Márcia e Luciano esperaram todo mundo sair da sala e ficaram lá. Luciano pressentia que o clima não estava dos melhores, apenas de olhar para a cara de Márcia.

—Acho que sei do que você vai falar - disse Luciano.

—É - disse Márcia, cruzando os braços e encostando na mesa do professor - Eu ouvi algumas coisas do Luís.

—Como eu imaginei - resmungou Luciano.

—Você disse que queria pensar sobre seus sentimentos, né? - falou Márcia em tom sério - Bem, acho que você já tomou sua decisão.

—Minha decisão. Na real, ainda nem sei direito o que está acontecendo - disse Luciano - Que droga! Eu só queria tocar meu violão em paz e me dedicar à minha carreira de artista. Por que preciso esquentar a cabeça com essas coisas?

—Você está fugindo do assunto - disse Márcia, sem mudar a expressão séria - Eu falei com todas as letras que gosto de você, mas você não está dizendo com todas as letras que não quer ficar comigo.

—Bom, é que...não quero te deixar chateada…

—Chateada? - repetiu Márcia - Vou ficar chateada se você insistir em ficar me enrolando. Por que você não admite logo que é apaixonado pela Anne?

—Será mesmo?

—Você beijou ela, não beijou?

—Até aí. Eu também te beijei, não?

—Não - disse Márcia - Eu te beijei. Eu é que sempre tomei a iniciativa. E com a Anne? Vai dizer que foi ela que investiu?

—É, sobre isso…

—Tá, não precisa falar - disse Márcia - Tá na cara. Você gosta dela. Sempre gostou.

—Do que você tá falando? - reclamou Luciano - Nunca suportei aquela menina, mas, do nada, quando fiquei mais perto dela, eu…

—O problema é que nenhum de vocês é sincero com o próprio coração - disse Márcia - Vocês são dois teimosos que não dão o braço a torcer por nada.

—Tá, tá bom. Eu gosto dela - disse Luciano - Eu não queria te deixar chateada, mas a verdade é essa. Se tem alguém com quem eu queira ficar é com a Anne!

Márcia ouviu isso mordendo os lábios. A vontade da garota era se derramar em lágrimas, mas ela conseguiu segurar bem.

—Ótimo - disse ela, se esforçando ao máximo para forçar um sorriso - Era só isso que eu queria ouvir. Viu? Não foi difícil?

—Márcia, a gente se dá muito bem, mas...com a Anne é diferente.

—Eu sei - disse ela - Eu sei disso muito bem.

Ela não conseguiu segurar uma lágrima ao falar, por mais que tentasse engolir o choro.

—Era isso que eu não queria - reclamou Luciano - Droga. Não queria te magoar.

—Bom, não dá para evitar - disse Márcia, procurando se manter o mais firme possível - Porque eu realmente gosto de você.

—Ainda podemos ser amigos, não podemos?

—É, acho que sim - disse ela, limpando um pouco as lágrimas - Vai demorar um pouco para essa ferida cicatrizar, mas isso é o melhor que dá para fazer. Como eu falei para o Luís, em certos momentos da vida, o que dá para fazer é sentar e chorar mesmo.

Luciano se aproximou de Márcia e deu um abraço nela. Ela aceitou o carinho, mas não demorou muito para voltar ao mundo dos problemas.

—Tudo bem, mas e agora? - perguntou ela.

—E agora? - repetiu Luciano.

—O que você vai fazer com a Anne - disse Márcia - Vocês dois vão namorar?

—O problema é que não sei se a Anne vai aceitar do mesmo jeito que eu aceitei. Quer dizer, não sei nem se ela também gosta de mim ou se está confusa…
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—Quanto a isso, não se preocupe - disse Márcia - Ela gosta, sim. Sei lá, intuição.

—Você está falando que nem a Ema - reparou Luciano.

—É, taí uma boa pessoa para ajudar vocês a ficarem juntos.

—Não fala isso nem de brincadeira! - retrucou Luciano. Márcia riu mais naturalmente. Parece que a situação dos dois foi resolvida bem pacificamente. Mas Márcia e Luciano não eram os únicos resolvendo suas situações.

—Ei - disse Anne, se aproximando de Luís, sentado em um canto sozinho na hora do intervalo - Aconteceu alguma coisa?

—Por que você quer saber? - respondeu ele, claramente chateado - Você não liga para mim mesmo!

Anne olhou para cima, suspirou e se sentou do lado dele.

