Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 9
Passado – Presente - Futuro


Notas iniciais do capítulo

Bem, esse aqui ficou imenso!! Me desculpem!!
Espero que gostem. Temos a volta de Kelly!
Boa teitura!



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Se ele continuar a me encarar eu serei obrigada a atirar alguma coisa nele.  Não sei o que tanto pensa, mas posso apostar que não é coisa boa, principalmente pela cara de bobo que ele está ostentando...

E, bem, acho que eu devo estar um tanto quanto parecida, mas pelo menos não fico encarando... por mais tentador que possa parecer.

Aliás, tentação deveria ser o nome do meio dele... Senhor! O que aconteceu comigo! Eu nunca fui assim. Nem no ensino médio, ou na faculdade ou com meu noivo... definitivamente ficar presa em um ambiente tão pequeno com uma pessoa que tem toda aquela... presença, não está fazendo bem para o meu cérebro, ou seria coração?

E tudo tende a piorar, se eu levar em conta que D.C. nos ordenou discrição total, até que Zukhov apareça novamente. Isso quer dizer, menos horas na rua, mais horas dentro desse lugar. E o problema é um só, eu não posso nem tentar me refugiar no único lugar que tem espaço e privacidade sem me lembrar dele.

Eu não sei o que vou fazer! Pois a única distração que terei daqui pra frente serão as cartas de Kelly, que, com certeza, diminuirão drasticamente durante o verão. Preciso de um passatempo, urgente, ou vou enlouquecer estando sempre na mira daqueles olhos azuis!

Melhor me concentrar nas palavras de Kelly, serão a melhor das distrações

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  Alexandria, 30 de junho de 1998

Carta 03

Hei Jenny!!

Sabe, é engraçado, quando eu te mandei a última carta, eu estava realmente desesperada, sim, nesse ponto. Mas você tem um dom de conseguir me acalmar! É completamente estranho! Não sei explicar, é como se você tivesse nascido para entender a cabeça de uma adolescente, que está a milhares de quilômetros de você. Ou talvez seja só a minha cabeça querendo desesperadamente uma pessoa para desabafar, e que essa pessoa me entenda.

Não me leve a mal, tenho minhas amigas, e eu as adoro! Mas os pais delas têm empregos normais, saem para trabalhar todo dia e voltam todos os dias para a casa, e, por mais que elas sempre me escutem, elas não entendem, às vezes até queriam trocar de lugar comigo para sair da vigilância constante dos pais... E eu pensando sempre ao contrário... Mas é aquele velho ditado, né? A gente só dá valor para alguma coisa quando não a tem por perto... Mas aí, tem você, e seus conselhos de mãe... ou quase, não sei, e você não tem ideia de como me ajuda, saber que está aí para me escutar e para proteger ou tentar proteger o meu pai. Espero poder te conhecer de verdade, não só por carta ou por foto, poder conversar com você em algum lugar e te agradecer pessoalmente um dia!

Bem, mas chacoalhando a melancolia, eu tenho que desabafar mais uma vez!

O VERÃO CHEGOU!!! o/

E eu vou pro Texas... L

Você acredita que minha avó vai me tirar de perto do mar! Bem, não me lembro se eu te falei ou não, mas eu sou apaixonada pelo mar. Desde pequena, ou desde que me entendo por gente. E todo verão, nem que seja por uma semana, papai me leva à praia. É como se fosse meu carregador de energia, estar perto a água salgada e do sol escaldante. Acontece que minha avó não gosta do oceano, aliás, ela não gosta de nada que a lembre do mar, e eu tenho as minhas teorias de que o mar a lembre de meu pai, e ela e papai não são lá os melhores amigos... enfim, como a toda poderosa Sra. Fielding não gosta de praia, achou que seria uma grande ideia levar a preciosa neta para o Texas enquanto ela visita algumas amigas... que você deve muito bem saber precisar a idade! E sim, não ria. Meredith e Maddie – minhas melhores amigas – já fizeram muito isso nos últimos dias. Meu pai não serviu para nada, pedi pra ele um plano infalível para não ir para lá e ele simplesmente puxou a minha orelha via carta. Então é por isso que eu estou falando com você. Isso já aconteceu com você? Te mandaram para um lugar para onde você não queria ir? É tão injusto! Minha vontade é pegar o primeiro avião e ir atrás de vocês dois, quem sabe não estão em uma cidade com praia? Estão? Se estiver, me mande uma foto do mar, assim eu vou colar na testa da minha avó e ficar olhando, me imaginando bem tranquila e sem preocupação.

