Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 96
Confissões


Notas iniciais do capítulo

Então... um capítulo praticamente dedicado a Jibbs, onde eu trago um flashback do Capítulo 30, mas agora com um pouco mais de detalhes. Sim, Jenny vai contar a sua história para Gibbs, e já fiquem avisadxs que não é lá muito fácil de ler.
Sobre a frase que eu cito no capítulo, nunca li nada que se encaixasse tão bem para uma personagem quanto essa. E sim, inspirei Sophie nela também!
Boa leitura, nos vemos nas notas finais.



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Uma semana fora de casa e parece que você desaprende até onde ficam as coisas.

Eu tinha pouquíssimas horas para desfazer as minhas malas, ajeitar tudo para a segunda e, ainda, ajudar Sophie a guardar o que ela não havia usado durante sua estadia na casa de Jethro.

Bem, a parte de Sophie – que era bem menor – foi a primeira que resolvi, e ainda tive tempo para dar uma conferida no material escolar dela, todos os deveres estavam feitos e corretos, só que a avoada tinha deixado o estojo na casa do pai. Eu teria que ligar para ele e avisar que passaria lá de manhã para pegá-lo.

Estava começando a organizar as minhas roupas, com a devida ajuda da minha miniatura, quando a campainha tocou.

Depois do que eu havia feito na França, fiquei com medo de ser quem eu só gostaria de ver depois que estivesse morto. Assim, peguei a arma que deixo escondida no fundo falso do meu criado, escondi em minha cintura e desci para abrir a porta, não sem antes avisar para Sophie ficar bem quietinha no meu quarto.

Desci pé ante pé até o hall de entrada e olhei pelo olho mágico.

Era Jethro e ele tinha o estojo de Sophie na mão.

Mal havia aberto a porta e tive que brincar com ele:

— Já está com tanta saudade da filha que veio visitá-la?

Ele me deu um sorriso de canto, mostrou o estojo, mas completou.

— Silencioso demais. – Disse balançando os ombros.

Eu sabia o que era isso.

— Entre. Ela está lá em cima me ajudando com as malas.

Jethro entrou, e parou, uma sobrancelha levantada.

— Para que a arma na cintura, Jen?

Eu tinha escondido a arma bem, contudo, ele é observador demais.

— Meu detalhamento de segurança está dispensado até amanhã às seis. Não posso me dar o luxo de abrir a porta para qualquer um.

Ele fez como se fosse me abraçar e tirou a minha 9mm do coldre e examinou bem.

— Vai me dar um sermão de como devo limpar e carregar essa arma, Jethro?

— Não... você já a limpou, significa que andou pensando em muita coisa. Você faz isso para distrair a sua cabeça.

E ele atacava novamente.

— Estava do outro lado do oceano, só com dois seguranças que dormiam do outro lado do corredor, sem a minha filha... eu tive muito o que pensar, Jethro. Por isso ela está limpa assim.

— Você ainda esconde um pequeno arsenal debaixo do travesseiro? – Ele perguntou rindo.

— Lembrando daquele Hotel na Sérvia?

— Pode ser. – Respondeu misterioso. Porém notei que sua mão descansou no seu braço direito, bem onde eu o acertara com o soco.

— O soco inglês está bem aqui. – Eu tirei o objeto do meu bolso e, de brincadeira, fingi que ia acertá-lo.

— Espero que Sophie não tenha um.

Ainda não. – Destaquei o ainda. – Mas até os dez anos ela ganha o dela.

Jethro apenas levantou as sobrancelhas.

— Sua filha não será uma florzinha que precisa ser protegida. Eu espero sinceramente que Sophie seja a perfeita tradução de uma de minhas frases preferidas.

— E esta frase seria? – Vi que ele, mesmo tendo cruzado os braços e feito cara de durão, deu uma encolhida.

— É de Erin Van Vuren, e diz mais ou menos assim: “Eu não serei outra flor, colida pela minha beleza e deixada para morrer. Eu serei selvagem, difícil de encontrar e impossível de se esquecer.

— Isso é o que você quer para Sophie ou é a sua filosofia de vida, Jen? – Ele me perguntou curioso.

— Não posso dizer que não tenho aplicado isso na minha vida também...

Ele estava prestes a retrucar, quando a própria Sophie apareceu no alto das escadas.

— Falando na Sophie, ela disse sobre o que foi o pesadelo? – Ele me perguntou antes que ela descesse as escadas para abraçá-lo, escondendo ele mesmo a minha Glock.

— Não. Não disse. Eu bem que insisti um pouco, mas ela não quis me contar.

E ele vincou a testa, preocupado. Muito provavelmente se lembrando do pesadelo da filha que virou realidade, mas suavizou a expressão assim que ela atingiu o último degrau.

— Acho que a senhorita esqueceu alguma coisa...

— Mamãe já me disse... – Ela fez um bico enquanto envolvia os braços ao redor do pescoço do pai.

— E eu te pedi para conferir duas vezes, não foi? – Jethro a levantou no colo e entregou o estojo.

— E eu conferi..., mas tinha jurado que estava na minha mochila....

— Por que eu acho que você fez de propósito? – Jethro inquiriu a filha.

— Não foi de propósito. Eu juro. – Ela disse solene.

— Mas... – Eu a instei a continuar.

