A Aranha na Teia escrita por Elvish Song


Capítulo 19
Captive


Notas iniciais do capítulo

Pois é, a produção seguiu à toda! Já chegou outro capítulo, e devo postar mais um dentro de 7-10 dias! Obrigada por todo o apoio e carinho de vocês, isso faz toda a diferença na hora de conseguir escrever arco especialmente difíceis!AVISO DE GATILHOS: esse capítulo apresentará cenas de tortura (não está particularmente gráfica, mas é explícita em alguns momentos) e assassinato. Leia com cautela (cenas com gatilhos estarão em negrito).Bem, esse arco começa dois a três dias depois da última cena do capítulo anterior; desejo a todos uma boa leitura!!



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Steve não conseguia acreditar que Natasha o fizera andar em círculos para acabar ali, nas docas, num contêiner desconhecido oculto no subsolo... E registrado em seu nome! Era mediano, repleto de equipamento tático, armamento, suprimentos... O tipo de coisa que ele esperaria de um dos pontos de asbtecimento de Natasha, mas esse era diferente: havia documentos, pendrives, alguns rolos de fitas de vídeo antigas, além de pastas com senhas e arquivos. Mas o principal: ali estava toda a informação roubada da SHIELD. Tudo fora encriptado e codificado, exceto pelo que estava dentro de um pequeno baú sobre a única mesa livre do espaço... "Testamento de Natalya Alianovna Romanova". O coração do soldado falhou uma batida ao ler aquilo, e suas mãos estavam trêmulas e suadas ao abrir a carta que se encontrava com o testamento.

 

 Steve

 

 Perdoe-me por não poder lhe dizer tudo pessoalmente, mas precisava proteger a todos, especialmente Lucy, e sumir era o único jeito de fazer isso; todos esses eventos são muito maiores do que apenas as meninas Widow ou Reclusa tentando me matar; creio que encontrei uma forma de encontrar o Cetro e chegar aos altos oficiais da HYDRA, aos quais Nadya serve diretamente, mas isso foi um salto de fé. Se você está lendo isso, provavelmente as coisas não deram tão certo como pensei... Claro, contratempos acontecem, e você pode ter encontrado o contêiner antes de quinze dias se transcorrerem, mas ainda assim eu precisava deixar tudo preparado, caso essa tentativa fosse um passo grande demais para mim.

 

 Esse contêiner possui não só as informações e dados que roubei da SHIELD - para protegê-los de ser obtidos novamente pela HYDRA e, principalmente, por Nadya - mas coisas relevantes sobre todas as missões em aberto que possuo, mesmo sobre algumas já concluídas que possam ser úteis a vocês. Deixei em testamento tudo o que tinha em meu nome para você e Lucy, e as chaves de meus esconderijos não-registrados estão aqui. Se não conseguir localizar algum deles, pergunte a Tony. Ele sabe de todos, aquele hacker idiota. Pode confiar no Stark, meu amor: ele não é ruim como parece, e se importa muito com você e com nossa filha. 

 

 As informações relevantes estão todas codificadas, incluindo as instruções para acesso e uso de cada item, então lhe tomará algumas semanas de trabalho, mas não foi para isso que escrevi essa carta... No final, eu só queia a chance de me despedir de alguma forma, se não puder fazer isso como desejo. E pedir seu perdão, também, por haver mantido esse segredo. Mas novamente, era isso ou expôr você, Lucy e nossos amigos a uma rival que, assim como eu, não para por nada, e cujos escrúpulos deixaram de existir há muito tempo. Eu não podia arrastar vocês para isso comigo, mesmo que me doesse não dividir algo assim. Mais uma vez, espero que possa me perdoar. Cuide bem de nossa filha, como sei que pretende. E se minha morte realmente for confirmada, peça à FRIDAY para rodar o protocolo 916.A. Apenas se eu morrer. Por favor. Se eu voltar para casa, juro pela vida da nossa filha que vou explicar tudo, e que não haverá mais segredos. 