Ok, momento desabafo passou, juro! Obrigada por ler, vamos a mais uma consideração da sua carta, que sinceramente quase me matou de rir: Você acha que já não passou pela cabeça do meu pai me mandar para um convento? Mas é claro que sim! E isso aconteceu no ano passado, quando ele me pegou conversando com um menino da escola. Disse que se algo demais estivesse acontecendo ele ATIRAVA no garoto e me mandava para um convento em outro país! E, sinceramente, eu não duvido de nenhuma das opções... e olha que não tinha nada demais, a gente só tava conversando... bem, a gente ainda conversa e tudo, e agora tá mais fácil, porque papai tá longe e não pode atirar no Henry... mas pelo amor de Deus, não conta pra ele! Ou ele atira em você por saber e pega o primeiro voo pra cá só para cumprir a promessa!! Então, é aqui que te peço um conselho... conto ou não para ele? Assim, não é um namoro, a gente só se beijou no último dia aula, e nem sei se vai pra frente, ele vai viajar para o Caribe... mas, e se a gente estiver junto no outono? Será que conto? Ou você acha que papai vai dar um AVC? Seja sincera, como você falou com o seu pai sobre o seu primeiro namorado? Porque eu sinto que o meu vai surtar!! O seu surtou? Ele era militar, pelo que você falou... será que era tão bravo quanto o meu?

Eu não sei como fazer isso, e tô morrendo de medo de que papai descubra ou sei lá, ah! Ele sempre sabe de tudo!! Jen!!! Me ajuda! Por favor!

Nossa, essa carta tá imensa, e não tô nem na metade! Mais eu preciso te falar mais duas coisinhas: Eu acertei três da cinco.... tô quase lá... mas então você é ruiva... não sei o que papai tanto vê nas ruivas.... sério! Nada contra! Você é super legal, é só que, bem, minha mãe era ruiva, e, não sei se ele te falou, depois que ela morreu, ele se casou duas vezes, com duas ruivas, nenhuma delas no mesmo tom de ruivo escuro da minha mãe, mas mesmo assim... nenhum dos casamentos durou. As duas, bem... acabou mal. Diane o traiu e, antes de pedir o divórcio ainda deu uma cacetada na cabeça dele com um taco de beisebol, acho que ele ainda tem a marca. Ela era uma mala sem alça, credo. Rebecca, por outro lado, era muito mais nova que ele, e bem, nunca aceitou que ele tivesse uma filha, e o casamento não durou muito... E ele nunca falou nada sobre elas... nunca reclamou, nunca disse um A sobre o que elas fizeram com ele... Acho que ao mesmo tempo em que as ruivas o atraem, elas o machucam... deve ser a sina dele... e sabe o que ele faz para esquecer? Fica horas no porão, construindo um barco! Sério, você consegue imaginar a cena? Um barco sendo construído no porão? E sabe qual é o problema maior, não tem como tirar aquilo de lá. Não sem derrubar metade da casa! Minha avó acha um terror! E eu um meio muito estranho de lidar com decepções, mas, como te disse, papai não fala muito, acho que trabalhos manuais são sua terapia. Me pergunto como ele está indo por aí, sendo que não pode fazer nada... assim, não pode construir ou arrumar nada. Ele deve estar subindo pelas paredes... Coitada de você! Quer uma dica? Quando ele começar a murmurar algo ininteligível – o que ele faz muito – simplesmente faça uma grande xícara de café e deixe na pia, o cheiro vai atraí-lo e, enquanto ele estiver ocupado bebendo, ele te deixa em paz! É o que eu faço sempre. Leroy Jethro Gibbs de mau-humor só tem uma solução, café, preto, sem açúcar! Pode me agradecer depois!