— Pelo menos o papai não vai ficar sozinho!! Agora que ele está aqui, ele pode até dormir aqui!! – Ela continuou feliz e o beijou no rosto.

— Por acaso você e Kelly andam conversando sobre o que? – Jethro tirou as palavras de minha boca.

Sophie fez cara de inocente, e soltou.

— Confidencial.

E aí tinha coisa...

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Jethro ficou até quando ele achou necessário, ou melhor, ficou somente para agradar a Sophie, que estava mais do que feliz de ter tanto o pai quanto a mãe só para ela.

Assim que Sophie dormiu, tentamos voltar a conversa do sábado de manhã, mas parece que o clima se perdeu. Ou então nós dois caímos na realidade de que não somos para acontecer.

Contudo, dessa vez era ele quem tinha pressa para resolver esse assunto. E, ainda na porta de nossa filha, ele me disse:

— Precisamos conversar.

— Não aqui! – Sibilei. – Por mais que ela durma feito pedra, não quero que ela escute nem um pio disso. – Falei descendo as escadas até o escritório.

Ele me seguiu em silêncio, porém ficou bem à vontade lá dentro indo direto até a estante onde deixo as bebidas.

— Sabia que Sophie, na primeira vez que ela foi ao NCIS e andou perto das mesas, disse que a sua cheira a café, madeira e “aquela coisa que bebo de vez em quando”? – Brinquei com ele assim que me ajeite no sofá.

Ele deu uma risada. E tinha tanto tempo que eu não o escutava sorrir assim...

— Então foi ela quem mexeu na minha mesa? Achei que tinha sido você! – Ele me desafiou, se sentando no sofá à minha frente. E me ofereceu o outro copo.

— Na verdade, ela só se sentou na sua cadeira. E depois notou que eu tinha o mesmo cheiro.

Ele sorriu triunfante, se a intenção dele era deixar uma marca em mim naquela noite, ele havia conseguido muito bem...

— Você não costumava recusar bebida, Jen.

— Outros tempos. As tenho para quem venha visitar. Parei de beber quando descobri que estava grávida. E só de vez em quando que eu pego uma dose.

— Para esquecer um dia particularmente difícil...

— Também... como você deve saber, eu não tenho um porão onde posso fazer um barco. – Brinquei.

Estávamos andando em círculos. Pisando em terreno conhecido, quando queríamos falar de outra coisa.

— Minha intenção era te deixar mais solta, para que você soltasse a língua e começasse a falar o que tem na cabeça, mas como isso não vai acontecer... – Ele começou.

— Queria me embebedar, Jethro? Que cavalheiro! – Respondi sarcástica.

— Você fica mais fácil de manipular quando está sob a influência do álcool, Jen...

— Não me diga!! Você também... apesar de que você precisa de umas três ou quatro garrafas para que o álcool comece a fazer o efeito! – Provoquei.

Ele deu uma olhada sobre o ombro, para a estante.

— Ali tem bastante. Vai tentar a sorte?

Eu ri.

— Se na Sérvia, que nós dois bebemos duas garrafas de Bourbon sérvio barato, você só ficou com dor de cabeça, e não falou muita coisa, aqui em casa, bem... não me leve a mal... mas para te deixar falando fácil, eu teria que comprar muitas garrafas a mais ou, quem sabe, a destilaria inteira!

— Achei que você tinha um estoque!

— O único estoque que tenho hoje é de chocolates.... só que tem uma certa pessoinha que não pode nem sonhar com ele. – Eu aproveitei que me lembrei dos doces e fui pegar uma caixa que ficava particularmente escondida em minha escrivaninha.

— Escondendo doces da própria filha?! Que péssima mãe você é! – Ele brincava comigo.

— Você tomou conta dela por uma semana. Aposto que em nenhum dia você a viu com excesso de açúcar no sangue... Quando quiser tentar a sorte, me avise. Eu compro um bolo de chocolate com sorvete, deixo ela comer até passar mal e, então, mando ela para a sua casa. Você vai conhecer a encarnação do caos... – Sei que exagerei, mas era irresistível não o assustar a esse ponto.

— Ontem ela comeu muito chocolate. – Ele disse sério.

— Aquilo não faz mais efeito nela. Era algo como três copos de café para você. Eles têm algum efeito?

A cara que Jethro fez foi hilária e eu comecei a rir.

— Você está blefando, não é Jen?

— Aumentei um pouco a história..., mas açúcar deixa qualquer criança agitada...

Ele até tinha parado de beber e me encarava. Eu ainda ria. Todavia minha risada foi ficando mais baixa até que parei, tamanha era a intensidade com a qual ele passou a me olhar. Eu o encarei de volta.

— Nós temos que resolver um problema. – Ele começou.

— Nós temos vários problemas para resolvermos, Jethro. Vários.

Ele se ajeitou no sofá. Me analisava. Tentei manter a face livre de qualquer reação ao olhar dele. E, mais uma vez, tive que ser aquela que deu o primeiro passo.

— O que te fez mudar de opinião sobre mim..., sobre nós, Jethro?

Ele suspirou.

— Eu me lembrei.

Eu ri de lado. Todo o clima de brincadeiras há muito esquecido.

— Sério? Já tem quase um ano...

