sutiã no dedo e sorrindo com deboche, Malvina deu um passo para dentro do elevador.

— Pode ficar – sorriu.

Precisou de outro banho para relaxar. Na manhã seguinte, se pegou na frente do apartamento de Malvina. Por quê? Ele ainda estava se perguntando isso quando a porta foi aberta por um homem alto de cabelos e olhos muito escuros, daqueles que fazem as mulheres fantasiarem um romance a lá Jane Austen com final de felizes para sempre – ele não era cego, podia não admitir em voz alta, mas sabia reconhecer a beleza de outros homens, assim como conseguia achar seus defeitos e expô-los quando necessário.

Será que era algum irmão das gêmeas? Não tinha nada que lembrasse á elas, mas nem todos parentes eram parecidos. Ou seria amigo? Toda mulher tinha um melhor amigo gay e nem todo gay dava pinta.

— Oi?

— Vim ver se Malvina quer carona para o trabalho – disse a primeira coisa que passou por sua cabeça que soava crível.

— Entre, a ela está se arrumando. Aceita café? Água? Suco?

Como o homem andava e falava, ele o seguiu para cozinha que era separada da sala por uma ilha de madeira com granito, se sentou na cadeira indicada pelo estranho que ainda não tinha se identificado, que lhe serviu café.

— Henry – ele disse estendendo a mão para Nicolas, depois de colocar mais café no copo em qual bebia, como se lesse seus pensamentos.

— Nick.

E a atenção do outro se voltou para o fogão, onde cozinhava alguma coisa de cheiro muito agradável. Nicolas não comia de manhã, preferia um café quente e só. Pensou na noite anterior, se Malvina tinha ficado surpresa com sua sala de estar, ficaria chocada com a cozinha que era maior e bem mais cheia que aquela na qual estavam. Estava ficando incomodado com aquilo e repensando se não era melhor ir embora, quando ouviu a voz de Malvina.

— Henrique, você viu meu Oxford? – ela gritou.

— Não, já olhou debaixo da cama? – ele questionou em voz ligeiramente mais alta, como se ela estivesse do outro lado da cozinha e não noutro cômodo separado pelas paredes grossas.

— Achei, valeu – ela gritou de volta, depois.

Não se demorou que ela surgisse, vinha arrastando os pés calçados com os sapatos sem salto fechados, os braços abertos e os olhos fechados.

— Henrique, hoje seria um excelente dia para você cantar enquanto cozinha, é mais fácil me guiar pelo som do que pelo cheiro, principalmente quando a casa está infectada por aroma de café e ovos.

— Vire cinco minutos e siga em linha reta, em quatro passos tem um degrau. Ou você aprende a se localizar ou acaba quebrando o nariz um dia desses, Amor.

Nicolas registrou o “Amor”, mas sua atenção estava voltada para ela que baixou os braços e seguiu a instrução dele.

— Minha bússola quebrou e ficaria mais fácil me localizar se não mudassem tanto a disposição dos móveis.

— Não me culpe, ora é Maria maluca por Fang-Chui ora é Elle com suas revistas de designer de interiores ora é uma de suas irmãs obcecadas por espaço.

— Conseguimos lidar com as coisas ao nosso redor quando não estamos sufocadas com excessos.

Henrique revirou os olhos para ela enquanto a mesma tateava o balcão da ilha em busca do assento. Acabou achando o braço do contador que a observava com curiosidade. O soltou tão rápido que teria imaginado que ela estivesse tocando ferro quente.

— Hmm... Bom dia?

— Bom dia, Malvina.

Ela abriu os olhos que estavam vermelhos, e os fechou em seguida com força.

— Dói – choramingou apertando os olhos com os nós dos dedos.

Ele se levantou, preocupado. Ajudou a sentar.

— O que você tem?

— Fotofobia – Henrique informou – Onde estão seus óculos?

— Na mochila. Que foi roubada. Ontem – ela respondeu em pausas.

— Droga. Vou pegar os meus, pare de esfregar os olhos.

Ela choramingou, mas desceu as mãos.

— Desde quando tem isso? – Nicolas perguntou ao mesmo tempo em que ela quis saber:

— O que faz aqui?

— Desde criança.

— Vim te levar para o trabalho – responderam ao mesmo tempo e Nicolas se adiantou – Vou te dar o dia de folga.

— Aceito a folga – ela sorriu – Quando eu quiser faltar ao trabalho a usarei de bom grado.

— O que? Não. Você não vai trabalhar hoje, você nem consegue ficar com os olhos abertos.

— Da outra vez que me atrasei, o chefe me acusou de não ter senso de profissionalismo e ameaçou de demissão caso acontecesse novamente. Eu vou trabalhar e ponto final.

Um soco teria doido menos em Nicolas do que aquilo. Ele tinha descontado sua raiva nela naquele dia. Tinha a ofendido muito mais do que apenas em acusar de não ser profissional. Henrique voltou á cozinha, assoviando, e Malvina estendeu as mãos onde ele colocou os óculos escuros de estilo retrô.

— Uh! Uma jaqueta de couro e uma Harley-Davidson e você já pode pegar a estrada, baby – Henrique brincou.

— Adoro quando você finge que sabe do que está falando – o sorriso dela era autentico – Panquecas de banana e geleia de jabuticaba, você é o melhor amigo do mundo.

— Eu sei. O resto da humanidade já pode morrer de inveja – e se virou para Nicolas – E você, também é um alienígena que não bebe café?

— Estava tentando convencer essa teimosa á tirar o dia de folga – explicou e bebeu um gole do café.

— Perda de tempo, essa daí funciona numa frequência que só os lunáticos conseguem sintonizar.

— Vou fingir que você não acabou de me chamar de louca e pedir para não falar de mim como se eu não estivesse presente.


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