Abílio não estava entendendo muito bem o que Ema queria com ele, mas estava disposto a ouvir o que ela tinha a dizer. A garota, por sua vez, parecia decidida a mudar o foco de seus planos para o pai de Luciano.

—Então...quais são os seus planos para o Luciano? - perguntou ela.

—Luciano? Está falando do meu filho?

—Sim. Ele mesmo.

—Bem… - Abílio coçava a cabeça - Não tenho muita esperança nele, não. O garoto é burro pra caramba e está sempre me dando trabalho. Até que ele é gente boa, mas não acho que posso confiar muito nele.

Ema não esperava uma resposta nesse tom, mas manteve sua postura e continuou a conversa.

—Sabe, acho que o senhor devia investir mais no futuro do seu filho, não acha? - disse Ema, falando do modo mais amável possível.

—Como assim? Já dou comida e casa para ele. Escola o estado dá de graça. O que mais ele precisa? - respondeu Abílio, arrogantemente.

Ema suspirou e prosseguiu.

—Bem, é importante que os filhos tenham um bom futuro. Afinal, família é nosso bem mais precioso. Em uma família, ajudamos uns aos outros, então...se o senhor ajuda o Luciano agora, ele poderá ajudá-lo no futuro.

—O Luciano...me ajudar no futuro? - Abílio começou a rir alto - Ai, ai, você é engraçada, menina. Não sei o que ele pode fazer.

—Por isso mesmo estou dizendo que deveria investir mais nele - disse Ema - Quando o senhor ficar mais velho, ele poderá cuidar de você.

Abílio ainda ria, mas, parando para refletir nas palavras dele, percebeu que Luciano era seu único parente vivo e o único que, realmente, poderia cuidar dele na velhice. Nesse momento, a visão de um futuro possível pairou na mente de Abílio.

*Imaginação de Abílio*

—Luciano? Luciano...onde você está? - perguntava um Abílio de, provavelmente, uns 80 anos.

—Fala, pai - disse Luciano, aparecendo como um homem de meia-idade com uma barba grande, enquanto praticava seu violão entre um trago de cigarro e outro.

—Você comprou os remédios que o médico me receitou?

—Você não precisa se preocupar com isso, pai - disse Luciano, depois de uma baforada - Com esse novo curso de violão que comprei, vou virar um músico de sucesso e comprar quantos remédios o senhor precisar!

—O quê? Que curso?

—É. Comprei novas aulas de um professor top. Com ele, vou ser sucesso garantido!

—Com que dinheiro você comprou esse curso, moleque? - reclamou Abílio - Seu único trabalho foi me ajudar na lanchonete desde que acabou o colégio! 

—Então...como eu disse, vou ficar famoso e vou poder comprar seus remédios!

—Você gastou o dinheiro dos meus remédios com esse lixo de curso? É isso? Você quer que eu morra mesmo?

—Que morrer, pai. Você vai viver muito - falou Luciano - Agora engrena! Vou ser rico e famoso! É certeza!

—Você tá tentando a fama há mais de vinte anos, seu incompetente! Ai, ai, meu coração..

*Fim da imaginação de Abílio*

—Nããããooo!- exclamou Abílio.

—Seu Abílio? Aconteceu alguma coisa? - perguntou Ema, preocupada.

—Não, não, se eu for depender do Luciano para a minha velhice, estou ferrado!

—Por isso digo que o melhor é investir nele o quanto antes. Aproveite que ele ainda é um jovem cheio de potencial!

—Também não precisa exagerar nesse “cheio de potencial” - comentou Abílio.

—Não se preocupe. Posso ajudar nisso! - disse Ema.

—Você tem um emprego na fazenda do seu pai para o imprestável do meu filho? - perguntou Abílio, esperançoso.

—Bom, isso teria que ver com o meu pai - disse ela - Mas eu estava pensando em outra coisa…

—Que coisa?

—Casamento.

—Casamento?! - disse Abílio, espantado - Que maravilha! Você quer se casar com o meu filho? Não sei o que uma garota tão incrível como você viu nele, mas não me oponho!

—O QUÊÊÊ?! - Ema exclamou espantada (e levemente corada) - Não, não, eu não! Não sou eu...com certeza, não sou eu..

—Então, do que está falando? - perguntou Abílio, já desanimando.

—Tenho a pretendente perfeita para o seu filho - disse Ema - Ali está ela.

Abílio olhou para onde Ema apontou e viu Anne saindo do restaurante para jogar o lixo fora.

—Mas aquela é...a filha mais velha dos Montecarlo - disse Abílio, não levando muita fé.

—Como o senhor sabe, já ajudei a unir muitos casais aqui em Vila Baunilha e eu sei quando vejo dois jovens que combinam - comentou Ema - E posso dizer com toda certeza que a Anne é a garota perfeita para o Luciano!

“Justo a filha dos caras que quero ver longe, isso não tem o menor…”, mas, como se tivesse recebido uma iluminação divina, Abílio arregalou os olhos. Era um momento eureka, um insight, algo que ele nunca pensou antes, mas agora parecia claro como o dia.

—Seu Abílio? Seu Abílio, o senhor tá me ouvindo? - perguntou Ema, estranhando o pai de Luciano ter parado de falar de repente.

—É isso! - exclamou ele - É claro! Estava bem na minha cara o tempo todo!

—Não estou enten…

—Tem razão, tem toda razão, menina Ema! - Abílio interrompeu a garota com uma exclamação feliz - Essa é a solução para todos os meus problemas!

—É? Então, o senhor apóia?

—É claro! - continuou Abílio - Se Luciano se casar com a filha dos Montecarlo, então ele se tornará herdeiro do restaurante deles. E se ele se tornar herdeiro de um restaurante de sucesso, então ele vai ter um futuro garantido. E se ele tiver um futuro garantido...o meu futuro estará garantido. Não vou mais precisar me preocupar em expulsar os Montecarlo da cidade, pelo contrário, quanto mais eles lucrarem, mais EU vou lucrar! É o plano perfeito!

Ema fez uma cara de estranhamento, mas, por outro lado, estava feliz pelo homem entrar em acordo com sua ideia.

—Não entendi muito bem, mas...fico feliz que tenha concordado.

—E como está a relação deles? Já estão namorando? - perguntou Abílio - Aquele moleque é tão desligado que não me conta nada, mas talvez você saiba de alguma coisa.

—Não, ainda não, mas estou trabalhando nisso - disse Ema.

—Ótimo! - falou Abílio, mais animado do que o comum - Pode contar comigo para juntar aqueles dois. 

—Que bom! - disse Ema, sorridente.

Temos uma nova aliança na cidade. O que vai sair dessa parceria?