País das Maravilhas escrita por Carmem Brontë


Capítulo 2
Na Toca do Coelho


Notas iniciais do capítulo

Oi, meus queridos leitores! Disse que voltaria em breve e cá estou, como prometido, com mais um capitulo fresquinho.

Espero que gostem...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777222/chapter/2

Alice acordou cedo àquela manhã. Sentia-se completamente bem, como se tivesse dormido durante uma semana inteira. Mas havia algo errado... Sempre que abria seus olhos a primeira coisa que via era o rosto delicado de Tessa sorrindo para ela. Sua irmã trazia pequenos biscoitos de chocolate, que furtava da cozinha, e ambas comiam juntas antes de descerem para ter um café da manhã descente sob a mesa. Mas, desta vez, Tessa não estava ali. Alice encontrava-se completamente só em seu quarto.

A garota não gostava daquilo, não parecia certo. O silêncio que pairava dava-lhe calafrios e fazia com que ela quisesse voltar para debaixo dos lençóis para esperar que a irmã aparecesse. "Sim! Ela pode estar apenas atrasada" Alice tentava mentir para si mesma, mas sabia que aquilo não era verdade... Tessa era irritantemente pontual, jamais atrasara-se para qualquer coisa em toda sua vida.

As cortinas na janela que leva à varanda, balançavam sem cessar, indicando que a mesma fora esquecida aberta. O vento frio da manhã invade o quarto e faz com que a pequena encolha-se na cama. Algumas poucas folhas em tons de amarelo e laranja espalham-se pelo chão, provavelmente trazidas de alguma árvore do jardim pela grande ventania que está lá fora. Já é outono em High Wycombe e os jardins da mansão Hughenden começam a demostrar os sinais deixados pela época.

Em poucos segundos, Alice escuta uma batida na porta. Seu coração dispara com a possibilidade de ser Tessa, porém esta alegria é cortada no mesmo instante que outra voz ecoa do corredor. É a voz de uma de suas camareiras pedindo permissão para adentrar o quarto. Alice apenas responde uma afirmação tristonha permitindo a entrada da mulher.

— Bom dia, pequena Lady Alice - cumprimentou a jovem de cabelos castanhos. E em seguida aprumou-se pelo quarto em busca das vestes da garota. - O Sr. Disraeli pediu-me que a vestisse para o café esta manhã.

— Tessa é quem faz isto para mim... - resmunga Alice sentindo-se traída pela irmã que permanecia ausente.

— Oh, sim - concorda a moça. - Mas esta manhã Lady Teresa encontra-se indisposta para tal, seu pai a chamou para ter com ele ontem tarde da noite e...

— É mesmo? - Alice perguntou parecendo alarmada com tal noticia. - Tessa não havia dito nada a mim. Diga-me, Dolores, sabe sobre o que conversaram?

— Sinto muito, mas não tenho essa informação... - afirma a camareira. - Tudo que sei é que Lady Teresa parecia chorosa quando voltou para o quarto. Ao menos foi o que as empregadas da noite disseram, sabe como as noticias voam dentro das paredes de Hughenden.

— Mas o que há de ser tão terrível para que ela resolva esquecer-se de mim? - questiona a pequena ainda um pouco emburrada quanto a situação.

— Há muitas coisas que podem afligir uma jovem dama, quem poderá saber o que é? - comenta a camareira parecendo divertir-se com a ingenuidade de Alice.

Dolores as servia desde os quinze anos de idade, era apenas quatro anos mais velha que Tessa quando botou os pés pela primeira vez na mansão. Ela era considerada quase uma amiga próxima das duas irmãs, pois vivia junto com sua família nas terras do Conde de Beaconsfield e crescera junto com elas. Portanto possuía uma certa liberdade para com as duas filhas do Conde, mas nada que fosse muito além, pois ainda devia manter sua posição de serviçal.