 

 Com todo o amor

 

 Natasha

 

 O Capitão apertou o papel com tanta força nas mãos que rasgou suas bordas, precisando apoiar-se na parede por um momento, para se recompor... Quinze dias... Ainda não se haviam passado quinze dias... Tinha três dias pela frente, de acordo com qualquer que fosse o plano maluco de Romanoff. COMO ELA PODIA FAZER ISSO? Colocar-se em perigo daquele modo, sem lhe dar qualquer notícia, sem qualquer back-up??? Ela não podia realmente achar que seria mais fácil enfrentar outra Widow, a serviço da HYDRA, sozinha!!!

 

 Recobrando a clareza mental, mas longe de superar a raiva e a agonia de não saber onde sua namorada poderia estar, ou a frustração de ter sido feito de tolo por ela, levado a um lugar que era apenas um testamento, em vez de uma resposta sobre onde poderia estar, deixou o lugar com passos duros, encontrando Clint de guarda do lado de fora; de imediato a expressão do amigo deixou bem claro ao arqueiro que algo estava muito errado.

 

 - Cap? O que aconteceu?

 

 Em resposta, Rogers apenas entregou a carta ao outro homem, afastando-se até a moto, na qual apoiou ambas as mãos, ombos curvados, controlando a respiração para se acalmar. Nada o perturbara tanto quanto Romanoff haver dito muito claramente, menos com palavras do que com aquela encenação toda, que a possiilidade de morrer era real e não exatamente pequena... Como podia voltar para casa? Como encarar Lucy, com esse conhecimento? Ao mesmo tempo, não tinha nada que lhe desse a localização dela. Escutou Clint xingar atŕas de si, e pouco depois a mão do Gavião bateu de leve em seu ombro:

 

 - Vou levar os arquivos e os códigos de volta à SHIELD. Ao menos vai fazer retirarem a ordem de uso de força letal. Você está bem para dirigir, ou quer ir de carona comigo?

 

 - Vou com você; ao menos faço algo útil e talvez tenham alguma informação, na SHIELD. - Ele sabia que não teriam, mas precisava iludir a si mesmo, pois se recusaria a sequer pensar na possibilidade de Natasha morrer. Isso não era concebível.

 

 O retorno dos arquivos à SHIELD foi extremamente bem recebida, especialmente porque a ex-agente anexara aos dados roubados uma série precisa de informações relatando como combinara técnicas de hackeamento de dados com acessos não-autorizados para remover as informações, tornando possível a identificação das falhas na segurança. Isso não apagava o crime cometido, porém tirava a espiã da lista de ameaças iminentes à Segurança Nacional, e as informações cedidas por Barton e Rogers acerca do que a colega fazia fizeram intensificar as buscas por ela; embora oficialmente fosse uma operação de apreensão, todos os envolvidos estavam cientes de se tratar de uma missão de resgate ou extração. Extração forçada, talvez, caso a missão da Widow não estivesse finalizada, mas ainda assim uma extração.

 

 Já era noite alta quando a dupla retornou à Torre: com um mínimo de esperanças que, a partir do vírus que invadira o sistema, SHIELD pudesse auxiliá-los a localizar a louca atrás de Natasha, ambos dedicaram algum tempo a animar e contar a parte boa das novidades a Lucy, durante o jantar e depois. Havia uma sensação de suspense no ar, como se todos prendessem a respiração à espera de algo... Contudo, sem muito a fazer, acabaram todos por se recolher logo. Steve deixou a filha dormir consigo, desde que mantivesse os bloqueadores ligados para não acabar presa nos pesadelos do pai - ou ouvir acidentalmente pensamentos que preferia não compartilhar ainda - e, ao menos por ora, tentou não pensar na raiva ou no desespero. Tentou ser apenas o pai de Lucy, que já estava sendo forte e corajosa demais.

 

 Eram três da manhã quando o soldado foi acordado por seu celular vibrando, e atendeu rapidamente, sem acordar Lucy; a voz de Tony soou no aparelho:

 

 - Rogers, precisamos de você no andar dos Vingadores. Não acorde a Lucy.

 

 *

 

 Não levou cinco minutos para o Capitão se juntar aos amigos, todos em roupas de dormir - menos Tony, que obviamente ficara trabalhando noite adentro, se a camisa suja de óleo de maquinário era um indicativo - tendo atendido depressa demais para pensarem em se trocar. Na sala, uma holotela estava aberta, e Stark rodou um arquivo de áudio recebido de um IP que se autodestruíra após o envio...