Agora eu vou indo, senão você vai ficar com dor de cabeça da minha falação! Volto assim que for possível, seu eu sobreviver ao Texas!

Beijos,

Kelly!

P.S,: Ruiva, baixinha, ama saltos altos.

Pro meu pai ter falado tanto dos seus saltos no início, creio que deva ser daquelas pessoas super elegantes.... que só anda de roupa de grife... mas vou jogar mais uma qualidade, é teimosa igual a uma porta! Por isso chegou aonde chegou. Acertei?

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Meu Deus! Quanta informação que essa garota acaba de mandar, como vou digerir tudo isso? Três casamentos. Dois divórcios. Um barco no porão? A sogra que não gosta dele... Quem é esse homem?

O maior dos problemas? Eu não posso perguntar nada disso, sem que entregue a Kelly. Não quero que ela se meta em encrencas. Já basta o desespero dela com a famosa perguntar: “Como contar para meu pai, Marine, que tenho um quase namorado”?

Jethro vai surtar... Eu tenho certeza... Ainda bem que será por carta...

Aproveitei o momento e dei uma conferida nele, a carta que ele lia deveria ser bem mais leve que a minha, provavelmente, era só a filha pedindo ajuda para não ir ao Texas.

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França, 1998.

Carta 03

Olá Kelly!

Meu Deus!! Eu nem sei por onde começar a te ajudar no seu desespero. Não sei se digo que posso tentar amaciar o seu pai por aqui com a velha história do gato que subiu no telhado. Se te digo que você tem que preparar a sua orelha, ou se te conto a maneira desastrosa que foi quando meu pai me pegou com meu primeiro namorado...

E pode ter certeza, o Coronel impunha medo. Muito. Principalmente quando estava no seu uniforme completo, e foi vestido assim que ele me pegou... Então, pronta para voltar no tempo?

Era o meu último ano da escola. E, estava perto do baile de inverno. Eu te disse que era invisível, logo na minha primeira carta. E, por algum milagre, alguém me notou. Não era o carinha popular, o quarterback lindo que tinha lá. Mas Michael não era de se jogar fora... Não era um atleta, mas também não estava fora dos padrões de garoto lindo. E era por ele que as nerds, como eu, caiam de amores. E, um belo dia, eu estava no intervalo do almoço, lendo um dos livros indicados na aula de francês quando ele chegou. Parou do lado da minha mesa e perguntou se poderia sentar.

Te juro que até hoje não consigo lembrar o que respondi para ele. Mas, o certo é que ele se sentou e, do nada, começou a puxar papo comigo. Na mesa estávamos eu e mais uma amiga, também nada popular. Ela tinha os olhos esbugalhados, sabe, coisas assim não aconteciam conosco. Filhas de militares que viviam se mudando, dificilmente conseguiam chamar a atenção de alguém. Acontece que eu consegui. Confesso que, na hora, eu achei que era algum tipo de pegadinha, ou qualquer outra peça que poderiam querer pregar em mim. Mas não era. Michael estava me convidando para ser o par dele no Baile. Eu iria ao baile! Meu primeiro baile. Com o garoto por quem eu tinha uma queda. Era bom demais pra ser verdade. Eu sabia que meu pai não estava no país, mas mesmo assim não me importei, pela primeira vez em todo o ensino médio, eu iria ao baile. Cheguei em casa, já em Georgetown, que é onde nasci, nas nuvens. A primeira coisa que fiz foi contar para a governanta/empregada/babá que tinha praticamente me criado, Noemi. Ela ficou tão feliz quanto eu, e prometeu que iria me ajudar com o vestido, a maquiagem, o sapato...