Alice gostava da garota, em outrora seria mais cordial com ela, porém, naquele momento, estava irritada demais para tal. Assim que Dolores terminou de amarrar a fita dourada entorno da cintura do vestido de babados, Alice não hesitou em correr para fora do quarto em direção à cozinha. A camareira apenas assistiu a garotinha um pouco despenteada deixar o quarto rapidamente. Não havia nada nem ninguém que pudesse impedir a pequena dama de correr para encontrar Tessa.

Alice desceu as escadarias pulando entre alguns degraus e quase esbarrando em algumas arrumadeiras que carregavam lençóis e colchas para serem trocados. Ela sibilava algumas desculpas apressadas, porém não parava para ajudar quando derrubava alguma coisa ou alguém. Assim que entrou na cozinha, encontrou a irmã sentada a mesa comendo algumas torradas, acompanhada do pai que bebia uma xícara de café quente.

O cômodo, um tanto simplório se comparado ao resto da mansão, parecia estar imerso num intenso silêncio. Alice encarou a garota de cabelos escuros que brincava com a colher de seu chá enquanto levava uma pequena fatia do pão crocante aos lábios rosados. Ela parecia não notar sua presença no recinto.

— Ah, Alice! - exclamou o pai deixando de lado um exemplar de Dickens que estava lendo e tirando Tessa do transe. - Vejo que acordou cedo esta manhã...

— Não graças a alguém... - murmurou, porém alto o bastante para que Tessa pudesse escuta-la.

A outra apenas a encarou calada. Seus olhos pareciam atravessar Alice, pois mesmo vidrados nela, Tessa ainda parecia não enxerga-la. Alice começava a se perguntar o que havia de errado com a irmã aquela manhã... Provavelmente estava aflita por algo que seu pai disse ontem à noite, porém Alice duvida muito que qualquer pessoa fosse contar a ela do que se travava. Diriam que era "assunto de gente grande". O que deixava a garotinha extremamente irritada. O termo "gente grande" era muito relativo, segundo Alice, pois conhecia adultos menores que ela e crianças muito mais altas que seus pais...

— Venha, sente-se conosco - diz o senhor seu pai cordialmente indicando uma cadeira vaga entre ele e Tessa. - Mandei que preparassem black tea para vocês... Está de seu agrado Teresa? - ele dirige-se a garota, porém Alice a interrompe antes que diga qualquer coisa.

— Tessa odeia este chá, seria melhor ter dado a ela logo uma bandeja de lulas cozidas... - resmunga a garotinha tendo arrepios só de pensar no prato hediondo que a governanta as obrigara a comer certa vez.

— Alice! - exclama Tessa, pronunciando-se pela primeira vez aquela manhã. - Comporte-se.

Alice apenas dá de ombros, ignorando a bronca. Estava irritada demais para escutar qualquer coisa vinda de Tessa. O café segue em silêncio. Ninguém parece ter muita vontade de conversar aquela manhã, o que era bastante incomum para a família Disraeli. Alice sentia-se uma estranha naquela mesa, apenas encarando os rostos calados e tensos dos outros dois.

Ficava perdida em seus pensamentos infantis, tentando ignorar toda aquela situação incomoda. Via as torradas sob seu prato e perguntava-se como seria se elas tivessem sido preparadas pela Lebre de Março, como na pequena crônica que Tessa havia contado ontem à noite... Provavelmente estariam moles e com uma quantidade absurda de sal e condimentos. Os chás na mesa estariam fervendo e derramando para todos os lados, com as chaleiras chiando e soltando fumaças coloridas, mesmo sem estarem no fogo. O pensamento a fazia sorrir como tola, mas Alice nem percebia ou não se importava, era difícil dizer.

Dirigiu seu olhar para a porta, imaginava o Chapeleiro Maluco escancarando-a enquanto rodopiava dezenas de xícaras em suas mãos desafiando completamente as leis da gravidade. Certamente seria muito mais divertido tomar chá com eles do que com seus dois parentes à mesa.

— Acabei - diz Tessa de repente, cortando os pensamento da menor. - Com sua licença, meu pai, irei me deitar...

