Earnestly Yours escrita por Mims


Capítulo 1
1




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earnestly yours

 

Eram três da manhã quando Oliver acordou num pulo: corpo suado, os olhos arregalados e o coração à mil. Olhou ao redor tentando enxergar cada milímetro do quarto escuro e pequeno, quase como se acusasse as sombras.

Elas estariam fugindo?

Tirou o moletom e viu pelo canto do olho algo se movendo perto da janela. Sentiu o medo preencher suas veias em três segundos contados e olhou o ponto com atenção. Alarme falso, tinha sido uma ilusão provocada pelos fios de seu cabelo.

Bufou, chateado consigo mesmo e praguejando em todas as línguas que sabia — até agora apenas duas. Foi em direção a cabeceira e da gaveta tirou uma tesoura fina e brilhante A luz que vinha da janela refletia no objeto prateado deixando o recinto inteiro da mesma cor. O brilho prata o deixava ainda mais inquieto, respirando mais rápido e com a sensação de que todo o sangue de suas veias fosse evaporar a qualquer segundo. Num impulso, Oliver cortou a mecha platinada que havia lhe provocado tamanho susto. Deu-se conta do que fez apenas cinco minutos depois e então foi correndo em direção ao espelho da parede direita.

Quase gritou de arrependimento. A parte que havia cortado era bem na frente, um pouco acima da testa e estava bem menor do que esperava.

Respirou fundo, contou até doze e pegou o celular, que estava na mesma mesa de cabeceira que a tesoura. Discou o número de Caleb. Apagou e discou de novo. Decidiu mandar mensagem. Olhou a foto de perfil do amigo, observou bem os cabelos negros em contraste com os olhos castanho claros e suspirou.

Fiz merda. Foi tudo o que digitou quando apertou o botão de enviar.

Ele não esperava que Caleb respondesse agora. Ele deveria estar dormindo a essa hora. A noite pertencia apenas a três grupos, de acordo com a escritora Mare Voráz: as putas, os poetas e os que morrem de amor.

Oliver suspeitava que Caleb fizesse parte dos dois últimos.

Talvez fosse por isso que ouviu a notificação quase instantaneamente anunciando que o amigo havia respondido.

O que você fez dessa vez? Oliver quase pode ouvir a voz do amigo o questionando naquele tom acusatório que o de cabelos loiros adorava ouvir.

Sem digitar uma palavra sequer, apenas abriu a câmera e enviou uma foto do ocorrido pra caleb. Olhou aquela foto três vezes seguidas e grunhiu feito um animal. Ele quis arranhar toda a sua pele e arrancar os fios frágeis de seu cabelo tingido.

Esperou quase seis minutos inteiros até que uma resposta finalmente viesse.

Chego aí daqui a pouco.

O coração de Oliver bateu um pouco mais lento, se acalmando de segundo em segundo com aquele ultimato. Logo Caleb estaria ali, bem ao seu lado, medindo o estrago que fez em mais um momento impulsivo.

Sentiu-se sortudo. Muito sortudo.

Quem, além de Caleb, se disponibilizaria para vir em plena três da madrugada com o intuito de ajudar um menino errático e com um cabelo desgrenhado?

Oliver sorriu involuntariamente.

Sabia quais eram as intenções do amigo ao fazer aquilo. Na verdade, Oliver sabia de todas as intenções de Caleb, desde quando ele dividia seu cappuccino com pouco açúcar com o loiro, até quando olhava de relance os olhos esverdeados de Oliver e desviava o olhar assim que encontrava com o seu.

Era tão fácil ler Caleb. O garoto parecia uma folha transparente, sem nada a esconder. Às vezes Oliver se repreendia por saber tão fácil as intenções do amigo. Não queria saber. Não deveria saber. Não sabia o que fazer agora que sabia, e tudo aquilo só o deixava com uma puta ânsia de vômito.

Era mais que complicado.

Oliver morava numa casa sem nenhum andar, portanto virou-se sem pestanejar assim que ouviu as cinco batidas em sua janela de vidro coberta pelas grossas cortinas entreabertas.

Tentou abrir a janela sem fazer nenhum barulho, ainda assim o rangido do vidro se arrastando pelo suporte insistia em preencher a casa como um gato miando desenfreado na madrugada.

—Quer acordar seus pais? — foi a primeira coisa que Caleb disse enquanto entrava desajeitado pela janela.

—Como se a culpa fosse minha — Oliver respondeu num sussurro irritado.

Já dentro do quarto, o garoto de cabelos negros olhou sério pra Oliver enquanto ele voltava a fechar a janela. Caleb estava analisando o tamanho da merda que o amigo fizera. Os olhos castanhos passavam rápidos por todo o conjunto rosto-cabelo-piercings que Oliver tinha em si.

—De um a dez, qual nota você dá? — Oliver questionou, passando as mãos pelas mechas cortadas.

—Zero —Caleb respondeu com uma risada.

—Eu disse de um a dez! — protestou.

—E eu disse zero.

Caleb sentou-se na cama, ainda mantendo os olhos no rosto de Oliver, sem desviá-los por um segundo sequer. A pergunta estava explícita em sua expressão, junto com a acusação e a dúvida. O de cabelos platinados sabia tudo o que Caleb queria perguntar, tudo o que queria tirar de si, todas as questões que podia fazer naquele momento e, acima de tudo, sabia que ele só faria uma delas.

—Como você fez isso? — foi a única coisa que ele disse.

—Fiquei ainda mais lindo? — Oliver não podia perder a oportunidade de zoar com o amigo.

—Já que gostou tanto do novo corte, então eu vou embora. —Caleb revirou os olhos e levantou-se da cama, indo em direção à janela.

—Não, espera. — Oliver segurou seu braço antes que fugisse. —Eu sonhei com ele.