— Na verdade, você me mostrou.

— Eu?!

— As alianças no seu cordão foram a última peça do quebra-cabeça. Confesso que não tinha percebido que você tinha guardado tão à vista.

Instintivamente levei minha mão até o meu pescoço e brinquei com a joia, sem, contudo, tirar as duas alianças de dentro de minha blusa.

— Eu... – Ele começou, mas não continuou por um tempo. – Eu... confundi vocês.

— Vocês?! – Estava ficando difícil de controlar minha raiva. Ele me confundiu com a Mann...

Contudo, ao fitá-lo, eu vi que não foi com a Coronel que ele havia me confundido. Não... foi com outra ruiva. Uma que se fora há dezesseis anos.

Shannon era um assunto complicado. O que eu sabia sobre a primeira esposa de Jethro eram das poucas vezes em que ele se abriu comigo e o tanto que Kelly se lembrava.

No final, eu concluí que ela era o grande amor da vida dele, uma excelente e amorosa mãe, uma mulher forte e corajosa, porém, um tanto quanto dócil demais. Kelly tinha muito da personalidade doce e calma da mãe, mas tinha herdado a teimosia e um pouco da rebeldia do pai também.

 - Com ela?! – Eu precisava ter certeza. Mesmo que ele não expressasse as palavras, eu conseguiria ler em seus olhos.

Ele olhou no fundo dos meus olhos, a mesma expressão daquela manhã em Marselha.

Eu me perguntei “como?”. Eu não tinha nada em comum com Shannon. A não ser, é claro, o cabelo ruivo.

Ele passou a mão pelo rosto, creio que deve ter lido a minha confusão.

— Eu também não sei... a explosão... tudo o que aconteceu... eu voltei em 1991, Jen. Eu só tinha uma ideia na cabeça.

— Shannon e Kelly.

— Elas eram o meu mundo naquela época.

Eu já sabia disso.

— Então, quando eu acordei, eu achei que ela estava ali, do meu lado. E cada memória que eu tinha de vocês foi mesclada, virou um borrão. Quando eu consegui separar um tanto, eu só lembrava de nosso tempo na Europa. Eu lembrava das cartas que você trocou com Kelly, do meu aniversário em Londres.... De Paris e da carta... Todo o resto não passava de uma nuvem.

Era a primeira vez que ele falava sobre o acidente e a perda da memória, pelo menos comigo...

— Eu nem me lembrei da Sophie! E ela foi me ver no quarto! Chegou toda feliz em me ver acordado, e eu simplesmente disse que eu não a conhecia! – Ele disse frustrado, se levantando do sofá e indo até a janela que dava para o jardim dos fundos.

Baixe o olhar. Tentei a todo custo não lembrar daquele dia em particular, Sophie chorou como nunca. A tristeza nos olhos dela ao me contar que o pai não se lembrou dela... E, enquanto eu repassava aqueles dias, e, principalmente, aquela noite... Sophie chorando, Kelly desolada com a partida dele para o México, eu sem saber o que fazer. – Não notei que ele tinha saído da janela e estava ajoelhado na minha frente.

— Você sabe o que eu quero dizer. Você aguentou tudo aquilo sozinha. Mais uma vez você tomou conta de Kelly e, além dela, você tinha Sophie e fiquei sabendo como você manteve a equipe unida naquele tempo...

— Já acabou... é passado. – Desviei meu olhar novamente.

— Aí que você se engana, Jen. Eu voltei por dois motivos, Ziva foi um deles, ela precisava da minha ajuda, e o outro, eu precisava saber o que tanto me perturbava quando eu tentava me lembrar de você.

E ele tinha a minha total atenção.

— Cada vez que eu tentava trazer o seu nome à tona, cada vez que eu tentava puxar as memórias com você, faltava algo. Nós éramos mais do que aqueles dias na Europa. Quando eu vi Sophie, eu achei que era ela. E, por um tempo eu aceitei isso. Mas ainda tinha algo. Uma peça desse quebra-cabeça que não encaixava.

Eu não sabia mais o que pensar. Repassava todos os meses na minha cabeça. Desde o momento em que eu recebi a ligação de Tony até a despedida de Sophie sete dias atrás. Parando nos piores momentos. E na aparição da Coronel.

— Eu te machuquei dessa vez, Jen. Demais.

— Você pagou o que eu fiz com você. – Minha voz saiu em um sussurro.

— E era essa a peça que faltava. Você tinha ido, tinha voltado e não tinha voltado só. Acontece que na verdade, você nunca se foi totalmente. Jen, você acha que eu nunca soube que você ajudava a Kelly. Que você a levou para Londres no verão de 2000. Que mesmo que estivesse do outro lado do mundo era em você em quem ela confiava? Você era a mãe que ela perdeu. Você era a figura materna para a minha filha, enquanto criava a nossa filha sozinha! E, por tudo o que você fez, eu já tinha te perdoado há muito tempo. E então aconteceu a explosão. E depois eu voltei. Você estava distante, de início foi por conta de Sophie, para protegê-la de ter que passar por toda a cena de não ser reconhecida pelo próprio pai. Acontece que mesmo depois daquela cena na sua sala, as coisas não voltaram ao normal, pelo menos não entre nós. E eu só conhecia uma maneira de te tirar do sério. Te provocando. Para ver se assim você caía e me desse a resposta que eu precisava. Mas você nunca me deu.