Disraeli apenas acena em concordância. Alice levanta-se imediata e apressadamente para seguir Tessa, porém detém-se. Estava brava com ela, não podia ir... Então voltou a sentar-se em sua cadeira, irritada não só com Tessa, mas consigo mesma também por fazer birra. Seu pai lançou um olhar curioso para a filha emburrada enquanto ela mordicava as torradas que restaram em seu prato.

♔♚♕♛

Tessa correu mais uma vez em direção ao quarto. As lágrimas brotando mais uma vez em seu semblante pacifico. Não podia ficar naquele lugar por mais tempo, não poderia chorar na frente de Alice... Preferia mil vezes que a garotinha ficasse com raiva dela do que deixa-la preocupada com seus dramas. Sabia que Alice estava zangada por Tessa não tê-la despertado àquela manhã e ainda mais por tê-la ignorado durante o café, mas não estava bem para agir como sempre. Era frágil demais para conseguir fingir qualquer alegria...

Antes de Alice entrar na cozinha, Tessa e seu pai discutiam os preparativos para a apresentação de Tessa à família Gladstone. O Sr. Disraeli lhe falava sobre seu noivo, o segundo filho do Duque de Cambridge, Stephen. "Certamente um bom partido" Fora o que seu pai tinha dito e Tessa tentava contentar-se com isto, mas ainda sim era impossível para ela. Ele ainda era um homem desconhecido... Um qualquer que a desposaria dentro de alguns meses.

A garota entrou abruptamente em seu quarto, um cômodo ornamentado em tons de verde, e seus olhos caíram sobre a figura que estendia os lençóis sobre a cama desarrumada. A garota de cabelos castanhos parou imediatamente o que estava fazendo quando viu Tessa parada sob a soleira; Os olhos carregados de lágrimas que não paravam de brotar.

— Lady Teresa! - exclamou Dolores correndo para acalentar Tessa em seus braços. - Céus, o que houve?

— Dolores... - disse a outra chorosa aceitando o abraço firme da mais velha. Era bom ser confortada por alguém, havia muito tempo que não se sentia dessa forma. 

A jovem camareira leva Tessa até uma poltrona no canto do quarto, próxima à uma mesinha posta para leitura. A garota senta-se sobre ela ainda um pouco atordoada, enquanto Dolores puxa um simples banquinho para perto e senta-se sobre o mesmo de frente para Tessa.

— Diga-me o que aconteceu, Lady Teresa - Dolores oferece um lenço à garota para que ela enxugue as lagrimas.

— Já lhe disse que pode chamar-me de Tessa... - comenta a outra ainda cabisbaixa.

Tessa encara os olhos castanhos de Dolores com pesar, em pouco tempo deixaria esta casa para ir viver com Stephen em uma das mansões dos Gladstone. Teria de deixar Alice também... Perguntava-se se conseguiria fazer tal coisa.

— Sim, lembro-me muito bem disso, Lady Tere... - Dolores corrige-se hesitante. - Tessa.

— Assim esta melhor - Um sorriso fraco forma-se nos lábios da menina. - Não quero que se preocupe tanto comigo... Estou apenas um pouco emotiva.

— Emotiva a senhorita sempre foi - diz a camareira devolvendo outro sorriso. - Mas nunca a vi dessa forma... Diga-me, tem algo haver com a conversa com Sr. Disraeli ontem à noite? 

— Como sabe...?

— Ora, todos sabem sobre tudo em Hughenden - responde a moça dando de ombros. - Mas estou certa, não estou?

Tessa acena com a cabeça.

— Dolores - começa a garota ainda um pouco hesitante -, eu fui prometida em casamento!

— Céus! - exclama a camareira. - Não, deve estar enganada... Sr. Disraeli não faria isso com a senhorita. Foi você, inclusive, quem disse-me que ele não acreditava em casamentos arranjados. Sua mãe...