Nunca duas semanas demoraram tanto para passar, e quando finalmente o sábado do baile chegou, eu posso te falar que eu estava bonita. Michael combinou de me pegar em casa, e, consequentemente, me deixar lá também. O baile nem foi tudo isso, mas eu adorei cada segundo. Adorei estar em um vestido longo, com os saltos mais altos que conseguia andar – nada comparado com os que eu uso hoje, os de agora são mais altos – maquiada e com o cabelo perfeito. Então teve as danças e, bem, você pode imaginar quantos beijos... meu primeiro!! Não ria! Sei que você quer fazer isso, sim, eu já tava quase na faculdade quando dei o meu primeiro beijo...

Aí o baile acabou, e, como eu não tinha um pai me esperando em casa, resolvi dar uma esticada no toque de recolher, e fomos para uma lanchonete, na verdade, para o McDonald’s. Ficamos um tempo jogando conversa fora, falando para onde íamos no próximo outono. As nossas escolhas eram quase as mesmas... E eu comecei a sonhar com um possível namoro.  Não sei o que passava na cabeça dele, mas eu era uma romântica incorrigível naquela época.

Ele me levou para casa, e ainda ficamos mais um tempo conversando dentro do carro dele... não fizemos nada demais, só uns beijos e, talvez um ou outro amasso, mas nada demais. Foi quando aconteceu... Alguém apareceu com uma lanterna, focou bem na janela do carona, ou seja, do lado onde eu estava, e mirou nos olhos de Michael. Na hora eu achei que fosse um assalto e estava pronta para gritar por ajuda, pois a pessoa tinha acabo de tirar uma pistola e batia com ela no vidro... Eu estava apavorada! Mas então, eu reconheci a voz. Era meu pai, e ele, realmente furioso, como eu nunca tinha visto, completamente vestido em seu uniforme, começou a gritar com Michael, dizendo que, se um dia ele quisesse ter filhos, era melhor não tocar em mim!

Eu não sabia o que fazia. Estava morta de vergonha pelo que estava acontecendo, caramba, era meu primeiro encontro. E estava morta de medo do meu pai, pelo mesmo motivo!! Resumindo o final da história, meu pai me tirou à força do carro, quanto Michael foi se apresentar e tudo, meu pai mirou a pistola bem na cabeça dele! Eu tentei entrar na frente, mas quando dei por mim, Michael corria para o carro dele e arrancou sem dizer mais nada... Meu pai me colocou de castigo, por dois motivos, primeiro não ter contado a ele que eu iria ao baile, segundo por ter ficado namorando na rua um garoto covarde que nem aquele até o dia amanhecer.

Nem preciso te dizer que Michael nunca mais olhou na minha cara, né? Mas também não contou pra ninguém o que aconteceu... já que ninguém falou nada... Depois disso, só fui namorar de verdade no segundo ano de faculdade... e que custo foi o dia de Ação de Graças... mas fica para um outro dia essa aí... é claro que deu problemas...

Então, como pode notar, não vai ser fácil, ser a princesa do papai, tem esses problemas. Mas pelo menos o seu pai não vai aparecer de supetão, no uniforme completo, enquanto você dá uns amassos... Mas eu também não duvido que ele possa atirar no Henry... é bem a cara de Jethro deixar o seu namorado sair correndo e com toda a paciência do mundo colocar ele na mira do revólver...

Acontece que, por mais enciumado que seu pai fique, ele SABE que você tem que viver a sua vida. E que, mais cedo ou mais tarde, você vai viver por conta própria, vai ter seus acertos e erros. Vai ter seus amores e seus corações partidos. Pois a vida é assim... Contudo, fica tranquila, que por enquanto, se depender de mim, ele não fica sabendo de nada, mas se o namoro for para frente, eu só te peço uma coisa, CUIDADO! Não queira apresentar o seu namorado para o seu pai e, no mesmo dia, dizer que ele vai ser avô não, porque isso ele não aguenta, e não vai ter ninguém no mundo que o segure se isso acontecer...

Sempre que precisar, pode escrever, não tenho um currículo muito extenso no quesito namoro, mais tive desastres amorosos que acertos, mas posso te ajudar, se não puder te dar conselhos, posso, pelo menos te ouvir! Só te peço uma coisa, não entregue o coração de uma vez!