Eu o encarava, onde ele iria parar com isso?

— E eu só entendi no sábado de manhã quando eu vi as alianças. Eu lembrei não do passado, mas da conversa na sua sala, no dia em que a Sophie foi sequestrada. E das semanas seguintes. Lembrei de nós dois, tentando remontar a nossa relação de seis anos atrás. E nós tínhamos conseguido. As alianças eram a prova. A prova que ficou na minha frente por todo esse tempo, mas que eu nunca vi. Você era a única pessoa que poderia ter falado algo. E você tentou, quando eu voltei, você tentou me mostrar, tentou não cometer o mesmo erro de antes, mas eu achei que você blefava. Então eu parti para um jogo que você sempre odiou, vi que deu certo, contudo, você nunca disse nada.

Respirei fundo. 

— Você ficou calada porque estava sofrendo, sofrendo sozinha, você viu tudo e mesmo assim se manteve calma, até mesmo fria, você não era mais a minha Jen...

— Eu não posso me dar o luxo de pensar só em mim, Jethro. Eu tenho que me preocupar com a minha filha, e com a Kelly também.

— Era um noivado, Jen! Por Deus!!

Minha mão apertou o cordão com mais força. Ele estava a centímetros de mim.

— Então, por que você não desfez toda a confusão que Kelly criou quando achou que você estava noivo da Coronel? – Minha voz saiu mais amarga do que eu gostaria.

— Eu te disse, porque eu queria tirar uma reação apaixonada de você, eu precisava ter certeza de que você ainda me amava de verdade, Jen. – Ele pegou o meu braço.

— Ainda sim, mesmo que de mentira, um noivado, Jethro! – Tentei afastá-lo.

Foi a vez dele de respirar fundo.

— Desculpe-me. Eu joguei o meu relacionamento na sua cara todo esse tempo. Na sua, na de Kelly e na de Sophie. Eu queria tanto a velha Jen de volta que não percebi que eu já a tinha. Eu magoei vocês três de uma única vez.

— Jethro, de uma vez por todas, o que você quer?? – Eu perdi a minha paciência. Eu não aguentava mais repassar todos aqueles dias. Todas as cenas, cada vez que eu o vi e não pude fazer nada. E, ainda tinha todas as vezes em que eu tive que contornar a situação entre ele e Kelly. Entre ele e Sophie...

Você!— Foi a resposta curta e cheia de certeza que eu recebi.

Algo dentro de mim dizia ser tarde demais, ou melhor perigoso demais tê-lo ao meu lado de novo. Como eu disse, eu tinha medo.

— Você não me conhece ao ponto de querer ficar comigo assim, Jethro. – Eu disse, virando as costas para ele.

— Jen, eu te conheço como ninguém um dia irá te conhecer. – Ele disse, seu tom sério, confiante.

— Eu não sou a Jen que você pensa ter conhecido na Europa, Jethro. Eu não sou mais ela. Muita coisa mudou.

— O que eu não sei? – Ele demandou. – O que eu não sei sobre aquela Jen e sobre a Jen que está na minha frente agora?

Eu sorri triste. Não tinha como eu arrastá-lo para isso comigo.

— Apenas aceite isso.

— Não, Jenny, eu não vou aceitar isso. Você mudou. Eu mudei. Não tinha como sermos os mesmos depois do que tivemos. Do que vivemos. Mas eu me lembro de um dia, de quando você chorou no meu peito até dormir, Jenny. Eu sei que algo aconteceu com você. Algo que te marcou, muito. Você me disse que me contaria... quando fosse a hora. Tem algo a ver com isso? Porque se tiver, espero que você se lembre que eu fiz uma promessa para você. Eu estaria do seu lado não importasse o que fosse.

Maldição! Justo agora. Me afastei da sua presença sufocante. Sentei na minha mesa. Tinha algo que não era para estar ali.

— O que aconteceu com você? – Ele perguntou de novo, dessa vez mais calmo, de uma forma carinhosa e preocupada.

Eu tinha a chance. Era agora ou nunca. Não tinha ninguém para nos interromper. Olhei para o relógio. Era tarde, mas eu ainda estava no fuso horário de Paris, para mim era manhã. Eu não dormiria mesmo... não com todas essas lembranças que pipocavam na minha mente.

— Me prometa uma única coisa... – Eu comecei.

— Sobre? – Ele me olhou sério.

— Não me interrompa. E, ao final de tudo, eu sei que você irá me julgar, contudo, se você for brigar, querer quebrar algo ou qualquer outra coisa, lembre-se que, lá em cima, sua filha está dormindo... – Olhei em seus olhos.

Ele balançou a cabeça solenemente. E eu sei que ele cumpriria a promessa.

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As palavras de Jen me assustaram. Eu sei quando ela estava falando sério, todavia, isso era além de sério. Seus olhos diziam isso. Seu rosto e corpo tensionaram de uma maneira que eu só tinha visto uma vez.

Eu pedi para que ela começasse. E, contrariando o que ela disse poucos minutos antes, ela se levantou da cadeira e foi direto para a estante de bebidas, pegou um copo, colocou uma dose generosa de Bourbon e, com uma golada, engoliu todo o conteúdo. Depois, se virando na minha direção, ela me contou o seu passado.