— O que aconteceu com ele e minha mãe foi um caso isolado! - Tessa interrompe a outra. - Eu já deveria saber, não? O casamento deles não lhes trouxe maiores riquezas ou melhorou o status social de meu pai... - ela riu diante dos fatos. - Muito menos lhe deu um herdeiro! Fui uma tola de acreditar que poderíamos viver aqui para sempre.

— Não deve se punir tanto... - comenta Dolores tentando confortar a garota chorosa. - Não teve culpa de nada disso. Seu pai, digo, o Sr. Disraeli deve ter seus próprios motivos para tal. Talvez ele só queria proteger você e sua irmã... Pense em como um casamento bem arranjado será vantajoso para a senhorita.

— Está certa - concorda Tessa endireitando-se sob a poltrona. - Não sei porque estou sendo tão dramática... Acho que ainda devo estar absorvendo a noticia e, talvez, ele não seja tão ruim quanto penso.

— Com ele, refere-se ao noivo?

— Ah, sim... - a voz da menina fica fraca de repente. - O segundo filho do Duque de Cambridge, Stephen Gladstone.

A camareira parece ficar surpresa com a afirmação.

— Ora, a senhorita deve concertar logo esta cara de choro - disse um pouco risonha -, todos no mercado falam sobre o rapaz. Certamente gostará dele quando o conhecer...

— O que quer dizer? - perguntou Tessa sentindo-se um pouco curiosa.

— A senhorita descobrirá quando o conhecer - continuou quase que cantarolando, enquanto levantava-se do banco. Tessa apenas acompanhou a camareira com os olhos. - Deveria sair um pouco mais desta mansão, está sempre enfurnada neste lugar...

— Ora, por favor, Dolores - implora a garota -, diga-me o que sabe sobre ele.

A camareira riu novamente enquanto arrumava as saias em tons de terra do vestido.

— Só posso dizer que não precisa ficar tão aflita quanto ao noivo, tenho certeza que se darão muito bem. E  trate de parar com esse choro...

Dolores levou as mãos, um pouco ásperas devido ao trabalho, às bochechas rosadas e já um tanto quanto inchadas de Tessa, limpando suavemente as poucas lagrimas que ainda lhe restavam. A garota deixou um sorriso fraco escapar que a outra devolveu.

— Assim, está melhor - disse Dolores parecendo satisfeita.

♔♚♕♛

Os dias passaram-se rapidamente desde então. Tessa ficava cada dia mais ansiosa com a iminência do baile, afinal seria seu primeiro encontro com Stephen. Tentara convencer Dolores a lhe dizer qualquer coisa sobre o rapaz, porém a camareira preferia guardar segredo sobre o mesmo sempre repetindo a mesma frase:

— Saberá por si mesma assim que o vir.

Sentindo-se vencida, Tessa conformou-se com isso ainda que receosa. Tudo que lhe restara foi imaginar o tipo de homem que ele seria, qual sua personalidade... Esperava que ele, no mínimo, gostasse de histórias. Já vira o Sr. Gladstone, pai de Stephen, certa vez... Era um homem sério e carrancudo, Tessa duvidava até mesmo que ele soubesse como sorrir, torcia para que Stephen não fosse como ele. Lembrava-se perfeitamente do dia que trouxera a esposa e as filhas mais novas para um chá em Hughenden.

Sua mãe ainda estava viva naquela época, Tessa tinha apenas sete anos e as filhas de Gladstone, Mary e Helen, oito e seis, respectivamente. As cozinheiras haviam preparado os biscoitos de nozes e cevada que Tessa tanto adorava para servir juntamente com alguns sanduíches de queijo e mais quatro tipos de chá. Catherine Gladstone, a esposa do Duque, foi ter com sua mãe no jardim, enquanto os homens recolheram-se na sala comum para fumar seus charutos e discutir sobre qualquer coisa relacionada ao parlamento.