Quanto a sua viagem ao Texas, juro, eu não ri do seu desespero, sei o que é viajar para algum lugar que não quer ir, a casa dos meus avós! Céus, eu odiava passar o natal no meio do nada e do lugar nenhum!!! E foi assim por dezoito longos anos..., mas voltando ao seu desespero, eu morei em lá por um tempo, seis meses para ser exata, devia ter o que, uns nove anos... Não gostei muito, quente e seco, com todo aquele deserto... É realmente um lugar péssimo para quem é apaixonada por água como você parece ser, principalmente se você for para o oeste, mas se ficar perto do litoral, acho que você ainda consegue pegar uma praia, e eu aposto que essa sua paixão pelo mar deve ser herança de seu pai, não é? Aposto que vocês dois tiveram muitos momentos bons na praia para ser o seu local preferido para relaxar...

Agora, me conta uma coisa, como você explica para as suas amigas que você tem um barco no porão da sua casa? Kelly, eu não consigo imaginar a cena... acho que só vendo para acreditar... é algo muito surreal! Eu tive que fazer um esforço tremendo para não começar a rir quando eu li, até porque seu pai estava por perto e tenho certeza que ele iria me perguntar o que você escreveu que era tão engraçado... enfim, isso deve ser uma história e tanto entre vocês...

Bem, para te deixar mais feliz, estou te mandando fotos novas, são da cidade de Marselha, e sim, é a beira-mar e não, não tente pegar o primeiro avião para cá, a menos que queira o seu pai falando na sua cabeça por, pelo menos, uns noventa anos...Também vou te mandar uma outra coisa, espero que goste, seu que seu pai já te enviou um anel, então acho que isso vai servir também.... quando vi achei a sua cara, mas seu pai não faz a menor ideia do que é... espero que sirva!!

Para acabar, não sou essa tábua de salvação que você pensa, mas estou aqui para te ouvir e tentar te ajudar, e como eu te disse, seu pai e eu estamos fazendo aquilo para o qual fomos treinados, sabemos nos cuidar. Então, aproveite a sua vida e não se preocupe conosco. Vamos ficar bem!! Estamos bem!

Boa viagem ao Texas, não morra de tédio com as senhorinhas fazendo crochê e achando que você já deveria estar casada e com, no mínimo, cinco filhos! Você vai voltar inteira para Alexandria, e quem, sabe, ainda consegue convencer a sua avó a te levar a alguma praia... sei lá, o verão é extenso, pode acontecer uma onda de calor e ficar insuportável por aí... e a única maneira de se refrescar seja uma boa ida à praia, afinal, quem aturou o calor do Texas, não tem que aturar uma onda de calor no meio de Washington!

Até a próxima!

Beijos,

Jenny.

P.S.: Você acertou, sou teimosa... muito! Falta uma!

P.S.2: Obrigada pela dica do café.... quando seu pai estiver implicante vou usar isso com ele!! E se nada der certo, eu quebro alguma coisa só para que ele tenha algo para fazer!

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 O que ela tanto ri? O que Kelly escreveu naquela carta para fazer Jenny quase engasgar com o copo d’água enquanto estava lendo... A que ponto Kelly está se abrindo para uma completa estranha, ao menos para ela?

Não sei se fico preocupado com a minha filha se abrir tanto assim com Jen, ou se fico aliviado, pois há certas coisas que eu realmente não quero saber... até hoje tenho calafrios de lembrar de como aquele garoto estava bem à vontade perto de Kelly no último ano... eu ainda acho que deveria ter atirado nele...

Bem, com certeza observar as expressões de Jenny enquanto lê as cartas de minha filha é uma visão e tanto, e, ainda mais agora que ela está totalmente concentrada em escrever a sua resposta. Sua mente parece ter voltado no tempo, para algo que aconteceu e que, talvez na época não tenha sido bom, mas que hoje ela acha engraçado de reviver....

Bem, seja lá o que for, eu ainda descubro, mais cedo ou mais tarde, nós dois não teremos muito o que fazer aqui dentro. Ou ela me conta o que é tão engraçado em seu passado, ou, bem, não teremos muito o que fazer.