—Você não é assim - disse ela - O que eu te fiz?

—Por que não pergunta para o Luciano? - respondeu Luís - Vocês já se beijaram mesmo!

Anne arregalou os olhos.

—Quem te contou isso?

Luís acabou explicando toda a história da gravação da robô para Anne. Ela apenas manteve uma postura séria.

—É, não tem jeito. Foi verdade, sim - confirmou Anne.

—Depois de tudo que fiz por você, no fim é com o idiota do Luciano que você quer ficar! Droga!

Luís parecia mesmo magoado. Anne, infelizmente, não era muito boa com essas coisas.

—Olha, Luís. Eu nunca disse que gostava de você para namorar - disse ela - Na verdade, sempre deixei isso bem claro. Você que não parava de insistir.

—Meus sentimentos eram sinceros, tá bom?

—Mesmo? - disse Anne - Era amor ou só uma paixão?

—E qual é a diferença?

—Tá vendo? - falou Anne - Gostar de alguém é diferente de estar só apaixonado. Você nunca me viu de verdade, só viu uma projeção da sua cabeça. Eu tenho defeitos como todo mundo, não sou nenhuma deusa nem nada do tipo.

—Não acredito em deuses - reclamou Luís, ainda em tom de mau-humor - Mas agora não importa. Nunca mais vou me apaixonar por ninguém de novo. Nunca!

Anne só suspirou.

—Você vai conseguir manter essa promessa?

—Vou. A partir de hoje vou me dedicar só a ciência. Ela sim, nunca vai me decepcionar!

Anne não conseguiu deixar de sentir pena ao ver uma lágrima escorrendo do rosto de Luís. Apesar de não ser muito boa em consolar os outros, ela tentou consolar Luís de algum jeito.

—Você tem todo o direito de estar chateado - disse ela - Mas eu tenho certeza que um dia você vai encontrar alguém que vai te amar do jeito que você é.

—Não precisa ficar me consolando - ralhou Luís - É muito estranho ser consolado por alguém que sempre me detestou!

—Ai, para de colocar palavras na minha boca - disse Anne - Eu nunca detestei você!

—Não? - estranhou Luís.

—Claro, não gostava do seu jeito pegajoso e suas invenções malucas sempre me deram dor de cabeça, mas… - Anne fez uma pausa, mas logo prosseguiu com um sorriso - ...mas você é um carinha bem legal, sim. Nossa sala não seria a mesma coisa sem você.

Anne deu um abraço em Luís e um beijinho no rosto dele.

—Eu...nunca mais vou lavar o meu rosto - falou Luís.

—Não começa! - reclamou Anne - Agora vai lavar esse rosto e bola pra frente. Ninguém se torna o maior cientista do mundo chorando por causa de mulher. Postura, meu irmão.

—T-Tá - Luís deu um leve sorriso. Anne sorriu de volta.

—E se anima - disse ela - Pode ser que alguém já esteja de olho em você.

Anne se levantou e saiu de cena. Luís, por sua vez, não levou muita fé nas últimas palavras da garota.

—Alguém de olho em mim? - falou ele - Será?

Enquanto isso, Samara observava toda a situação de longe, atrás da árvore do pátio. Suas mãozinhas estavam bem trêmulas.

“P-Por que estou aqui olhando o Luís de longe?”, pensou ela. “Do nada, fiquei aqui olhando ele conversando com a Anne e...ah, ele tá olhando pra cá!”

—O que está fazendo aí, síndica de maquete? - perguntou ele, vendo Samara toda sem-graça.

—Bom, eu só estava passando e…

—Acho melhor falar isso para você logo.

Luís contou toda a situação sobre Anne e Luciano para Samara. A reação da garota não foi nada exaltada.

—E-Então, a Anne beijou o Luciano? Que coisa…

—É só isso que você tem a dizer? - falou Luís - Achei que gostava do Luciano.

—Na real - disse ela - Acho que já superei isso.

—Sorte sua - falou Luís - Ainda vai demorar um pouco para eu superar a Anne, mas...depois de falar com ela, até que me senti um pouco melhor. Pode ficar sossegada, pintora de rodapé. Não vou mais te envolver nos meus planos.

Luís saiu de cena, agora sim, deixando Samara um pouco chateada.

“Mas...até que nossos planos eram divertidos”, pensou ela.

Vamos dar tempo ao tempo, Samara. Vamos dar tempo ao tempo.