As meninas brincavam próximas à mesa em que suas mães estavam, debaixo de um carvalho velho em plena primavera britânica. Diversas roseiras desabrochavam por todo jardim... Cultivadas pela mãe de Tessa. O vermelho parecia cobrir todo o canteiro de flores, nenhuma flor sobrevivia naquele lugar a não ser aquelas. Sua mãe adorava aquele tom escarlate, se pudesse, Tessa tinha certeza, usaria esta cor em seus vestidos também, mas, para uma mulher recatada do século XIX, o vermelho seria mal visto por todos. Era a cor do sangue, da impureza e do pecado...

Tessa levava as duas irmãs pelo labirinto de roseiras do jardim, enquanto contava as mesmas peripécias que sua mãe contava todas as noites antes de dormir. As meninas pareciam ficar encantadas com as histórias que Tessa contava e a garota sentia muito orgulho disso. Longe da vista das mais velhas, Tessa até mesmo interpretava a história, adaptando cada cena ao ambiente.

— Então a Rainha Branca brandiu sua espada de prata contra seu oponente no alto da torre de mármore puro... - dizia a garotinha enquanto balançava seu graveto no ar imitando os movimentos de esgrima que conhecia e subia em uma pedra qualquer para encarar as irmãs Gladstone do alto. - O homem se vira encurralado pela bravura da Rainha Branca, quase impotente, aos seus pés...

— Ela o matou? - questionou Helen, a mais nova, horrorizada com a possibilidade.

— Claro que não, Helen! - respondeu Mary imediatamente. - Lembra-se do que mamãe disse? Uma mulher não seria capaz de tal...

— E por que não? - desta vez foi Tessa interrompeu a outra.

— Mulheres são fracas demais para serem guerreiras - Mary dá de ombros. - É por isso que nos casamos, para ter alguém que nos proteja.

— A Rainha Branca não precisa de protetor... - protesta a garotinha sentindo-se irritada. - Nenhuma das mulheres no País das Maravilhas precisa de um!

— Talvez no seu mundo de mentirinha seja deste jeito - responde Mary -, mas na vida real é bem diferente...

— O País das Maravilhas não é de mentirinha! - Desta vez, Tessa grita para outra, batendo os pés sob a pedra.

Dito isto, o som do farfalhar de folhas ressoa pelo jardim, assustando as três meninas. Seus olhares caem sobre o arbusto logo atrás da grande pedra em que Tessa está em cima. Para a surpresa das garotas, o que sai de seu interior é uma pequena bola de pelos felpuda e branquinha... 

— O Coelho Branco! - grita Tessa no mesmo instante assustando o pequeno animal que foge outra vez para dentro da vegetação. - Temos que segui-lo, rápido!

— Seguir? - Mary tenta protestar, porém Tessa já havia pulado de cima da pedra para correr atrás do coelho fujão. - Por que deveríamos fazer tal coisa?

— Porque ele vai nos mostrar o caminho... - a garotinha sorri com a possibilidade.

— Para onde? - Mary continua seu interrogatório enquanto apressa-se para alcançar Tessa, agora já bem distante das duas irmãs.

— Para o País das Maravilhas, é claro! - É tudo que ela responde.

Seria trabalhoso demais contar às irmãs Gladstone tudo sobre o Coelho Branco. Nem ela própria sabia bem o porquê o estava seguindo, apenas sentia que deveria fazê-lo... Sua mãe sempre dizia que o Coelho Branco conhecia todos os caminhos para o País das Maravilhas. Poderia levar qualquer um que se mostrasse digno de ir lá e Tessa, agora, sentia-se tola por ter acreditado naquelas palavras. Se soubesse o que aconteceria depois disso, talvez tivesse apenas aceitado a triste realidade que Mary revelara... Porém, naquele momento, Tessa queria apenas poder jogar na cara da garota que estava certa.

— Por que ele corre tanto? - reclama Helen tropeçando sob as saias compridas do vestido de renda floral que vestia.

— Porque está atrasado, lógico - explica Tessa em tom que deixa claro sua indignação com a pergunta.

— Atrasado para quê? - insiste a mais nova.

— Para tudo... - Tessa ri.