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Alexandria, 30 de junho de 1998.

Carta 10

Oi pai!!

Eu poderia começar essa carta toda feliz, dizendo que o verão chegou e que eu estou contando os dias para mais uma viagem para a praia onde irei recarregar as baterias. Mas não vou. Eu disse poderia, lembra?

E isso tudo porque a sua sogra, e eu estou me recusando de chama-la de avó, está me obrigando a ir para o Texas com ela. Com ela e com mais duas amigas dela, de não sei onde... Eu serei uma adolescente no meio do asilo...

E não adiante revirar os olhos, suspirar ou até mesmo levantar a sobrancelha direita em direção à carta. Eu estou, sim, fazendo drama. E como o senhor não me deu nenhum plano infalível para me livrar dessa viagem ao fim do mundo, ou seria ao princípio pela idade de minhas acompanhantes? Eu vou te encher a cabeça com o meu chororô! Poxa, pai, eu fiz o que o senhor falou, enchi um monte de mala, e sabe o que a Sra. Fielding disse? “Ainda bem que puxou a mãe, pelo menos nesse ponto!” Sim, ela adorou saber que eu herdei a minha inabilidade de fazer uma mala de mamãe. E ainda falou que eu levasse o que fosse preciso, ela não se importaria.

Eu quis gritar com o senhor depois dessa. Mas o senhor não está aqui. E eu não tenho um número para te ligar... então eu resolvi escrever... para você. Para reclamar... para te dizer que: POR QUE?

Pai eu só queria ir para a praia. Eu só queria ficar lá, sem fazer nada, tomando sol, tentando pegar uma cor. Não passar três semanas do meu verão enfiada na casa de alguma pessoa que não conheço, que provavelmente vai perguntar para a minha avó o quanto eu sou parecida com a filha dela... E sabe o que vou fazer, ser a sua cópia e ficar mal-humorada. Vivam com isso.

Bem, estou te mandado uma cópia do meu boletim... viu só, sua filhota foi muito bem nesse ano. Passei em tudo, e, na formatura, que eu também tô te mandando algumas fotos (mostra para a Jenny, esqueci de comentar com ela!!), fui escolhida a melhor da turma... pode dançar por mim aí!! Fui A aluna do ano, não que isso signifique popularidade, mas significa que já tem Faculdade de olho em mim. A diretora me disse quando me entregou o meu diploma... e só isso me deixou com o estômago enjoado... sei lá, a perspectiva de sair de casa ainda me assusta... quem vai cuidar do senhor? Quem vai cuidar de mim? Não sei... pensar no futuro me dá calafrios...

Mas eu não quero passar o verão assim. Sei que já se passaram seis meses, daqui a pouco o senhor tá de volta... se tudo der certo, e aí a gente pode conversar!! Estou contando os dias e com saudades!!!

Deixe-me ir que a sua sogra tá me chamando... estou indo para o purgatório...

Beijos!

Kells

P.S.: Mostre as fotos para a Jenny! Eu vou perguntar para ela!!!

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 Peguei as fotos que Kelly tinha mandado e fiquei olhando... como passou tão rápido? Como foi que ela cresceu tanto? Passei a mão pela foto como se pudesse tocar a minha filha.  A saudade nunca fora tão grande quanto agora. Era a primeira formatura que eu perdia dela desde que Shannon se fora... era a primeira formatura dela no ensino médio, mais duas e ela estaria indo para a Faculdade, para longe de mim.

Devo ter ficado por um bom tempo observando as fotos, olhando cada detalhe da minha filha e vendo de onde ela herdara suas características e torcendo para que a grande maioria fossem da mãe. Eu gostava de pensar que, apesar de Shannon já ter partido, uma grande parte dela ficou em Kelly. Às vezes eu via isso, outras não. Mas esse sorriso, a forma como minha filha se arrumara, me lembrou da primeira vez que vi a mãe dela, de quando eu conheci o amor da minha vida...