 

 "Bom dia, Vingadores. Meu nome é Nadya, mas acredito que Natalya tenha se referido a mim como Reclusa, para vocês. O motivo do contato é simples: tenho algo que vocês perderam, e acredito que possamos negociar muito bem a devolução, mas as condições de sua amiga dependerá do quão depressa encontrarão nossa localização. Então, proponho um pequeno jogo: receberão uma chamada de vídeo. Ficarão tentados a fechá-la, mas eu não recomendaria: se eu não os vir, ou se encerrarem o vídeo, sua aranha pagará o preço. Fiquem, conversem comigo, e poderemos chegar a um acordo satisfatório."

 

 A televisão piscou várias vezes e se acendeu, mostrando uma mulher morena, de cabelos em franja, olhos escuros e um sorriso vitorioso e zombeteiro sentada confortavelmente numa cadeira, diante do que parecia a câmera de um computador. A sala atrás dela era de pedras cinza, como um depósito ou porão, com iluminação escassa de lâmpadas velhas do tipo incandescente.

 

 - Que grupo carismático. Ah, vou ser gentil e pedir que o médico se retire: não o queremos se tornando o Hulk e estragando toda a diversão. Os outros, acomodem-se: eu os estou vendo. Homem de Ferro? Não se preocupe em tentar nos hackear: como minhas ações na SHIELD podem ter mostrado, não sou uma amadora. Talvez sua querida amiga não tenha contado muito a meu respeito, mas viemos do mesmo lugar. O que significa que, se a quiserem encontrar, dependem da minha permissão. Então, para começarmos as negociações, aqui está Romanova.

 

 Nadya se levantou e chutou a cadeira para o lado, revelando a figura de Natasha antes atrás de si. Estava em roupas de baixo, presa por correias de couro e metal a uma cadeira de ferro chumbada ao chão. As restrições quase se enterravam em sua pele, e havia sangue a escorrer dos pulsos e tornozelos... Foi Steve quem percebeu primeiro haver espinhos ou ganchos de metal na parte interna das amarras, que tornavam quase impossível qualquer manobra de escapada... De imediato Banner se ergueu e deixou o aposento, antes que ver qualquer coisa a mais o fizesse perder completamente o controle. Não podia correr o risco de se transformar em lugar fechado, e sequer tinha certeza de conseguir se controlar, após tal cena.

 

 - Ah, ótimo. Agora que estamos a sós, podemos iniciar a barganha. Não é complexa: vocês vão assistir a isso. Em momentos aleatórios, eu vou parar e dar parte das coordenadas onde vou aguardá-los. Já sabem o que quero, o que HYDRA quer. Não estejam lá, e eu a rasgarei em pedaços até a morte. Enviem mais alguém, e eu a rasgarei em pedaços até a morte. Se algum de vocês sair antes de eu permitir, cortarei pequenos pedaços dela e enviarei de presente em uma caixa. Enquanto se comportarem e jogarem comigo, ela vai sofrer, mas nenhum ferimento que deixe lesões permanentes. Essas são as regras. Agora... Entenderam?

 

 Enquanto falava, a russa de cabelos pretos se colocou atrás de Romanoff, uma faca afiada dançando com o gume pela garganta e colo da prisioneira, que mantinha sua postura firme e olhar impassível, e riu ao fim da fala da outra:

 

 - Deixe de ser ridícula, Nadya. Eu os traí, abandonei e excluí. Se muito, vão oferecer ajuda para acabar comigo. Você deve estar muito desesperada para mostrar ao mundo que me venceu, a ponto de fazer esse showzinho ridículo.

 

 Um tapa violento projetou a cabeça de Natalia para trás e para o lado, e Steve se ergueu do sofá, em ódio.

 

 - PARE COM ISSO! Diga onde devemos estar, nós iremos! Apenas pare com isso! Você já a venceu, não tem mais nada a provar! - Rogers estava mortalmente pálido em completo desespero. 