Caleb não disse nada, apenas voltou a encarar Oliver, só que dessa vez de um jeito diferente. Ele havia entendido imediatamente o que aquela frase queria dizer e parecia coberto de preocupação. Passou os dedos pelo ombro de Oliver, quase num carinho e assentiu, um gesto simples que significava ‘’pode continuar’’.

Oliver respirou fundo, reunindo coragem deus sabe de onde pra começar a falar. Contou 30 segundos, apertou os olhos, mordeu os lábios esperando um sangue que nunca veio, respirou fundo e encarou os pés de Caleb. Nunca teve essa coragem toda de olhar nos seus olhos quando falava dele.

—Eu estava de volta àquela casa. Estava de noite, tudo escuro e tal e o Matheus apareceu na porta do nosso quarto, com aquele olhar de quem sabe que consegue qualquer coisa, e ele me olhou tão irado, tão cheio de si, que nem da última vez. Foram cinco passos até me encontrar. Eu estava agachado no canto do quarto, do lado da cama e eu não parava de chorar. - Oliver não conseguiu mais falar, sentia os joelhos tremendos, a garganta fechando. Era sempre o mesmo sonho, deveria ser a quinta vez naquele mês. Não havia contado essa parte a Caleb, que sempre sonhava com isso.

A reação de Caleb foi rápida e precisa. Colocou seus braços em volta de Oliver e o apertou contra si. Sempre foi alguns centímetros mais alto que o garoto platinado, portanto Oliver chamava o abraço de Caleb um ‘’abraço-casa’’ que nem aquela música de Anavitória.

Oliver se desmanchou na presença do mais alto e afundou o rosto no espaço entre o ombro e a clavícula de Caleb.

A verdade é que não aguentava mais. Não queria mais sonhar com Matheus. Não queria lembrar dos meses que passou naquela casa tão sufocante. Odiava voltar tantas noites pra aquele lugar, mesmo que apenas no plano onírico. Estava mais que cansado daquele relacionamento abusivo o perseguindo onde quer que fosse.

Sentiu o cheiro de Caleb o impregnar e respirou mais fundo aquele aroma de terra, álcool em gel e rosas. Um pouco mais humano do que todos que já havia conhecido.

Quando o abraço se findou, Oliver sabia exatamente qual era a vontade de Caleb naquele momento. O moreno o encarou no fundo dos olhos e, se Oliver abrisse uma brecha sequer, sabia que ele o beijaria.

Toda vez queria abrir tal brecha, dar o sinal, o passe verde.

E toda vez virava o rosto com medo, dúvida, receio e agonia esmurrados diretamente no fundo de sua alma.

Medo de não ser suficiente, de ser oceano pra quem é rio, de perder sua essência no processo e, principalmente, medo de se arrepender.

Caleb se afastou, quase como se estivesse lendo os pensamentos de Oliver. No fundo, no fundo, Oliver questionava-se se Caleb tinha noção de toda essa confusão que ele e apenas ele conseguia dar origem.

Meio constrangido e talvez corado, o de cabelos negros perguntou:

—E agora? Você quer que eu vá embora?

Oliver, instintivamente, segurou o braço do outro garoto e, num ato impulsivo, voltou a abraçá-lo tão forte quanto antes. Seu peito pesava tanto quanto o sol e o receio que crescia em si era como uma supernova prestes a explodir. Mesmo assim o odor de terra que Caleb exalava era reconfortante o suficiente para que Oliver se acalmasse nem que fosse um tiquinho e pedisse, quase implorando:

—Fica mais um pouco.

Fechou os olhos, temeroso que a presença de Caleb ali fosse apenas uma miragem e que ele sumisse a qualquer segundo. Ou pior, que fosse real e decidisse ir embora.

Dentro de sua cabeça repetiu ‘’por favor, por favor, por favor’’. Sua mente, sorrateira, instável e caótica criava mil e uma conspirações para que Oliver continuasse de modo infindável naquela confusão generalizada.

Ir ou não ir? Beijar ou não beijar? Se entregar ou virar as costas?

Ele odiava todas aquelas perguntas dentro de si, o sufocando lentamente. Ainda mais quando o assunto era Caleb. Ele tinha tantas certezas e tantas dúvidas. Aquilo estava o matando aos poucos.

Sentiu as lágrimas escorrendo em suas bochechas e não havia percebido que estava chorando até aquele momento. Talvez, só talvez, estivesse chorando por toda aquela frustração E, em parte também, por não ser emocionalmente estável a ponto de na primeira crise tomar uma ação tão drástica quanto cortar o cabelo e ligar para a pessoa que mais ama nesse mundo apenas para confundi-los ainda mais.

Ainda assim, Caleb o envolveu em seu abraço-casa, fez Oliver olhar mais uma vez em seus olhos, passou a mão pela mecha cortada e, com o tom mais passional que já emitiu, disse:

—O tempo que for preciso.

Oliver sentiu seu coração esquentar ao ouvir aquela frase e, num tom que era uma mistura de felicidade com insegurança, proferiu:

—Meu cabelo ainda precisa de um corte.

A risada de Caleb foi gostosa de se ouvir, espontânea e natural. Voltaram ao abraço infinito enquanto o moreno assentia e murmurava baixinho “precisa mesmo” enquanto envolvia mais e mais Oliver em seu peito.

E, naquele momento tão conturbado, Oliver só tinha uma certeza:

Caleb era seu, da cabeça aos pés. Aquilo estava explícito em cada um de seus poros e vasos sanguíneos. Desde seus olhos castanhos até seu cabelo desgrenhado, perpassando pelo miocárdio que insistia em acelerar em momentos como aquele.

Caleb era seu e, verdade seja dita, Oliver era completamente dele.


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