E, eu me permiti voltar no tempo, quando as coisas eram mais simples, mas nem tão fáceis, mas pelos menos tínhamos um ao outro. Éramos Shannon e eu contra uma cidade do interior. Cidade para a qual não voltamos mais....

Decidi voltar ao presente. Lembrar de tudo aquilo, lembrar da dor de saber como eu perdera a minha esposa não ajudava em nada. Aonde quer que ela esteja, eu sei que ela entendia o motivo de eu estar tão distante de nossa filha. E por algumas horas, distante dela também...

Levantei-me do sofá e fui para mesa, tinha a intenção de escrever a resposta para Kelly, mas me vi em outra encruzilhada. E Jenny? O que ela era para mim? O que nós éramos? Apenas duas pessoas que não tinham o que fazer e, que de alguma forma tinham que extravasar? Ou éramos...

Não. Não éramos nada. A noite... toda aquela noite e essa manhã, o que significam para mim? Porque, querendo ou não, eu dei o primeiro passo. Fui eu quem agiu por impulso no iate, eu fiquei com ciúmes de uma mulher que não era minha, mas que poderia ser, fui eu quem diminui a distância entre nós quando eu notei que ela queria o mesmo que eu... Não, Jen era a minha parceira, ou era mais do que isso?

Ponderei essas questões enquanto a vi perdida em um livro... estava sentada na mesma cadeira onde a vira pela manhã. Mas ela notou minha presença.

— Alguma coisa errada? Você está estranho desde cedo...

— Nada...  – Tentei olhar no fundo de seus olhos verdes para ver se conseguia lê-los. Não havia nada demais ali, apenas preocupação, sincera preocupação.

— Jethro... Você está me assustando! Kelly está com algum problema?

— Não, Jen... Kelly está bem. Pediu que te mostrasse isso. – Entreguei as fotos para ele, e o boletim foi junto.

Jen abriu o maior dos sorrisos ao ver as fotos, como se ela conhecesse a minha filha há anos e tivesse participado de todo a sua formação acadêmica até aqui.

— Tá aqui uma coisa que não se vê todo dia! – Ela comentou.

— O que? – O que ela tinha notado nas fotos que eu não tinha notado?

— Alguém que fica bem vestindo essa beca horrorosa do ensino médio! Jethro, você tem uma filha linda!

— Ah, isso.... – Eu tinha notado que Kelly tinha ficado bem na beca, mas achei que era coisa de pai.

— Sim, isso. E olha o tamanho do sorriso orgulhoso que você tem agora! Isso porque é o primeiro ano do ensino médio, imagina quando ela graduar na faculdade! Alguém vai ter que te amarrar no chão para você não inflar e sair voando de tanto orgulho!

— Nem é para tanto! – Eu disse e tentei mudar de assunto, mas ela insistiu.

— É sim, com essas notas aqui, sua garota vai para a Ivy League com certeza. O que ela vai fazer, já sabe?

— Medicina. – Eu respondi sem jeito.

— Ducky vai ficar feliz de saber que alguém vai dividir a profissão com ele! – Ela sorriu. – E então, vai mandar algum presente de formatura para ela?

 -Não pensei nisso...

— Então pense. E rápido, pois ela merece... ganhou até honra ao mérito de melhor aluna!!

— Alguma dica? – Perguntei pedindo por ideias.

— Eu vou mandar algo para ela... mas você tem que comprar O presente... e Marselha tem muitos lugares para isso...

— Você comprou algo para Kelly? –  Me surpreendi com o gesto dela.

— Por que a surpresa? Não é nada demais, é só que achei a cara dela... Vou mandar junto com a carta e rezar para chegar antes da viagem dela para o Texas! Sua resposta já está pronta?

— Ia fazer isso agora.

— Ótimo! Escreve aí e depois saímos para você comprar um presente para ela, e, assim, podemos enviar as cartas e os embrulhos!

E, nessa animação, Jen saiu em direção ao quarto. E não pude deixar de notar que, se eu a tivesse conhecido antes, talvez não tivesse errado em me casar duas vezes. Só uma teria sido suficiente...