As garotas seguiram o coelho por quase toda extensão do jardim. Subindo por cima de pedras robustas, passando por arbustos densos e pequenos córregos enlameados ao longo da propriedade dos Disraeli, até finalmente chegarem em uma clareira, com um grande carvalho plantado no centro. O animal correu para as raízes da árvore velha, escondendo-se das meninas em uma pequena toca no solo.

Tessa abaixou-se próxima à entrada toca, as irmãs Gladstone a seguiram. Elas tentaram de tudo para fazer o coelho sair, porém o animal recusava-se a fazê-lo. Frustrada, Tessa resolveu que iria pegar o coelho por si mesma, sem se importar com a terra ou com as folhas secas da árvore que sujavam o chão ao seu redor.

A garotinha encolheu-se para dentro da toca e, assim que o fez, avistou o animal felpudo assustado ao fundo. Tentou esticar suas mãos para agarra-lo, porém seu tronco era grande demais para passar pela entrada. Seus braços, nus devido às mangas curtas do vestido que usava, arranharam-se em algumas raízes expostas e Tessa percebeu que não conseguiria avançar pelo caminho estreito.

— Eu sou grande demais - reclamou enquanto sentava mais uma vez na grama úmida em frente a entrada da toca.

— Eu também sou... - disse Mary lastimando ao lado de Tessa.

As duas mais velhas dirigiram seu olhar para Helen, a menina de apenas seis anos que observava ambas ansiosa. A garotinha de cabelos tão castanhos e opacos quanto a casca do carvalho à sua frente, parecia ser do tamanho certo para passar pela estreita abertura... Era magra e baixinha como só ela. Tessa tinha certeza de que conseguiria alcançar o coelho se fosse ela a se esgueirar pela toca.

— Tudo bem... - concordou a menor depois alguns minutos tentando convencê-la.

A pequena abaixou-se no chão imundo ao seu redor e rastejou pela toca assim como Tessa tentara fazer. Precisou colocar apenas metade do tronco dentro do buraco para alcançar o coelho. O animal, ao contrário do que se pensaria, não lutou quando Helen o tirou de dentro da toca e acomodou-se em seu colo assim que a menina pôs-se de pé.

Tessa ainda podia se lembrar do quão macio era seu pelo, dos olhos pequenos e vermelhos a encarando, daqueles doces bigodes roçando suas bochechas enquanto Helen o segurava em seu colo. Elas ficaram um bom tempo brincando com o animal, até mesmo esqueceram-se do porquê tinham seguido ele. Mas uma hora teriam que voltar para onde seus pais estavam...

Nenhuma das meninas queria desfazer-se do coelho, portanto resolveram lava-lo consigo para a mesa onde suas mães tomavam chá. Quando chegaram, Tessa correu na frente, animada para contar para a mãe que encontrara o Coelho Branco, enquanto Mary e Helen vinham com o bendito logo atrás. Para a surpresa da garota, não estavam apenas as duas mulheres à mesa, mas seu pai e o Sr. Gladstone também. Provavelmente, aprontando-se para a partida...

Tessa parou no mesmo instante que viu o homem sério. Ele sempre a assustara e não era a toa... Mary e Helen, porém continuaram correndo com o pequeno coelho nos braços em direção ao homem, rindo orgulhosas do que encontraram. Mas, quando o Sr. Gladstone viu as roupas imundas de suas filhas pela lama do gramado, os cabelos desfeitos e os pelos do animal por todo o corpo das jovens, sua reação fora a mais terrível de todas.

Ele gritou com ambas as meninas ali mesmo... Catherine nada fez, apenas olhava para as filhas horrorizada com tudo que estava acontecendo. Tessa lembrava-se de ter começado a chorar incontrolavelmente enquanto escutava os berros do senhor Gladstone por cima do som das pancadas que dera em Mary e Helen. O som as palmadas, da surra e do choro delas ainda ficou em sua memória por vários dias. Sua mãe veio à seu socorro assim que começou a chorar, abraçando-a para que não visse a cena, enquanto seu pai dizia qualquer coisa para apartar aquilo.