— Foi em 1995. Não sei se você se lembra de um Coronel do Exército sendo investigado por ter recebido propina que acabou se matando com um tiro na cabeça?

Eu lembrava do caso, lembrava da reação de Mike Franks ao ler a notícia, o nome do NCIS foi envolvido na bagunça que eu nunca li em detalhes.

— O Coronel que se matou, era meu pai, Jethro. Mas, a verdade não é essa... E é para buscar a verdade sobre isso que eu virei agente do NCIS... e para buscar vingança também.

Ela tinha minha atenção. Suas mãos tremiam.

— Meu pai foi indicado a presidir uma investigação. Na verdade, era um caso, um traficante de armas chamado Rene Benoit queria sair do jogo, e buscou ajuda, contando tudo o que sabia. Esse cara é esperto, Jethro, ele manipulou todo mundo, até conseguir o que queria desde o início. Ao final de tudo, ele saiu como o mais poderoso do mercado paralelo. E, com um golpe de mestre. ele roubou armamento nuclear russo que estava para ser destruído. E armou para parecer que meu pai tinha aceitado suborno para fazer vista grossa ao roubo. Em seu depoimento contou detalhes de como tinha feito isso, tinha até provas.

Jen parou. E eu me lembrei da noite em que eu conheci esse traficante. Todas as reações de Jen fazendo sentido agora. Porém havia mais. Muito mais.

— Eu não sabia de nada, meu pai nunca foi de comentar sobre trabalho comigo. Até que em uma sexta à noite, tudo mudou. Eu tinha vindo passar o final de semana prolongado aqui aproveitando que era próximo da minha entrevista de emprego. Estava desfazendo a mala quando a campainha tocou. Meu pai, como sempre, estava com a cara enfiada em alguns relatórios, então eu atendi a porta. O sujeito que chegou usava roupas caras, tinha um forte sotaque francês e uma cara que eu nunca esqueci. Rene Benoit pediu para conversar com o Coronel, e eu, sem saber de nada, o trouxe para esse escritório. – Ela gesticulou com a mão direita, apresentando o local. – Posso fechar os olhos que lembro da expressão de meu pai... era um misto de pavor com ódio. - Papai pediu que eu desse licença, a trouxa aqui, ao invés de ler nas entrelinhas, entendeu como um: “saia que os homens têm que conversar”, ao invés de interpretar o que ele queria realmente dizer. Ele me queria fora da casa, o mais rápido possível. Eu subi para o meu quarto, um tempo depois, escutei voz alterada de meu pai e, logo em seguida, a porta sendo aberta e fechada. Achei que a reunião tinha acabado, e, então desci, crente de que papai queria alguém para conversar. – Jen mordeu o lábio inferior. Ela não estava mais aqui, estava em 1995.

— Foi quando eu notei, o homem não tinha saído, mas outros dois tinham entrado. E eles seguravam o meu pai, um de cada lado, enquanto Benoit fazia a mira. Ele tinha pegado a arma de serviço do Coronel, e estava apontando para a têmpora dele. Sem piedade, atirou. Sangue e cérebro voando para a parede. – Ela não percebeu, mas chorava.

— Eu estava paralisada, petrificada na escada. Eu tinha acabado de ver meu pai ser morto. E, ao invés de ficar calada, eu gritei, quando notei o que estava fazendo, era tarde demais para tentar remediar. Os três homens saíram do escritório e me seguiram escada acima. Não foi a minha melhor escolha, hoje eu admito isso. Eu fui burra. – Jen parou de contar a história, e olhava para o fundo do copo de cristal onde antes tinha o Bourbon.

— Tentei me refugiar em meu quarto, não tive tempo nem de tentar fechar a porta, um dos capangas de Benoit chutou-a e, com o impacto, eu caí no chão. Ele me levantou com um puxão de cabelo. O outro logo em seguida chegou e apontou a arma para a minha cara. Desesperada, eu tentei sair. Usei cada um dos golpes que eu tinha aprendido nas aulas de defesa pessoal. Não foi suficiente, cada vez que eu me mexia, eles me batiam mais. Não tinha lugar de escolha, onde acertasse, era o alvo deles. Até que Benoit apareceu na porta do quarto. Minha fúria aumentou, eu tentei me soltar e ir atrás dele, agarrá-lo pelo pescoço, mas um dos caras me deu um pontapé na barriga e eu só não cai no chão de novo porque eles me seguravam pelos braços.

Jen, mais uma vez parou, seus olhos verdes estavam duros, frios e distantes. Ela fechou a mão em um punho e socou o sofá. E eu senti que vinha mais. E, acabei por ficar tão tenso quanto ela.