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Algum lugar da Europa, 1998.

Carta 08

Filha...

Tenho que começar te dando os parabéns, não só por suas notas, mas pela conclusão de mais um ano escolar. Sinto muito não ter estado presente nessa, filha. Espero que você me perdoe um dia.

Você não tem como imaginar o quão orgulhoso estou dessa sua conquista. Foi uma das melhores notícias que você poderia ter me mandado, apesar de que nunca duvidei que você era mais do que capaz de fazer isso. Mas me orgulho mesmo é da jovem responsável que você está se tornando. Mesmo eu não estando por perto nos últimos meses, você continuou focando e estudando com o mesmo afinco. Sua mãe, onde ela estiver, está orgulhosa de você, Kelly. Assim como eu estou.

Antes de me perguntar, acabei de mostrar as fotos para a Jenny. Ela deve te falar alguma coisa, não sei se nessa carta ou na próxima. Mas ela está animada por você.

Agora, eu quero te pedir uma única coisa: Aproveite o seu verão. Aproveite as suas férias. Descanse, mesmo que em um lugar para onde você não queria ir. Recarregue as baterias. Seja você e não fique o tempo todo dentro de casa lendo livros ou vendo TV como você costuma fazer... Aproveite seus últimos anos sem preocupação, filha!! Por favor. Espero que nas próximas férias eu já esteja por aí, e, então, poderemos viajar.

Novamente, meus parabéns.

Estou com saudades.

Papai.

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Saí do quarto, e me deparei com Jethro olhando para a carta que ele acabara de escrever... estava tão concentrado que sua testa estava até franzida. Não sabia se o chamava ou não... mas a hora estava passando e eu queria enviar a carta e o embrulho para Kelly ainda hoje..

— E, então, podemos ir, ou você ainda não terminou? – Perguntei tranquilamente.

Ele saiu de seu transe e me olhou.

— Quase tudo pronto.

— Você está com um ar de nostalgia... muita coisa para absorver?

— Você não faz ideia.... – Ele me deu um sorriso que ficou entre o triste e o forçado. Não gostei. Mas deduzi que tudo isso deveria trazer lembranças da ex-esposa. Eu realmente não sabia o que ele estava passando.

— Não fique pensando muito no futuro, Jethro. Não sofra por algo que não aconteceu. – Eu disse a ele.

Gibbs me encarou e levantou a sobrancelha, um pedido mudo de explicação.

— Kelly ainda está em casa. E vai ficar por mais dois anos... não sofra pela partida dela. Não ainda. Nada que pensar ou fizer hoje vai amenizar a saudade que você irá sentir quando ela se for para a Faculdade. Tente viver o presente... pelo menos o quanto dele lhe é possível.

— Você tem certeza que está na profissão certa? – Ele me questionou enquanto rumava para a porta e a segurava aberta para mim.

— Sabia que a sua filha fez quase a mesma pergunta na carta dela...

— Isso mostra que ela é mesmo a minha filha. – Ele sorriu orgulhoso.

Suspirei. Mais tentando segurar a risada do que tudo.

— Então, senhor pai orgulhoso do ano, o que você vai comprar para a sua filha?

E com essa eu o peguei...

— Não tenho a menor ideia! – Ele disse sincero.

— Ainda bem que eu estou aqui então, não é? – Passei por ele e desci as escadas o mais rápido que pude. A sensação de poder sair daquele sótão era libertadora.

 - Nãos se ache tão importante assim, Shepard. – Escutei ele murmurar mal-humorado. Na volta eu teria que fazer uma caneca extra grande de café para ele!


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Notas finais do capítulo

Já disse e repito. A única parte boa de NCIS nunca ter explorado o passado de Jenny é que eu posso construí-lo como bem entendo. Então, essas lembranças são todas ideias minhas.
E agora, como Kelly vai contar para Gibbs que tem um namorado? Como ele vai reagir? Como será que Jenny vai reagir ao ver Gibbs surtando?
Cenas dos próximos capítulos!
Muito obrigada por lerem!!
Até o próximo!



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