 

 - Ah, capitão... Não é sobre provar ou não. Isso é sobre quebrar o espírito. Não o dela: o de vocês. E eu não vou fazer porque preciso... Eu vou fazer porque posso. Porque vocês, mesmo estando a meio mundo de distância, são meus prisioneiros, agora. - A faca deslizou acima da sobrancelha da ruiva, abrindo um corte do qual o sangue escorreu sobre os olhos da espiã, a qual balançou a cabeça com ironia.

 

 - Eu achava que você era patética antes, mas precisar de plateia para se vingar de mim... Tudo isso é vontade de compensar a falta de atenção que teve dos treinadores? Precisa de um palco apenas seu? - Nadya golpeou a cabeça de Natasha com o cabo da faca, e Tony não conseguiu ficar calado:

 

 - Romanoff, pare de provocar! Eu tenho certeza de que podemos chegar a um acordo adequado, não precisa disso! 

 

 - Sim, Romanoff, pare de provocar. Você não se importa com a dor, mas seus amiguinhos estão em total pânico, incapazes de raciocinar. Imagino que nunca tenha mostrado a eles o que foi ensinada a suportar, certo? Sempre teve vergonha de quem éramos. - Reclusa sussurrou perto do ouvido da mulher amarrada, cortando as alças e costas de seu top para a desnudar, rindo do modo como todos desviavam os olhos. - Ah, não sejam puritanos! Ficaria surpresa se ela não houver sido a prostituta de cada um de vocês. Digo, ninguém a aceitaria por seu "irresistível carisma". Usar esse rostinho bonito e esse corpo de sereia sempre foi como ela alcançou tudo... - Nadya apertou com brutalidade os seios da outra mulher, cujo rosto estava virado para longe da câmera a fim de evitar a humilhação ainda maior de encarar os amigos naquela situação. - Os treinadores, o diretor, aquele garoto, Sergey... Houve alguém que você não arrastou para a cama, Alianovna?

 

 - CHEGA! - Foi a vez de Clint se manifestar, seus nervos em absolutos frangalhos por ser obrigado a assistir aquilo sem poder fazer coisa alguma! - nós entendemos muito bem o recado: você está na vantagem, está no comando. Agora deixe-a em paz. Sente-se e negocie conosco os termos. Se a machucar...

 

 - Se eu a machucar, então o que? Vão mandar um míssil? Suponha que vocês me rastrearam, e mandem uma bomba. Natasha explode comigo. Se tentarem sair da sala e ser os heróis, ainda vão levar horas até nos alcançarem, e não vai sobrar muito dela para ser enterrado. - A russa mais velha sorriu de modo doentio. - Acha que sou idiota, arqueiro? Está tentando me distrair para que ela possa se soltar. E só estamos começando! Mas se estão desesperados assim... A primeira coordenada é... - Com a ponta da faca, ela desenhou um 47 sobre a clavícula de Natasha, que ficou imóvel e silenciosa. - Impassível como nos velhos tempos, uh, Natushka? Mamãe amava dizer o quanto nada te fazia gritar. Vamos testar se ela estava certa? - Um golpe seco sobre os dedos de Natasha esmagaram duas falanges da mão direita, fazendo a mulher forçar as tiras em seus pulsos e tornozelos em reação à dor, porém nem o menor som escapou de seus lábios.

 

 Tony tremia e estava tão pálido que Steve pensou que o amigo desmaiaria... Era uma crise de pânico, o militar conhecia os sintomas pelos inúmeros amigos dos tempos da Guerra que sofriam desse mal... Mas quando a crise se tornou forte demais, e Stark se levantou e tentou sair, o som de um grito abafado o fez parar, de costas para a TV, com medo de olhar para a tela. 

 

 - Se não olhar, Homem de Ferro, vai ser pior. - Um aparelho similar a um barbeador foi passado pela curva do ombro de Romanoff, removendo uma fina lâmina de pele, separando-a do tecido conectivo abaixo por um trecho de quinze ou vinte centímetros; isso fez a ruiva tremer de dor, e um soco na barriga arrancou o ar de seus pulmões, praticamente forçando um grito pela saída abrupta do ar. Natasha se forçou a controlar a própria mente e isolar de si a sensação de dor: seus amigos estavam impedidos de fazer qualquer coisa pela certeza de que seria ela a pagar.. Mas quando sentiu a leve vibração na lateral do pescoço, ela sorriu em meio aos arquejos. Tudo estava sob controle, e a mão danificada era apenas um contratempo. Não, ela não conseguia sentir medo, agonia, nem mesmo raiva... A capacidade de se isentar de emoções era o cerne do que a tornava tão eficaz, agindo do modo frio, calculista e capaz de assumir qualquer sacrifício para gerir uma situação de emergência. Ela não era uma sociopata, mas, sob efeito da adrenalina, conseguia temporariamente agir e sentir como uma. Isso ia doer horores, mas sair dali com vida dependia ironicamente, de irritar sua algoz ao máximo. 