— Benoit brincou com a minha beleza, dizendo que as fotos que tinham nos escritórios de meu pai não condiziam com a realidade. Ele começou a acariciar meu corpo. Se antes eu achava que morreria por ter testemunhado um assassinato, naquele momento eu queria estar morta. Eu me debati, de todas as formas, tentei tirar as mãos dele de cima de mim, e cada vez que eu fazia isso, era uma nova rodada de espancamentos. Neste ponto, eu já tinha um corte na cabeça, minha boca sangrava, e tinha certeza que alguma costela minha tinha se quebrado. Mas ele não se importou. Não, ele achou graça. E, com um aceno de cabeça mandou que os seus capangas me jogassem na cama. Eles imobilizaram as minhas mãos. Mas eu ainda tinha meus pés livres, e eu chutei, Jethro, com vontade.  – Ela me olhou como se precisasse se defender, como se tudo aquilo fosse culpa dela e eu a estivesse culpando também. - Até que um soco me deixou letárgica. Eu não conseguia me mover direito, minha cabeça rodava, mas eu podia sentir. Eu senti quando ele tirou a minha roupa...

Olhei para Jen, na verdade eu não sabia que estava tão perto dela, não tinha visto que tinha saído do sofá onde eu estava e me sentado do lado dela. A abracei apertado. Ela não precisava continuar. Eu tinha ideia do que fizeram com ela. Jenny me encarou, olhou no fundo dos meus olhos.

— Eu não gritei, não implorei, não chorei. Eu fiquei parada. Não dei a ele o gostinho de me ver sofrer ainda mais. E quando ele acabou, depois de me beijar e enquanto se vestia, ele chegou com a boca perto do meu ouvido e sussurrou que, se eu não quisesse ter um fim igual ao do meu pai, eu tinha que ficar quieta. Depois virou as costas e foi embora, batendo a porta ao sair.

Eu tinha Jenny em meus braços, ela chorava de novo, não com pena de si mesma, mas de ódio. E eu compartilhava desse sentimento com ela. Eu queria poder ter esse La Grenouille na minha frente novamente, porque eu iria matá-lo. Estava pensando em como fazer isso quando ela continuou, a voz muito mais baixa.

— Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali, deitada, desejando que a morte chegasse. Só sei que foram horas. Quando tive coragem e forças para levantar, tudo doía, eu tinha nojo de mim mesma... então, depois de um banho onde eu quase arranquei a minha pele, eu peguei os lençóis que provavam o meu vexame, coloquei dentro da mala do meu carro e dirigi para longe, onde os queimei. Assim que notei que não tinha sobrado nenhuma evidência, dirigi de volta para casa e liguei para o CID. Deixei que eles investigassem toda a cena, certa de que eles provariam a culpa do homem que arruinara a minha vida... mas eles concluíram como suicídio.

— Você não falou para eles o que aconteceu com você? – Perguntei alarmado.

— Você é a primeira pessoa que sabe que isso aconteceu, Jethro. Eu nunca contei isso para ninguém. Eu tenho vergonha de ter sido tão fraca, tão idiota! – Ela deu um soco na própria perna.

— Não foi sua culpa, Jen. Você é a vítima!

Jen me olhou como se eu não entendesse a dor dela. Eu não entendia mesmo. Mas ela tinha que ter falado... Não era isso que ela tanto defendia como Diretora, tratar todos os casos, vendo-os como as vítimas viam. Não deixar passar nada? Ir à fundo....

Jen liderava o NCIS e pedia tudo isso porque ela mesma fora uma vítima e ninguém olhou a cena como um todo...

— Eu jurei que nos vingaria. No enterro dele, quando ele foi desonrado e tiraram todos os feitos dele, eu prometi que o vingaria. Ele e a mim. E, sozinha em casa, eu comecei a pesquisar nos documentos dele. Foi quando quatro letras apareceram. NCIS. Era para onde eu tinha que ir. – Jen terminou o relato e eu não sabia o que fazer com tudo aquilo. Talvez voltar no tempo e evitar que ela ficasse em casa, que ela abrisse a porta, mas tudo o que eu fiz foi abraçá-la.

— Eu vou matá-lo Jethro. – Sua voz era fria. Ela não dizia da boca para fora. Ela me informava que iria fazer isso.

— Você tem a minha ajuda. - Falei contra a sua cabeça. E ela se assustou.

— Você?! Desde quando você é um assassino a sangue frio, Jethro?!

Ela tinha se esquecido de que eu era um atirador de elite?

— Qual é o seu plano? – Ignorei a pergunta dela.

Agora ela me olhava incrédula com seus olhos vermelhos. E ela não deixaria que eu não respondesse a sua pergunta.

— Meu plano está em andamento. – Sua voz sem emoção. - Desde antes de você voltar do México.

Pensei nos últimos meses. Todo o mistério. Os sumiços do Tony.

— Tony está infiltrado para você? – Constatei.

— La Grenouille me conhece, Jethro. Eu precisava dele na rede para fazer o movimento final. – Ela se levantou. Seu andar instável. A bebida fazendo efeito.

— Como?

— Do mesmo jeito que ele fez comigo. Cheguei a usar a filha dele, mas ela não sabia de nada. Então, mandei Tony recuar. A parte dele já acabou. Já tenho outras pessoas na mira, só falta ele aparecer... e quando eu tiver a oportunidade... – Os olhos dela faiscaram de ódio. – Não vai ter ninguém que me impeça de fazê-lo confessar o que ele fez com o meu pai... e depois que eu tiver todas as provas reunidas, eu quero ter o prazer de ver a vida deixando os olhos dele. Nem você Jethro! Nem você!! Vai me impedir de puxar esse gatilho. – Ela levantou o tom de voz.