Quanto ao pobre coelho branco, Tessa nunca soube que fim tivera, apenas sabia que seu pai havia oferecido o animal que as meninas encontraram para o Sr. Gladstone, para, de algum jeito, acalmar um pouco as coisas. Mas presumia que uma grande panela de ensopado o aguardasse dentro das paredes da Polesden Lacey, mansão da família Gladstone.

Depois daquilo, nunca mais vira as irmãs Gladstone. Fora proibida de interagir com qualquer uma delas por ser uma má companhia para ambas. Seu pai tornou sua educação mais rigorosa, mesmo a contragosto de sua mãe que achara tudo aquilo uma grande injustiça. Quanto a Tessa, não sabia bem o que pensar... Tinha apenas sete anos, como poderia compreender o que estava acontecendo? Tudo que podia fazer era chorar como uma perfeita idiota... Como se suas lágrimas pudessem mudar algo.

♔♚♕♛

Alice encontrou a irmã sentada embaixo de um grande carvalho velho, bem no centro de uma clareira. As terras de Hughenden eram bastante amplas e podiam seguir por quilômetros... Havia dezenas de lugares muito mais bonitos que aquele, com flores, córregos e árvores vívidas e recheadas de frutas, porém, sempre encontrava a irmã sentada sob as raízes expostas daquela árvore velha e decrépita. 

Não sabia qual a conexão que Tessa tinha com àquele lugar, apenas sabia que era para onde ia quando estava triste. Alice observou a garota de cabelos negros que chorava debaixo dos galhos longos do carvalho. Ficou escondida por vários minutos, até que o pranto da outra cessasse finalmente. Esses últimos dias estavam sendo muito difíceis... Tessa mal falava durante as refeições e passava o resto do dia só, escondida em algum lugar da mansão.

Alice sentia-se cada vez mais solitária, esquecida pela irmã. A raiva que sentia no começo fora substituída por tristeza aos poucos... Resolveu que não mais faria birra, estava decidida a ir conversar com Tessa. Queria colocar para fora toda magoa que tinha guardada dentro de si, porém, ver a irmã fragilizada daquela forma, tornava tudo mais difícil.

Alice cerrou os punhos, parada na entrada da clareira. A garota não avançou porém, apenas sentou-se próxima à uma grande pedra em meio ao jardim, observando Tessa à distância. Dirigiu então seu olhar para o céu, as nuvens brancas como algodão cobriam quase todo o azul... O sol estava, milagrosamente, brilhando como nunca. Era uma paisagem bastante controversa para a cena deprimente que estava logo abaixo...

A garotinha ficou imaginando o que Tessa poderia estar vendo naquela imensidão... O que encarava com tanta veemência a ponto de nem notar a presença de outra pessoa? Isto, porém, era algo que Alice jamais saberia. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Irei fazer alguns parentes no final deste capítulo:

William Gladstone e Benjamin Disraeli detestavam-se na vida real e duvido muito que tomariam chá juntos kkkkkk, ambos disputavam pelo cargo de primeiro ministro nesta época. Nem tudo na história é completamente verídico, há alguns fatos que são verdade sim.

As mansões que eu descrevi, procurei ser o mais fiel possível, existem de fato e hoje são pontos turísticos na Inglaterra. Gosto muito da época vitoriana, portanto a maior parte das minhas história se passa nessa época.

Resolvi utilizar de pessoas reais para compor os personagens, mas isto não significa que suas personalidades são as mesmas que apresento. Estão a vontade para pesquisar sobre as famílias que citei e ainda citarei.

O Duque de Cambridge, William Ewart Gladstone, não possuía títulos nobres e muito menos vivia em Polesden Lacey. Eu apenas precisei modificar um pouco os fatos históricos para que tudo pudesse se encaixar na história.

...

Bem, acho que isto é tudo por hora.

Não esqueçam de clicar em acompanhar história para receber as notificações sempre que eu postar um novo capitulo e podem deixar um comentário se quiserem

Vejo vocês no próximo capítulo ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "País das Maravilhas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.