 

 - Garotos, vocês podem querer desviar o olhar. Porque ela pode dizer o quanto quiser que isso é sobre quebrar vocês, mas no fundo, Reclusa quer apenas ME impressionar, provar ser melhor do que eu. - O soco seguinte arrancou sangue de sua boca, mas a espiã prosseguiu. - Sempre foi a mesma garotinha chorosa, fraca e desesperada por atenção e validação da mãe e dos treinadores. Agora, como sua mãe morreu, vem tentar achar validação na pessoa que a Treinadora mais admirava. - O esfolador foi posicionado direto sobre a mão com os dedos esmagados, programado para remover uma camada mais espessa, praticamente expondo os músculos. E mesmo guinchando de dor, a mais nova não parou. - Admita, está louca para me impressionar, Reclusa. Você nem tentou me matar. Todo esse teatro para sujar meu nome, eliminar pessoas da minha rede, tentando se passar por mim... Como se você pudesse. Não cansada o bastante de se humilhar para mim, faz isso diante dos meus colegas. Acredite, eles estão com pena de você.

 

 Reclusa pareceu ter o suficiente: um pano foi enfiado profundamente na boca de Natasha, enquanto um fio estreito era apertado contra seu pescoço, amarrando sua cabeça inclinada para trás, outro fio amarrado com força entre os lábios para manter o pano no lugar, e para rasgar os lábios se a ruiva fizesse qualquer esforço de resistência; este fio, ao contrário do que usara contra Mehmet, de fato fora revestido com vidro moído, e a mera pressão fazia os cantos da boca sangrarem. Ela podia ouvir vagamente os ruídos de desespero dos amigos enquanto a Widow mais velha se aproximava com o esfolador, mas no momento não sentia coisa alguma, emocionalmente. Precisava não sentir, ou já estaria derrotada e perdida. 

 

 *

 

 Cada segundo da última hora tinha sido humilhante, doloroso e odioso, e ela sabia que ao fim de tudo, teria dificuldades em encarar os amigos, especialmente após a inimiga citar inúmeras das formas como os manipuladores da SV a haviam usado para obter poder, para seu próprio prazer, para gerar caos político conveniente a seus interesses, ou mesmo para eliminar testemunhas inocentes de fatos que deviam ser apagados... Fatos de um passado que ela só confiara a Clint, tão expostos quanto seu próprio corpo ensanguentado. O estrangulamento do cordão a cada vez que se contorcia minimamente a levara à inconsciência um par de vezes, o esfolamento intercalado a espancamento, esmagamento de dedos e cortes com a faca serrilhada... Havia longas e estreitas tiras de pele cujas primeiras camadas haviam sido removidas até chegar ao músculo, na barriga, coxas e braços da ruiva. Finalmente Nadya queimou na pele de seu peito o símbolo da HYDRA, usando ferro em brasa. Qualquer movimento dos Vingadores fazia tudo piorar, e Reclusa fizera o que dissera: escrevera a latitude do ponto do encontro usando a pele de Romanoff como caderno, e tencionava seguir adiante com o resto, adicionando dois números a cada quinze ou vinte minutos. 

 

 Entediada e irritada com a imobilidade e silêncio obstinado da outra, Nadya soltou os fios na boca e pescoço de Natasha, segurando seus cabelos e forçando-a a encarar os amigos; a espiã ruiva lamentou por eles, mas estava quase no final. Mantendo o tom de deboche - por mais que sua voz estivesse rouca e falha devido à dor e ao estrangulamento - disse algo que à outra pareceria totalmente sem sentido:

 

 - Matrix reiniciada. - Ela viu o brilho de reconhecimento nos olhos de Stark, mas foi um breve segundo antes do próximo soco provavelmente quebrar seu osso zigomático, na maçã do rosto.