Observei Jen. Eu já estive no lugar dela, busquei vingança e ela nada me trouxe de volta.

— Eu sei o que você está sentindo. E não vou impedir. Eu vou te ajudar a achar esse rã.

— Tem mais coisa... – Ela começou incerta.

— O que você fez? – Eu conhecia aquele tom de voz. Eu sabia quando ela passava dos limites.

— Eu quebrei meu protocolo de segurança de Paris. Fiquei vinte e quatro horas fora do radar. Fui até a Rússia, atrás de informações. Por isso a arma na cintura quando você chegou.

Ela não tinha feito esse tipo de movimento sozinha...

— Jen... sozinha?! – Me levantei e a encarei.

— Sim. Eu tinha que saber... sobre meu pai. – O olhar dela era confuso.

— Não conseguiu provar a inocência dele?

— Não. Me confirmaram a propina. O suborno. Meu pai era sujo Jethro... e eu não sei como conviver com isso e o sentimento de vingança que eu tenho dentro de mim.

— Até onde você foi com essa operação, Jen? – Agora estava desesperado para saber até onde ela tinha se comprometido e comprometido Tony.

— Longe demais para voltar atrás. Tony está limpo, mas não posso dizer o mesmo de mim. A essa altura, eu só vejo uma saída...

Era isso o que eu temia. Mas eu não deixaria que esse bastardo fizesse mal a ela nunca mais. Jen tem uma posição para manter. Eu poderia ter outra morte à sangue-frio no meu currículo.

— Quando for a hora, me avise. Eu puxo o gatilho. Você tem muito mais a perder do que eu. Eu já fiz isso antes.

— NÃO! – Ela gritou em minha direção. - Eu já disse que eu puxo o gatilho! Eu preciso dele morto, Jethro. - Ela foi categórica.

— Matar quem te fez sofrer não é a solução, Jen.

— E como você sabe disso? Por que me proteger agora?

— Eu te prometi ficar do seu lado. É você quem tem mais a perder. E eu sei que não resolve nada, porque eu fiz isso. Eu já me vinguei da mesma forma que você quer fazer.

Jen tombou a cabeça, me encarou com a sobrancelha levantada, ligando os pontos.

— Quem? – Sua voz incerta.

— Pedro Hernández. O traficante que matou Shannon.

— V....Você matou a sangue-frio? Você? Eu não consigo... na verdade, eu consigo sim. Eu consigo ver você fazendo isso. Você faz qualquer coisa por quem você ama, não faz Jethro? Até arriscar a própria vida.

Foi a minha vez de ficar calado.

— Quem mais sabe? Desse seu segredo?

— Só você.

— Obrigada. Por confiar em mim. De novo. – Jen tinha voltado para perto de mim.

— Foi você quem começou com as confissões hoje, Jen.

Ela me olhou, constrangida. Algo raro para a mulher forte, independente e orgulhosa que ela é.

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Ele tinha acabado de me contar que ele havia feito a mesma coisa que eu queria fazer. E o pior, ele queria assumir o meu lugar.

É claro que eu não queria isso. Já era humilhante demais ter passado por aquilo. Eu não precisava de ninguém para me vingar. Era bem capaz de fazer isso por mim mesma.

Porém, ao pensar em tudo o que ele havia falado, principalmente sobre confissões, outra coisa me veio à mente.

Eu tinha acabado de falar para ele o que tinha acontecido comigo. E eu não sabia o que ele pensava sobre isso. Sobre mim, principalmente. Eu sempre tive vergonha disso. Sempre tive medo de contar e de como as pessoas iriam me julgar. Eu já tinha visto tantas pessoas serem as vítimas e serem taxadas de culpadas. Quantos casos eu não tinha visto na minha vida como agente onde a esposa de algum marinheiro sofria esse ataque nojento e vil e ela acabava sozinha e sem apoio? Vários. Por mais doloroso que seja admitir, foram vários.

Por mais que eu sempre dissesse quem é a verdadeira vítima, o preconceito imperava. Muitos acabaram por abandonar a esposa, por renegar a filha...

Eu senti minhas bochechas queimarem. Eu sei, deveria ter contado há muito tempo, mas isso não é algo que se diz por aí. E eu, bem, eu sempre fui muito orgulhosa para deixar que as pessoas me julgassem ou tivessem pena de mim. Contudo, por toda a minha vida, somente duas opiniões importaram realmente. A de meu pai. Que se estivesse vivo, tenho certeza já teria me deserdado há muito tempo, e a de Jethro. Não posso negar que, hoje, as opiniões de Kelly e até mesmo Sophie tem um peso na minha vida. Mas fora estas pessoas, eu não me importo com nada que pensem ou digam sobre mim.

Todavia eu me importava com o que ele achava de mim agora. Eu sei que ele confiou em mim como agente. Eu sei que, por um tempo, ele sentiu algo por mim. Sei que deveria ser de verdade porque ele disse. Mas e agora? O que o meu passado tinha mudado na opinião dele?

Acontece que depois do calor do momento, da vontade que tive de falar algo, eu não tinha coragem de perguntar. Não tinha a coragem de encará-lo.

Deus, eu precisava de outra bebida!

Me levantei do sofá mais rápido do que deveria. Acabei por quase tropeçar na mesa de centro, mas consegui me equilibrar e seguir para a garrafa de Bourbon que sempre fora a minha amiga quando esse tipo de pensamento me assolava.