 

 - O que isso significa? O QUE SIGNIFICA? - Ante a mudez da refém, Reclusa se colocou atrás dela e pressionou a faca em seu pescoço. - Mandem a filha dela vir assistir, ou eu juro que corto a garganta dela! - Seria o último erro de Nadya. Aproveitando-se da posição, e de ter alcançado seu objetivo, Romanova golpeou o nariz de Reclusa com a própria cabeça, esmagando o rosto da outra e derrubando-a momentaneamente. Nenhum deles entendeu exatamente como ou quando, mas a mão ainda inteira de Natasha se livrara da contenção (deixando um pedaço ou dois de carne pelo caminho) e se projetou direto contra a têmpora da algoz, com força suficiente e no local certo para desacordá-la.

 

 As expressões dos colegas eram puro choque e alívio misturados enquanto ela abria as demais amarras e, andando até a mesa para recuperar suas roupas, falava com o resto da equipe:

 

 - Stark, a sincronização de dados se iniciou quando acordei, deve estar perto de se concluir. Esqueçam as coordenadas da Reclusa: são uma armadilha, esperando por vocês em Budapeste. Vi que conseguiu rastrear a rede deles, mas vou religar meu localizador para que possa ter certeza: siga as coordenadas. Vou terminar de instalar o vírus no sistema, e preciso de back-up para sair daqui. É algum tipo de prisão, provavelmente medieval ou da idade morderna, e fica no subsolo. Darei um jeito nas meninas, precisamos levá-las conosco, não importa como. - Seu tom era rápido, direto, disparando ordens e orientações como sempre fazia em campo. - Desculpem pelo show de horrores, essas restrições foram difíceis de soltar, e a lunática quase não tirava os olhos de mim... Obrigada pelas vezes que a distraíram. 

 

 - DESCULPEM? ROMANOFF, ESTÁ ALUCINANDO? - Clint era o mais alterado... Talvez apenas o que recuperou a voz mais cedo, ou o único a ter forças de gritar com ela, depois de tudo aquilo. - Fique onde está, e longe de problemas: estamos indo até você.

 

 - Não vou sair daqui sem as meninas, e não tenho como fazê-las ir para outro lugar, sem transporte. E é bom te ver, também, Barton. - Já vestida ela voltou a aparecer diante da câmera. - Explico tudo quando terminarmos. Só façam o que o Tony mandar, não importa o que seja. - Ia desligar a câmera, mas a voz de Steve a interrompeu:

 

— Natasha... Fique a salvo. Pela nossa filha.

 

— É claro que fico a salvo, Capitão. - Ela deu seu sorrisinho de lado. - O espetáculo não foi bonito, mas não é o bastante nem para começar a me derrubar. Foram eles que colocaram o diabo dentro de casa. Agora vão lá ser heróis, garotos. - E com essa fala, desligou a câmera. Estendeu a mão boa para alcançar a pistola, mas um instinto a fez saltar para o lado, bem a tempo de evitar o golpe de martelo que Nadya dirigia contra sua cabeça!

 

 - Você não vai escapar dessa vez. Os Vingadores estão na minha mão, vou entregar todos a Strucker. Vou provar meu valor, mesmo se precisar levar você desmembrada!

 

 Natasha se esquivou aos golpes com o objeto contundente e agarrou a cadeira em que Reclusa se sentara anteriormente, usando-a para bloquear os ataques da outra e atingi-la repetidas vezes com os pés e o espaldar de madeira.

 

— Nadya, você me odiar é uma coisa, mas isso é loucura!!! Você está repetindo toda a crueldade que fizeram conosco contra essas meninas!!! Elas não têm culpa de coisa alguma!! Você deixou a SV, podia ser livre!! Por que se submete à Hydra???

 

— Você sempre foi burra demais para entender o que fizeram conosco. - O martelo desceu com tanta força que arrebentou a cadeira, forçando Romanova a recuar. - Nós somos assassinas. Minta o quanto quiser, finja estar acima das regras, mas é o que somos. O que sempre vamos ser. Bom... eu vou ser. Você irá para os laboratórios da Hydra, e pode escolher se vai ser inteira, ou em pedaços!! Honestamente, eu não ligo.

 

A ruiva recuou um passo e outro, cuidando de manter as colunas de pedra do lugar sempre entre ela e Reclusa, criando obstáculos aos golpes de martelo que facilmente esmagariam ossos.

 

— Eu não quero te matar, Nadya. Você foi uma vítima, tanto quanto eu, nunca te deram escolha. Não me obrigue a fazer isso. - Ela se abaixou a tempo de evitar um golpe na cabeça, e rolou para trás de uma parede em ruínas. - Deixe eu te ajudar.

 

— Prefiro morrer a aceitar qualquer coisa de você!!! Eu sei quem sou, e ao contrário de você, estou aqui porque quero, porque sei o meu lugar. Não se preocupe: quando Hydra terminar com você, verá as coisas pelo meu ponto de vista... E a sua garotinha, também. - Nadya pretendia desestabilizar Romanoff com aquelas palavras... Mas nunca esperou que fossem surtir o resultado oposto.

 

A Widow mais jovem abandonou seu abrigo saltando por sobre a parede semidestruída, uma pedra oval em sua mão esquerda, o calcanhar de sua bota se cravando na espinha de Nadya, cujas costas estalaram sob o esforço. A morena tropeçou para frente, mas caiu já girando e chutando a perna de apoio de Romanoff, levando-a ao chão consigo enquanto impulsionava o tronco para cima, brandindo o martelo brutalmente em direção à cabeça da outra, a qual se protegeu com o antebraço da mão lesionada - ignorando a provável fratura decorrente do golpe - e projetou a si mesma contra a inimiga, descendo a pedra contra ela. Não atingiu a cabeça, mas os ossos do pulso de Nadya estalaram e cederam ao golpe violento, arrancando uma exclamação de dor e ódio. 

 

— Não vai prejudicar mais ninguém. - A ruiva rosnou enquanto colocava todo o seu peso sobre a outra mulher, golpeando uma e outra vez, procurando uma brecha nas defesas da rival. E mesmo que Romanoff tivesse uma das mãos inutilizada, a morena se encontrava com dificuldades para se proteger.

 

Era uma briga de titãs: Nadya possuía toda a vontade e ferocidade do desejo de derrotar a rival - um desejo concentrado e cultivado ao longo de oitenta anos, que se espalhara como mofo pela madeira úmida, consumindo a mente da assassina mais velha e corroendo-a no ódio até que, se este fosse removido, todo o resto se esfacelaria. - enquanto Natasha imprimia em sua luta não apenas sua raiva e indignação pelos males feitos a si, mas toda a determinação de impedir que os mesmos danos fossem perpetrados contra meninas inocentes e, acima de tudo, a fúria primitiva, animal e instintiva de proteger a própria cria. A troca de golpes era brutal, ambas as mulheres rolando pelo chão, uma tentando sobrepujar e dominar a outra, suas pernas agindo como as terríveis patas de uma caranguejeira que tenta travar a de outra no combate para que as presas possam injetar a peçonha letal. Eram chutes, ganchos e esquivas velozes demais para que pudessem deixar o chão, engalfinhadas. O sangue escorreu no nariz quebrado de Reclusa. O corte na testa de Romanoff pingava sobre o rosto da inimiga, e o sangue dos ferimentos anteriores começava a encharcar suas roupas, tornando qualquer pegada firme impossível para Nadya, pois o líquido viscoso fazia seus dedos escorregarem.

 

Não parecia uma luta de profissionais, mas o selvagem combate de dois animais. Unhas, dentes e os mais baixos movimentos substituíram estratégias mais elaboradas quando as técnicas de ambas se equipararam - para desespero de Nadya, que se via igualada por uma rival ferida. Ao ser derrubada violentamente contra o chão, a mulher mais nova reagiu como um gato, usando braços e pernas para proteger o abdome, torso e cabeça, os pés cravados na barriga da outra para mantê-la longe. Sustentou a posição por longos segundos, e quando a rival usou de toda sua força, cedeu subitamente, trazendo-a para um abraço mortal, no qual agarrou o pescoço da oponente na dobra de seu cotovelo direito, travou as pernas em redor de seu torso e, com a mão esquerda, desferiu contínuos golpes com a pedra contra seu crânio, até sentir o osso ceder e a cabeça amolecer sob a força dos impactos. Sangue espirrou, e foi apenas quando o corpo de Nadya pendeu flácido sobre o seu que Natalya a empurrou para o lado, ofegante. Vencera. Mas ainda tinha muito a fazer, até os amigos chegarem ao local. Precisava seguir adiante, não importava o quanto seu corpo maltratado implorasse por uma pausa.