Estava colocando outra dose no copo quando ele tomou a garrafa de minha mão. Eu observei chocada ele fechar a garrafa de cristal, colocá-la em seu lugar, assim como o copo e, depois, com muita calma, suas mãos pousaram em minha cintura e ele me virou de frente para ele.

— Por favor, diga alguma coisa. Qualquer coisa, Jen. – Jethro não era um homem de implorar. Nunca foi. Porém era o que ele estava fazendo. E eu percebi, a minha opinião importava para ele tanto quanto a dele importava para mim.

— Eu não me importo com o que você fez, Jethro. Não mesmo. Eu te entendo. E estou longe de ser a pessoa que vai te julgar... sendo que quero fazer a mesma coisa. Você fez justiça por Shannon quando o nosso sistema foi burocrático demais para fazê-la. – Minha voz foi sumindo.

Seu aperto em minha cintura ficou mais forte. Ele descansou a cabeça em meu ombro, mesmo com a nossa diferença de altura.

— Você me entende. – Ele disse por fim. – Mas eu não sei pelo que você passou. Não imagino como você conseguiu lidar com isso sozinha por todos esses anos.

Eu tensionei com as suas palavras.

— Você é mais forte do que eu imaginava, Jen. Muito mais forte. Você transformou a sua dor em algo mais poderoso. Você luta hoje pelas pessoas que passaram pelo que você passou. Você faz justiça por elas quando ninguém fez por você.

— Não é nada mais do que você também faz, Jethro. Esse é o nosso jeito de superar certas coisas. – Eu falei. Mesmo que incerta do significado das suas palavras.

Ele tirou sua cabeça do meu ombro, me encarou, depois, me apertando em um abraço de ferro, disse ao meu ouvido.

— Você lutou com tudo o que tinha. Tudo. São poucas as pessoas que conseguem isso, Jen. Olhe onde você chegou! Você é uma vencedora.

— Eu cheguei até aqui querendo vingança. Não romantize os meus atos.

— Jen, você se virou, pelo que contou, se transformou da advogada de setor privado a uma agente federal. Eu li o seu arquivo, vi para onde te mandaram, vi o que você fez nos seis anos que ficou fora. O que você passou no Cairo. E você fez tudo isso cuidando da nossa filha. Olha o exemplo que você dá a ela! Que dá para Kelly! Muitos desistiram por menos, eu não falo somente de mulheres. Homens também não seriam fortes assim.

Eu nunca tinha pensado por esse lado... e ele notou isso quando eu fiquei calada.

— Eu te deixei sem palavras? – Jethro trouxe o ar leve de volta.

— Não vou inflar o seu ego concordando com você. – Disse me afastando, algo que foi basicamente inútil, pois ele não me deixou sair.

— Você sabe que eu consigo te entender mesmo que você não diga nada, não é? – Ele se gabou.

— Já acabou de se vangloriar às minhas custas? Porque se já acabou, eu vou dormir. Fique à vontade, você conhece a casa. – Perguntei mal-humorada. Eu até agradecia o fato dele ter tentando quebrar o clima ruim, depois desta conversa, mas não me usando como alvo.

— Você nunca foi boa em perder uma briga, Jen. – Ele disse um pouco mais alto, enquanto eu subia as escadas devagar.

— Quando for embora, feche a porta.

— E se eu quiser dormir aqui? – Ele já estava no pé da escada, e me encarava sério.

— Por que dormiria? – Perguntei por fim.

— Eu te disse o que queria quando começamos a conversar, Jen.

— Tudo o que eu te contei não mudou a sua opinião? – Perguntei apreensiva.

— O que mais eu preciso dizer para você? Você foi a vítima, não teve culpa. Você continua sendo a Jen. A minha Jen.

Olhei para ele novamente. Ele estava sendo sincero. Muito sincero.

— Você quer tentar de novo? – Falei por fim.

— Não tentar, recomeçar.

Mordi o lábio.

— Tudo bem... – Cedi. – Vamos tentar de novo. Quem sabe a terceira não é a vez da sorte, não é? – Sorri para ele.

A reposta que recebi foi ele galgando os degraus até chegar onde eu estava. Talvez fosse verdade, a terceira deveria ser mesmo a vez da sorte, já que o que nos separou por tantos anos, já não existia mais. Com as confissões desta noite, acabaram-se as barreiras, acabaram-se, finalmente, os segredos.


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Notas finais do capítulo

Bem... era isso. Espero que tenha ficado bom...
Quanto ao tema do estupro, quero deixar registrado que a mulher não tem culpa, ela é a vítima! Sempre será e nunca deverá ser julgada por isso! Deve-se apoiá-la. E sempre, sempre deve-se denunciar o estuprador. Um crime desses não deve ficar impune! Existem delegacias especializadas para as mulheres, onde as delegadas e delegados estão lá para ajudar, então, se você sabe de alguém que passou por isso, ou está sendo vítima de violência sexual, denuncie, apoie a vítima, elas merecem ser ouvidas e os culpados presos! Basta ligar para o número 180!

Muito obrigada a quem leu.
Até o próximo capítulo, que eu prometo será bem mais leve!
xoxo



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