 

*

 

Sair daquele calabouço não seria grande desafio: uma vez que o indivíduo conseguisse se orientar e encontrar o caminho para fora, as trancas não ofereciam grande resistência para alguém que fora treinada na Sala Vermelha: pesadas e enrijecidas, ainda assim tinham sistemas de alavanca simples. O lugar nunca fora o verdadeiro elemento a mantê-la ali, mas sim o desafio que a aguardava no nível superior... Jovens Widows - dez a quinze meninas de onze a quinze anos, percebera em seus lapsos de consciência - uma forte segurança e sensores espalhados por todo lado. Poderia resolver sozinha, mas o ponto era que não precisava... 

 

Com auxílio da lâmina afiada de um bisturi que pegara sobre a mesa de apetrechos de Nadya, Natasha abriu um pequeno corte em sua pele, espremendo para fora de sua pele o diminuto processador/retransmissor que se conectava à interface de JARVIS. Tony o iniciara para ela no momento em que usara o ataque de pânico como pretexto para tentar sair do campo de visão: com o mecanismo ativado, conseguia as coordenadas da russa em tempo real, e esta tinha acesso ao mainframe de JARVIS para desabilitar as defesas e a segurança interna, além das câmeras que provavelmente haviam delatado o ocorrido. Deveria ter sido a própria Natasha a ativar o funcionamento do objeto, mas Stark o fizera antes que a espiã pudesse liberar as mãos para pressionar o mecanismo. O comando "matrix reiniciada" fora apenas o comando verbal para que o programa iniciasse a sincronização com o sistema de informações daquela base: havia um poderoso vírus no microprocessador transportado pela agente sob a própria pele, capaz de obter os dados programados para se autodestruir em caso de invasão do sistema - os dados que sempre faltavam nos arquivos obtidos em outros locais - e tudo o que Romanoff tinha da fazer era terminar de instalá-lo. Conseguiria fazê-lo pelo próprio computador utilizado por Reclusa para filmá-la e acessar os sistemas da Avengers Tower - tinha de reconhecer que a rival se tornara uma hacker extremamente habilidosa, para consegui-lo - mas desfrutaria de poucos minutos antes que jovens Widows invadissem o subterrâneo e lhe dessem dores de cabeça terríveis.

 

Mais que depressa, a ex-agente da SHIELD se sentou ao computador e sincronizou o aparelho com o retransmissor, iniciando os protocolos de JARVIS nele através do acesso de Nadya.

 

— JARVIS, rodar protocolo Cavalo de Troia. - A tela se iluminou em laranja, a cor principal do programa, e agora restava apenas deixar que fizesse seu trabalho. Bem a tempo, pois o ranger das portas anunciou à espiã que as meninas haviam vindo ao seu encontro. Era hora de testar toda a sua capacidade de convencer outras pessoas...

 


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Notas finais do capítulo

Por favor, não me matem. Eu sei, eu sei, foi pesado, dolorido, difícil... Mas essa é a vida da Natasha, as coisas que ela aprendeu a fazer e suportar; Nadya/Reclusa veio do mesmo lugar, aprendeu as mesmas técnicas e age como um dia nossa Nat agiu... Como ainda é capaz de agir, quando preciso. Achei que abrandar mais do que isso (mesmo que eu já tenha abrandado, em relação a algumas HQs) seria não fazer jus às habilidades da Viúva Negra. Espero realmente que me desculpem por isso, e prometo que o próximo arco, mesmo seguindo tenso, não tem mais tortura, ok?Obrigada por todo o apoio de vocês, guardo cada comentário e leitor juntinho do coração!



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